Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
580/17.1T8ESP-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: CARLOS GIL
Descritores: CUSTAS
ISENÇÃO
IGREJA CATÓLICA
REIVINDICAÇÃO DE PROPRIEDADE
Nº do Documento: RP20180627580/17.1T8ESP-A.P1
Data do Acordão: 06/27/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO (LIVRO DE REGISTO Nº 677, FLS 321-323)
Área Temática: .
Sumário: A B... não goza de isenção de custas nos pleitos em que reivindica o direito de propriedade sobre um templo onde exerce a sua atividade religiosa.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Sumário do acórdão proferido no processo nº 580/17.1T8ESP.P1 elaborado pelo seu relator nos termos do disposto no artigo 663º, nº 7, do Código de Processo Civil:
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Acordam os juízes abaixo-assinados da quinta secção, cível, do Tribunal da Relação do Porto:

1. Relatório
Em 26 de fevereiro de 2018, no processo nº 580/17.1T8ESP, pendente no Juízo de Competência Genérica de Espinho, J1, Comarca de Aveiro, de que estes autos foram extraídos, foi proferido o seguinte despacho[1]:
Referências 6627398, 6701394 e 6768268
Visto.
Fiquem nos autos atendendo ao princípio do contraditório.
No que diz respeito à isenção do pagamento de custas, requerida pela Ré, B... ao abrigo do artigo 4.º, n.º 1 alínea f) do RCP, cumpre referir o seguinte.
Ao contrário do que a ré invoca, a mesma não está isenta de custas.
Com efeito, a requerida apenas poderia beneficiar de isenção de custas ao abrigo do artigo 4.º, alínea f) do RCP que dispõe que “estão isentos de custas as pessoas colectivas privadas sem fins lucrativos quando atuem exclusivamente no âmbito das suas especiais atribuições ou para defender os interesses que lhe estão especialmente conferidos pelo respetivo estatuto ou nos termos de legislação que lhes seja aplicável”.
Ora, o que resulta dos autos é que se discute a propriedade de um imóvel, impugnando-se assim escritura pública de justificação feita pela ré relativamente a tal imóvel.
Sucede, porém, que como se afirmou, tal isenção de custas é condicional na medida em que só funciona em relação aos processos concernentes às suas especiais atribuições ou para defesa dos interesses conferidos pelo próprio estatuto ou pela lei.
Não estão assim abrangidos litígios relacionados com eventuais discussões sobre a propriedade de um imóvel, tal como sucede no caso em apreço, pois que nada tem a ver com as especiais atribuições ou defesa dos interesses conferidos pelo próprio estatuto ou pela lei da associação.
Em face do exposto, notifique a ré para proceder ao pagamento da taxa de justiça em conformidade.
Em 19 de março de 2018, inconformada com a decisão que precede, B... interpôs recurso de apelação, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:
1º A Ré é uma Paróquia definida pelo Direito Canónico, no seu Cân 515.
2º A Concordata é um Tratado entre dois Estados: Portugal e a Santa Sé.- artigo 8 da Constituição da República.
3º Foi celebrado pela primeira vez em 1940.
4º A actual é de 2004, Diz no seu artigo 25 “ Art 25 1- “A República Portuguesa declara o seu empenho na afectação de espaços a fins religiosos.2 Diz, entre outros preceitos da Concordata, o seu Art 26
5º “2 – A Santa Sé, a Conferência Episcopal Portuguesa, as dioceses e demais jurisdições eclesiásticas, bem como outras pessoas jurídicas canónicas constituídas pelas competentes autoridades eclesiásticas para a prossecução de fins religiosos, às quais tenha sido reconhecida personalidade civil nos termos dos artigos 9 e 10, estão isentas de qualquer imposto ou contribuição geral, regional ou local, sobre:
a. Os lugares de culto ou outros prédios ou parte deles directamente destinados à realização de fins religiosos; “
6º E, de forma análoga, sob os nºs 3 e 4 deste mesmo preceito.
7º Diz a norma hoje em vigor e invocada no Despacho em apreço:
Estão isentos de custas:

f) As pessoas colectivas privadas sem fins lucrativos, quando actuem exclusivamente no âmbito das suas especiais atribuições ou para defender os interesses que lhe estão especialmente conferidos pelo respectivo estatuto ou nos termos de legislação que lhes seja aplicável”
8º Ora, a Ré é uma “B...”, por intermédio do seu pároco tem como missão essencial realizar os actos e celebrações próprias da religião católica a qual é exercida nos Templos.
9º O Pároco tem o direito inato de adquirir, conservar e administrar os bens temporais que julgar necessários para atingir o seu fim.
10º Estes direitos são reconhecidos pelo Estado Português através da Concordata.
11º A Igreja católica, através da “B...” ao defender o direito de propriedade que reclama ter adquirido sobre um templo que erigiu com as contribuições dos paroquianos – B1... – onde vem exercendo exclusiva e continuamente o culto católico desde 1941, capela onde só este culto é exercido com exclusão de qualquer outra actividade, tem o direito a defender-se da Impugnação pela Junta de Freguesia contra a escritura de justificação daquele local de culto, e este direito é exercido na prossecução das suas atribuições nucleares, ou ficará sem local de culto vê depauperado o património cultural e cultual que lhe cabe velar.
12º Por isso, e ao abrigo da citada f) do nº1 do artigo 4º do RCP a Igreja Católica aqui representada pelo Pároco, deve ser isenta DE CUSTAS,
13º Sob pena de não poder exercer o seu dever essencial de defender o bem imóvel onde exerce o seu múnus,
14º Esvaziando o fim e as atribuições que lhe estão confiadas,
15º Pela Igreja católica a quem o Estado Português respeita e reconhece o direito de exercer o seu múnus através dos seus párocos,
16º Ao decidir do modo como o fez, o Despacho violou, entre outas as normas contidas na alínea f) do nº1 do artigo 4º do RCP,
17º E violou ainda as normas contidas nos artigos 25 e 26 da Concordata entre a República Portuguesa e a Santa Sé, e ainda
18º O artigo 8º, nº2 do artigo 18 e o artigo 20 todos da Constituição da República.
Não foram oferecidas contra-alegações.
Atenta a natureza estritamente jurídica do objecto do recurso e a sua relativa simplicidade, com o acordo dos restantes membros do colectivo dispensaram-se os vistos, cumprindo desde já apreciar e decidir.
2. Questões a decidir tendo em conta o objeto do recurso delimitado pela recorrente nas conclusões das suas alegações (artigos 635º, nºs 3 e 4 e 639º, nºs 1 e 3, ambos do Código de Processo Civil, na redação aplicável a estes autos), por ordem lógica e sem prejuízo da apreciação de questões de conhecimento oficioso, observado que seja, quando necessário, o disposto no artigo 3º, nº 3, do Código de Processo Civil
A única questão a decidir é a de saber se a recorrente está isenta de custas na acção em que contesta a impugnação da escritura de justificação notarial relativa a um templo católico.
3. Fundamentos de facto
Os fundamentos de facto necessários e pertinentes à dilucidação do objeto do recurso constam do relatório desta decisão, resultam dos próprios autos, nesta parte com força probatória plena e não se reproduzem por evidentes razões de economia processual.
4. Fundamentos de direito
A B... está isenta de custas na ação em que contesta a impugnação da escritura de justificação notarial relativa a um templo católico?
A recorrente sustenta que beneficia de isenção de custas na medida em que visa exercer o direito de propriedade que afirma ter sobre um templo onde é desenvolvida a sua atividade religiosa, templo cuja propriedade é reivindicada pela autora na ação, estando por isso contemplada na alínea f), do nº 1, do artigo 4º do Regulamento das Custas Processuais.
Na decisão recorrida, entendeu-se que a recorrente não beneficiava da aludida isenção porque estava em causa uma reivindicação do direito de propriedade sobre certo imóvel, pretensão de todo alheia às especiais atribuições da recorrente.
Cumpre apreciar e decidir.
Nos termos do disposto no artigo 1º, nº 1, do Regulamento das Custas Processuais, todos os processos estão sujeitos a custas, nos termos fixados no regulamento.
Na dogmática tributária, as custas judiciais constituem uma taxa pois que são uma contrapartida fixada pelo Estado para acesso aos serviços de justiça[2]. Esta relação entre o pagamento de um montante autoritariamente fixado e a prestação de um serviço por parte da entidade cobradora daquele montante distingue a taxa do imposto, tendo este último natureza unilateral[3].
Porém, de acordo com o previsto na alínea f), do nº 1, do artigo 4º do Regulamento das Custas Processuais, estão isentos de custas as pessoas coletivas privadas sem fins lucrativos, quando atuem no âmbito das suas especiais atribuições ou para defender os interesses que lhe estão especialmente conferidos pelo respetivo estatuto ou nos termos da legislação que lhes seja aplicável.
Explica o Sr. Juiz Conselheiro Salvador da Costa[4] que esta “isenção é motivada pela ideia de estímulo ao exercício de funções públicas por particulares que, sem espírito de lucro, realizam tarefas em prol do bem comum, o que à comunidade aproveita e ao Estado incumbe facilitar, pelo que lhe subjaz o desiderato de tutela do interesse público.”
Mais adiante[5], refere o autor que se acaba de citar que as “mencionadas pessoas coletivas de natureza jurídica privada abrangem as pessoas coletivas de mera utilidade pública, incluindo as associações sindicais e patronais, as instituições de solidariedade social e as pessoas coletivas de utilidade pública administrativa.”
No caso dos autos, não se duvida que a recorrente age reivindicando para si de um templo essencial ao exercício da sua atividade religiosa. Porém, porque assim é, não está em causa uma atividade em prol do bem comum, mas antes em benefício exclusivo dos membros da confissão religiosa em causa.
Será isto bastante para beneficiar a isenção de custas constante da citada alínea f), do nº 1, do artigo 4º do Regulamento das Custas Processuais?
De acordo com o artigo 25º, nº 1, da Concordata celebrada entre a República Portuguesa e a Santa Sé, assinada em 18 de maio na cidade do Vaticano[6], a República Portuguesa declara o seu empenho na afetação de espaços a fins religiosos.
Para a consecução dessa intenção, o Estado Português conferiu diversas isenções de impostos, além do mais às pessoas jurídicas canónicas, relativamente a certos atos ou bens (artigo 26º, nºs 1, 2, 3 e 4, da Concordata). Nessas previsões não se enquadra qualquer pleito judicial, ainda que para defesa de local destinado ao exercício do culto.
Além de tais isenções fiscais, prevê-se no nº 5, do citado artigo 26º, que as pessoas jurídicas canónicas, quando também desenvolvam atividades com fins diversos dos religiosos, assim considerados pelo direito português, como, entre outros, os de solidariedade social, de educação e cultura, além dos comerciais e lucrativos, ficam sujeitas ao regime fiscal aplicável à respetiva atividade.
No caso em apreço, a recorrente limita-se ao exercício da atividade religiosa inserindo-se a sua atuação processual no âmbito dos autos de que estes foram extraídos na reivindicação do direito de propriedade sobre um espaço destinado ao culto religioso. Não está em causa o exercício de qualquer fim de solidariedade social, de educação ou cultural que lhe permita usufruir do regime fiscal aplicável a tais atividades (nº 5, do artigo 26º da Concordata), nomeadamente, num entendimento amplo do regime fiscal, o disposto na alínea f), do nº 1, do artigo 4º do Regulamento das Custas Processuais.
Deste modo, não cremos que o despacho recorrido seja merecedor de censura e que a pretensão recursória tenha guarida legal, designadamente nos artigos 25º e 26º da Concordata, tal como não se divisa qualquer ofensa dos artigos 8º, 18º, nº 2 e 20º, todos da Constituição da República Portuguesa, na interpretação e aplicação dos normativos pertinentes. Pelo contrário, a decisão recorrida mostra-se em absoluta conformidade com o direito internacional aplicável e, quanto ao direito fundamental de acesso ao direito (artigo 20º da Constituição da República Portuguesa), sempre a recorrente tem a possibilidade de lançar mão do instituto do apoio judiciário, se acaso preencher os pressupostos para que tal benefício lhe seja concedido.
Assim, improcede o recurso, devendo a recorrente responder pelas custas respectivas, já que decaiu (artigo 527º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil).
5. Dispositivo
Pelo exposto, os juízes abaixo-assinados da quinta secção, cível, do Tribunal da Relação do Porto acordam em julgar improcedente o recurso de apelação interposto por B... e, em consequência, em confirmar a decisão recorrida proferida em 26 de fevereiro de 2018.
Custas a cargo da recorrente, sendo aplicável a secção B, da tabela I, anexa ao Regulamento das Custas Processuais, à taxa de justiça do recurso.
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O presente acórdão compõe-se de seis páginas e foi elaborado em processador de texto pelo primeiro signatário.

Porto, 27 de junho de 2018
Carlos Gil
Carlos Querido
Correia Pinto
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[1] Notificado às partes mediante expediente eletrónico elaborado em 27 de fevereiro de 2018.
[2] Neste sentido veja-se o sumário do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 01 de fevereiro de 1994, relatado pelo Sr. Juiz Conselheiro Cardona Ferreira, no processo nº 084997, acessível na base de dados da DGSI.
[3] A propósito da noção de taxa veja-se: Curso de Direito Tributário, Coimbra Editora 2009, Jónatas E. M. Machado e Paulo Nogueira da Costa, páginas 14 a 17.
[4] In As Custas Processuais, Análise e Comentário, 2017-6ª Edição, página 104, anotação 4.7, 2º parágrafo.
[5] In As Custas Processuais, Análise e Comentário, 2017-6ª Edição, página 104, anotação 4.7, 4º parágrafo.
[6] Publicada no Diário da República I-A, nº 269, de 16 de novembro de 2004.