Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1411/18.0T8GDM.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: PAULO DIAS DA SILVA
Descritores: PRESTAÇÃO DE ALIMENTOS A MAIOR
CESSÃO
ABUSO DE DIREITO NA MODALIDADE DE SUPRESSIO
Nº do Documento: RP201906131411/18.0T8GDM.P1
Data do Acordão: 06/13/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: INCIDENTE DE INCUMPRIMENTO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO (LIVRO DE REGISTOS Nº 177, FLS 44-53)
Área Temática: .
Sumário: I - Recai sobre o progenitor devedor da prestação de alimentos o ónus de fazer cessar os efeitos da regulação realizada em 2005, de modo a que se desvinculasse da prestação de alimentos tal como fora fixada em sentença.
II - Os direitos e as obrigações constituídas pela sentença de regulação das responsabilidades parentais não são exigíveis durante o período em que o casal se encontre reconciliado e conviva em comum.
III - O abuso do direito - art. 334.º do CC -, na modalidade da supressio, verifica-se com o decurso de um período de tempo significativo susceptível de criar na contraparte a expectativa legítima de que o direito não mais será exercido.
IV - No âmbito dos alimentos devidos a menores, pela sua própria natureza, isto é, por se encontrar intimamente relacionado com a dignidade da vida humana dos filhos, radicando numa ideia de justiça social e de imprescindibilidade para o sustento dos menores, não se compadece com a admissão da aplicação da supressio no caso como o dos autos.”.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Recurso de Apelação - 3ª Secção
Processo n.º 1411/18.0T8GDM.P1
Comarca do Porto
Gondomar - Juízo de Família e Menores - J1
Relator: Paulo Dias da Silva
1.º Adjunto: Des. Mário Fernandes
2.º Adjunto: Des. Amaral Ferreira

Acordam no Tribunal da Relação do Porto

1. Relatório
B…, solteira, residente na …, n.º …, ….-… Gondomar deduziu, ao abrigo do disposto no artigo 41.º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível, incidente de incumprimento da prestação de alimentos contra o seu pai C…, divorciado, residente na Rua …, n.º …, ..º Direito, ….-…, …, onde concluiu pedindo, a final, que o incidente seja julgado procedente e, em consequência, seja o requerido condenado no pagamento das pensões de alimentos vencidas no valor de 9.000,00€ e ainda no pagamento das prestações de alimentos vincendas.
Alega, em síntese, que desde que o seu pai saiu de casa, onde vivia a requerente juntamente com a sua mãe (Junho de 2013), deixou de contribuir para o seu sustento, não obstante ter sido determinado por Sentença proferida no dia 18 de Maio de 2005 no âmbito do processo de regulação das responsabilidades parentais n.º 1411/18.0T8GDM-A, que o progenitor contribuía mensalmente com o montante de 150,00€, a título de prestação de alimentos devidos à sua filha ainda menor B….
Acrescenta, ainda, a requerente que se encontra a estudar na Universidade, no 4.º do Curso de …, indo frequentar o programa Erasmus, necessitando, por isso, da contribuição do pai para fazer face às despesas diárias com a sua alimentação, vestuário e educação.
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Por despacho proferido no dia 09.05.2018, foi o progenitor citado para, querendo, no prazo de cinco dias alegar o que tiver por conveniente.
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Por requerimento datado de 21.05.2018, o progenitor apresentou oposição, pugnando, a final, pela total improcedência do presente incidente.
Alega, em síntese, que no ano de 2005 foram, de facto, reguladas as responsabilidades parentais relativas à requerente, contudo tal decisão não chegou a ser cumprida, uma vez que o requerido reatou a relação com a mãe da requerente, tendo vivido na mesma habitação até Junho de 2013.
Durante esse período, o requerido contribuiu para o sustento do agregado familiar, pagando as contas da electricidade, água, colégio da filha, entre outras.
Alega, ainda, que no dia 24 de Maio de 2013 deu entrada no Hospital D…, tendo sido encaminhado para internamento no Hospital E…, sendo que desde tal data não mais residiu conjuntamente com a requerente e com a mãe da requerente, tendo cessado a vida em comum.
Contudo, alega o requerido que nem por isso deixou de contribuir para o sustento da sua filha, pagando uma semanada de 20,00€, que entregava à requerente, assim como procedeu ao pagamento do seu colégio e de todas as despesas da casa até ao dia 26 de Fevereiro de 2015, data em que devido a um conflito familiar deixou de contactar com a sua filha e deixou de contribuir para o seu sustento.
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Por despacho proferido no dia 30.05.2018, foi o requerido convidado a complementar a alegação do facto extintivo da obrigação - pagamento - mediante a indicação discriminada de todas as quantias em dinheiro que, até à maioridade da requerente, entregou à progenitora para pagamento da prestação de alimentos; de todas as quantias em dinheiro que, após a maioridade da requerente, entregou a esta, para pagamento dos alimentos que foram fixados durante a menoridade e a indicação da data em que fez cada uma dessas entregas.
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Por requerimento de fls. 79, o requerido reafirmou que contribuiu para o sustento da sua filha e do seu agregado familiar até Fevereiro de 2015, pagando todas as despesas inerentes à vida corrente e escolar da requerida e dando-lhe “semanada” de 20,00€, a que acresciam as despesas da mesma com o telemóvel, almoços, estética, material escolar e outros.
Alega que a regulação das responsabilidades parentais nunca chegou a vigorar, uma vez que a mesma pressupunha a efectiva separação dos pais da requerente, cujo divórcio só veio a ocorrer em Outubro de 2015.
Por fim, sustenta que se encontra numa situação grave de carência económica sobrevivendo apenas com a ajuda dos seus familiares.
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Conforme fls. 93, a requerente apresentou resposta ao requerimento apresentado pelo requerido a fls. 79, dizendo, em suma, que desde Junho de 2013 o progenitor nada deu para o seu sustento.
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Por despacho de 6.12.2018, foi designada data para realização de audiência de julgamento.
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Procedeu-se à realização da audiência de julgamento com observância das formalidades prescritas na lei.
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Foi proferida sentença em que se julgou verificado o incumprimento por parte do requerido da obrigação de prestar alimentos à jovem supra identificada, fixando o montante actual em dívida em 9.000,00€, o qual deve ser acrescido das prestações que se vencerem daqui em diante.
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Não se conformando com a decisão proferida, o recorrente C… veio interpor o presente recurso de apelação, em cujas alegações conclui da seguinte forma:

I. Não se conforma o Recorrente com a sua condenação em 9.000,00€, a titulo de não pagamento da pensão de alimentos devida à recorrida.

II. O caso concreto merece uma análise à luz de princípios e normas de direito nas quais se subsumem os factos, que obrigam a uma aplicação de uma decisão, em nosso entender diversa, tendo-se igualmente verificado omissão de pronúncia que importa a nulidade da sentença sub judice.

III. Não foram tidos em consideração factos que se nos reputam essenciais para a decisão, constantes do processo de Regulação das responsabilidades Parentais que constitui apenso dos autos de incumprimento.

IV. O processo de regulação das responsabilidades parentais e a resolução de questões a este atinentes, enquanto processos tutelares cíveis, assumem a natureza jurídica de processos de jurisdição voluntária, não se regendo assim por critérios rígidos de normas gerais e abstractas, invocando-se neste âmbito o bom senso do julgador.

V. O processo 555/05.3 TMPRT.-A e 555/05.3TMPRT.1 que correu termos no extinto 3º Juízo, 2ª Secção do Tribunal de Família e Menores do Porto foi apensado ao processo de incumprimento com o .º 1411/18.0T8GDM a correr termos no Tribunal da comarca do Porto, Juízo de Família e Menores de Gondomar - Juiz 1.

VI. Do Apenso 1411/18.0T8GDM-A consta a fls 101 a desistência da instância no âmbito do incidente de incumprimento então suscitado “porquanto Requerente e Requerido haverem recuperado a vida em comum.

VII. A fls. 105 do dito apenso consta uma informação da segurança social quanto à falta da requerente aquando da elaboração de relatório social tendo esta justificado a sua falta com a desistência do processo de divórcio e dos pedidos de regulação de responsabilidades parentais e incumprimento conforme documentação anexa.

VIII. Apesar de compulsados os autos, não logramos identificar tal documentação anexa, sendo certo que tal informação, concatenada com as desistências dos processos em curso, divórcio sem consentimento do outro cônjuge e incumprimento das responsabilidades parentais, sempre resultaria de forma inequívoca na extinção do processo de regulação das responsabilidades parentais donde subjaz o alegado incumprimento.

IX. A desistência foi objecto do respectivo parecer do Ministério Público, tendo dado, consequentemente lugar à extinção da instância por inutilidade superveniente da lide como se constata a fls 106 e 107

X. Deveria, na sentença posta em crise, considerar-se como provado que - a Requerente através da sua representante comunicou ao processo a retoma da vida em comum desistindo da instância no processo 555/05.3TMPRT.1 que correu termos no extinto 3º Juízo, 2ª Secção do Tribunal de Família e Menores do Porto, actualmente processo 1411/18.0T8GDM-A, sendo a mesma extinta por inutilidade superveniente da lide.

XI. A não atendibilidade de tais factos, consubstancia uma verdadeira omissão de pronúncia, que acarreta a nulidade da sentença nos termos artigo 615 n.º1 d) o que desde já se invoca para todos os legais efeitos

XII. Violou o tribunal a quo os artigos 5º n.º2 C), 411, 412, n.º 2 e 413º, uma vez que a consideração dos factos que decorrem dos documentos constantes de fls 100 a 107 do apenso A dos autos de incumprimento implicam que seja considerado provada a desistência de instância no âmbito do processo 555/05.3TMPRT.1 que correu termos no extinto 3º Juíz , 2ª Secção do Tribunal de Família e Menores do Porto, actualmente processo 1411/18.5T8GDM-A, sendo o mesmo extinta por inutilidade superveniente da lide, a comunicação da retoma da vida em comum e consequentemente a extinção da regulação das responsabilidades parentais.

XIII. Discorda-se com a necessidade ou ónus que, supostamente, recai sobre o aqui recorrente, de acordo com a douta sentença, de instaurar acção tutelar comum para cessação dos efeitos da regulação das responsabilidades apesar de reconhecer a relevância da comunicação ao processo da retoma da vida em comum.

XIV. A desistência realizada e respectiva fundamentação não foi tida em consideração na presente sentença como vimos de expor o que implicaria uma decisão diversa no nosso entender.

XV. O Recorrente colocou, de facto, em causa a validade e eficácia da decisão da Regulação das Responsabilidades Parentais, porém dado o lapso de tempo decorrido, os problemas de saúde que entretanto teve e que foram alegados nos autos e o facto de não ter acesso há vários anos á sua antiga casa onde tinha as notificações dos processos aqui em causa a que acresce o facto das alegações terem sido produzidas por si próprio levaram a que estes documentos não fossem directamente invocados.

XVI. O Tribunal a quo teria necessariamente que atender aos factos supra referenciados uma vez que o seu conhecimento lhe advém do exercício das suas funções.

XVII. Fazer ressurgir na esfera jurídica das partes tal decisão de regulação de responsabilidades parentais em 2018, quando é inequívoco que as partes quiseram fazer cessar os seus efeitos abala a certeza e segurança do nosso ordenamento jurídico plasmada no artigo 2º da CRP

XVIII. Mesmo que assim não se entenda, o presente incidente de incumprimento consubstancia ainda um indubitável abuso de direito por parte da requerente aqui recorrida.

XIX. De acordo com Baptista Machado, verifica-se abuso do direito quando se exerce de modo anormal um direito próprio, respeitando a sua estrutura formal, mas violando a sua afectação substancial, funcional e teleológica, isto é, contrariando o interesse que o poder nele consubstanciado se encontra adstrito.

XX. No caso sub judice há que aquilatar a verificação deste comportamento e das expectativas criadas através dos actos da representante legal da aqui recorrida, então menor, até porque as desistências operadas nos processos supra referenciados foram homologadas pelo tribunal, pelo que foram considerados acautelados os interesses da menor, não era pois, expectável nem exigível ao recorrente que se considerasse devedor de uma qualquer pensão de alimentos.

XXI. Violou assim a douta sentença o disposto no artigo 334 º do C.C. pois, deveria considerar que a pretensão da requerente redunda num autêntico abuso de direito.

XXII. O conceito de alimentos deve ser entendido, atualmente, em sentido lato, de modo que, o termo sustento abarca, além da alimentação, despesas com assistência médica, lazer e qualquer outras necessidades do quotidiano.

XXIII. Atendendo aos factos provados nos itens 8 a 12 da matéria de facto, não se compreende que se considere que o recorrente não proveu predominantemente ao sustento da sua filha aqui recorrida considerando as despesas pagas.

XXIV. O Recorrente obrigou –se aquando a realização de acordo no processo de Regulação das Responsabilidades Parentais a pagar metade das despesas com o colégio até final do ano lectivo e não as despesas por inteiro e nos anos subsequentes conforme decorre do artigo 3º da dita decisão de Regulação de Responsabilidades Parentais.

XXV. Não se compreendendo a sua condenação no período que medeia entre a sua saída de casa em Junho de 2013 e Fevereiro de 2015.

XXVI. Seria impossível igualmente ao recorrente fazer prova detalhada e circunstanciada de todos os valores que entregou à Recorrida atendendo quer ao lapso de tempo decorrido quer ao facto de obviamente o pai não exigir à filha a quitação dos valores que lhe eram dados ou das despesas desta que ele assumia e porque tendo saído de casa deixou de ter acesso quer a despesas quer aos documentos atinentes aos próprios processos que correram termos.

XXVII. Reitera-se, as partes fizeram cessar os efeitos da acção de regulação das responsabilidades parentais não se conformando pois o Recorrente com a sua condenação no pagamento de qualquer quantia a título de pensão de alimentos à Recorrida.
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Foram apresentadas contra-alegações.
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Colhidos que se mostram os vistos legais e nada obstando ao conhecimento do recurso, cumpre decidir.

2. Delimitação do objecto do recurso; questões a apreciar:
Das conclusões formuladas pela recorrente as quais delimitam o objecto do recurso, tem-se que as questões a resolver no âmbito do presente recurso prendem-se com saber:
- Se a decisão recorrida é nula;
- Do mérito da decisão.

3. Conhecendo do mérito do recurso
3.1 - Factos assentes
Foram considerados assentes pelo Tribunal a quo os seguintes factos:
1. Por Sentença proferida no dia 18.05.2005 foi homologado acordo de regulação das responsabilidades parentais relativas à requerente B…, nascida no dia 13.07.1996.
2. Por tal Sentença ficou determinado que a requerente passaria a residir com a sua mãe.
3. Por tal Sentença ficou o requerido obrigado ao pagamento da quantia mensal de 150,00€ a título de prestação de alimentos devidos à requerente, comprometendo-se a entregar à mãe até ao dia 5 de cada mês a que disser respeito, vencendo-se a primeira prestação em 5 de Junho de 2005, devendo as prestações ser actualizadas, em Janeiro, de acordo com os índices de inflação publicados pelo INE e relativos ao ano anterior.
4. Foi ainda determinado que o pagamento da prestação mensal deve ser feito por transferência bancária para a conta titulada pela progenitora e pelos seus filhos, assim como que sobre o requerido recaía a obrigação de proceder ao pagamento de metade das despesas do colégio e de música da requerente.
5. Em data não concretamente apurada, mas seguramente após Junho de 2005, o requerido reatou a vida em comum com a mãe da requerente, vivendo em conjunto com a requerente, na residência comum sita na …, n.º …, …, ….-…, Gondomar, até Junho de 2013, data em o requerido passou a residir em casa da sua mãe.
6. Durante o período de convivência em comum, o requerido contribuiu para os encargos da vida familiar, pagando as prestações do banco, electrodomésticos, mensalidades dos colégios, livros, passeios escolares, vestuário, alimentação, automóveis, férias, prendas de aniversário, seguros, contas de televisão, internet, electricidade e telefone, entre outras.
7. A partir de Junho de 2013 o requerido não procedeu ao pagamento da quantia mensal de 150,00€, a título de prestação de alimentos devidos à requerente.
8. No dia 16 de Setembro de 2013, entre o requerido e a F…, S.A. foi celebrado um acordo de pagamento, tendo acordado fixar como quantia em dívida relativa ao fornecimento de electricidade e outros serviços prestados na residência sita na …, n.º …, …, ….-…, Gondomar em 1.907,91€.
9. No ano de 2014 o requerido procedeu ao pagamento de despesas de educação devidas ao G… relativas à requerente, no valor total de 4.001,85€.
10. Entre Julho de 2013 e Abril de 2014, o requerido procedeu ao pagamento das contas de electricidade relativas à residência sita na …, n.º …, …, ….-…, Gondomar.
11. Entre Agosto de 2013 e Março de 2014, o requerido procedeu ao pagamento das contas de televisão, internet e telefone relativas à residência sita na …, n.º …, …, ….-…, Gondomar.
12. Entre Janeiro de 2014 e Fevereiro de 2015, o requerido entregava à requerente quantias pecuniárias, cuja periocidade e montante não foram determinados, destinadas a que a requerente suportasse despesas pessoais tais como depilação, jantar com amigos, material escolar, alimentação do seu animal de estimação e carregamentos do telemóvel.
13. No dia 20.10.2015, por decisão proferida pela Instância Central, Secção de Família e Menores de Gondomar do Tribunal Judicial da Comarca do Porto foi decretado o divórcio entre a mãe da requerente e o requerido, tendo sido declarada a dissolução do casamento entre eles celebrado no dia 6-12-1986.
14. A requerente frequenta o Curso de … na Universidade ….
15. À mãe da requerente foi concedido subsídio de doença pelo Instituto da Segurança Social desde 19.05.2018, no valor diário de 10,13€, encontrando-se desempregada.
16. O requerido encontra-se desempregado, não aufere qualquer pensão ou subsídio da Segurança Social, vivendo com ajuda dos seus familiares e da sua companheira.
17. Desde o dia 26 de Fevereiro de 2015 que o requerido e a requerente não mantêm qualquer contacto.

3.2 - Fundamentos de Direito

3.2.1 Da nulidade da decisão
Arguiu, desde logo, a recorrente a nulidade da sentença recorrida por omissão de pronúncia.
Alegou para tanto, que deveria considerar-se como provado que “a Requerente através da sua representante comunicou ao processo a retoma da vida em comum desistindo da instância no processo 555/05.3TMPRT.1 que correu termos no extinto 3º Juízo, 2ª Secção do Tribunal de Família e Menores do Porto, actualmente processo 1411/18.0T8GDM-A, sendo a mesma extinta por inutilidade superveniente da lide.”.
Acrescentou que a não atendibilidade de tais factos, consubstancia uma verdadeira omissão de pronúncia, que acarreta a nulidade da sentença nos termos artigo 615.º, n.º 1, alínea d) do Código de Processo Civil.

Vejamos, então, se a sentença sob recurso é nula.
Ora, as causas de nulidade da sentença vêm taxativamente enunciadas no artº 615º nº 1 do Código de Processo Civil, onde se estabelece que é nula a sentença:
- Quando não contenha a assinatura do juiz (al. a)).
- Quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão (al. b)).
- Quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível (al. c)).
- Quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento (al. d)).
- Quando condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido (al. e)).
O Prof. Castro Mendes, in “Direito Processual Civil”, Vol. III, pg. 297, na análise dos vícios da sentença enumera cinco tipos: vícios de essência; vícios de formação; vícios de conteúdo; vícios de forma e vícios de limites.
Refere o mesmo Professor, in “Direito Processual Civil”, Vol. III, pg. 308, que uma sentença nula “não contém tudo o que devia, ou contém mais do que devia”.
Por seu turno, o Prof. Antunes Varela, in “Manual de Processo Civil”, pg. 686, no sentido de delimitar o conceito, face à previsão do artº 668º do Código de Processo Civil (actual artº 615º), salienta que “não se inclui entre as nulidades da sentença o chamado erro de julgamento, a injustiça da decisão, a não conformidade dela com o direito substantivo aplicável, o erro na construção do silogismo judiciário (…) e apenas se curou das causas de nulidade da sentença, deixando de lado os casos a que a doutrina tem chamado de inexistência da sentença”.
Lebre de Freitas, in “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. II, pgs. 668 e 669, considera que apenas a “falta de assinatura do juiz” constitui fundamento de nulidade, pois trata-se de “um requisito de forma essencial. O acto nem sequer tem a aparência de sentença, tal como não tem a respectiva aparência o documento autêntico e o documento particular não assinados”. A respeito das demais situações previstas na norma, considera o mesmo autor tratar-se de “anulabilidade” da sentença e respeitam “à estrutura ou aos limites da sentença”.
No caso em apreço, refere a recorrente, desde já adiantamos sem razão, que a sentença recorrida é nula, por omissão de pronúncia, uma vez que não considerou, na sua fundamentação, a extinção do incidente de incumprimento que constitui o apenso B, em consequência da retoma da vida em comum entre o requerido, devedor de alimentos, e a progenitora residente da ora requerente.
Apreciando então esta nulidade cumpre dizer que não se afigura que o referido facto, de natureza processual, assuma relevo para a decisão da presente causa.
Com efeito, como bem refere o Tribunal a quo, dele decorre apenas que, no incidente que constitui o apenso B, foi entendido que a retoma da vida em comum tornava inútil o prosseguimento do incidente de incumprimento do exercício das responsabilidades parentais, no que tange à obrigação de alimentos a cargo do requerido, pelo que foi determinada a extinção da instância respectiva.
O correspondente despacho, porque não conheceu do mérito, apenas produz caso julgado formal, ou seja, tem como única consequência que, no processo em que foi proferido, a instância ficou extinta nos respectivos termos. Não se impõe, através do instituto da autoridade do caso julgado, noutros processos, como é o caso do presente.
Por esta razão, entende-se que a prolação do despacho é um facto inócuo nesta sede, sendo que o facto relevante é apenas o da retoma da vida em comum, circunstância esta já considerada e analisada sob o ponto de vista das suas consequências jurídicas na sentença recorrida.
Assim, impõe-se julgar improcedente a nulidade arguida.
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3.2.2 Do mérito da decisão
Da leitura do artigo 1878.º, n.º 1 do Código Civil e do preceito constitucional estabelecido no artigo 36.º, n.º 5 da Constituição da República Portuguesa, constata-se que a obrigação dos pais sustentarem os filhos menores de idade assenta na relação biológica da filiação e inclui-se no conteúdo das responsabilidades parentais.
Como em todas as matérias relacionadas com o exercício das responsabilidades parentais, vigora a este propósito o princípio da igualdade entre os progenitores no dever de sustentar os filhos, como determina o artigo 36.º, n.º 3 da Constituição da República Portuguesa.
A obrigação de alimentos abrange tudo aquilo que respeita à alimentação, vestuário, instrução, educação, saúde e habitação dos filhos, tendo em conta a condição social, as aptidões, o estado de saúde e a idade destes. Nas situações em que pais e filhos coabitam, o dever de contribuir para o sustento dos filhos dilui-se no dever de assistência a que uns e outros estão reciprocamente vinculados (artigo 1874.º do Código Civil). Já quando assim não sucede, transmuta-se numa obrigação autónoma de prestar alimentos, em regra de natureza pecuniária (artigo 2005.º, n.º 1 do Código Civil), que ainda se inclui no feixe das responsabilidades parentais e que tem como contraponto o correspondente direito do filho exigir alimentos.
Reportando-nos ao caso vertente constata-se que o recorrente, por força da sentença proferida no dia 18 de Maio de 2005 que homologou o acordo de regulação das responsabilidades parentais relativas à recorrida B…, ficou obrigado a proceder ao pagamento da quantia mensal de 150,00€ a título de prestação de alimentos devidos à recorrida, comprometendo-se a entregar à mãe, até ao dia 5 de cada mês a que disser respeito, vencendo-se a primeira prestação no dia 5 de Junho de 2005, devendo as prestações ser actualizadas, em Janeiro, de acordo com o índice de inflação.
São estes, pois, os contornos da obrigação de alimentos devida à recorrida que o recorrente assumiu no dia 18 de Maio de 2005.
Como defendido por Remédio Marques, in “Algumas Notas sobre Alimentos”, Coimbra: Coimbra Editora, 2000, p. 282, citado na decisão recorrida, a obrigação de alimentos assume natureza creditícia, pelo que a obrigação extingue-se pelo pagamento, mediante a realização integral da correspondente prestação debitória, nos termos dos artigos 762.º e 763.º do Código Civil.
Sendo a realização da prestação debitória um facto extintivo da obrigação, o ónus de a provar recai sobre o devedor, nos termos do disposto no artigo 342.º, n.º 2 do Código Civil.
Mais se acrescenta que, uma vez assente o incumprimento, se presume a culpa do devedor, nos termos do artigo 799.º, n.º 1 do Código Civil.
Sendo esta uma presunção ilidível, cabe ao devedor demonstrar que o não pagamento não procedeu de culpa sua, alegando e provando circunstâncias alheias à sua vontade e que tornaram inexigível outro comportamento.
Constitui nosso entendimento que a regulação das responsabilidades parentais fixada por sentença judicial não cessa os seus efeitos simplesmente pelo facto de os progenitores reatarem a sua convivência em comum.
É certo, como vimos, que a regulação das responsabilidades parentais pressupõe a cessação da convivência em comum dos progenitores, exigindo, por isso, a dissolução familiar, conforme se atesta da leitura dos artigos 1906.º, 1907.º, 1909.º e 1912.º do Código Civil.
Trata-se de uma verdadeira acção constitutiva, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 10.º, n.º 3, alínea c) do Código de Processo Civil, provocando uma mudança na ordem jurídica existente. Por um lado, define a residência da criança, por outro, estabelece regimes de visitas e ainda fixa uma obrigação de alimentos, em regra, através do pagamento de uma quantia pecuniária mensal.
Se assim é, como bem se defende na decisão recorrida, a destruição dos efeitos da acção de regulação das responsabilidades parentais, não pode ocorrer ipso facto com a reconciliação dos cônjuges, cessando automaticamente os efeitos produzidos pela sentença judicial que regulou o exercício das responsabilidades parentais, nomeadamente cessando os efeitos do registo no assento de nascimento da criança, sem que para tal tenha havido qualquer tipo de reconhecimento judicial ou equiparado de tal circunstância fáctica.
Sendo o processo de regulação das responsabilidades parentais um processo de jurisdição voluntária, nos termos do artigo 12.º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível, o valor das decisões proferidas encontra-se sempre sujeito ao artigo 988.º do Código de Processo Civil que determina que podem ser alteradas, sem prejuízo dos efeitos já produzidos, com fundamento em circunstâncias supervenientes que justifiquem a sua alteração.
Assim, nada impede que seja instaurada acção tutelar comum ou que seja comunicado ao processo da regulação, por ambos os progenitores, manifestando o acordo na retoma da sua vivência em comum, pedindo a declaração de cessação da regulação das responsabilidades parentais em relação aos seus filhos menores, uma vez que o pressuposto básico que a sustentou deixou de existir.
Só deste modo o progenitor não residente se desvincula da obrigação de alimentos, tal como fixada na acção de regulação ou na decisão homologatória proferida administrativamente nos termos dos artigos 274.º-A, n.ºs 4, 5 e 6, e 274.º-B do Código do Registo Civil, constituindo, por isso, ónus do progenitor obrigado exercer as diligências necessárias no sentido de fazer cessar os efeitos da regulação.
Com este entendimento não se defende, em sintonia com a posição do Tribunal a quo, que os direitos e as obrigações constituídas pela regulação das responsabilidades parentais sejam exigíveis durante o período em que o casal se encontre reconciliado e conviva em comum, caso não tenha sido peticionada a competente cessação dos efeitos da regulação.
Nesse caso, pressupondo a convivência em comum a contribuição de ambos os progenitores para os encargos familiares, sempre afrontaria o princípio da boa fé a exigibilidade do pagamento da prestação de alimentos fixada na acção de regulação das responsabilidades parentais.
Assim, a exigibilidade da prestação de alimentos sempre seria travada pelo instituto do abuso do direito, consagrado no artigo 334.º do Código Civil, como instituto de ultima ratio que visa obtemperar a situações de manifesta injustiça e irrazoabilidade.
Atento o exposto, facilmente se conclui que recaía sobre o progenitor devedor da prestação de alimentos o ónus de fazer cessar os efeitos da regulação realizada em 2005, de modo a que se desvinculasse da prestação de alimentos tal como fora fixada em tal Sentença.
Não o tendo feito, o progenitor manteve-se vinculado aos termos acordados na regulação, sendo devedor da prestação de alimentos em relação à sua filha B…, no montante mensal de 150,00€ até que a sua filha complete 18 anos e, para além da maioridade, até aos 25 anos, caso não tenha ainda sido concluída a sua formação (artigo 1880.º e 1905.º, n.º 2 do Código Civil).
No caso vertente, todavia, a recorrida não peticionou a prestação de alimentos relativa ao período em que o casal manteve a convivência em comum, isto é, até Junho de 2013.
Apenas e tão-só peticionou o pagamento das quantias vencidas a partir de Junho de 2013, data em que situa a cessação da convivência em comum, pois o recorrente passa a residir com a sua mãe, abandonando a residência familiar.
Importa agora averiguar se merece colhimento a alegação do recorrente no sentido de que procedeu ao pagamento de valores mais elevados, do que o resultante da soma das prestações mensais no valor unitário de 150,00€, uma vez que pagava semanada à recorrida no valor de 20,00€ e ainda procedia ao pagamento das contas da luz, água, televisão da residência familiar e ainda o colégio e outras despesas reclamadas pela própria recorrente relativas a telemóvel, depilação e convívios com amigos.
Conforme já referimos a prestação de alimentos a que o recorrente se obrigou compreendia o pagamento da quantia certa e determinada de 150,00€, mensalmente, montante este a transferir para a conta bancária titulada pela recorrida e pela progenitora.
Ora, decorre dos factos provados de forma inequívoca que o recorrente em momento algum o fez.
Foi apenas considerado como provado que o recorrente procedeu ao pagamento de uma dívida à F…, as despesas de educação do G… frequentado pela recorrida, no ano de 2014, as contas de electricidade entre Julho de 2013 e Abril de 2014, assim como as contas de televisão, internet e telefone entre Agosto de 2013 e Março de 2014, tudo prestações relacionadas com a habitação, que nada têm que ver com a prestação de alimentos devida, pois tais pagamentos não se prendem com a contribuição devida a título de vestuário, alimentação, educação e lazer da requerente.
Mais se diga que o pagamento do colégio da recorrida, ainda que parcial, foi determinado como cláusula extra à da mensalidade de 150,00€, não se incluindo, por isso e parcialmente, na prestação de alimentos devida pelo recorrente.
De resto, não foi considerado como provado que o recorrente procedeu ao pagamento da quantia de 20,00€ por semana à recorrida, tendo apenas se logrado apurar que o recorrente, entre Janeiro de 2014 e Fevereiro de 2015, procedeu à entrega de quantias pecuniárias à recorrida destinadas a que esta suportasse despesas pessoais tais como depilação, jantar com amigos, material escolar, alimentação do seu animal de estimação e carregamentos do telemóvel.
Contudo, também tais prestações não se relacionam com a obrigação de pagamento da prestação de alimentos propriamente dita.
Tais pagamentos extravasam a prestação de alimentos e com ela não se encontram relacionadas, uma vez que a prestação de alimentos foi fixada como uma prestação pecuniária fixa e unitária.
Por sua vez, conforme bem defende o Tribunal a quo, nada impede que o progenitor obrigado faça, por sua vontade, liberalidades ou pequenas ofertas aos seus filhos menores, como é o caso do pagamento de saídas de amigos, alimentação do seu animal de estimação, entre outros.
Contudo, tais prestações não se confundem com a prestação de alimentos fixada na acção de regulação das responsabilidades parentais que se prende com uma quantia que deve ser entregue ao progenitor residente, em ordem a que este administre e faça face às despesas do menor com o vestuário, alimentação, educação e lazer.
Não é pelo facto de o progenitor ter decidido pagar uma semanada (o que nem se provou) ou entregar quantias monetárias, no caso de a requerente pedir para a depilação, jantar com amigos ou inclusive material escolar, que fazem desonerar o progenitor da prestação de alimentos.
A verdade, porém, é que não foi possível apurar qual o montante global efectivamente recebido pela recorrida, nem tão-pouco as datas e montantes parciais dos alegados pagamentos para o sustento da recorrida – não obstante o recorrente ter sido convidado, por despacho de 30-05-2018, a complementar a alegação do facto extintivo da obrigação, mediante a indicação discriminada de todas as quantias em dinheiro que, até à maioridade da requerente, entregou à progenitora para pagamento da prestação de alimentos; de todas as quantias em dinheiro que, após a maioridade da recorrida, entregou a esta, para pagamento dos alimentos que foram fixados durante a menoridade; a indicação da data em que fez cada uma dessas entregas.
No caso vertente, não foi realizada qualquer alteração à prestação de alimentos tal como foi fixada na Sentença judicial proferida em 2005, pelo que a obrigação do requerido consistia tão-somente no pagamento da quantia mensal de 150,00€
Assim, não estando em causa problemas de incapacidade financeira por parte do recorrente para prover ao sustento da recorrida – pois, não foi alegado nem provado pelo requerido tais dificuldades, a não ser as que padece actualmente - não se pode deixar de concluir que o recorrente incumpriu a obrigação de prestar alimentos, na quantia mensal de 150,00€, de forma que lhe é imputável, desde Junho de 2013, pois bem sabia que se encontrava obrigado a fazê-lo, tendo acordado na acção de regulação das responsabilidades parentais no pagamento de 150,00€ mensais, sem que tenha alguma vez lançado mão quer da acção de cessação de prestação de alimentos, quer de alteração da prestação de alimentos.
Por sua vez, segundo o artigo 1905.º, n.º 2 do Código Civil, para efeitos do disposto no artigo 1880.º, entende-se que a pensão de alimentos estabelecida durante a menoridade do filho mantém-se para depois da maioridade e até que este complete 25 anos de idade, salvo se o respectivo processo de educação ou formação profissional estiver concluído antes daquela data, se tiver sido livremente interrompido ou ainda se, em qualquer caso, o obrigado à prestação de alimentos fizer prova da irrazoabilidade da sua exigência.
Com a introdução desta norma ficou definitivamente assente que a pensão de alimentos fixada durante a menoridade do filho, designadamente no âmbito da regulação do exercício das responsabilidades parentais, não cessa, ipso facto, com a maioridade deste, o que até então era controvertido na doutrina e na jurisprudência.
Assim, nos casos em que a pensão de alimentos foi fixada durante a menoridade do filho, o direito deste a alimentos está já reconhecido e o credor dispõe de um título executivo (a sentença ou o despacho do Conservador que homologaram o acordo ou a sentença que regulou o exercício das responsabilidades parentais), podendo lançar mão do artigo 48.º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível.
Cabe ao obrigado o ónus de propor a acção destinada à cessação da obrigação, mediante a alegação de factos que substanciem uma das seguintes três situações, enunciadas no texto legal: a conclusão do processo de educação ou formação profissional do filho; a interrupção desse processo por acto voluntário do filho; a irrazoabilidade da exigência dos alimentos.
Este regime tem, todavia, um termo certo, definido pelo artigo 1905.º, n.º 2: a data em que o filho completa os 25 anos do filho.
Isto significa, a contrario, que a prestação de alimentos fixada durante a menoridade caduca, naquele termo, ainda que continue a subsistir o direito a alimentos educacionais, nos termos previstos no artigo 1880.º, por a formação profissional do filho ainda não estar concluída. Neste caso, tem o filho o ónus de propor a acção destinada à renovação da pensão, com base no artigo 1880.º do Código Civil.
No caso vertente, foi fixada a prestação de alimentos durante a menoridade, no valor de 150,00€ mensais, sendo que a recorrida fez prova de que ainda não completou o seu percurso de formação, encontrando-se a frequentar o curso ….
Assim, não tendo o progenitor instaurado acção destinada a fazer cessar a obrigação de alimentos, alegando os fundamentos previstos no artigo 1905.º, n.º 2 in fine do Código Civil, a obrigação de alimentos fixada na menoridade manteve-se e mantém-se.
Tendo, porém, sido determinada a prestação de alimentos em 2005 e encontrando-se apenas agora (2018) a recorrida, na qualidade de maior, a peticionar o pagamento das prestações alimentares reportadas ao ano de 2013 e seguintes, impõe-se aferir se a conduta da mesma à luz da sequência lógica e histórica dos factos provados preenche os pressupostos do abuso de direito na modalidade da supressio.
Esta outra variante do abuso de direito funda-se na tutela da confiança e na boa-fé.
Segundo António Menezes Cordeiro, in “Litigância de Má-Fé, Abuso de Direito de Acção e Culpa In Agendo”, página 58, a supressio exige os seguintes requisitos: um não-exercício prolongado; uma situação de confiança, daí derivada; uma justificação para essa confiança; um investimento de confiança, e a imputação da confiança ao não-exercente.
O que a distingue do venire contra factum proprium é a ausência de factum (conduta anterior), bastando o decurso de um período de tempo significativo susceptível de criar à contraparte a fundada expectativa de que o direito não mais será exercido. Assim, o comportamento reiteradamente omissivo da parte que poderia exercer o direito, seguido, ao fim de largo tempo, de um acto comissivo com que a contraparte legitimamente já não contava, constitui abuso de direito na modalidade da supressio.
É desnecessária a ocorrência de culpa por parte do titular, bastando a situação objectiva criada a partir da sua inércia, geradora de justificada confiança da pessoa contra quem o direito se dirigia.
Mais do que sancionar a inércia do titular do direito, o objectivo da supressio é o de proteger a legítima confiança do terceiro que, ao fim de largo tempo, é surpreendido com uma demanda que já não esperava.
O tempo necessário para que a supressio opere dependerá muito das circunstâncias que, combinadamente, contribuam para a formação do estado de confiança, variando naturalmente de caso para caso.
É possível, no entanto, estabelecer algumas referências temporais. Assim, deverá ser inferior ao prazo de prescrição ordinária, que a lei fixa em 20 anos (artigo 309º do CC), porque de outro modo perderia utilidade; deverá, por outro lado, equivaler ao período necessário para convencer um homem comum, colocado na posição do real e perante as mesmas circunstâncias, de que não mais seria exercido o direito invocado.
Conforme tem sido sublinhado pela doutrina, a supressio (tal como outras modalidades do abuso de direito) é um remédio subsidiário para uma situação extraordinária e daí que sejam necessárias todas as cautelas na sua aplicação pelos tribunais.
Cremos, todavia, em sintonia com o defendido pelo Tribunal a quo, que no âmbito dos alimentos devidos a menores, pela sua própria natureza, isto é, por se encontrar intimamente relacionado com a dignidade da vida humana dos filhos, radicando numa ideia de justiça social e de imprescindibilidade para o sustento dos menores, não se compadece com a admissão da aplicação da supressio no caso como o dos autos.
Por um lado, o crédito a alimentos é, nos termos do artigo 2008.º, n.º 1 e 2 do Código Civil, irrenunciável, incedível, não susceptível de compensação e impenhorável, pelo que não se crê como legítima, em tese, a expectativa do progenitor obrigado, ciente da sua obrigação de prestar alimentos, de não mais proceder ao pagamento, pelo simples facto de não ter sido exigido o cumprimento durante um lapso de tempo.
Por outro lado, sempre seria intolerável vedar o exercício do direito do credor de alimentos, na qualidade de maior, reclamando o pagamento de prestações de alimentos vencidas, apenas e tão-só porque o progenitor residente durante a sua menoridade não cuidou de exigir o cumprimento por parte do progenitor obrigado. Veja-se que a existir essa expectativa por parte do progenitor obrigado, apenas foi criada pela inércia não do menor, verdadeiro credor e beneficiário dos alimentos, mas pelo comportamento do progenitor obrigado, único capaz de, durante a menoridade, exigir do progenitor não residente o cumprimento do pagamento da obrigação de alimentos. Assim, entender-se o contrário seria responsabilizar o credor de alimentos, agora maior, pela inércia do progenitor residente.
Assim, face a tudo quanto precede, conclui-se que o recurso de apelação interposto improcede, devendo confirmar-se a decisão recorrida, a qual se mostra muito bem fundamentada, argumentação, aliás, que acompanhamos.
Impõe-se, por isso, a improcedência da apelação.
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Sumariando em jeito de síntese conclusiva:
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4. Decisão
Nos termos supra expostos, acordamos neste Tribunal da Relação do Porto, em julgar improcedente o recurso interposto, confirmando a decisão recorrida.
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Custas a cargo do apelante.
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Notifique.

Porto, 13 de Junho de 2019.
Paulo Dias da Silva
Mário Fernandes
Amaral Ferreira