Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
976/19.4T8MTS-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: NELSON FERNANDES
Descritores: PROVA PERICIAL
SEGUNDA PERÍCIA
Nº do Documento: RP20200518976/19.4T8MTS-A.P1
Data do Acordão: 05/18/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: RECURSOS IMPROCEDENTE, CONFIRMADA A SENTENÇA
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: I - Destinando-se a prova pericial – como aliás acontece com qualquer meio de prova em juízo – a demonstrar a realidade dos factos alegados pelas partes, tem no entanto a singularidade de ter por fim a perceção ou apreciação de factos por meio de peritos, quando sejam necessários conhecimentos especiais que os julgadores não possuem, ou quando os factos, relativos a pessoas, não devam ser objeto de inspeção judicial.
II - Em face do que resulta do n.º 1 do artigo 487.º, do CPC, no pedido de realização da segunda perícia tem a parte interessada, para satisfazer a exigência legal, de indicar devidamente não só a discordância em relação ao resultado da perícia já realizada e sim, ainda, que o seja “fundadamente”, assim com a invocação das razões que justificam a necessidade de realização da nova perícia, explicitando os pontos em que se manifesta a discordância do resultado atingido na primeira, bem como, quanto a esses, as razões válidas que evidenciem que esse resultado deveria ser outro.
III - Trata-se no fundo de substanciar o requerimento com fundamentos sérios, que não uma solicitação de diligência com fins dilatórios ou de mera chicana processual, isto porque a segunda perícia se destina, muito lógica e naturalmente, a corrigir ou suprir eventuais inexatidões ou deficiências de avaliação dos resultados a que chegou a primeira.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação 976/19.4T8MTS-A.P1
Tribunal: Comarca do Porto, Juízo do Trabalho de Matosinhos
Autor: B…
Réus: C…, Lda., e D…
_______

Relator: Nélson Fernandes
1º Adjunto: Des. Rita Romeira
2º Adjunto: Des. Teresa Sá Lopes

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto

I - Relatório

1. Na ação declarativa sob a forma de processo comum, em que é Autora B… e Réus C…, Lda., e D…, veio aquela, na resposta à contestação que apresentou, requerer a realização de prova pericial.

1.1 Seguindo os autos os termos subsequentes, após a fase dos articulados, fixado em €9.367,48 o valor da ação, foi de seguida proferido o despacho saneador.

1.2 Em 16 de maio de 2019 foi proferido o seguinte despacho:
“Na verdade, e por mero lapso, não se atentou na perícia requerida pelo autor no articulado de resposta que apresentou.
Assim, e pela sua pertinência, admito a perícia requerida pela autora.
Notifique, sendo a ré ainda notificada para se pronunciar quanto ao seu objecto”.

1.3 Por requerimento, os Réus referiram que “nada têm a opor a realização da perícia, disponibilizando-se desde já para apresentar o original do documento para ser analisado pelo laboratório da Polícia científica”

1.4 Por despacho de 14 de junho de 2019 foi decidido o seguinte:
“Determino que se proceda à perícia requerida pelo autor, no seu articulado de resposta, sendo seu objecto composto pelas questões aí apresentadas e constantes de fls. 56, e que incidirá sobre o documento de fls. 47v.
Solicite ao E… a realização do exame, com prévia recolha de autógrafos.
Notifique, sendo ainda a ré notificada para, em 10 dias, juntar aos autos o original do documento n.º 1 que apresentou com a contestação”.

1.5 Por requerimento, os Réus deram cumprimento ao determinado, juntando tal documento.

1.6 Realizado o exame e junto o respetivo relatório, foi o mesmo notificado às partes.

1.7 Apresentaram então os Réus requerimento para realização da 2.ª perícia, invocando o seguinte:
1.º O relatório pericial requerido pela Ré tem por base a resposta por si dada à contestação deduzida pelos Réus na qual põe em causa a assinatura constante do Doc. 1 junto com o articulado deduzido por aqueles, epigrafado de "Declaração";
2.º Acontece que, o relatório pericial elaborado pelo Ilustre Perito teve por base a análise comparativa entre a referida Declaração (Doc. 1 da Contestação) e o Passaporte da Autora, o que se mostra totalmente incorrecto e impreciso;
3.º Em boa verdade, a análise à assinatura da Autora, deveria ter sido feita em comparação à assinatura e respectivas rubricas feitas pela requerente da perícia, aquando da outorga do contrato de trabalho que juntou em anexo ao articulado Petição Inicial e não ao do Passaporte, porquanto, a assinatura feita no passaporte não é necessariamente uma rubrica;
4.º Assim sendo, deve ser feita nova perícia à assinatura da Autora, mas em vez de ser comparada com a constante do seu documento de identificação, deverá ser em relação à constante no contrato de trabalho que assinou e rubricou todas as folhas pelo qual é composto no respectivo canto superior direito, sob pena de, ser feita, como aliás foi, uma perícia totalmente desprovida de fundamento;
5.º Ademais, facilmente se perceberia, sem ser necessário um especialista para o efeito, perceber que a rubrica constante da declaração é naturalmente diferente da assinatura feita aquando da obtenção do Passaporte, em que o nome tem que ser perceptível e mais que tudo minimamente legível;
6.º Finalmente, estranho é a Autora vir pedir créditos laborais através da presente acção e, não fazer qualquer referência ao facto de ter recebido e depositado dois cheques (vd. Doc. 1 e 2) na sua conta pessoal, os quais, totalizam o montante constante na declaração que alega não ter recebido e em que coloca em causa a respectiva assinatura/rubrica.
Termos em requer a Vossa Ex.ª o deferimento do ora requerido e, em consequência seja remetido para segunda perícia e consequente análise comparativa, a declaração e o respectivo contrato de trabalho que outorgou com a sociedade Ré.
Mais se requer a não condenação em multa, porquanto, só agora conseguiu que o banco lhe remetesse a cópia dos cheques que serviram para pagamento dos créditos laborais à Autora”

1.8 Opôs-se a Autora à realização de nova perícia, sustentando que essa é impertinente e meramente dilatória.

1.9 Após, com data de 13 de janeiro de 2020, o Tribunal a quo proferiu despacho com o teor seguinte:
“Afirmando a existência de imprecisões na recolha de autógrafos em comparação à assinatura que a autora alega não ser sua, requer a ré a realização de segunda perícia na qual se compare as assinaturas apostas no contrato de trabalho e no documento em crise, afirmando ser insuficiente para a conclusão alcançada a comparação da recolha de autógrafos e da assinatura no passaporte.
Nenhuma razão de ciência é invocada pela ré na afirmação que faz. A Sra. Perita realizou o exame que lhe foi solicitado e nenhuma razão objetiva existe para duvidar de que se os elementos de que dispunha fossem insuficientes assim o afirmaria.
Por outro lado, é ainda certo que a ré teve oportunidade de se pronunciar quanto ao objeto da perícia e, nesse momento, poderia e deveria ter requerido a remessa de outros elementos comparativos ao perito.
Deste modo, e porque impertinente, indefiro a realização de segunda perícia.
Notifique”

2. Não se conformando com o assim decidido, apelaram os Réus, tendo rematado as suas alegações com as seguintes conclusões:
“I - O exame grafológico, requisitado ao E1…, Lda., e cujo relatório, depois de incorporado no processo, foi notificado à Recorrente, a qual requereu a realização de uma segunda perícia, em virtude da errónea comparação de autógrafos.
II - Em face disso mesmo, a Recorrente lançou mão do disposto no art.º 486.º n.º 2 do C. P. C., requerente, para superação da deficiência, que fosse apresentado ao Exmo. Senhor Perito os autógrafos da rubrica da Autora constantes do contrato de trabalho, para serem comparados com a rubrica da declaração que lhe foi dada pela recorrente e assinou, na qual atestava que lhe foram pagos todos os créditos laborais devidos;
III - Não deixou, porém, a Recorrente de invocar as razões que a levaram a requerer uma segunda perícia.
IV - Também aqui seguiu a Recorrente de forma estrita o que a lei o que a lei dispõe no art.º 482.º n.º 1 do C. P. C..
V - Porém, a Mma. Juiz a quo considerou não terem sido invocadas razões de ciência para a realização da segunda perícia, o que em nossa modesta opinião, não corresponde inteiramente à verdade.
VI - Isto porque, não há qualquer dúvida de cumprir todo o programa legal o requerimento da Recorrente, vistos os artigos de lei já citados - art.ºs 485.nº n.º 2 e 487.º n.º 1 do C. P. C.
VII - Nestes termos, porque não há motivo algum de indeferimento do requerimento apresentado pela Recorrente, deve o despacho recorrido ser reformado, para vir a ser deferido o pedido, com a consequente análise comparativa aos autógrafos da Autora, estabelecidos entre a Declaração que alega não ter assinado e o contrato de trabalho que serve de base ao direito a que se arroga;
Assim, nestes termos e nos melhores de direito aplicáveis e sempre com o douto suprimento de V. Ex.ªs deve ser dado provimento ao presente recurso, proferindo-se acórdão que revogue o despacho recorrido proferido pelo Tribunal “a quo”, deferindo-se a realização da segunda perícia por ser de todo pertinente à descoberta da verdade material.
Só desse modo se fará a já acostumada Justiça!”

2.1 Contra-alegou a Autora, apresentando as conclusões seguintes:
“A. O relatório pericial (exame de escrita) teve como objetivo o estudo da letra manuscrita pelo punho da Autora/Recorrida. Como o próprio relatório pericial refere: “a análise baseia-se no método comparativo e confronto de um ou mais escritos (documentos) questionados com outros escritos (documentos) autênticos e fidedignos”.
B. Consequentemente, não se comparam tipos de rubrica. O que interessa é a comparação de tipos de letras (caracteres) e forma de escrever ou desenhar as letras no papel, isto é, se foi o punho da Autora/Recorrida que realizou (escreveu ou desenhou) aquela rubrica ou assinatura (conjunto de caracteres/letras) constante do documento manuscrito sujeito à prova pericial, objecto da perícia.
C. Antes de efetuar a perícia, o ilustre Perito, no estudo da letra manuscrita pelo punho da Autora/Recorrida, em momento algum entendeu serem estes elementos insuficientes para chegar a uma conclusão pericial.
D. Aliás, na recolha presencial de autógrafos da Autora/Recorrida, o ilustre Perito também não requereu qualquer outro tipo de assinatura ou rubrica para comparação ou estudo, de modo a evitar uma perícia inócua com objeto impossível.
E. Os Recorrentes, aquando da notificação, pelo Tribunal a quo, do deferimento da realização da prova pericial – requerida pela própria Autora/Recorrida −, vieram dizer que nada tinham a opor à realização da perícia. Portanto, seria nesse momento que deveriam expor os fundamentos de discórdia que somente agora, concluída a perícia, apresentam (artigo 476.º, nº 1, do CPC).
F. Além dos Recorrentes não terem apresentado qualquer fundamento de discórdia, também não formularam qualquer quesito a ser respondido no relatório pericial: não vieram (ónus) propor, quer a ampliação, quer a restrição do objecto da perícia.
G. Tal como o Tribunal a quo, não vislumbramos onde se encontram as razões sérias e concludentes para a realização da segunda perícia. Mais parecendo que se pretende a utilização da segunda perícia como uma instância de recurso, o que vai contra o que o legislador pretendeu com o artigo 487.º do CPC.
H. Esta segunda perícia não é necessária e é meramente dilatória. Tal perícia é, também, claramente, impertinente, como se pronunciou o Tribunal a quo.
Termos em que V.as Ex.as devem negar provimento ao recurso de apelação autónomo, mantendo a decisão do Tribunal a quo, confirmando o indeferimento da segunda perícia, por impertinente e dilatória.
ASSIM SE FAZENDO INTEIRA JUSTIÇA.”

2.2 O recurso foi admitido em 1.ª instância como apelação, com subida imediata, em separado e efeito meramente devolutivo.

3. Nesta Relação, apresentados os autos à Exma. Procuradora-Geral Adjunta, a mesma tomou posição no sentido de lhe estar vedada a emissão do parecer, por inaplicabilidade do artigo 87º, n.º 3, do CPT.
***
Cumpre decidir:

II – Questões a resolver
Sendo pelas conclusões que se delimita o objeto do recurso (artigos 635º/4 e 639º/1/2 do Código de Processo Civil / CPC – aplicável “ex vi” do art. 87º/1 do Código de Processo do Trabalho / CPT), integrado também pelas que são de conhecimento oficioso e que ainda não tenham sido decididas com trânsito em julgado, é a seguinte a única questão a decidir: saber se, face ao regime legal, é fundada a decisão proferida que indeferiu a realização de nova perícia / 2.ª perícia.
*
III – Fundamentação

A) De facto
Os factos relevantes para a decisão do recurso resultam do relatório que se elaborou anteriormente.
*
B) Discussão
A única questão objeto do presente recurso, em face das conclusões apresentadas, centra-se em saber se é conforme o regime legal a decisão que indeferiu, em face do requerimento apresentado pelos Réus, após serem notificados do resultado do exame pericial, a realização de nova perícia / 2.ª perícia.
Nas conclusões do recurso de apelação que apresentaram e que agora conhecemos, os Réus / apelantes limitam-se a referir que requereram a realização de nova perícia “em virtude da errónea comparação de autógrafos”, dizendo que na nova perícia, “para superação da deficiência”, “fosse apresentado ao Exmo. Senhor Perito os autógrafos da rubrica da Autora constantes do contrato de trabalho, para serem comparados com a rubrica da declaração que lhe foi dada pela recorrente e assinou, na qual atestava que lhe foram pagos todos os créditos laborais devidos”, mais se acrescentando que no requerimento que apresentaram não deixaram de invocar as razões que levaram a requerer uma segunda perícia, seguindo “de forma estrita o que a lei dispõe no art.º 482.º n.º 1 do C. P. C.”, sendo que, por último, considerando-se na decisão recorrida que não foram invocadas razões de ciência para a realização da segunda perícia, tal não corresponde porém “inteiramente à verdade” – “VI - Isto porque, não há qualquer dúvida de cumprir todo o programa legal o requerimento da Recorrente, vistos os artigos de lei já citados - art.ºs 485.nº n.º 2 e 487.º n.º 1 do C. P. C.”
Por sua vez, defendendo o decidido, nas conclusões das contra-alegações sustenta a Apelada o seguinte: o “relatório pericial (exame de escrita) teve como objetivo o estudo da letra manuscrita pelo punho da Autora/Recorrida”, baseando-se a análise, como o próprio relatório pericial refere, “no método comparativo e confronto de um ou mais escritos (documentos) questionados com outros escritos (documentos) autênticos e fidedignos”, não se comparando assim tipos de rubrica, pois “o que interessa é a comparação de tipos de letras (caracteres) e forma de escrever ou desenhar as letras no papel, isto é, se foi o punho da Autora/Recorrida que realizou (escreveu ou desenhou) aquela rubrica ou assinatura (conjunto de caracteres/letras) constante do documento manuscrito sujeito à prova pericial, sendo que, diz também, antes de efetuar a perícia o “Perito, no estudo da letra manuscrita pelo punho da Autora/Recorrida, em momento algum entendeu serem estes elementos insuficientes para chegar a uma conclusão pericial”; os Recorrentes, aquando da notificação, pelo Tribunal a quo, do deferimento da realização da prova pericial disseram que nada tinham a opor à realização da perícia, sendo que “seria nesse momento que deveriam expor os fundamentos de discórdia que somente agora, concluída a perícia, apresentam (artigo 476.º, nº 1, do CPC)”, para além de que “também não formularam qualquer quesito a ser respondido no relatório pericial: não vieram (ónus) propor, quer a ampliação, quer a restrição do objecto da perícia”; tal como decidido, não se encontram “razões sérias e concludentes para a realização da segunda perícia”, a qual é assim desnecessária, impertinente e meramente dilatória.
Apreciando:
Em traços gerais, destinando-se também a prova pericial – como aliás acontece com qualquer meio de prova em juízo – a demonstrar a realidade dos factos alegados pelas partes[1], tem no entanto a singularidade de ter por fim a perceção ou apreciação de factos por meio de peritos, quando sejam necessários conhecimentos especiais que os julgadores não possuem, ou quando os factos, relativos a pessoas, não devam ser objeto de inspeção judicial[2]. Como se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25 de novembro de 2004[3], “[a]tribui-se, pois, a técnicos especializados a verificação / inspecção de factos não ao alcance directo e imediato do julgador, já que dependem de regras de experiência e de conhecimentos técnico-científicos que não fazem parte da cultura geral ou experiência comum que pode e deve presumir-se ser aquele possuidor”.
Fixado o objeto da perícia, e determinada a sua realização, o perito ou peritos apresentam o respetivo resultado em relatório, pronunciando-se fundamentadamente sobre as questões colocadas[4].
Notificado o relatório às partes, essas dele podem desde logo reclamar, assim se entenderem que no mesmo existe qualquer deficiência, obscuridade ou contradição, ou, ainda, se as conclusões não se mostrarem devidamente fundamentadas[5]’[6].
Para além desse meio de reação, podem ainda as partes, como resulta do n.º 1 do artigo 487.º, do CPC, “requerer que se proceda a segunda perícia, no prazo de 10 dias a contar do conhecimento do resultado da primeira, alegando fundadamente as razões da sua discordância relativamente ao relatório pericial apresentado”, sendo que, como resulta por sua vez do n.º 3 do mesmo artigo, a nova perícia “tem por objeto a averiguação dos mesmos factos sobre que incidiu a primeira e destina-se a corrigir a eventual inexatidão dos resultados desta”.
No entanto, como resulta do normativo antes citado, a admissibilidade de realização da segunda perícia a requerimento da parte processual está dependente da exigência de que essa, no requerimento em que se formula essa pretensão, “alegue fundadamente as razões da sua discordância relativamente ao relatório pericial apresentado”, ou seja, no pedido de realização da segunda perícia tem a parte interessada, para se satisfazer a exigência legal, de indicar devidamente não só a discordância em relação ao resultado da perícia já realizada e sim, ainda, que o seja “fundadamente”, assim com a invocação das razões que justificam a necessidade de realização da nova perícia – explicitando os pontos em que se manifesta a discordância do resultado atingido na primeira, bem como, quanto a esses, as razões válidas que evidenciem que esse resultado deveria ser outro[7].
Tal como se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25 de novembro de 2004, já antes identificado, “[a] expressão adverbial "fundadamente", significa precisamente que as razões da dissonância tenham que ser claramente explicitadas, não bastando a apresentação de um simples requerimento de segunda perícia”, sendo que, como no mesmo Acórdão se esclarece, [t]rata-se no fundo de substanciar o requerimento com fundamentos sérios, que não uma solicitação de diligência com fins dilatórios ou de mera chicana processual. E isto porque a segunda perícia se destina, muito lógica e naturalmente, a corrigir ou suprir eventuais inexactidões ou deficiências de avaliação dos resultados a que chegou a primeira.”[8]
No Acórdão desta Relação de 27 de janeiro de 2020[9], que se debruçou sobre tais exigências de fundamentação, fez-se constar com relevância, citando:
“Tal “exigência de fundamentação imposta às partes que requeiram a segunda perícia decorre de duas ordens de razões: a primeira, de natureza processual, ou seja, impedir que seja utilizada como "mero expediente dilatório" ou "mera chicana processual"; a segunda, de natureza substantiva, apontar e precisar as razões da discordância com o resultado da primeira perícia, as quais não podem deixar de incidir sobre eventuais inexactidões, insuficiências ou contradições de que padeça a primeira perícia, atento o disposto no n.º 3 do art. 487º do Código de Processo Civil (cfr. Neste sentido Ac STJ, de 25-11-2004; da RP, de 23-11-2006 e de 07-10-2008; da RL, de 28-09-2006, todos disponíveis em www.dgsi.pt). (...)
O que a lei teve em vista ao consagrar a possibilidade de realização de segunda perícia foi possibilitar a dissipação de dúvidas sérias que decorram da primeira perícia, por forma a que não subsistam na perceção de factos com relevância para a decisão de mérito. A segunda perícia pressupõe que sejam invocadas razões de discordância quanto ao juízo técnico da primeira perícia e visa corrigir inexatidões nos resultados a que a primeira perícia chegou. E o objectivo atingir com a exigência de fundamentação das razões de discordância é, desde logo, evitar segundas perícias dilatórias, exigindo-se, para tanto, à parte que concretize os pontos de facto não suficientemente esclarecidos na primeira perícia, enunciando as razões por que entende que o resultado da perícia deveria ser diferente. A parte tem de indicar os pontos de discordância (as inexatidões a corrigir) e justificar a possibilidade de uma distinta apreciação técnica. (...).
Ou seja, a parte tem o dever de justificar o motivo por que pretende a realização da segunda perícia – quais as razões por que discorda da primeira -, competindo ao tribunal verificar se ela tem razão de ser – se existem inexactidões nos resultados da primeira que careçam de correcção.
Ela é, por isso sindicável, como o são, no geral, todas as provas requeridas pelas partes – devendo o tribunal emitir sobre as mesmas um juízo, não só de legalidade, se elas são legalmente admissíveis –, mas também se elas são pertinentes e têm por objecto a prova dos factos que se propõem provar.
Isso mesmo resulta, cremos que de forma clara, do disposto no artº 476º nº1 do CPC, ao ali se referir que “Se entender que a diligência não é nem impertinente nem dilatória, o juiz ouve a parte contrária sobre o objecto proposto, facultando-lhe aderir a este ou propor a sua ampliação ou restrição”, acrescentando o nº 2 que “Incumbe ao juiz, no despacho em que ordene a realização da diligência, determinar o respectivo objecto, indeferindo as questões suscitadas pelas partes que considere inadmissíveis ou irrelevantes ou ampliando-a a outras que considere necessárias ao apuramento da verdade””.
Também o Tribunal da Relação de Coimbra se orientou no sentido de embora não cabendo ao Tribunal aprofundar o bem (ou mal) fundado da argumentação apresentada, pode indeferir o requerimento com fundamento no caráter impertinente ou dilatório da segunda perícia[5], o mesmo acontecendo em Acs. da Relação de Guimarães, onde se decidiu poder vedar-se a sua iniciativa no caso de impertinência, desnecessidade ou irrelevância ou da natureza meramente dilatória do requerido[6].
Aliás, se relativamente à primeira perícia e face ao estatuído no artº 476º nº1 e 2 do CPC, o juiz pode indeferir o requerimento por a diligência ser impertinente ou dilatória e indeferir questões suscitadas pelas partes por desnecessárias, inadmissíveis ou irrelevantes, nenhum sentido faria que o não pudesse fazer, com a mesma amplitude em relação a outra perícia (a segunda), que verdadeiramente é repetição, total ou parcial, da primeira, que tem por objeto a averiguação das mesmas questões de facto sobre que incidiu a primeira e se destina a corrigir a eventual inexactidão dos resultados desta, regendo-se a segunda pelas disposições aplicáveis à primeira (art. 488º).
E uma diligência de prova será impertinente (devendo, por isso, ser indeferida) se não for idónea para provar o facto que com ela se pretende demonstrar, se o facto se encontrar já provado por qualquer outra forma, ou se carecer de todo de relevância para a decisão da causa[7] e, mais ainda, se nem de questão de facto se tratar mas mera questão de direito ou se a perícia não for o meio próprio para provar certo facto.
É impertinente ou dilatória a perícia que não respeita a factos condicionantes da decisão final ou que, embora a eles respeitando, o respectivo apuramento não depende de prova pericial, por não estarem em causa os conhecimentos especiais que aquela pressupõe[8], sendo que o que se pretende do perito é que realize uma objetiva observação técnica do objecto da perícia e relate, no relatório final apresentado, o resultado dessa observação, devendo ser dela afastadas questões jurídicas, opiniões e avaliações subjetivas, suscetíveis de influenciar a livre convicção do julgador. (...)”.

Cumprindo-nos então verificar, em face do regime que anteriormente se expôs, se no caso o requerimento dos Rés/recorrentes cumpre as exigências impostas pela norma antes citada e que aqui é chamada à aplicação, a conclusão a que chegamos, adiante-se desde já, é na nossa ótica no sentido de que não é esse o caso, como melhor explicaremos de seguida.
É que, existindo de facto indicação de razões por parte dos requerentes da segunda perícia no requerimento que apresentaram, a razão da nossa posição radica não aí e sim, diversamente, na circunstância de tais razões/motivos não terem suficiente sustentação, quer factual, quer científica. Na verdade, em termos factuais, são indicados pressupostos que não se verificam, assim que estaria em causa no relatório a comparação de rubricas, pois que, diversamente, como aliás bem o refere a Apelada nas contra-alegações, esse relatório teve como objetivo o estudo da letra manuscrita pelo punho da Autora/Recorrida. Por outro lado, em termos científicos, e também como nesse relatório se refere, “a análise baseia-se no método comparativo e confronto de um ou mais escritos (documentos) questionados com outros escritos (documentos) autênticos e fidedignos”, sendo que, acrescente-se ainda, para tais efeitos foram considerados, em face do documento questionado, como documentos fidedignos o “original de cinco folhas de papel timbrado (...) nas quais se encontram apostas assinaturas manuscritas pelo punho de B… recolhidas presencialmente (...) em 03.09.2019” e “cópia do Passaporte (...) datado de 04.04.2017” pertencente àquela e onde se encontra aposta a sua assinatura. Ou seja, a questão em análise não passa pela mera comparação de rubricas e sim, diversamente, se essas foram ou não realizadas pela pessoa a quem se imputam, o que pressupõe, o que aliás se evidencia mais uma vez claramente no relatório, ao nível do método utilizado, o confronto entre uns e outros escritos constantes dos documentos, assinalando as suas caraterísticas (gerais e especiais), através de uma base técnica aí expressamente assinalada, em termos comparativos entre uns e outros dos documentos, para se chegar ao resultado.
O que se disse anteriormente visa assinalar que a eventual utilização do documento que indicam os Réus para requerer a segunda perícia, que afinal só aquando do pedido em que formularam essa pretensão indicaram (apesar de terem sido notificados anteriormente, aquando da determinação da perícia, nada disseram a esse propósito, podendo fazê-lo, limitando-se antes a juntar o original do documento questionado), não permite, por si só, colocar em causa, em face do método que foi utilizado, e os demais documentos considerados, o resultado que neste se alcançou.
Resulta pois do exposto que não encontramos razões válidas para não acompanharmos o Tribunal a quo ao ter decidido, como decidiu, indeferir o pedido de realização da segunda perícia, com fundamento, citando, em que “nenhuma razão de ciência é invocada pela ré na afirmação que faz. A Sra. Perita realizou o exame que lhe foi solicitado e nenhuma razão objetiva existe para duvidar de que se os elementos de que dispunha fossem insuficientes assim o afirmaria. Por outro lado, é ainda certo que a ré teve oportunidade de se pronunciar quanto ao objeto da perícia e, nesse momento, poderia e deveria ter requerido a remessa de outros elementos comparativos ao perito.”
Por não obterem assim sustentação as conclusões dos Recorrentes, improcede em conformidade o presente recurso.

As custas do recurso deverão ser suportadas pelos Recorrentes (artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil).
*
IV - DECISÃO
Nos termos expostos, acordam os juízes que integram a Secção Social do Tribunal da Relação do Porto em declarar improcedente o recurso, confirmando a decisão recorrida.
Custas pelos Recorrentes.

Porto, 18 de maio de 2020
(acórdão assinado digitalmente)
Nelson Fernandes
Rita Romeira
Teresa Sá Lopes
_____________
[1] Artigo 341.º do Código Civil
[2] Artigo 388.º do Código Civil
[3] Relator Conselheiro Ferreira de Almeida, disponível em www.dgsi.pt.
[4] Artigo 484.º do CPC
[5] Artigo 485.º, n.ºs 1 e 2, do CPC
[6] Consiste pois a reclamação em apontar tais deficiências ao relatório, seja pedindo que a resposta seja completada, seja denunciando a obscuridade e solicitar que essa seja esclarecida, seja em apontar a contradição para que seja ultrapassada, seja evidenciando a existência de falta ou insuficiente fundamentação das conclusões para que sejam fundamentadas, sendo que, apreciando a reclamação, pode o tribunal determinar que o perito ou peritos supram por escrito as deficiências do relatório, ou ainda que prestem os esclarecimentos solicitados, oralmente, na audiência de discussão e julgamento – artigo 486.º, do CPC
[7] Veja-se Lebre de Freitas, Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, 2ª ed., pág. 554;
[8] Ou seja, o pedido de segunda perícia tem de ser fundamentado com as razões por que a parte discorda da primeira perícia, não bastando pois requerê-la, sendo ainda exigido a quem a requer que explicite os pontos em que se manifesta a sua discordância do resultado atingido na primeira, com apresentação das razões por que entende que esse resultado devia ser diferente – cfr. Lebre de Freitas, Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, 2ª ed., pág. 554.
[9] In www.dgsi.pt, Relatora Desembargadora Eugénia Cunha