Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1621/20.0T8PVZ-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ANA VIEIRA
Descritores: PROVA PERICIAL
OBJECTO DA PERÍCIA
SEGUNDA PERÍCIA
Nº do Documento: RP202402221621/20.0T8PVZ-A.P1
Data do Acordão: 02/22/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMAÇÃO
Indicações Eventuais: 3. ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - A prova pericial tem por finalidade a percepção ou apreciação de factos por meio de peritos, quando sejam necessários conhecimentos especiais que os julgadores não possuem.
II - O direito à prova constitucionalmente reconhecido (art. 20.º da CRP) faculta às partes a possibilidade de utilizarem em seu benefício os meios de prova que considerarem mais adequados.
III - Realizada a perícia e notificado o respectivo relatório às partes, o legislador estabeleceu duas formas diversas de reacção que são distintas e compatíveis: a reclamação nos termos do artigo 485.º (no caso de existirem deficiências, ou contradição ou obscuridade no relatório) e a realização da segunda perícia nos termos do artigo 487 do CPCivil.
IV - A prova pericial, está sujeita, na respectiva produção, a um determinado número de regras de direito probatório formal.
V - Qualquer das partes pode requerer se proceda a segunda perícia, alegando fundadamente as razões da sua discordância relativamente ao relatório pericial apresentado (artigo 487º do CPcivil.
VI - Apresentando a parte requerimento enunciando os aspectos que considera deverem ser corrigidos o tribunal deve deferir a realização da segunda perícia, independentemente de avaliar se existe fundamento valido para essa discordância, sendo que só o carácter dilatório ou sem qualquer fundamentação constitui causa de indeferimento do requerimento para realização de segunda perícia.
VII - A segunda perícia tem por objeto a averiguação dos mesmos factos sobre que incidiu a primeira e destina-se a corrigir a eventual inexatidão dos resultados desta.
VIII - A reclamação deduzida quanto á prova pericial, que visa complementar ou dar coerência á perícia, será indeferida, quando não se demonstre qualquer deficiência concreta ou obscuridade ou contradição no relatório pericial, ou quando essa reclamação ultrapasse o objecto pericial e esteja apenas a ampliar ou a modificar o seu objecto fixado.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 1621/20.0T8PVZ-A.P1
Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto, P.Varzim - JL Cível - Juiz 1


Relatora: Ana Vieira
1º Adjunto Juiz Desembargador Dr.ª Maria Isoleta Almeida Costa
2º Adjunto Juiz Desembargador Dr.ª Isabel Rebelo Ferreira
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Sumário
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Acordam no Tribunal da Relação do Porto:


I - RELATÓRIO

Nos autos de processo de inventário em que são inventariados, AA e BB, em que é cabeça de casal CC, e interessados DD, EE E FF, foi proferido a 29/9/2023 o despacho recorrido com o seguinte teor: « Fls. 130: Fixa-se a título de honorários, ao Sr. Perito, o valor indicado na respectiva nota - artigo 17º, n.º 4 do R.C.P. e Tabela IV anexa. D.N., sendo os pagamentos a adiantar, se necessário, pelo IGFEJ. Notifique.
***
Requerimento de 04-09-2023: Notifique os interessados DD, EE e FF para indicarem as razões da não aceitação do valor atribuído aos bens cuja avaliação requerem, nos termos do artigo 1114º, n.º 1, parte final do C.P.C. Notifique.
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Requerimento de 12-09-2023:
Tal como consta do despacho proferido em 02-06-2023, ao abrigo do disposto no artigo 487º, nº s 1 e 3 do C.P.C., a segunda perícia tem o mesmo objecto da primeira.
A primeira perícia teve como objecto a avaliação das benfeitorias descritas sob as verbas n.ºs 1 e 2 do passivo da relação de bens (cfr. fls. 41) e descritas no requerimento de 27-06-2022, de fls. 80 a 81 – cfr. despacho de 19-09-2022.
No 2º relatório pericial, de Agosto de 2023, o Sr. Perito procedeu à avaliação solicitada e explicou os critérios por si utilizados.
Por outro lado, os demais esclarecimentos solicitados no requerimento de 12-09- 2023, extravasam o objecto da perícia determinada e, por conseguinte, não relevam para a boa decisão da causa.
Pelo exposto, indefere-se o requerido.
Notifique.».
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Inconformados com o teor parcial do referido despacho vieram os interessados DD, EE E FF, interpor recurso, tendo apresentado as seguintes conclusões:« … CONCLUSÕES:
(…)
CC, recorrida juntou contra-alegações pugnado em resumo pela manutenção do despacho recorrido.

Foi proferido despacho que admitiu o recurso interposto pelos interessados nos seguintes termos: « Por ser admissível (artigo 629º, nº 1 do C.P.C.), ter sido interposto por quem para tal tem legitimidade (artigo 631º do C.P.C.) e em tempo (artigo 638º, do C.P.C.), admito o recurso interposto com o requerimento de 19-10-2023, de fls. 149 e seguintes, o qual é de apelação (artigo 644º, n.º2, al. d) do C.P.C.), com subida em separado (artigo 645º, n.º 2 do C.P.C.) e com efeito meramente devolutivo, atendendo a que execução imediata da decisão, face ao seu objecto e teor não causará prejuízo considerável aos recorrentes (artigo 647º, nº 1 e 4 a contrario sensu do C.P.C.) - (artigo 1123º, n.º 1 do C.P.C.)…».
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da recorrente, não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso – cfr. arts. 635º, nº 4, 637º, nº 2, 1ª parte e 639º, nºs 1 e 2, todos do Cód. Processo Civil.
Porque assim, atendendo às conclusões das alegações apresentadas pelos apelantes, resulta que a questão a analisar visa determinar da manutenção do despacho indeferiu o pedido de esclarecimentos deduzido pelos apelantes quanto ao relatório pericial da 2ª perícia..
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III- FUNDAMENTOS DE FACTO

Os factos a ter em conta são os acima referidos no relatório, para além de resultar dos autos certificado o seguinte, a parte atinente ao recurso:

A - A cabeça de casal na relação de bens que apresentou junta como passivo as seguintes verbas: «..





B - Perante a relação de bens EE, interessado e melhor identificado nos autos de inventário veio apresentar reclamação quanto ás benfeitorias nos seguintes termos: «.., citado que foi, vem apresentar reclamação à relação de bens apresentada pela cabeça de casal, nos termos e com os fundamentos seguintes o DO VALOR DO PASSIVO RELACIONADO
1 – Impugna-se o valor atribuído às benfeitorias da verba 1 e 2 por não corresponderem à realidade.
2 – Impõe-se a avaliação das benfeitorias relacionadas sob as verbas 1 e 2, devendo as mesmas serem avaliadas por perito, sugerindo-se para o efeito que a perícia seja realizada pelo Eng. GG, com domicílio na Rua ..., ... ..., Esposende..».

D- Foi proferido nos autos a 13/6/2022 o seguinte despacho: «.. Antes de mais, atento o alegado em II da reclamação à relação de bens (cfr. fls. 57 verso), notifique a cabeça-de-casal para descrever as benfeitorias por si realizadas e indicadas sob as verbas n.ºs 1 e 2 do passivo da relação de bens (cfr. fls. 41). Notifique…»
E- A cabeça de casal nessa sequência junta o seguinte requerimento: «… Cabeça de Casal nos autos de inventário à margem identificado,
Notificada para descrever as benfeitorias das verbas I e II do passivo, vem dizer o seguinte:
1 A cabeça de casal já descreveu todas as benfeitorias realizadas nas referidas verbas aquando da sua resposta à reclamação de bens, apresentada em 18/01/2022;
No entanto, sem prescindir, renova as benfeitorias já indicadas;
2 Quanto à verba 1 do passivo, correspondente às benfeitorias úteis e necessárias realizadas na moradia identificada como verba 41 do ativo (casa de habitação, sita na Rua ..., ... ..., Póvoa de Varzim, inscrito na matriz sob o artigo ...89.º urbano da União das freguesias ..., ... e ...), a cabeça de casal, procedeu, a expensas suas, pelo menos:
No exterior
a) À execução do novo reboco em pares exteriores, incluindo picagem do existente;
b) Ao assentamento de cantarias em granito;
c) Ao assentamento de orlas em granito nos vãos exteriores;
d) À impermeabilização da cobertura da caixa de escada interior;
e) À reparação da caixilharia de madeira, incluindo pintura de manutenção anual;
f) À aplicação de produto hidrofugante em cantarias exteriores;
No interior
g) À execução de lajes pré-esforçadas nos pisos inferiores da casa;
h) Ao revestimento, em granito, da escada interior da casa;
i) À execução do rodapé e corrimão na escada interior;
j) À aplicação de soalho em madeira, incluindo o envernizamento;
k) À construção das casas de banho, incluindo peças sanitárias e acessórios;
l) À aplicação de portas interiores em madeira;
m) À aplicação de nova porta da entrada principal, em madeira;
n) À reabilitação da porta metálica de acesso à escadaria exterior;
o) À pintura de tetos e paredes interiores,
3.º
Quanto à verba 2 do passivo, correspondente às benfeitorias úteis e necessárias realizadas no edifício de apoio agrícola no prédio identificado como verba 46 do ativo (prédio rústico, denominado “Campo ...”, inscrito na matriz sob o artigo ...94.º rústico da União das freguesias ..., ... e ...), a cabeça de casa, procedeu, a expensas suas, pelo menos:
a) Ao aumento da área da vacaria;
b) À reparação do telhado, incluindo a estrutura do barracão nascente encostado à casa;
c) À execução do telhado do barracão limite sul do logradouro;
d) À pavimentação do pátio em betonilha de cimento sobre base, incluindo armadura em malhasol;
e) À construção da sala de ordenha e tanque de armazenagem;
f) Às obras de beneficiação da zona da vacaria, incluindo estrutura, cobertura, fossas, vigamento do piso, cubículos, manjedouras e pavimentos interiores;
g) À pavimentação do parque exterior da vacaria;
h) À construção do silo exterior em estrutura de betão e paredes de blocos de cimento;
i) À execução do portão metálico no topo do silo;
j) À construção do galinheiro;
k) À reparação da estrutura e cobertura do varandão da eira;
l) À execução de um furo de captação de água com a profundidade de 148 m, incluindo o sistema de bombagem;
m) À execução de tubagem e poço de limpeza de drenagem da mina do poço, incluindo o motor de rega;
n) À execução da baixada eléctrica;
o) Reforçou todas as ramadas com arame e vigas novas, plantando novas videiras;.».

F- A 19/9/2022 foi proferido nos autos de inventário o seguinte despacho: «..Atendendo ao fundamento invocado, defere-se a requerida avaliação das benfeitorias descritas sob as verbas n.ºs 1 e 2 do passivo da relação de bens (cfr. fls. 41) e descritas no requerimento de 27-06-2022, de fls. 80 a 81, a efectuar por perito único (cfr. artigo 1114º, n.º 1 do C.P.C.). Para o efeito, nomeio como perito desde já a pessoa idónea que vier a ser indicada pela secção. Prestação de compromisso de honra pelo Sr. Perito mediante declaração escrita, podendo constar do relatório pericial (artigo 479º, nº 3, do C.P.C.). Prazo para realização da perícia: 30 dias. Remeta cópia dos pertinentes elementos e dê conhecimento ao Sr. Perito. Notifique.,..».

G- Foi junto o relatório pericial composto por 9 paginas no qual consta uma avaliação para cada verba indicada, cujo teor aqui se dá por reproduzido.

D- Juntou igualmente o seguinte requerimento: «… DD, requerente e interessado nos autos de inventário à margem referidos, notificado do teor do relatório pericial, vem dele reclamar e requerer os seguintes esclarecimentos, nos termos do disposto no artigo 485º do CPCivil, sem prescindir do requerimento da segunda perícia já peticionado:
- QUANTO AO VALOR DAS BENFEITORIAS:
1. O Ex.mo Sr. Perito avaliou as benfeitorias através de um cálculo multiplicando um determinado valor por metro quadrado.
2. Não se alcança o critério que o mesmo utilizou para alcançar o valor pelo qual multiplica o m2. .
3. As benfeitorias realizadas na casa de habitação são de materiais de fraca qualidade sendo que ao invés de beneficiar, com excepção da laje, retiraram valor ao prédio como um todo.
4. De notar que a casa de habitação nem sequer possui logradouro, facto que o Exmo Sr. Perito deveria considerar e ter em conta numa avaliação global e não numa avaliação totalmente descontextualizada.
5. Pior ainda se verifica na vacaria (verba nº 2) cujas construções não possuem qualquer valor comercial.
6. As mesmas serviram a interessada na sua actividade de exploração agrícola.
7. Para além do mais, tais construções que servem a actividade da interessada que as construiu não servem para rigorosamente mais nada a não ser a referida actividade, se a mesma for passível de legalização, o que muito se duvida, atendendo à sua localização e a todas as condicionantes que existem face ao actual regime.
8. Assim as referidas benfeitorias em nada beneficiam o prédio, pelo contrário, ainda acresce o custo da sua demolição!
9. Não possuem qualquer valor comercial.
10. Impugnam-se veemente os valores atribuídos às benfeitorias.
Questiona-se a Sr. Perito, o seguinte:
i. Que critérios assentou o Sr. Perito na fixação de preço por m2 das benfeitorias tendo em consideração os materiais de construção, o estado de conservação, a utilidade das mesmas?
ii. Qual o método utilizado pelo Sr. Perito para avaliar a taxa de depreciação?
iii. Qual o método que foi aplicado na depreciação das construções em função da idade, finalidade e das características construtivas?
iv. Qual o nível de qualidade arquitetónica e estado de conservação das construções?
v. Qual é o critério na fixação do preço por m2?
FACE AO EXPOSTO,
i – Deverá considerar-se procedente a presente reclamação;
ii – Deverá o Ex.mo Sr. Perito prestar os supra referidos esclarecimentos…»


G- Nessa sequência foi proferido o seguinte despacho: «.. Atendendo aos fundamentos invocados, notifique o Sr. Perito para prestar os esclarecimentos solicitados no requerimento de 21-12-2022, de fls. 105 a 106. Notifique.
Oportunamente, após a prestação dos esclarecimentos solicitados ao Sr. Perito será apreciado o requerimento de realização de 2ª perícia formulado em 19-12-2022, de fls. 103 a 104. Notifique.«.

H- O Sr. Perito juntou os seguintes esclarecimentos:«.. ESCLARECIMENTOS
- Quanto ao valor das benfeitorias
1- O Perito no relatório inicial respondeu aos quesitos formulados, orçamentando as mais valias referenciadas.
2- Os valores unitários apresentados são valores correntes de mercado para a execução das tarefas.
3- No relatório inicial não foi determinada qualquer taxa de depreciação.
4- Os valores determinados no relatório inicial são valores correntes para o tipo de construções existentes..»

G- Após a junção dos preditos esclarecimentos DD, junta o seguinte requerimento: «… notificado do teor do relatório pericial, vem requerer a V.ª Ex.ª ao abrigo do disposto no artigo 487.º do CPCivil a realização de segunda perícia, uma vez que se entende que a mesma se encontra totalmente desajustada face ao que se encontra no local objecto de perícia.
Não se concorda nem se compreende o método utilizado na avaliação face ao tipo de benfeitorias em causa, nomeadamente, quanto à vacaria, atendendo a todas as condicionantes da mesma que deveriam ter sido verificadas, limitando-se o Sr. Perito a realizar um cálculo por metro quadrado sem qualquer tipo de esclarecimento, nem explicação dos valores apresentados, apresentando um relatório com nove páginas.
Com o devido respeito, somos do entendimento que o Sr. Perito descurou a complexidade e envolvência das benfeitorias em apreço.
Pela leitura do relatório pericial , depreende-se que as benfeitorias foram avaliadas tendo em consideração única e exclusivamente o valor / m2, pelo que é incompreensível o valor atribuído às mesmas, não se verifica qualquer explicação do método, qualquer depreciação face ao estado das mesmas e tempo decorrido, o que é incompreensível, nem qualquer análise das obras, da sua utilidade, se as mesmas se encontram licenciadas e/ou se são passíveis de licenciamento, entre outros aspectos que deveriam ser abordados num relatório pericial completo e esclarecedor.
Ora, a avaliação das “benfeitorias” tem de ser aferida num todo, nomeadamente no contexto que as mesmas trazem ao prédio, se beneficiam ou se pelo contrário constituem uma menos-valia para o mesmo. Tudo tem de ser apreciado e valorado!
Ou seja, o Sr. Perito a título de exemplo em avaliação às benfeitorias procede ao seguinte:
“a) Aumento da área da vacaria
Resposta – 100m2 x 300,00€ = 30.000,00€
b) Reparação do telhado, incluindo a estrutura do barracão nascente encostado à casa:
VG....... 10 200,00€
c) à execução do telhado do barracão limite sul do logradouro
VG....... 5 700,00€
d) pavimentação do pátio em betonilha de cimento sobre base incluindo armadura em malhasol:
Resposta – 410,35 m2 x 15€ = 6155,25€
e) construção da sala de ordenha e tanque de armazenagem
Resposta
VG...... 14 700,00€
f) obras de beneficiação da zona da vacaria incluindo estrutura, cobertura, fossas, vigamento do piso, cubículos, manjedouras e pavimentos interiores
VG....... 20700,00€
h) construção do silo exterior em estrutura de betão e paredes de bloco de cimento
VG...... 20 500,00€
(...)
I) Execução do furo de captação de água com a profundidade de 148m incluindo o sistema de bombagem
VG ....... 4 440,00€
m) execução de tubagem e poço de limpeza de drenagem da mina do poço incluindo o motor de rega
VG...... 800,00€
(...)
Salvo o devido respeito, que é muito, nunca uma avaliação a benfeitorias efectuadas por interessado num processo de inventário foi objecto de um relatório como este.
Foi com alguma estranheza face a outros relatórios periciais que se podem encontrar nos mais diversos processos de inventário que foi recebido o presente relatório de nove páginas, sem qualquer fundamentação, explicação ou justificação quanto aos números apresentados limitando-se a “fazer contas de multiplicar”.
Quanto ao caso em concreto as benfeitorias objecto da perícia permitiram a continuação da exploração agrícola e só têm utilidade para e durante o funcionamento da mesma. No entanto não pode o Exmo Sr. Perito negar a precaridade e estado de degradação das mesmas não cumprindo as condições mínimas de funcionamento e salubridade para o efeito, pelo que carecem de reconstrução!!! A reconstrução, por sua vez, dúvidas se tem quanto ao seu licenciamento.
Pelo exposto, e para cabal compreensão e descoberta da verdade, requer a V.ª Ex.ª a realização de segunda perícia, sugere-se o Eng. GG, com domicílio na Rua ..., ... ..., Esposende.
Mais se requer a inspecção ao local pelo Tribunal para cabal conhecimento da realidade dos factos…».

- Foi proferido o seguinte despacho: «… Mediante requerimento de 15-02-2023, o requerente DD veio requerer que seja efectuada segunda perícia, por considerar que a avaliação efectuada se se encontra totalmente desajustada, uma vez que não foi atendida a idade das construções, a sua finalidade e características construtivas, o nível arquitectónico e o seu estado de conservação bem como funcionalidade. Por outro lado, argumentou que o Sr. Perito nos seus esclarecimentos não responde ao solicitado pelo aqui requerente, limitando- se a responder que são valores correntes de mercado para a execução das tarefas e que não foi determinada qualquer taxa de depreciação, não explica o método e critério utilizado–cfr. fls. 112 a 113.
Regularmente notificada de tal requerimento (artigo 221º do C.P.C.), a cabeça- de-casal não se pronunciou no prazo supletivo legal.
Cumpre decidir.
Conforme decorre do actual artigo 487º, nº1 do C.P.C. “Qualquer das partes pode requerer que se proceda a segunda perícia (...), alegando fundadamente as razões da sua discordância relativamente ao relatório pericial apresentado”.
Conforme já vem sendo entendido pela jurisprudência, é admissível a realização de segunda perícia em processo de inventário.
Na verdade, tal como se explana no Ac. RC de 12-06-2012, processo n.º 4547/09.5T2OVR-A.C1, acessível em www.dgsi.pt. “a letra do art.º 1369° é inteiramente compatível com a admissibilidade da segunda avaliação: quando a lei menciona "a avaliação", está a referir-se sempre à primeira (art.ºs 568° e seguintes) e a remissão para o "preceituado na parte geral do Código" não deve ser tomada no sentido restritivo de aplicação exclusiva do regime dessa primeira avaliação, mas no sentido mais amplo e normal de aplicação das regras gerais sobre avaliação, em que se inclui a possibilidade de realização da segunda – e em razão da inexistência de uma opção expressa do legislador de a excluir (rectius, de não a excepcionar na remissão constante do art.º 1369º)”. Também neste sentido, veja-se Ac. RP de 28-06-2001, processo n.º 0130985, acessível em www.dgsi.pt.
Entendemos não ser de determinar a prestação de novos esclarecimentos ao Sr. Perito, considerando que já foi notificado para o efeito.
No entanto, atentas as razões fundadamente alegadas pelo requerente e que sustentam a sua discordância relativamente ao relatório pericial apresentado, e por se afigurar relevante para a justa composição da partilha e harmonização dos interesses em conflito, entende-se ser de deferir a realização de segunda perícia.
Por outro lado, cumpre igualmente ponderar a hipótese de o resultado a que possa chegar o perito na segunda perícia ser eventualmente vir a ser distinto do primeiro, podendo até merecer melhor crédito, nomeadamente por apresentar melhor fundamentação, sendo certo que ambas as perícias serão livremente apreciadas – artigo 489º do C.P.C. na redacção actual.
Deste modo, ao abrigo do disposto no artigo 487º, nº s 1 e 3 do C.P.C., ordeno a realização de uma segunda perícia, que terá o mesmo objecto da primeira.
Para o efeito nomeio a pessoa idónea e com conhecimentos na matéria que vier a ser indicada pela secção, que não poderá ser o Sr. Perito que realizou a anterior perícia, e que deverá prestar compromisso de honra por escrito.
Fixo em 30 dias o prazo para realização da diligência.
Remeta cópia do objecto e dos pertinentes elementos.
Notifique.».

D- Foi junto aos autos o relatório da 2ª perícia com 21 páginas, cujo teor aqui se dá por reproduzido.


E- DD, EE E FF, interessados nos autos de inventário à margem referidos, juntaram aos autos o seguinte requerimento: «…notificados que foram do relatório pericial junto aos autos requerem a V.ª Exa. Seja o perito avaliador notificado para prestar os seguintes esclarecimentos:
1 – Em que se baseou o Sr. Perito para determinação/qualificação de benfeitorias úteis e necessárias?
2 – Qual o método utilizado na avaliação e sua explicação?
3 – Qual o valor de depreciação face ao estado das alegadas benfeitorias e tempo decorrido?
4 - As alegadas benfeitorias objecto da perícia encontram-se devidamente legalizadas ou passíveis de legalização junto da Câmara Municipal e demais autoridades competentes?
5 – O prédio urbano descrito sob a verba 41 da relação de bens tem logradouro ou possui apenas área de implantação?
6 – Face aos instrumentos de gestão territorial, PDM da Póvoa de Varzim, a remodelação e eventual legalização das construções existentes/benfeitorias é possível?
7 – O anexo contíguo ao varandão, que qualidade de construção tem? Está licenciado?
8 – A vacaria encontra-se licenciada? Que qualidade apresenta?
9 – O silo está licenciado?
10 – Tais construções/benfeitorias cumprem os vários parâmetros do PDM?
11 – Os anexos a sul da habitação e a vacaria apresentam uma mais valia para o prédio ou apenas se revelam úteis para a actividade? E nesse pressuposto cumprem o PDM para serem susceptíveis de legalização?
12 – Os materiais utilizados são de qualidade baixa ou alta?
13 – Uma intervenção futura para dotar a habitação dos padrões de qualidade e conforto actuais implicaria a substituição de praticamente todas as obras executadas, com excepção das estruturais?
14 – A substituição das lajes existentes de madeira por novos elementos, sejam em madeira ou betão, é fundamental?
15 – A substituição destes elementos implica a reconstrução de todo o interior da área a intervencionar e tratamento da face interior da envolvente exterior?
16 – Os anexos construídos com recurso a materiais e técnicas posteriores ao licenciamento obrigatório estão licenciados?
17 – Apresentam mais-valia para o prédio?
18 – Têm utilidade para além da exploração agrícola ou só têm utilidade durante o funcionamento da mesma?
19 – Cumprem as condições mínimas de funcionamento e salubridade para o efeito?
20 – Carecem de reconstrução?
21 – A reconstrução é passível de licenciamento face ao PDM?
22 – Existe alguma licença ou autorização camarárias para as construções?
23 – No caso de venda as construções existentes valorizam ou desvalorizam a habitação e o prédio contíguo?
24 – Existe deterioração física e obsolescência funcional e externa?
25 – Quais as taxas de depreciação a atribuir quer à habitação quer à restante área envolvente?
26 – Através da consulta da planta de condicionantes existe alguma linha de água no prédio onde se encontram as construções no prédio identificado como verba 46 do activo?
27 – Qual a área total do mesmo? Cumpre o artigo 49o do PDM?
28 – Qual o encargo para demolição das construções que apenas servem para dar continuidade à actividade de exploração agrícola e reposição do solo natural?
29 – A continuidade a exploração conforme se apresenta condiciona o valor de mercado do prédio e da habitação contígua?
30 – O valor de mercado é inferior ou superior com a continuidade da exploração?
31 – O Sr. Perito indica na sua avaliação “benfeitorias úteis e necessárias”, ora esta utilidade e necessidade que refere quanto à verba 2 do passivo é ou não para a exploração da actividade agrícola dos interessados e sua continuidade?
32 – Quando benfeitorias necessárias, o valor a ressarcir pelas benfeitorias a que o possuidor tem direito, por as ter realizado e não as poder levantar sem detrimento da coisa, corresponderá ao acrescento que as benfeitorias trazem ao património do enriquecido, neste caso ao património da herança. Assim questiona-se o Sr. Perito qual o valor do acrescento que as alegadas benfeitorias na verba 1 trazem à habitação património da herança? Qual o valor do acrescento que as alegadas benfeitorias na verba 2 trazem ao prédio património da herança?
33 – O Sr. Perito aplicou a taxa de depreciação aos valores apresentados, tendo em conta a antiguidade das construções? Quais os valores das construções aplicando-se a taxa de depreciação devida, de acordo com o tempo decorrido desde a feitura das obras até à presente data?
Tais esclarecimentos são essenciais à descoberta da verdade e compreensão do âmbito da avaliação bem como essenciais à necessidade de classificação das alegadas benfeitorias, uma vez que as construções foram realizadas para a prossecução única e exclusivamente da actividade dos interessados, não sendo úteis para outra coisa a não ser a actividade agrícola e quanto a esta coloca-se a questão se tal actividade é passível de ser licenciada e em que termos. Pede deferimento,..»

- Seguidamente foi proferido o despacho recorrido datado de 29-9-2023 cujo ter aqui se dá por reproduzido.


IV - FUNDAMENTOS DE DIREITO


O objecto do recurso abrange apenas o seguinte segmento do despacho recorrido: «… Requerimento de 12-09-2023:
Tal como consta do despacho proferido em 02-06-2023, ao abrigo do disposto no artigo 487º, nº s 1 e 3 do C.P.C., a segunda perícia tem o mesmo objecto da primeira. A primeira perícia teve como objecto a avaliação das benfeitorias descritas sob as verbas n.ºs 1 e 2 do passivo da relação de bens (cfr. fls. 41) e descritas no requerimento de 27-06-2022, de fls. 80 a 81 – cfr. despacho de 19-09-2022.
No 2º relatório pericial, de Agosto de 2023, o Sr. Perito procedeu à avaliação solicitada e explicou os critérios por si utilizados.
Por outro lado, os demais esclarecimentos solicitados no requerimento de 12-09- 2023, extravasam o objecto da perícia determinada e, por conseguinte, não relevam para a boa decisão da causa.
Pelo exposto, indefere-se o requerido. Notifique.».

Os apelantes vieram impugnar o referido segmento do despacho recorrido que indeferiu a notificação do Sr. Perito para realizar esclarecimentos aos 33 pontos que elencaram na sua reclamação e estão acima indicados .
Referem que os apelantes requereram a avaliação das alegadas benfeitorias, por forma a apurar o valor das mesmas, sua extensão e caracterização e que previamente a instaurarem o processo de inventário solicitaram uma avaliação exaustiva aos prédios em causa e alegadas benfeitorias, que juntam aos autos sob. Doc. 2.
Referem que esse perito avaliador examinou os prédios, averiguou as suas características, o tipo de obras, a sua antiguidade, a sua utilidade, a actividade em si, consultou processos camarários e os licenciamentos ou a falta deles e que concluiu que as obras realizadas na vacaria, verba nº 2 do passivo, por causa se todas as circunstâncias que as envolvem e que foram analisadas pelo perito, não têm qualquer valor.
Alegam que a 1 perícia lhes causou espanto pela simplicidade e pediram esclarecimentos que foram deferidos. Mas que perante esses esclarecimentos foi apresentado novo requerimento solicitando uma segunda perícia que atendesse e respondesse cabalmente à qualificação e avaliação das alegadas benfeitorias, solicitando ainda a inspeção do tribunal ao local, sobre a qual nunca o mesmo se pronunciou.
Mais referem que essa 2 perícia foi deferida conforme despacho referido. E que foi ainda requerido pelos aqui apelantes que fossem facultadas as peças processuais, nomeadamente, a relação de bens, a reclamação da relação de bens e respostas, cadernetas prediais dos prédios e requerimentos de reclamação da perícia, isto para melhor compreensão de toda a complexidade do objecto em causa e novamente a inspecção ao local pelo Tribunal, sem pronuncia igualmente.
Os aqui apelantes requereram ainda, em 15/06/2023, a avaliação dos bens livres e, que, por economia processual, fosse aproveitada a diligência da segunda perícia para o efeito, apresentando os quesitos que entendem pertinentes e explicando a necessidade da mesma.
Nunca tal requerimento foi objecto de pronúncia no processo, decorrendo a segunda perícia sem que houvesse despacho quanto a este requerimento.
Em 4 de Setembro de 2023, voltam os aqui Apelantes a requerer a avaliação dos bens livres, tendo sido notificados para indicar as razões da não aceitação do valor, o que o fizeram, estando a aguardar despacho.
Para além do mais, notificados do relatório da segunda perícia reclamaram da mesma e requereram os seguintes esclarecimentos, transcritos acima (33 pontos) cujo teor aqui se dá por reproduzido

Alegam que esse requerimento foi objecto de despacho de indeferimento que se recorre, pelo que não podem os aqui apelantes concordar no indeferimento do pedido de esclarecimentos pois que não extravasam o objecto da perícia determinada e, por conseguinte, relevam para a boa decisão da causa.
Alegam que consideram ser inconcebível uma discrepância tão grande, um critério tão díspar e um resultado tão oposto entre a avaliação que os aqui Apelantes solicitaram previamente a entrada do inventário e os relatórios apresentados no âmbito do processo.
Por outro lado consideram que esses esclarecimentos são relevantes para a boa decisão da causa porque se deve saber o valor de depreciação de benfeitorias pois que as obras não foram realizadas ontem, outrossim, foram a maior parte das mesmas realizadas há mais de 15 e 20 anos atrás e para benefício exclusivo da cabeça de casal, para a sua actividade e de mais ninguém. Entendem dever se analisar o método utilizado na avaliação e sua explicação e apurar se as construções estão legalizadas, se são passíveis de legalização ou se pelo contrário serão para demolir. Mais consideram ser relevante saber se no caso de venda dos imóveis as construções existentes valorizam ou desvalorizam a habitação e o prédio contíguo e saber da continuidade da exploração conforme se apresenta condiciona o valor de mercado do prédio e da habitação contígua e se o valor de mercado é inferior ou superior com a continuidade da exploração.
Concluem ainda que o tribunal ao indeferir a reclamação dos requerentes não cuidou de ordenar, mesmo oficiosamente todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade material e justa composição e litígio quanto a factos que lhe é lícito conhecer desrespeitando os art.º 6º e 411º do novo CPC. É dever do juiz ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade material e à justa composição do litígio, quanto a factos que lhe é lícito conhecer, constitui um poder vinculado, de forma a permitir que o processo possa prosseguir com regularidade e possibilitar uma decisão de mérito sobre a pretensão das partes.
Referem que tendo o Mº Juiz “a quo” fixado o objeto da perícia e analisada que foi pelo tribunal a quo, a perícia realizada, o tribunal deveria ter alcançado em nome do apuramento da verdade material e da justa composição do litígio, que aquela não esclarece sendo aliás omissa quanto a alguns pontos daquele então objeto pericial, os quais já foram por diversas vezes apontados pelos aqui apelantes e foram a causa do pedido de uma segunda perícia e que mais uma vez não se encontra resposta.
Referem ainda que o direito à prova se encontra consagrado constitucionalmente no art.º 20.º da Constituição da República Portuguesa, como componente do direito geral à proteção jurídica e de acesso aos tribunais. A prova é a atividade destinada à formação da convicção do tribunal sobre a realidade dos factos controvertidos (art.º 341.º do C.C., que atribui às provas a função de demonstração de realidade dos factos). Prevê o art.º 388.º do C.C. que a prova pericial tem por fim a perceção ou apreciação de factos por meio de peritos, quando sejam necessários conhecimentos especiais que os julgadores não possuem, ou quando os factos, relativos a pessoas, não devam ser objeto de inspeção judicial.
O resultado da perícia é expresso em relatório, no qual o perito se pronuncia fundamentadamente sobre o respetivo objeto (art.º 484.º do C.P.C.).
Se as partes entenderem que há qualquer deficiência, obscuridade ou contradição no relatório pericial, ou que as conclusões não se mostram devidamente fundamentadas, podem formular as suas reclamações (art.º 485.º/2 do C.P.C.).
O juiz pode, mesmo na falta de reclamações, determinar oficiosamente a prestação dos esclarecimentos ou aditamentos previstos nos números anteriores (art.º 485.º/4 do C.P.C.).
Concluímos que as razões fundadamente alegadas e que sustentam a discordância que eram relevantes mantêm-se, pois que o segundo relatório pericial não passa de uma réplica, ainda que com mais “literatura”, do primeiro relatório, sem qualquer explicação acerca dos valores apresentados, idade das construções, finalidade, estado de conservação e funcionalidade!
Nem quanto à necessidade da retirada de fibrocimento, que é do conhecimento geral ser proibido, faz menção, e atribui um valor a algo que tem que ser retirado!
Os requerentes, aqui apelantes fundamentaram a sua discórdia em termos substanciais e sérios e especificaram os pontos sobre que discordaram do relatório da primeira perícia, por forma a delimitar o objecto da segunda e indicaram os motivos pelos quais discordaram.
O relatório pericial elaborado pelo Sr. Perito nomeado pelo Tribunal evidencia “lacunas, ambiguidades, contradições e uma fundamentação genérica nas respetivas conclusões, o que denota falta de fundamentação.”
Concluem, assim que deverá ser revogada a decisão recorrida, que deverá ser substituída por outra que defira os esclarecimentos solicitados e dê resposta a idade das construções, a sua finalidade e características construtivas, o nível arquitectónico e o seu estado de conservação bem como funcionalidade, licenciamento ou falta dele.
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Em termos liminares cumpre referir que este tribunal de recurso nada tem a determinar quanto á alegada falta de pronuncia quanto ao pedido de inspeção ao local e da realização na 2 perícia quanto á avaliação que requerem quanto a outros bens. Neste recurso está apenas em causa a avaliação das benfeitorias e não as questões referidas nas alegações as quais ultrapassam o âmbito deste recurso e deverão ser analisadas em sede de 1ª instância.
Após este esclarecimento prévio cumpre referir em termos liminares que se considera não existir razão aos recorrentes ao peticionarem os esclarecimentos elencados em 33 pontos ou quesitos novos, porque o objecto da priva pericial foi fixado por despacho transitado em julgado.
Verifica-se de resto que os apelantes se limitam a pedir a avaliação dessas benfeitorias e não indicam um único ponto ou quesitos dos que ora vieram enunciar quer nos requerimentos de reclamação ás perícias quer em sede de recurso. Em nenhum local vieram os apelantes aquando da fixação do objecto da perícia vieram enunciar nenhum dos aspectos que invocaram aquando da reclamação.
Por outro lado, o alegado quanto a terem solicitado uma «avaliação» sobre essas benfeitorias e que terá concluído que a verba 2 não tem valor, em nada contende com a prova pericial realizada, dado que esse meio de prova se traduz em prova documental e não prova pericial que tem o seu regime próprio e é elaborada nos autos.
O objecto da prova pericial foi fixado nestes autos e 2 perícia tem objecto igual ao fixado na 1ª perícia, sendo que a questão de o tribunal ter deferido a realização dessa 2ª perícia em nada significa por um lado que considere que a 1ª perícia está incompleta ou pouco fundamentada e deveria deferir a realização dos peticionados esclarecimentos.
Nos termos do artigo 487 do CPCivil qualquer das partes pode requerer se proceda a segunda perícia, alegando fundadamente as razões da sua discordância relativamente ao relatório pericial apresentado, sendo que o tribunal só deverá indeferir esse meio de prova caso o considere meramente dilatório ou infundado.
Portanto, o objeto da segunda perícia coincide com o da primeira, isto é, com as questões de facto, indicadas pelas partes ou de iniciativa oficiosa, a que o juiz a tenha circunscrito, não podendo as partes virem requerer nova perícia com outro objecto.
Assim, tendo o objecto da prova pericial sido fixado por despacho transitado em julgado e nos termos em que foi requerida pelas partes (os apelante ao pedirem a realização da perícia pediram exclusivamente a avaliação das benfeitorias, não tendo elencado nenhum dos quesitos que ora invocam nem nenhumas dessas questões), a 2ª perícia tem o mesmo objecto e nessa medida pedidos de esclarecimento peticionados sob 33 quesitos não poderão ser admitidos por ultrapassarem o objecto da prova pericial.


Por fim, invocam ainda os apelantes que o indeferimento dos esclarecimentos suscitados colocaria em causa o princípio constitucional do direito á prova.
O direito à prova constitucionalmente reconhecido (art. 20.º da CRP) faculta às partes a possibilidade de utilizarem em seu benefício os meios de prova que considerarem mais adequados tanto para a prova dos factos principais da causa, como, também, para a prova dos factos instrumentais ou mesmo acessórios.
Neste caso os apelantes peticionaram e viram ser deferidas a realização de duas perícias, sendo manifesto que exerceram integralmente esse direito de requerer os meus de prova que considerem pertinentes.
Todavia, estamos perante um meio de prova – prova perícia- ao qual o legislador faculta dois meios de reação ao relatório pericial: a) o pedido de esclarecimentos; b) estando em causa uma primeira perícia, o pedido de realização de segunda perícia.
Neste caso os apelantes peticionaram uma perícia e indicaram o seu objecto e a mesma foi realizada e pediram esclarecimentos que foram realizados. Ulteriormente vieram requerer uma 2ª prova pericial que foi igualmente realizada, sendo que os alegados esclarecimentos que invocam (traduzidos em 33 pontos ou quesitos), por um lado não se traduzem em esclarecimentos previstos neste meio de prova, nos termos do artigo 485 do CPC, porque não visam complementar o relatório nem se invocam contradições e por outro lado porque ultrapassam objecto da prova pericial previamente fixado (o que se traduziria numa ampliação ou modificação da perícia que não tem base legal).
Neste sentido e para outros desenvolvimentos, vide o AC da RG Processo: 3681/20.5T8VCT-A.G1 , Relator: JOSÉ CARLOS DUARTE, 13-07-2022 (disponível na base de dados da DGS): Sumário: I. Tendo sido admitida, em processo de inventário a tramitar á luz da Lei n.º 117/2019, de 13 de setembro, uma segunda avaliação, tem de considerar-se ser aplicável à mesma o regime estabelecido no processo declarativo comum acerca da prova pericial e, concretamente, o disposto no art.º 488º do CPC, em cujo corpo se dispõe que “A segunda perícia rege-se pelas disposições aplicáveis à primeira….” e o disposto no art.º 485º n.º 2 do CPC, que permite às partes apresentar reclamação se entenderem que o Relatório padece de qualquer deficiência, obscuridade ou contradição no relatório pericial, ou que as conclusões não se mostram devidamente fundamentadas.
II. A reclamação ao relatório pericial está confinada às referidas situações, não cabendo nela a manifestação da discordância quanto ao mesmo e muito menos o pedido de eliminação, pelos senhores perito, de algum aspecto nele considerado e objecto de discordância, situação à qual se adequa o pedido de segunda perícia.
III. Um requerimento em que a parte manifesta a sua discordância quanto ao Relatório pericial e pede que os senhores peritos alterem o que dele consta não é susceptível de ser objecto de adequação formal (art. 547º do CPC) nem de convite ao aperfeiçoamento (arts. 6º, nº 2 e 590º, nº 2, al. b), ambos do CPC), para a “converter” em “reclamação”, atento o princípio do dispositivo e da autorresponsabilidade das partes.
IV. A não admissão de tal requerimento, à luz do disposto no art.º 485º n.º 2 do CPC, não representa a violação do direito ao contraditório (art.º 3º e 415º do CPC), nem do direito à prova, nem do direito à tutela jurisdicional efectiva (art.º 20º da CRP).
V. Havendo duas avaliações, caberá ao tribunal a determinação do valor da benfeitoria, apreciando livremente aquelas e outros elementos eventualmente constantes do processo ou que dele venham a constar, pertinentes para a questão em apreço, a requerimento das partes ou oficiosamente.
VI. Desde que os factos que permitem caracterizar uma realidade como benfeitoria e a sua inseparabilidade, tenham sido trazidos aos autos pelas partes, saber se a benfeitoria deve ser descrita em espécie ou como crédito é matéria de aplicação do direito aos factos, tarefa que o tribunal pode empreender oficiosamente no âmbito do saneamento do processo de inventário, tendo em vista a sua finalidade última, que é a justa e igualitária partilha, no caso, do património comum…»
E igualmente, vide o Acórdão do Tribunal da RP 463/13.4TMMTS-C.P1 Relator: TERESA FONSECA Data do Acórdão: 27-02-2023 Sumário:
I - O recurso à prova pericial funda-se na circunstância de o direito à prova incidir sobre factos cuja perceção ou apreciação necessita de conhecimentos especiais que os julgadores não possuem.
II - O método adotado pelo perito nomeado para efetuar avaliação de benfeitorias integra o núcleo dos conhecimentos especiais do perito e a sua autonomia técnico-científica.
III - Por estar em causa matéria que requer os conhecimentos especiais que o julgador tendencialmente não possui e por violar a autonomia técnico-científica do perito, não merece acolhimento a pretensão da parte de que se ordene ao perito que proceda à avaliação objeto da perícia de acordo com o método que aquela tem como tecnicamente adequado.
IV - Nem por isso ficam precludidos os direitos da parte a ver acautelada a sua pretensão porquanto a sua discordância é suscetível de fundar a realização de segunda perícia e por poder esgrimir perante o tribunal os fundamentos teóricos da incorreção técnico/teórica apontada.
V - Não viola o princípio do inquisitório, o dever de gestão processual ou o dever de cooperação o juiz que não adota oficiosamente as medidas tendentes a ver aplicada a tese da parte quanto ao método de avaliação.
Assim, e quanto á fundamentação jurídica, conclui-se que o presente recurso de apelação terá, por conseguinte, de improceder.

***

V - DECISÃO

Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar a apelação improcedente, confirmando-se a decisão recorrida.

Custas a cargo da apelante (art. 527º, nºs 1 e 2).





Porto, 22/2/2024
Ana Vieira
Isoleta de Almeida Costa
Isabel Rebelo Ferreira