Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2709/20.3T8PRD.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: PAULO DUARTE TEIXEIRA
Descritores: PROCEDIMENTOS CAUTELARES
COMPETÊNCIA MATERIAL
ARRESTO DE BENS
PAGAMENTO DE TORNAS
INVENTÁRIO
TRIBUNAL DE FAMÍLIA
Nº do Documento: RP202102112709/20.3T8PRD.P1
Data do Acordão: 02/11/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA A DECISÃO
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - A competência material nos procedimentos cautelares coincide, e depende, da competência para a acção principal.
II - Esta acção pressupõe uma conexão, ainda que parcial, com o pedido e causa de pedir do procedimento.
III - Entre um procedimento de arresto de bens para pagamento de tornas e um inventário existe essa conexão, e não com uma execução, pois, a possibilidade deste vir a ser objecto de execução é futura e eventual.
IV - O tribunal de família é, por isso, competente para a tramitação de um procedimento de arresto intentado durante a pendência de um inventário, pendente num cartório notarial, em virtude da dissolução do matrimónio das partes.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. nº 2709/20.3T8PRD
1. Relatório
No decurso da providência cautelar de arresto intentada por B…, divorciada contra C…, ex-marido, alegando, em síntese que:
- Requerente e Requerido foram casados no regime de comunhão de adquiridos 4.07.1987 e 18.04.2016, data em que foi decretado o divórcio por sentença, transitada em julgado em 18.5.2016.
- Em 13.12.2016 a Requerente deu entrada do Requerimento de Inventário que deu origem ao processo n.º 6223/16 que corre termos junto da Notária D…, em Felgueiras.
- O Requerido, nomeado cabeça de casal, apresentou relação de bens que veio a ser reclamada pela Requerente, por não ter relacionado todos os bens comuns do ex-casal, tendo as partes chegado a acordo quanto ao relacionamento de alguns bens móveis não sujeitos a registo, quanto aos demais bens foram remetidos para os meios comuns;
Foi intentada acção que transitou, nos termos da qual existe, assim, com grande probabilidade, um crédito da Requerente para com o Requerido de, pelo menos, 44.214,76€.
Concluiu, assim, que tendo a requerente direito a uma quota que representa metade do património comum, independentemente de se saber que bens integram essa quota, existindo uma sentença a reconhecer o crédito da requerente, tendo já comunicado ao processo de inventário a decisão transitada em julgado da ação declarativa comum, onde se verificou, nomeadamente que o Requerido subtraiu 36.734,51€ da conta conjunta do ex-casal no dia 20 (4.245,63€) e 22 (32.488,88€) de Outubro de 2015, bem como alienou valores mobiliários, em proveito próprio, em três datas diferentes, em 29 de Outubro de 2015 o montante de 21.125,00€, em 04 de Julho de 2016 o montante de 5.000,00€ e em 30 de Setembro de 2016 o montante de 20.000,00€, e que, os referidos montantes foram subtraídos pelo Requerido sem conhecimento e autorização da Requerente, dispondo este dos bens confundindo-os com os seus bens próprios, não sabendo a Requerente o seu paradeiro, alega a requerente sério e profundo receio que o Requerido tenha dissipado o património comum do ex-casal.
Termina pedindo que SE DIGNE DECRETAR O ARRESTO DOS BENS ABAIXO IDENTIFICADOS, POR FORMA A GARANTIR O CRÉDITO DA REQUERENTE, CUSTAS E DEMAIS ENCARGOS DO PROCESSO, OUVIDA QUE SEJA A PROVA INDICADA.
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Admitido o procedimento e designada data para inquirição de testemunhas foi proferido despacho nos termos do qual o tribunal se considerou incompetente em razão da matéria, com os seguintes argumentos:
a) Pretende a requerente, com a presente providencia, assegurar o seu crédito, o qual, conforme refere, é o direito a tornas, em sede de partilhas por divórcio.
b) a ação principal do qual o presente arresto será dependência consubstancia-se na execução do respetivo direito a tornas, ou seja, numa execução para entrega de coisa certa, que enquanto tal não está contida nas referidas acções e execuções por alimentos, tratando-se antes de uma execução para entrega de coisa certa, em concreto, quantias monetárias que são devidas no âmbito da partilha que vier a ser homologada por sentença, no âmbito do processo de inventário já instaurado – nesse sentido vide Ac TRP de 17.07.2019, in www.dgsi.pt.
c) o inventário não corre neste tribunal.
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2. Inconformada veio a arrestante recorrer, concluindo, em suma que:
1. A Recorrente intentou uma providência cautelar de arresto contra o seu ex-marido, C…, na qual indicou como bens a arrestar bens próprios do Requerido.
2. A providência cautelar intentada é dependência do processo de inventário por divórcio que já se encontra a decorrer, desde 2016 na Notária D… em Felgueiras.
3. O Tribunal a quo entendeu que é incompetente para decidir sobre esta causa, por considerar que a ação principal, cujo arresto será dependência, não é o processo de inventário, mas sim de uma ação executiva.
4. O desfecho de tal entendimento culminou numa sentença de absolvição da instância, face à exceção dilatória de incompetência absoluta do Tribunal em razão da matéria, que declarou o Juízo de Família e Menores de Paredes incompetente, sentença da qual agora se recorre.
5. Andou mal o Tribunal ao decidir como decidiu. Pois, considerou a providência cautelar de arresto dependência de uma ação executiva como se já existisse um crédito certo e indiscutível da Recorrente, quando o mesmo ainda está a ser discutido no processo de inventário, havendo, apenas, uma grande probabilidade de existir.
6. Existe o direito a uma parte ideal dos bens por parte da Recorrente, que consubstancia o direito de crédito da mesma, requisito da providência cautelar de arresto, contudo só com o desfecho do processo de inventário é que o crédito da Recorrente se tornará certo e indiscutível.
7. É no processo de inventário, cuja causa tem por fundamento o direito que se pretende acautelar com a providência cautelar de arresto, que se discutem quais os bens comuns e respetivos valores que compõe o crédito da aqui Recorrente.
8. Pelo que, a ação principal da qual o arresto será dependência tem que ser a ação onde se discute a existência do crédito e o seu valor, por isso o inventário e não a ação executiva para entrega de coisa certa que também está dependente do desfecho do inventário.
9. Com a referida providência é intenção da Recorrente, assegurar o pagamento do seu crédito, a apurar, em sede de partilhas por divórcio, em virtude do seu direito a uma quota que representa metade do património comum do ex-casal.
10.Porquanto, os bens comuns do ex-casal relacionados no processo de inventário, que estão na posse do Requerido, não são suficientes para preencher a quota da Requerente sem recurso a tornas.
11.Uma vez que, existe já sentença de uma ação cível, paralela ao processo de inventário, que determina a existência de outros bens comuns do ex-casal, nomeadamente quantias monetárias, na posse do Requerido, que foram subtraídas por este das contas conjuntas do ex-casal, que não estão relacionados e a Recorrente não sabe que destino lhe foi dado.
12.A Recorrente, através do arresto pretende assegurar a existência de património do Requerido para pagamento do seu crédito, a apurar em sede de partilha, durante o decurso do processo de inventário e na dependência deste, pois não fosse o processo de inventário não existiria qualquer crédito nem receio deste não ser satisfeito.
13.Por outro lado, sempre se dirá que, se o arresto em causa fosse dependência da ação executiva para entrega de coisa certa, sempre o mesmo seria inútil na medida em que caducaria por não ser possível intentar a ação principal, no prazo legal de 30 dias após ser decretada a providência cautelar, nos termos do artigo 373.º do CPC, n.º 1, al. a).
14.Pois, sendo a ação executiva dependente do término do processo de inventário, e não se sabendo quando irá terminar, sempre seria impossível intentar a ação principal imediatamente após ser decretada a providência cautelar de arresto, cumprindo assim o prazo legal.
15.Nesta medida, não pode ser considerado o arresto dependência da ação executiva, a intentar após o desfecho do processo de inventário, por nem sequer ser possível intentar essa ação executiva, pelo menos por enquanto.
16.A ação executiva depende da existência de um título executivo, sem o qual não pode existir.
17.Tem que haver sentença no processo de inventário, transitada em julgado, o que não acontece e está longe de acontecer.
18.Ora, não havendo sentença não há título executivo, não pode haver ação executiva.
19.Por fim, sendo o arresto dependência do processo de inventário será competente o Tribunal de Família e Menores, concretamente o Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este – Juízo de Família e Menores de Paredes, de acordo com o artigo 122º, n.º 2 da Lei 62/2013, de 26 de Agosto.
20.Uma vez que, correndo o inventário em Cartório Notarial e não tendo os notários competência para decidir providências cautelares cabe aos referidos tribunais apreciar as mesmas.
21.Em face do exposto, não existe fundamento bastante para que o Tribunal recorrido determinasse a absolvição da instância, por incompetência absoluta do tribunal em razão da matéria, nos termos expostos.
22.Ao tê-lo feito, o Tribunal recorrido violou, entre outros, o disposto nos artigos 64º e 65º do CPC, 122º, n.º 2 da Lei 62/2013, de 26 de Agosto.
23.Pelo que, se impõe a revogação da sentença recorrida e a sua substituição por outra que reconheça a competência do Juízo de Família e Menores em razão da matéria, concretamente o Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este – Juízo de Família e Menores de Paredes, com o consequente prosseguimento da providência cautelar de arresto.
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3. A questão a decidir é determinar se o tribunal a quo é, ou não, materialmente competente para a tramitação deste procedimento cautelar.
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4. Motivação de facto
Decorre dos autos que:
1. B… intentou os presentes autos cautelares nº 2709/20.3T8PRD pedindo o arresto de vários bens que serão as tornas a receber nos autos de inventário por divórcio que pendem desde 2016 na Notária D… em Felgueiras.
2. Esse inventário foi intentado por causa da dissolução do matrimónio entre a requerente e requerido.
3. A Requerente, ora Recorrente, através do arresto pretende assegurar e acautelar a existência de património do Requerido para pagamento do seu quinhão.
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5. Motivação Jurídica
A decisão da questão dos autos é apenas a de determinar qual a acção principal da qual depende este procedimento cautelar.
Com efeito, a competência em razão da matéria para as providências cautelares, instauradas como incidente, como a generalidade das questões processuais que lhes digam respeito, não tem autonomia porquanto o procedimento cautelar está na dependência da acção principal nos termos dos art.º 91º, nº 1 e 364º, nº 3, do CPC.
Por isso, o tribunal que for materialmente competente para conhecer da acção é também competente para conhecer dos seus incidentes, e procedimentos cautelares mesmo que sejam preliminares à propositura da acção de que dependam[1].
E essa acção terá de ter uma conexão com o pedido e causa de pedir do procedimento de arresto porque nos termos do art. 364º, do CPC “o procedimento cautelar é dependência de uma causa que tenha por fundamento o direito acautelado”.
2. Caso essa causa seja uma execução (como pretende o tribunal a quo), o tribunal competente será o juízo de execução, conforme decisão, além do mais, deste mesmo coletivo por acórdão de 9.1.2019 in processo 812/05.9TBMCN-B., que decidiu que “O tribunal de família não é materialmente competente para executar uma sentença proferida num processo de inventário.

3. Mas, caso esse processo principal seja o processo de inventário intentado por causa da dissolução do casamento será, também, simples concluir que o tribunal competente é o tribunal de família[2].
Isto porque, após inúmero conflitos de competência é actualmente pacifico que compete ao tribunal de família, por força do disposto no artigo 81.º, alínea c) da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais (Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro) tramitar os inventários na sequência de divórcio, mesmo que requerido na Conservatória do Registo Civil.[3]
E, por isso, compete também aos juízos especializados de família e menores a competência material para preparar e julgar os procedimentos cautelares que sejam prévios ou incidentais dos processos de inventário instaurados em consequência de separação de divórcio (art. 122º, nº 2, da L.O.S.J.)[4].
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4. Importa, por isso determinar qual é a acção principal em relação a este procedimento cautelar.
O principio da dependência dos procedimentos cautelares pressupõe a existência de uma acção já pendente ou de outra que possa vir a ser instaurada no prazo de caducidade previsto no art. 373º, do CPC.
Isso é o que decorre do principio da coincidência em matéria de competência do Tribunal, consagrado no art. 364º, do CPC, nos termos do qual a competência para o procedimento depende da acção principal[5].
Abrantes Geraldes[6] (a propósito do art. 383º do CPC antigo e cuja redacção era idêntica à do nº 2 e 3 do actual art.º 364) afirma: “nestes casos, a competência por conexão sobrepõe-se aos restantes critérios”.
A ideia, subjacente a este regime, é a de se atribuir ao juiz da acção a competência para os termos da providência. Ou seja, fazer coincidir no mesmo juiz a competência para decidir quer a acção, quer o procedimento cautelar porque, em regra, entre o objecto da providência cautelar e da ação principal existe algum elemento de maior ou menor coincidência quanto ao direito que se pretende acautelar.
Ora, in casu essa coincidência existe entre o inventário e o arresto (este depende da existência e dimensão das tornas), mas não entre este e qualquer tipo de execução.
Na sua tese, o tribunal a quo, omitiu que além de não existir qualquer execução pendente a instauração da mesma não é certa (depende do incumprimento da obrigação de pagamento de tornas), nem é possível neste momento (a obrigação não é sequer exigível cf. art. 713.º CPC, nem está coberta com força executiva).
Logo, podemos concluir que além de ainda não existir qualquer acção de natureza executiva, esta nunca pode ser intentada no prazo de caducidade previsto na lei para o procedimento (art. 373º, do CPC), por falta de requisitos legais[7].
Ou seja, essa futura acção executiva é, não apenas isso (futura), mas também eventual e hipotética. Basta dizer que não é por existir titulo executivo que as execuções são intentadas, estas são intentadas por existir titulo e incumprimento de obrigações pelos executados. Ora, se assim é, fácil é concluir que a parte não pode apensar este arresto a nenhuma execução porque esta nem existe, nem sequer sabe se será ou não intentada.
Portanto, só por isso, é mais do que evidente que a tese do tribunal recorrido não pode ser aplicada, pois, imporia à parte uma exigência que esta nunca poderia cumprir, já que, não conseguiria propor “a ação da qual a providência depende
dentro de 30 dias contados da data em que lhe tiver sido notificado o trânsito em julgado da decisão que a haja ordenado”, art. 373º, nº1, al. A), do CPC.
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4.2. Mas, mais importante, importa ter em conta que o procedimento é apenso ou a uma acção existente (é o caso para todos os efeitos deste inventário, cuja tramitação e recurso cabe ao tribunal de família), ou a uma cuja instauração seja a consequência lógica e necessária do direito cujo exercício se procura salvaguardar.
Isto é, a dependência do procedimento face ao processo principal, visa precisamente proteger os efeitos do direito deste.
Os instrumentos cautelares são um instrumento (cautelar) de um instrumento (direito de acção). Por isso, terá de existir conexão, pelo menos parcial entre o procedimento requerido e a acção do qual depende.[8]
Nesta medida a formulação do art. 112º, do Código Procedimento Tribunais Administrativos é, mais esclarecedora, ao dispor que os procedimentos devem ser adequadas a assegurar a utilidade da sentença a proferir no processo principal.
Ora, o direito que a apelante pretende salvaguardar é o pagamento de tornas. A única acção imprescindível ao seu exercício é por isso o processo de inventário, já que a fase executiva só existe (tal como em todas as acções declarativas) caso o devedor não cumpra a obrigação constante do titulo executivo que é uma sentença.
Note-se que resulta do art. 364.º, n.º 1, CPC (aplicável ao arresto ex vi do estabelecido nos art. 376.º, n.º 1, CPC) que a causa da qual o arresto depende tem como fundamento o direito de crédito garantido (nosso sublinhado).
Do mesmo modo, decorre do art. 373.º, n.º 1, al. a), CPC (aplicável ao arresto por força do estatuído nos art. 376.º, n.º 1, e 395.º CPC) que a caducidade do arresto depende de “o arrestante não propor a acção relativa ao crédito garantido dentro de 30 dias contados da data da notificação da decisão que o tenha ordenado”.
Ou seja, a acção instrumental terá de estar ligada por algum dos seus elementos objetivos (pedido e causa de pedir) e subjectivos (partes) ao direito que se visa exercer.
Deste modo, a única acção que é actualmente necessária e imprescindível para a tutela dos direitos da parte é o inventário, pelo que será essa que a acção relevante para efeitos de conexão processual, pois, é aquela que:
a) foi exposta pela parte ao abrigo do principio do dispositivo;
b) constituiu um dos elementos da causa de pedir exposta;
c) constitui um dos elementos a apreciar em temos de apreciação sumária (a existência de um crédito de tornas).
Por isso, é seguro concluir que o procedimento deveria ser apenso ao processo de inventário, que por se encontrar pendente no cartório notarial, terá de ser instaurado e tramitado no tribunal competente, isto é, o de família.
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3. Por último, existe ainda um terceiro grupo de argumentos (em rigor) desnecessários, mas que podem ser uteis.
Mais do que um critério de decisão, por vezes, importa ter presente métodos operativos que, em caso de dúvida fundada reduzam a incerteza desse mesmo processo de decisão. Ora, um deles será sempre recorrer aos efeitos práticos da decisão e aos princípios gerais do procedimento em causa. O direito é suposto ser uma ciência social que visa reduzir e regular a conflitualidade social e, por isso, reduzir, mitigar ou eliminar problemas e não os fomentar. Depois, o processo civil é um ramo do direito instrumental que visa exercer a liberdade contratual, com o natural respeito pela vontade das partes. Por isso, em caso de dúvida sobre qual seria a acção principal, o tribunal deveria ter dado preponderância ao principio do dispositivo, nos termos do qual sempre caberia à parte optar pela concreta forma de tutela do seu direito. Ora, analisando o requerimento inicial nunca se faz menção a qualquer execução, mas pelo contrário descreve-se com precisão toda a tramitação do inventário que deu origem à alegada necessidade de instaurar o procedimento de arresto.
Acresce que, nos procedimentos cautelares existem factores de celeridade e efectividade no exercício de direitos, os quais, em regra não se compadecem com grandes demoras (arts 3 e 6.º do CPC). Logo, em caso de dúvida sobre a efectiva natureza da acção deveria ter sido cumprida a tramitação do art.º 364º, nº 2, do CPC, quando aí se estabelece que o procedimento (antecipado), «requerido antes de proposta a acção… é apensado aos autos desta, logo que a acção seja instaurada e se a acção vier a correr noutro tribunal, para aí é remetido o apenso, ficando o juiz da acção com exclusiva competência para os termos subsequentes à remessa».
VI. DECISÃO
Pelo exposto, este tribunal julga o presente recurso, totalmente procedente por provado e, por via disso, revoga a decisão do tribunal recorrido determinando que este é competente em razão da matéria para tramitar o procedimento cautelar de arresto.
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Sem custas porque obteve provimento total.
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Porto em 11.2.2021
Paulo Duarte Teixeira
Amaral Ferreira
Deolinda Varão
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[1] Cfr. Ac do TRC 19.3.2019, nº 2560/10.9TBPBL-B.C1 (Moreira do Carmo). Ac da RP de 7.4.2016, nº 393/14.2TTMTS-A.P1 (Paulo Carvalho).
[2] A LOSJ nos art.º 122.º a 124.º regula a competência dos juízos de família e menores. No art.º 122.º é prevista a competência destes juízos quanto a matérias relacionadas com o estado civil das pessoas e família, sendo contempladas no n.º 1 deste artigo diversas acções que compete a estes juízos preparar e julgar; acrescenta o n.º 2: “Os juízos de família e menores exercem ainda as competências que a lei confere aos tribunais nos processos de inventário instaurados em consequência de separação de pessoas e bens, divórcio, declaração de inexistência ou anulação de casamento civil, bem como nos casos especiais de separação de bens a que se aplica o regime desses processos.”
[3] Ac da RL de 25 de junho de 2013 (Processo n.º 6088/12.4TCLRS.L1-1).
[4] Ac da RG de 24.1.2019, nº 1551/18. 6T8VRL.G1.
[5] Por mais recente, usando este principio Ac da RE de 13.3.2020, nº 1601/19.9T8STR-A.E1 (Manuel Bargado).
[6] Temas da Reforma do Processo Civil, Procedimento Cautelar Comum, Vol. III, pág. 120.
[7] Cfr. a análise de Miguel Teixeira de Sousa de 19.12.2016, in https://blogippc.blogspot.com sobre um caso semelhante, mas não idêntico, “o arresto post sententiam”.
[8] Cfr. Marco GONÇALVES, Providências Cautelares, 2.ª edição, Almedina, 2016, e Rita de FARIA, A tutela cautelar antecipatória no processo civil português - Um difícil equilíbrio entre a urgência e a irreversibilidade, Universidade Católica Editora, Junho de 2016.