Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2899/05.5TBOAZ.P1
Nº Convencional: JTRP00043682
Relator: SÍLVIA PIRES
Descritores: ÁRVORE
ESTREMA
INVASÃO DAS RAÍZES E RAMOS DAS ÁRVORES
Nº do Documento: RP201003092899/05.5TBOAZ.P1
Data do Acordão: 03/09/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: ALTERADA A DECISÃO.
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO - LIVRO 359 - FLS 09.
Área Temática: .
Legislação Nacional: ARTº 1366º DO CÓDIGO CIVIL.
Sumário: I - Tem vindo a ser entendido, quase unanimemente, que o art.° 1366°, do C. Civil não atribui ao vizinho prejudicado com a invasão das raízes e ramos das árvores, o direito a pedir ao dono das mesmas qualquer indemnização, nomeadamente a destinada a compensar os danos causados por essa invasão no seu prédio.
II - Sendo conferido ao proprietário, cujo prédio foi invadido pelos ramos ou raízes das árvores implantadas em prédio confinante, o direito de autotutelarmente os cortar, ele tem a possibilidade de evitar que eles causem danos no seu prédio, pelo que, verificando-se esses danos, os mesmos são-lhe imputáveis, não se justificando a responsabilização do dono das árvores que pode nem sequer ter a possibilidade de se aperceber da situação danosa.
III - Contudo, quando é solicitado ao dono das árvores que proceda ao corte dos ramos e raízes que invadem a propriedade vizinha e este não corresponde ao solicitado, daqui decorre um incumprimento de uma obrigação que o fará incorrer na reparação de todos os danos a que deu causa com o seu incumprimento — art.° 798°, 562° e 566°, todos do C. Civil.
IV - Acrescenta-se que necessariamente assim será nos casos em que, como sucede neste processo, é impraticável que sejam os proprietários lesados a proceder ao arrancamento e corte dos ramos ou raízes.
V - Além disso, nas hipóteses em que os danos se produzem sem que fosse possível ao dono do prédio danificado aperceber-se do seu desenvolvimento, também aí não pode aplicar-se a tese dominante acima explicitada que nega a existência de um direito de indemnização ao dono do prédio atingido.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. 2899/05.5TBOAZ.P1 do .º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Oliveira de Azeméis
Relatora: Sílvia Pires
Adjuntos: Henrique Antunes
Ana Lucinda Cabral
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Autores: B……….
C……….

Ré: D………
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Acordam na 1ª secção cível do Tribunal da Relação do Porto


Os Autores intentaram a presente acção com processo ordinário contra a Ré, por si e na qualidade de cabeça-de-casal da herança aberta por óbito do seu marido, E………., pedindo a condenação de ambas a:
a) Reconhecer o direito de propriedade dos Autores sobre os prédios referidos nos artigos 1° e 2° da petição inicial;
b) Cortar todos os ramos das árvores que pendem para os prédios dos Autores e bem assim as raízes das mesmas árvores que invadiram o subsolo dos mesmos prédios;
c) Arrancar todas as árvores que não se encontram à distância legal dos prédios dos Autores;
d) Impedir que quaisquer árvores, ramos ou raízes do seu prédio invadam o prédio dos Autores;
e) Repor estes prédios nos precisos moldes em que eles se encontravam antes das raízes destruírem o muro e o passeio; ou, em alternativa,
f) Pagar aos Autores o montante de € 28.000,00, preço dos danos computados; e
g) Pagar-lhes a título de danos morais o montante de € 5.000,00.
Para fundamentar a sua pretensão alegaram factos tendentes a demonstrar a invasão do seu imóvel por raízes e ramos das árvores do prédio da Ré, confinante com o seu, e os danos que daí lhes advieram.

A Ré contestou, impugnando que da herança em causa faça parte algum prédio que confine com o dos Autores, referidos nos artigos 1º e 2º da petição inicial, e, muito em particular, o prédio rústico referido nos artigos 11º e seguintes da mesma petição, sendo o prédio referido no artigo 9º da contestação que pertence à Ré que confronta pelo lado Poente com os prédios dos art.s 1º e 2º da petição inicial.
Alegou ainda, além do mais, que os Autores podiam ter usado da faculdade concedida pelo art.º 1366º, n.º 1, do C. Civil, pelo que não podem pedir indemnização por danos que podiam evitar.
Concluiu pela improcedência da acção.

Os Autores replicaram, sustentando o alegado na petição inicial e impugnando que fosse viável o recurso à acção directa do art.º 1366º, n.º 1, do C. Civil, porquanto a actual configuração dos prédios tornou-o impraticável, vindo assim os Autores exercer o direito que aquela disposição lhes confere, judicialmente, através da presente acção.

No despacho saneador foi julgada procedente a excepção de ilegitimidade da herança Ré, absolvendo-se a mesma da instância.

Veio a ser proferida sentença que julgou a causa nos seguintes termos:
Nos termos sobreditos, julgo a acção parcialmente procedente e condeno a Ré, herança aberta por óbito de E………., aqui representada pela cabeça-de-casal D………., nos seguintes pedidos dos Autores, B………. e mulher C………:
3.1. A cortar todos os ramos das árvores que pendem para os prédios dos Autores e bem assim as raízes das mesmas árvores que invadiram o subsolo dos mesmos prédios.
3.2. A indemnizar os Autores pelo montante de €4.100,00.
3.3. Absolvo os Réus dos demais pedidos feitos pelos Autores.

Conforme se constata, por lapso manifesto, escreveu-se na parte decisória da sentença recorrida que a Ré condenada era a “herança aberta por óbito de E………., aqui representada por D……….”, quando a herança demandada já havia sido absolvida da instância no despacho saneador, sendo a Ré objecto da condenação proferida nestes autos a referida D………, pelo que este lapso deve ser corrigido, nos termos do art.º 667º, do C. P. Civil.
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Inconformada com esta decisão dela recorreu a Ré, formulando as seguintes conclusões:
1ª - A douta sentença aqui em recurso, ao referir que o artigo 1366° do Código Civil "visava um pais eminentemente rural" ao apelidar de "literal e retrógrada", redutora e restritiva a interpretação e aplicação que a jurisprudência tem feito, de modo uniforme, daquele artigo,
por um lado parece pressupor ou defender um país exclusivamente de betão e sem árvores e parece ignorar que problemas como o presente surgem tanto nas zonas puramente rurais como nas zonas mais urbanas, onde há árvores por todo o lado - e felizmente que as há - em jardins, parques e terrenos privados ou públicos, à mistura com edificações, como se vê por todo o lado, em Lisboa, Porto, .... e, naturalmente, em Oliveira de Azeméis;
e, por outro lado, acaba por, com base nessa sua visão duma realidade que não existe, fazer do preceito em causa uma interpretação e aplicação arbitrárias e abusivas, para além dos seus elementos literal e racional e ao contrário da interpretação e aplicação que tem sido uniformemente feita pela nossa jurisprudência enquanto fonte de direito legitimadora de expectativas e comportamentos dos cidadãos como, neste caso, a R..
2ª - Tal como tem decidido de modo uniforme a jurisprudência e entendido a doutrina (do que são exemplos os arestos e as citações invocadas nas precedentes alegações), o n.º 1 do art.º 1366° do C. Civil não reconhece o direito a indemnização por danos causados pela invasão de raízes e, por isso, não reconhece ao proprietário do prédio atingido com árvores e arbustos existentes junto à linha divisória do prédio contíguo direito à indemnização pelos prejuízos que daí lhe advenham, uma vez que pode evitá-los, exercendo a todo o tempo a faculdade que lhe é reconhecida por aquele preceito, cortando as raízes se para isso rogar o dono do prédio vizinho e este o não fizer.
3ª - O entendimento defendido na conclusão precedente mais se ajusta e impõe no caso presente tendo em conta:
a) que o próprio prédio dos AA. - tal como o da R. - estava exclusivamente destinado a produção de mato, pinheiros e eucaliptos, tendo eles, há 10 anos, cortado os pinheiros e eucaliptos, nele existentes, arroteando-o e nele edificando as construções nele actualmente existentes (uma das quais o muro de vedação) - Facto 5;
b) que nessa altura já existiam as árvores no prédio da Ré e as suas raízes já invadiam o prédio dos AA. - Facto 6-;
c) que os AA. nunca - sequer - deram conhecimento à R. da invasão do seu prédio pelos ramos e raízes do prédio dele, nem - muito menos - alguma vez lhe solicitaram o seu corte,
uma vez que desse modo fica por saber se a R. (ou os donos do prédio) sabiam da invasão das raízes e dos danos por estas causados (até porque o muro de vedação dos AA. a impedia de aceder ao prédio daqueles), pois só sabendo-o podiam ter evitado os danos - se tal lhes fosse exigível - e só desse modo, admitindo a tese da sentença, poderiam ser censurados e responsabilizados.
4ª - Desse modo, no concreto circunstancialismo de facto provado, a pretensão dos AA., nos moldes em que foi colocada na presente acção e acolhida na sentença, só poderia, eventualmente, ser equacionada, ainda que em tese, se eles, antes desta acção – o que não sucedeu –:
a) tivessem lançado mão da faculdade que lhe conferia o nº 1 do art.º 1366º, de rogar a R. para cortar as raízes, ou
b) tivessem dado a conhecer à R. que as raízes estavam a invadir o seu prédio e a causar prejuízos nas respectivas construções, pedindo-lhe para as cortar, e aquele a isso se recusasse.
c) ou, ainda, se existisse algum motivo que os impedisse de evitarem os prejuízos, exercendo a todo o tempo o direito de cortar as raízes, facultado pelo art.º 1366°, 1.
5ª - Por essa razão, de algum modo bem se pode dizer:
a) que a presente acção foi precipitada; que os AA. são eles próprios responsáveis pelos danos que alegam porque, pelo menos negligentemente, não cuidaram de antes da acção, rogar o corte dos ramos e raízes e nem avisaram a R. dos danos que estariam por isso a sofrer, nem alegaram que esta tinha, ao menos, conhecimento desses factos e desses danos.
6ª - A sentença recorrida fez uma errada e ou abusiva interpretação e aplicação do art.º 1366º, nº 1 do C. Civil.
Conclui pela procedência do recurso.

Foram apresentadas contra-alegações, defendendo a confirmação da decisão proferida.
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1. Do Objecto do recurso

Encontrando-se o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações da recorrente, cumpre apreciar a seguinte questão:
O art.º 1366º, n.º 1, do C. Civil, não prevê que os donos das árvores possam ser condenados a cortar os ramos e a arrancar as raízes que invadam o prédio vizinho, nem a pagar qualquer indemnização aos donos dos prédios que sofreram danos com a invasão das raízes daquelas árvores?
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2. Dos Factos
Os factos provados são os seguintes:

I – Os Autores são donos de um prédio rústico composto por terreno de monte, sito no ………. da freguesia de ………., Oliveira de Azeméis, a confrontar do norte com Herdeiros de F………., do sul com os próprios, do nascente com a Rua ……… e do poente com herdeiros de G………., inscrito na respectiva matriz predial sob o artigo 855°.

II – Os Autores são ainda donos de um prédio urbano composto por um edifício para comércio e outro para habitação, sito no mesmo ………., a confrontar do Norte com os próprios, do sul com a ………., do nascente com a Rua ………. e do poente com a Ré e "H………., S. A. " o qual está inscrito na respectiva matriz predial sob o artigo 694°.

III – A Ré é dona do prédio rústico composto por pinhal, sito no mesmo ………., o qual confronta pelo respectivo lado nascente com os prédios dos Autores referidos em I e II, e está inscrito na a respectiva matriz predial rústica sob o artigo 857º.

IV – No prédio rústico referido em III existem plantados vários pés de eucalipto e de pinheiro, sendo que, cerca de 16 desses eucaliptos se encontram à distância de um a quatro metros dos prédios dos Autores, e cerca de vinte pinheiros encontram-se nas mesmas circunstâncias.

V – A proximidade das árvores referidas em IV relativamente aos prédios dos Autores faz com que os seus ramos pendam sobre os ditos prédios, invadindo, assim, o seu espaço aéreo.

VI – Os prédios descritos em I e II estavam exclusivamente destinados a produção de mato, pinheiro e eucaliptos, tendo os Autores, há pelo menos 10 anos atrás, cortado os pinheiros e eucaliptos neles existentes, arroteando-os e neles edificado as construções ali actualmente existentes.

VII – Na altura em que foram praticados os actos referidos em VI já existiam as árvores aludidas em IV no prédio da Ré e as suas raízes invadiam os prédios dos Autores descritos em I e II.

VIII – Em consequência do arroteamento referido em VI o nível dos terrenos dos prédios dos Autores, na zona da construção principal e respectivo logradouro ficou cerca de 2 metros abaixo do nível do terreno da Ré descrito em III e, em consequência, nessa data (há pelo menos 10 anos) as raízes que invadiam o prédios dos Autores deixaram de o fazer.

IX – As raízes das árvores referidas em IV estão a invadir o subsolo dos prédios dos Autores identificados em I e II, tendo desse modo provocado a abertura de rachas no muro de vedação do prédio descrito em II, e bem assim no passeio que ladeia a casa de habitação e restaurante que se vai fracturando e desprendendo do solo, ficando, assim, com um piso irregular.

X – As referidas rachas fazem ainda abrir fendas no muro de vedação, as quais se têm vindo a alargar.

XI – Existindo, por isso, risco de desmoronamento parcial desse muro.

XII – A reparação dos danos supra descritos importa em pelo menos €4.100,00.

XIII – Em consequência do acima descrito o Autores sentem-se desgostosos.

XIV – Os factos descritos em VI ocorreram em 1990.

XV – Após os factos referidos em VI e VIII, as raízes das árvores ditas em IV continuaram acrescer, infiltrando-se no subsolo dos prédios dos Autores como referido em IX e seguintes.

XVI – Por causa da actual configuração dos prédios de Autores e Ré tornou-se impraticável aqueles procederem eles próprios ao arrancamento e corte das referidas raízes.
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3. O Direito Aplicável

No caso em análise foi proferida decisão a condenar a Ré:
A cortar todos os ramos das árvores que pendem para os prédios dos Autores e bem assim as raízes das mesmas árvores que invadiram o subsolo dos mesmos prédios.
A indemnizar os Autores pelo montante de € 4.100,00.
Defende a Ré que o art.º 1366º, n.º 1, do C. Civil, não prevê qualquer obrigação do dono do prédio onde se encontram árvores, cujas raízes e ramos invadam o prédio vizinho, remover esses ramos e raízes, assim como indemnizar os danos resultantes dessa invasão, limitando-se aquele artigo a permitir ao proprietário do prédio confinante que, após observância do ritual ali exigido, proceda ao corte dos ramos e raízes, não podendo esta conduta ser imposta ao dono das árvores.
Uma das restrições de interesse privado ao direito de propriedade é a referente à plantação de árvores e arbustos, visando-se com a mesma evitar que as plantações de árvores e arbustos causem prejuízo aos proprietários dos prédios vizinhos.
O n.º 1, do art.º 1366º do C. Civil, permitindo a plantação das árvores não excluídas pelo seu n.º 2 – eucaliptos, acácias, mimosas e ailantes –, até à linha divisória dos prédios, confere, no entanto, ao dono do prédio vizinho o direito de arrancar e cortar as raízes que se tenham introduzido no seu terreno e o tronco ou ramos que sobre ele propendem, se o dono das árvores, tendo sido interpelado judicial ou extrajudicialmente para tomar tais medidas, não o fizer no prazo de três dias.
Daqui resulta que o proprietário do prédio invadido não pode exercer este direito sem previamente avisar o dono das mesmas, uma vez que o art.º 1366º, n.º 1, do C. Civil, só permite o seu exercício depois daquele previamente ter solicitado ao proprietário das árvores a realização da referida acção sem que este a tenha executado no prazo de três dias.
O poder assim conferido ao dono do prédio vizinho configura a legitimação do recurso à auto-tutela do seu direito de propriedade, depois de solicitação feita ao dono das árvores e do não cumprimento por este do seu dever de impedir que aquelas causem danos ao prédio vizinho.
No entanto, há casos em que ao proprietário do prédio onde se verifica a intromissão das raízes, é impossível proceder ao corte das mesmas, nomeadamente pelo facto das árvores estarem juntas a muros ou a prédios urbanos, e ao qual a infiltração das raízes pode causar danos, sem que ele possa actuar de acordo com a previsão do art.º 1366º, n.º 1, do C. Civil [1].
Nestas situações tem vindo a admitir-se que ao proprietário lesado é permitido impor ao dono das árvores a prática dos actos necessários a evitar os referidos danos, exigindo-lhe o corte das raízes ou das árvores, conforme se mostre necessário à salvaguarda dos seus interesses [2].
Dos factos provados resulta que por causa da actual configuração dos prédios de Autores e Ré tornou-se impraticável aqueles procederem eles próprios ao arrancamento e corte das referidas raízes, pelo que podem os Autores exigir à Ré o que fizeram com a interposição desta acção, isto é que proceda ela mesma ao corte dos ramos e raízes que limitam o seu direito de propriedade, uma vez que eles não podem usar do direito que a lei lhes concede de o fazerem em sua substituição.
Assim, revela-se acertada a condenação da Ré a cortar todos os ramos das árvores que pendem para os prédios dos Autores e bem assim as raízes das mesmas árvores que invadiram o subsolo dos mesmos prédios.
Mas a Ré foi ainda condenada a indemnizar os Autores pelos danos entretanto sofridos com essa invasão, no montante de € 4.100,00.
A sentença recorrida fundamentou esta decisão do seguinte modo:
“…in casu também podíamos propender para a aplicação estrita desse normativo (o art.º 1366º, do C. Civil) e deixar os danos sofridos pelos Autores a seu cargo.
Mas isso seria cair numa interpretação literal e retrógrada do preceito em causa.
Cremos que hoje em dia é indiscutível que o direito civil, na vertente de protector daquele que é vítima de danos - a título de dolo, negligência ou até por responsabilidade objectiva - caminha para um campo de protecção o mais abrangente possível.
Trata-se de dar conteúdo a um dos desideratos do princípio geral de direito de protecção dos lesados.
Ao tempo em que foi elaborado, o artigo em questão visava um país eminentemente rural, em que os proprietários de matos, campos, tapadas, quintas, e etc., procediam à vigilância e manutenção dos mesmos. o que lhes permitia detectar qualquer invasão de raízes nos seus terrenos e, verificados os legais pressupostos, poder cortar raízes e ramos.
Numa visão hodierna do país, cada vez mais urbanizado, no que ao litoral concerne, a convivência entre habitações e matos não permite que essa detecção se faça ou, pelo menos, se faça com tanta facilidade.
Cremos até que o caso que nos ocupa é paradigmático nesse sentido.
As raízes dos eucaliptos, que todos sabem procuram água, infiltraram-se por baixo das construções em cimento e tijolo que os Autores têm.
Estes só as vêm quando elas surgem dentro das caixas de esgotos e águas pluviais, depois de já terem feito os seus estragos (vejam-se as fotografias de fls. 162 a 166, com especial incidência nestas últimas).
Pergunta-se, numa visão actualista e devidamente enquadrada com os padrões indemnizatórios aplicados hoje, basta que os Autores cortem as raízes para se dizer que estão ressarcidos de todos os seus danos?
Terão que suportar a incúria e o desleixo do proprietário confinante, rebentar os seus passeios e muro para tirar as raízes, voltar a repô-los, despender cerca de € 4.000,00 e aceitar que é essa a única tutela que o direito lhes dá?
Respondendo com critérios de justiça material, interpretação actualista do artigo em causa e vendo a indemnização do lesado como critério definidor do seu direito, a resposta só pode ser negativa.
E, por isso, entendemos que há casos, como o presente, em que temos de ir para além de uma interpretação redutora e restritiva da lei, e aceitar que danos significativos sofridos pelo proprietário/lesado sejam indemnizados.”

A hipótese aqui em discussão só foi regulada pela primeira vez entre nós no Código de Seabra. Este não seguiu a tradição romanística reflectida no Código Civil Francês – art.º 671º e 672º – que impunha distâncias às extremas na plantação de árvores e que era proposta por Correia Telles [3], Coelho da Rocha [4] e Lobão [5], tendo admitido a plantação de árvores pelo proprietário do terreno até às extremas, mas permitindo aos proprietários confinantes cortarem os ramos e arrancarem as raízes que os invadissem, numa solução idêntica à do B.G.B. – § 910 –, e que também já constava das propostas de Coelho da Rocha e Lobão [6], que a combinavam com a exigência das distâncias às extremas.
O C. Civil de 1966 manteve esta orientação, seguindo o projecto de Pires de Lima – art.º 67º – [7], tendo considerado que “qualquer solução restritiva do direito de propriedade podia trazer inconvenientes graves de ordem económica, designadamente nas regiões como o Minho, onde a propriedade rústica se encontra muito dividida” [8]. Já, anteriormente, Delfim Maia dizia “…marcar distâncias para a plantação de árvores, querendo fomentar a todo o custo a criação delas seria até certo ponto inconsequência, e em todo o caso impecer o fim contrariando o costume geral de desterrar as árvores para as extremas” [9].
Tem vindo a ser entendido, quase unanimemente, que o art.º 1366º, do C. Civil não atribui ao vizinho prejudicado com a invasão das raízes e ramos das árvores, o direito a pedir ao dono das mesmas qualquer indemnização, nomeadamente a destinada a compensar os danos causados por essa invasão no seu prédio [10].
Considera-se que, sendo conferido ao proprietário, cujo prédio foi invadido pelos ramos ou raízes das árvores implantadas em prédio confinante, o direito de autotutelarmente os cortar, ele tem a possibilidade de evitar que eles causem danos no seu prédio, pelo que, verificando-se esses danos, os mesmos são-lhe imputáveis, não se justificando a responsabilização do dono das árvores que pode nem sequer ter a possibilidade de se aperceber da situação danosa.
Lorenzo González [11], entende, contudo, que quando é solicitado ao dono das árvores que proceda ao corte dos ramos e raízes que invadem a propriedade vizinha e este não corresponde ao solicitado, daqui decorre um incumprimento de uma obrigação que o fará incorrer na reparação de todos os danos a que deu causa com o seu incumprimento – art.º 798º, 562º e 566º, todos do C. Civil [12].
Acrescenta-se que necessariamente assim será nos casos em que, como sucede neste processo, é impraticável que sejam os proprietários lesados a proceder ao arrancamento e corte dos ramos ou raízes.
Além disso, pensamos que nas hipóteses em que os danos se produzem sem que fosse possível ao dono do prédio danificado se aperceber do seu desenvolvimento, também aí não pode aplicar-se a tese dominante acima explicitada que nega a existência de um direito de indemnização ao dono do prédio atingido.
Provou-se que as raízes das árvores implantadas no prédio da Ré provocaram a abertura de rachas no muro de vedação do prédio, e bem assim no passeio que ladeia a casa de habitação e restaurante dos Autores que se vai fracturando e desprendendo do solo, ficando, assim, com um piso irregular.
Todavia, dos factos provados não resulta que os Autores, previamente à instauração desta acção, tenham solicitado à Ré que a mesma procedesse ao corte das raízes que estavam a invadir o seu prédio, tendo optado por fazê-lo com recurso à via judicial, pelo que não é possível configurar uma situação de incumprimento, que justificasse uma responsabilização dela decorrente; assim como também não se provou que não fosse possível aos Autores aperceberem-se de que a invasão das raízes das árvores do prédio vizinho iriam provocar danos no seu prédio, não lhes permitindo preveni-los através da intimação atempada da Ré para proceder ao corte das raízes.
Tendo os danos que aqueles pretendem ver ressarcidos ocorrido antes da interpelação feita com a presente acção para a Ré cortar as raízes que os provocaram, não pode esta ser responsável pelo seu ressarcimento, uma vez que eles apenas podem ser imputados aos próprios Autores que, pelo menos, negligentemente, não cuidaram de solicitar preventivamente o respectivo corte.
Assim, não pode a sentença recorrida ser confirmada na parte em que condena a Ré a indemnizar os Autores, no montante de € 4100,00, pelos danos sofridos na sua propriedade antes de terem solicitado à Ré o corte das raízes das suas árvores.
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Decisão
Nos termos expostos, julgando-se parcialmente procedente o recurso, revoga-se a decisão recorrida no segmento decisório que condenou a Ré a indemnizar os Autores no montante de € 4.100,00, absolvendo-a deste pedido, e confirma-se o demais decidido, rectificando-se a identificação da Ré constante do decisório, a qual é D………. e não a herança por esta representada.
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Custas da acção, na proporção de ¼ pela Ré e ¾ pelos Autores.
Custas do recurso por Autores e Ré em igual proporção.
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Porto, 9 de Março de 2010.
Sílvia Maria Pereira Pires
Henrique Ataíde Rosa Antunes
Ana Lucinda Mendes Cabral

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[1] Esta hipótese e os problemas que suscita já eram colocados no domínio do Código de Seabra, em Das árvores ou arbustos plantados na linha divisória de prédios de diversos donos na R.L.J., Ano 6.º, n.º 269, pág. 129-130.
[2] Neste sentido, Henrique Mesquita, in Direitos Reais, pág. 160-161, lições de 1966-1967, Coimbra.
[3] Em Digesto português, Tomo I, pág. 104, ed. de 1909, Livraria Clássica.
[4] Em Instituições de direito civil português, tomo II, pág. 465, ed. de 1886, Imprensa da Universidade de Coimbra.
[5] Em Dissertações, Tomo I, Diss. 8, § 41.
[6] Nas ob. e loc. cit. nas notas 4 e 5.
[7] No B.M.J. n.º 123, pág. 252.
[8] Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil Anotado, Vol. III, pág. 230, ed. 1984, Coimbra Editora.
[9] Em Escritos Jurídicos, pág. 16.
[10] Pires de Lima, na R.L.J., Ano 95.º, pág. 367-368, Pires de Lima e Antunes Varela, na ob. cit., pág. 230, Santos Justo, em Direitos Reais, pág. 247, ed. de 2007, Coimbra Editora e
Ac. do T. R. C. de 6.7.82, relatado por Baltazar Coelho, C. J., 1982, tomo IV, pág. 33;
Ac. do T. R. G. de 22.3.06, relatado por Proença da Costa, acessível em www.dgsi.pt. proc. n.º 2479/05-1;
Ac. do T. R. G. de 12.6.07, relatado por António Magalhães, acessível em www.dgsi.pt. proc. n.º 640/07-2;
Ac. do T. R. G. de 19.11.09, relatado por Isabel Rocha, acessível em www.dgsi.pt. proc. n.º 2194/07-5TBAF.G1;
Ac. do T. R. L., de 22.9.92, relatado por Almeida Amaral, C. J., 1992, tomo IV. Pág. 149;
Ac. do T. R. P., de 28.2.02, relatado por Leonel Serôdio, com sumário disponível em www.dgsi.pt. proc. n.º 0230250.
[11] Em Limitações de Vizinhança (De Direito Privado), pág. 156, 1997, SPB – Editores Livreiros.
[12] Esta posição foi também defendida no direito alemão por Martin Wolff, em Derecho de cosas, vol. I, pág. 361, 3.ª ed., da trad. espanhola, da Bosh.