Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
347/09.0TYVNG-K.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: FÁTIMA ANDRADE
Descritores: INSOLVÊNCIA
ACTOS PROCESSUAIS
ENTREGA
CASA DE MORADA DE FAMÍLIA
SUSPENSÃO
Nº do Documento: RP20211004347/09.0TYVNG-K.P1
Data do Acordão: 10/04/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - O nº 11 do artigo 6º-B da Lei 1-A/2020 na redação introduzida pela Lei 4-B/2021, englobou duas situações - na redação anterior e posterior cindidas em duas alíneas - que legitimam a suspensão dos atos a realizar:
i- os atos relacionados com a concretização de diligências de entrega judicial da casa de morada de família, em sede de processo executivo ou de insolvência;
ii- os atos de entrega de locado, designadamente no âmbito das ações de despejo, dos procedimentos especiais de despejo e dos processos para entrega de coisa imóvel arrendada, quando por requerimento do arrendatário ou do ex-arrendatário e ouvida a contraparte, venha a ser proferida decisão que confirme que tais atos o colocam em situação de fragilidade por falta de habitação própria ou por outra razão social imperiosa.
II - No primeiro caso basta a demonstração de a entrega visar a casa de morada de família para que se suspendam os atos com a mesma relacionados.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº.347/09.0TYVNG-K.P1
3ª Secção Cível
Relatora – Juíza Desembargadora M. Fátima Andrade
Adjunta – Juíza Desembargadora Eugénia Cunha
Adjunta – Juíza Desembargadora Fernanda Almeida
Tribunal de Origem do Recurso - Tribunal Judicial da Comarca do Porto – Jz. de Comércio de Vila Nova de Gaia
Apelante/B… e C…
Apelados/Massa Insolvente de “D…, Lda.”

Sumário (artigo 663º nº 7 do CPC):
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Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto

I- Relatório[1]
i-D…, Lda.” foi declarada insolvente por sentença proferida em 26/06/2009.
ii- Os aqui recorrentes B… e C… reclamaram um crédito e respetivo direito de retenção sob a insolvência, sustentado num alegado incumprimento definitivo do contrato-promessa de compra e venda de fração que identificaram.
Incumprimento imputado à promitente-vendedora (insolvente), em data anterior à da sua declaração de insolvência.
Crédito que foi alvo de impugnação por outro credor.

Por sentença proferida em 10/10/2018 no respetivo apenso - B - de verificação e graduação de créditos [sentença esta confirmada por Acórdão deste TRP transitado em julgado], foram julgados provados entre outros os seguintes factos:
“1. Por escrito particular de 12.06.2002, denominado “Contrato Promessa de Compra e Venda”, a Insolvente, na qualidade de primeira outorgante, declarou prometer vender a E…, Lda. ou a quem esta indicasse, e esta, através do seu sócio e gerente F…, na qualidade de segunda outorgante, declarou prometer comprar, pelo preço de 114.723,51 €, a fração autónoma “C” do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Matosinhos sob o nº3189/20080401 – cf. doc. de fls. 380-381 destes autos e doc. de fls. 24-27 do apenso A, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
3. Do escrito particular de 3.02.2003, denominado «Contrato de Cessão de Posição Contratual», em que é primeira outorgante E…, Lda. e segundos outorgantes os impugnados B… e C…, consta: “1ª - Por contrato promessa de compra e venda celebrado em 12/06/2002, a primeira outorgante prometeu comprar à D…, Lda. (…) nas condições constantes do referido contrato promessa, o qual constitui anexo a este e faz parte integrante” – cf. doc. de fls. 378-379, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
4. Do escrito referido em 3) consta: “3ª - O preço da ora contratada cessão é de Euros: 157.121,34” – cf. cf. doc. de fls. 378-379, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
5. Do escrito referido em 3) consta: “4ª – Através do presente contrato a primeira contraente promete ceder aos segundos contraentes e estes por sua vez prometem tomar por cessão pelo preço de Euros 157.121,34 (…), a posição contratual que o aqui promitente cedente detém no contrato promessa referido na 1ª Cláusula supra”– cf. cf. doc. de fls. 378-379, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
6. Do escrito referido em 3) consta: “5ª – a) Como sinal e princípio de pagamento, os 2ºs contraentes entregarão à primeira contraente a quantia de Euros: 24 939,89 (…) que a primeira contraente dá quitação com assinatura do presente contrato. b) Até 10 de Março de 2003, a importância de Euros: 24.939,89 (…), como Reforço de Sinal e continuação de pagamento. c) A importância de Euros: 107.241,55 (…), na escritura definitiva de Compra e Venda” – cf. cf. doc. de fls. 378-379, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
7. Do escrito referido em 3) consta: “5ª – Com a presente cessão o segundo contraente ocupará a posição que o primeiro contraente detinha no contrato-promessa de compra e venda assumindo a titularidade de todos os direitos e obrigações” – cf. cf. doc. de fls. 378-379, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
8. Do escrito referido em 3) consta: “6ª – A escritura definitiva de compra e venda será efetuada logo após a obtenção da Licença de Habitabilidade a emitir pela Câmara Municipal …” – cf. cf. doc. de fls. 378-379, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
9. Por escrito particular de 21.03.2003, denominado «contrato de mútuo», G…, S.A. (atualmente, Banco H…, S.A.) concedeu aos impugnados B… e C… um empréstimo, no montante de 24.939,89 €, “destinado a reforço de sinal para aquisição de habitação” – cf. cf. doc. de fls. 67-70, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
10. Os Impugnados entregaram a E…, Lda., a título de sinal e princípio de pagamento, a quantia total de 49.879,78 €.
11. Desde Março de 2003, os Impugnados dormem, tomam refeições e recebem visitas na fração autónoma identificada em 1).
12. A Insolvente não marcou data para a celebração da escritura pública de compra e venda da fração autónoma identificada em 1).”

Em sede de subsunção jurídica dos factos ao direito, apreciando a impugnação do crédito reconhecido pelo AI a B… e C…, foi exposto o seguinte:
“Antes de mais, cumpre salientar que é sobre o titular do crédito e garantia (reconhecidos pelo Administrador da Insolvência) e impugnados que recai o ónus da prova dos direitos que reclama, conforme decorre do artigo 342.º, nº1, do Código Civil
(…)
Analisando o teor do acordo que E…, Lda. celebrou com a ora Insolvente, em 12.06.2002 (facto provado sob o nº1), verifica-se que as partes vincularam-se, reciprocamente, através de um contrato-promessa de compra e venda, tendo por objeto (mediato) uma fração autónoma.
(…) o contrato-promessa foi validamente celebrado, pois observou a forma escrita.
(…)
Encontra-se igualmente demonstrado que, por escrito particular de 3.02.2003, E…, Lda. cedeu a sua posição contratual de promitente-compradora aos Impugnados, como se conclui da factualidade sob os nºs 3 a 7.
(…)
A posição contratual cedida respeita a um contrato com prestações recíprocas, como acima ficou dito.
O outro contraente, aqui Insolvente, consentiu nessa transmissão, como consta expressamente da cláusula Segunda do contrato-promessa em apreço, na qual a promitente-vendedora promete vender à promitente-compradora “ou a quem esta indicar, pessoa singular ou coletiva” (cf. facto provado sob o nº1).
(…)
Por conseguinte, julga-se validamente transmitida para os Impugnados a posição contratual de E…, Lda. no sobredito contrato-promessa, desde 3.02.2003.
Os credores impugnados sustentam o seu direito de crédito e o respetivo direito de retenção no incumprimento definitivo do aludido contrato-promessa, por parte da promitente-vendedora, em data anterior à da sua declaração de insolvência.
(…)
o contrato-promessa de 12.06.2002, considera-se definitivamente incumprido pela promitente-vendedora, nos termos do artigo 808.º, nº1, do CIRE, em data anterior à da sua declaração de insolvência, somente verificada em 26.06.2009 (cf. facto provado sob o nº17).
No regime do Código Civil, o incumprimento do contrato-promessa de compra e venda e a sanção do mecanismo do sinal (artigo 442.º, nº2, do Código Civil) estão ligados à imputabilidade do incumprimento: se tal imputabilidade for do promitente-vendedor, este deve restituir o sinal recebido em dobro; se for do promitente-comprador, o mesmo perde o sinal prestado a favor do promitente-vendedor.
Sucede, porém, que os Impugnados, apesar de terem provado a entrega de sinal à promitente-compradora originária e cedente dessa posição contratual (cf. factos provados sob os nºs 6 e 10), não lograram demonstrar que esta havia efetuado qualquer pagamento à Insolvente por conta do preço convencionado no contrato-promessa (cf. facto provado sob o nº1 e facto não provado sob a al. a)).
Ademais, não ficou demonstrado – nem foi alegado – que a cedente entregou à Insolvente as quantias que lhe foram pagas pelos Impugnados-cessionários ou que a declaração de quitação constante do contrato-promessa (cf. facto provado sob o nº2) refletia uma compensação de créditos, fundada na pré-existência de um crédito de E…, Lda. sobre a ora Insolvente e a relevar nos termos dos artigos 847.º, nºs 1 a 3, e 848.º, nºs 1 e 2, do Código Civil.
Em suma: se o direito de crédito derivado da entrega de sinal não existia na esfera jurídica da cedente perante a Insolvente, o mesmo não se transmitiu aos Impugnados por via da cessão da posição contratual.
Destarte, não pode reconhecer-se aos Impugnados qualquer direito de crédito, nem, consequentemente, o invocado direito (real de garantia) de retenção, nos termos do artigo 755.º, nº1, al. f), do Código Civil.”
Na sequência do que foi decidido:
“I. Julgo a impugnação de Banco H…, S.A. procedente e, em consequência, declaro não verificado o crédito de B… e mulher C…, no valor total de 114.723,51 €.
II. Absolvo a impugnante Banco H…, S.A. do pedido de condenação como litigante de má-fé.
III. Procedo à graduação dos créditos ora verificados, nos seguintes termos:
(…)”
iii- Por requerimento de 27/02/2021 os ora recorrentes alegando ter sido notificados pelo AI [atento o trânsito em julgado do Ac. do TRP mencionado em ii] para entregar a fração que ocupam e que constitui a sua casa de morada de família, requereram a suspensão dos atos relacionados com a concretização de tal entrega judicial da sua casa de morada de família, ao abrigo do disposto no nº 11 do artigo 6º-B da Lei nº 4-B/2021, de 1 de Fevereiro.
Tendo a final peticionado que:
“A) SEJA IMEDIATAMENTE NOTIFICADO O ILUSTRE ADMINISTRADOR DE INSOLVÊNCIA PARA SUSPENDER E/OU INIBIR A ENTREGA DAS CHAVES E A DESOCUPAÇÃO DO IMÓVEL SITO AO 1º ANDAR ESQUERDO DO Nº …, DA RUA …, NA FREGUESIA …, CONCELHO DE MATOSINHOS, HABITADO PELOS REQUERENTES COMO CASA DE MORADA DE FAMÍLIA, MUITO MENOS POR RECURSO AO USO DA FORÇA PÚBLICA;
B) SEJA JULGADA PROVADA E PROCEDENTE A SITUAÇÃO DE FRAGILIDADE DOS REQUERENTES POR FALTA DE HABITAÇÃO PRÓPRIA E DAS RAZÕES SOCIAIS IMPERIOSAS SUPRA ALEGADAS, VINDO POR VIA DISSO E AO ABRIGO DO Nº 11 DO ARTIGO 6º-B DA LEI Nº 4-B/2021 A SUSPENDER-SE QUAISQUER ACTOS DE ENTREGA DO REFERIDO IMÓVEL;
C) EM CONSEQUÊNCIA, E PELAS MESMAS RAZÕES, A DIFERIR-SE A DESOCUPAÇÃO DO REFERIDO IMÓVEL PARA O PRAZO DE SEIS MESES A CONTAR DA DATA EM QUE CESSE O DEVER GERAL DE RECOLHIMENTO/CONFINAMENTO EMERGENTE DA PANDEMIA DA COVID-19.”
iv- Em 04/05/2021 foi proferida a seguinte decisão:
“Requerimento refª 38153683, de 27.02., 38456655 de 06.04.2021 e promoção de 22.03.2021:
B… e mulher C…, credores reclamantes no Apenso B, vieram requerer lhes seja concedido um prazo razoável para a desocupação do imóvel nunca inferior a 6 meses.
(...)
Os requerentes invocam o disposto no nº 11 do artigo 6º-B da Lei nº 4-B/2021, de 1 de Fevereiro, para requerer a suspensão das diligências de entrega do imóvel em causa, pedindo a concessão de um prazo não inferior a 6 meses a contar do momento em que cesse o dever de recolhimento domiciliário.
(…)
Da interpretação do citado preceito resulta que a suspensão em causa se aplica, apenas e tao só, aos arrendatários ou ex-arrendatários, não parecendo ser extensível a mais ninguém.
Dos autos resulta que os requerentes não têm essa qualidade, facto por eles reconhecido, bem como reconhecem que têm de entregar o imóvel.
Os requerentes vieram invocar que o imóvel é a sua casa de morada de família, não dispondo de outra habitação onde residir, porém, não são arrendatários nem ex-arrendatários do mesmo, não havendo norma que acautele a sua posição, pelo que, entendemos que não podem lançar mão do disposto no preceito supra citado.
Deste modo, entendemos ser de indeferir a suspensão na forma ora requerida.
Resulta, no entanto, dos autos que o A.I., tendo em atenção a situação exposta pelos requerentes e a fragilidade da mesma, diligenciou junto da Câmara Municipal … e ISS requerendo a intervenção das mesmas no sentido de ajudarem os requerentes a encontrarem uma casa com urgência, cfr. docs. juntos ao seu requerimento de 10.03.2021.
Assim, não obstante o indeferimento supra, atentas as diligencias realizadas pelo A.I., entendemos conceder aos requerentes um prazo de 3 meses para desocuparem o imóvel.
Notifique.”
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Notificados os requerentes do assim decidido em 04/05/2021 (e mencionado no ponto iv), interpuseram recurso de apelação em 24/05/2021, oferecendo alegações e formulando as seguintes
Conclusões
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Apresentou o MºPº contra-alegações, a final tendo concluído pela improcedência do recurso, face ao bem decidido pelo tribunal a quo.
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O recurso foi admitido como de apelação, com subida imediata e em separado, com efeito meramente devolutivo.
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Foram dispensados os vistos legais.
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II- Âmbito do recurso.
Delimitado como está o recurso pelas conclusões das alegações, sem prejuízo de e em relação às mesmas não estar o tribunal sujeito à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito, nem limitado ao conhecimento das questões de que cumpra oficiosamente conhecer – vide artigos 5º n.º 3, 608º n.º 2, 635º n.ºs 3 e 4 e 639º n.ºs 1 e 3 do CPC [Código de Processo Civil] – resulta das conclusões formuladas pelos apelantes ser questão a apreciar se ocorre errada subsunção jurídica dos factos ao direito, nomeadamente por erro na interpretação do artigo 6ºB nº 11 da Lei 1-A/2020, na redação introduzida pela Lei 4-B/2021 de 01/02.
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III- Fundamentação
As vicissitudes processuais a considerar para a apreciação das questões acima identificadas são as já constantes do relatório supra.
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Conhecendo.
Cumpre apreciar do invocado erro de direito.
Os recorrentes insurgem-se, em suma, contra o entendimento expresso pelo tribunal a quo quanto ao âmbito do disposto no nº 11 do artigo 6º-B da Lei 1-A/2020 na redação introduzida pela Lei 4-B/2021 de 01/02.
O tribunal a quo entendeu que a suspensão dos atos concretizadores de diligências para entrega judicial da casa de morada de família prevista em tal artigo só se aplica aos arrendatários ou ex-arrendatários.
Ao invés os recorrentes defendem que a suspensão ali prevista deve abranger outras situações, como a sua, em que em causa esteja no âmbito do processo de insolvência a entrega da casa de morada de família, apesar de inexistir contrato de arrendamento [vide conclusões VII e VIII].
Quando assim se não entenda, mais defendendo sempre ser de deferir a peticionada suspensão pelo período por si indicado – de seis meses – por demonstrada a difícil situação pessoal e familiar dos requerentes, ao invés dos 3 meses concedidos pelo tribunal [vide conclusões XII a XV].

Dispõe o artigo 6º-B nº 11 na redação dada pela Lei 4-B/2021 de 01/02 invocado pelos recorrentes:
“11 - São igualmente suspensos os atos a realizar em sede de processo executivo ou de insolvência relacionados com a concretização de diligências de entrega judicial da casa de morada de família ou de entrega do locado, designadamente, no âmbito das ações de despejo, dos procedimentos especiais de despejo e dos processos para entrega de coisa imóvel arrendada, quando, por requerimento do arrendatário ou do ex-arrendatário e ouvida a contraparte, venha a ser proferida decisão que confirme que tais atos o colocam em situação de fragilidade por falta de habitação própria ou por outra razão social imperiosa.”
Este diploma legal – Lei 1-A/2020 de 10/03 - surgiu em resposta à infeção epidemiológica por SARS-CoV-2 e doença COVID-19 e atenta a prevenção, contenção, mitigação e tratamento que a mesma demandou.
Tendo em tal contexto sido aprovadas medidas excecionais e temporárias, relacionadas com a prática de atos processuais e procedimentais.
Na redação inicial deste diploma legal previa-se no seu artigo 7º, nº 10 a suspensão das “ações de despejo, os procedimentos especiais de despejo e os processos para entrega de coisa imóvel arrendada, quando o arrendatário, por força da decisão judicial final a proferir, possa ser colocado em situação de fragilidade por falta de habitação própria.”
Protegia o legislador a posição do arrendatário que viesse a ficar em situação de fragilidade por falta de habitação própria no contexto epidemiológico verificado.
Nada se dizia então quanto aos atos praticados quer no processo executivo ou em processos de insolvência.
Através da Lei 4-A/2020 de 19/03 foi alterada a Lei 1-A/2020. O nº 10 do inicial artigo 7º passou para nº 11 com igual redação. E no nº 6 passou a estar prevista a suspensão de:
“(…)
b) Quaisquer atos a realizar em sede de processo executivo, designadamente os referentes a vendas, concurso de credores, entregas judiciais de imóveis e diligências de penhora e seus atos preparatórios, com exceção daqueles que causem prejuízo grave à subsistência do exequente ou cuja não realização lhe provoque prejuízo irreparável, nos termos previstos no n.º 2 do artigo 137.º do Código de Processo Civil, prejuízo esse que depende de prévia decisão judicial.”
Alargou assim o legislador a suspensão (no que ora releva) aos atos a realizar em sede de processo executivo, nomeadamente os relacionados com entregas judiciais de imóveis [al. b) deste nº 6].
Com a Lei 16/2020 de 29/05 o legislador revoga o artigo 7º e adita um novo artigo 6º-A no qual e entre o mais mantém o nº 11 do anterior artigo 7º, agora introduzido na al. c) do artigo 6ºA e alarga ao processo de insolvência a suspensão dos atos relacionados com a entrega judicial da casa de morada de família – vide artigo 6ºA nº 6 als. b) e c):
“6 - Ficam suspensos no decurso do período de vigência do regime excecional e transitório:
(…)
b) Os atos a realizar em sede de processo executivo ou de insolvência relacionados com a concretização de diligências de entrega judicial da casa de morada de família;
c) As ações de despejo, os procedimentos especiais de despejo e os processos para entrega de coisa imóvel arrendada, quando o arrendatário, por força da decisão judicial final a proferir, possa ser colocado em situação de fragilidade por falta de habitação própria ou por outra razão social imperiosa;”
Prevê ainda um novo fundamento de suspensão, sob o nº 7 deste mesmo artigo:
7 - Nos casos em que os atos a realizar em sede de processo executivo ou de insolvência referentes a vendas e entregas judiciais de imóveis sejam suscetíveis de causar prejuízo à subsistência do executado ou do declarado insolvente, este pode requerer a suspensão da sua prática, desde que essa suspensão não cause prejuízo grave à subsistência do exequente ou um prejuízo irreparável, devendo o tribunal decidir o incidente no prazo de 10 dias, ouvidas as partes.”
Em causa no processo executivo ou de insolvência, duas situações com diferentes pressupostos.
A situação prevista no nº 6 al. b) do artigo 6º A da Lei 1-A/2020 de 19/03, na redação introduzida pela Lei 16/2020 de 29/05 é aplicável às situações em que em causa está a entrega judicial de casa de morada de família ordenada no âmbito de processo executivo ou de insolvência, independentemente de o afetado por tal diligência ser parte processual ou terceiro.
A situação prevista no nº 7 deste mesmo artigo 6ºA respeita aos casos em que o afetado pela diligência de venda ou entrega judicial de imóvel pretendida e que não é casa de morada de família – por que para tal vigora a regra especial do nº 6 que funciona de forma automática - é o insolvente ou executado[2].
Dependendo a aplicação deste nº 7 da verificação dos requisitos ali indicados, nomeadamente a alegação e demonstração pelo executado ou insolvente de que tal entrega causará prejuízo grave à sua subsistência. Sem prejuízo da limitação prevista na última parte deste mesmo normativo.
No caso do nº 6 al. b) não são exigidos estes requisitos adicionais.
Bastando a demonstração de a entrega visar a casa de morada de família.
Nos autos não se discute que a entrega pretendida se reporta precisamente a casa de morada de família no âmbito de processo de insolvência.
Adicionalmente estando prevista a suspensão dos atos para entrega de coisa imóvel arrendada nos termos da al. c) deste mesmo artigo 6ºA.
Nova alteração viria a ser introduzida pela Lei 4-B/2021 de 01/02.
É revogado o artigo 6ºA e aditado, no que releva para os autos, o artigo 6ºB convocado pelos recorrentes.
No nº 11 deste artigo 6º-B passa a dispor-se:
São igualmente suspensos os atos a realizar em sede de processo executivo ou de insolvência relacionados com a concretização de diligências de entrega judicial da casa de morada de família ou de entrega do locado, designadamente, no âmbito das ações de despejo, dos procedimentos especiais de despejo e dos processos para entrega de coisa imóvel arrendada, quando, por requerimento do arrendatário ou do ex-arrendatário e ouvida a contraparte, venha a ser proferida decisão que confirme que tais atos o colocam em situação de fragilidade por falta de habitação própria ou por outra razão social imperiosa.”

Finalmente e já posteriormente ao despacho recorrido, nova alteração foi introduzida à Lei 1-A/2020, desta feita pela Lei 13-B/2021 de 05/04 e que entrou em vigor no dia seguinte 6/04 [vide artigo 7º desta última Lei].
Esta última Lei revogou o artigo 6ºB convocado pelos recorrentes e aditou um novo número 6ºE.
Tendo passado a reger sobre esta matéria o artigo 6ºE, de cujo nº 7 consta:
“7 - Ficam suspensos no decurso do período de vigência do regime excecional e transitório previsto no presente artigo:
(…)
b) Os atos a realizar em sede de processo executivo ou de insolvência relacionados com a concretização de diligências de entrega judicial da casa de morada de família;
c) Os atos de execução da entrega do local arrendado, no âmbito das ações de despejo, dos procedimentos especiais de despejo e dos processos para entrega de coisa imóvel arrendada, quando o arrendatário, por força da decisão judicial final a proferir, possa ser colocado em situação de fragilidade por falta de habitação própria ou por outra razão social imperiosa;”.
No seu nº 8 passando a prever-se:
“8 - Nos casos em que os atos a realizar em sede de processo executivo ou de insolvência referentes a vendas e entregas judiciais de imóveis sejam suscetíveis de causar prejuízo à subsistência do executado ou do declarado insolvente, este pode requerer a suspensão da sua prática, desde que essa suspensão não cause prejuízo grave à subsistência do exequente ou dos credores do insolvente, ou um prejuízo irreparável, devendo o tribunal decidir o incidente no prazo de 10 dias, ouvida a parte contrária.”.
As als. b) e c) do artigo 6º-E nº 7 correspondem à divisão em dois segmentos do que antes estava previsto num só número - o nº 11 do artigo 6º B.
Este nº 11 do artigo 6º B por seu turno resultara da junção das duas alíneas b) e c) do nº 6 do artigo 6ºA.
A sucessão legislativa relatada visa evidenciar o caminho seguido pelo legislador no sentido de alargar o campo de aplicação das medidas de suspensão dos atos relacionados com a entrega judicial da casa de morada de família. Desde a redação introduzida pela Lei 16/2020 tendo expressamente ficado prevista em sede de processo executivo ou de insolvência a suspensão das diligências relacionadas com a concretização da entrega judicial da casa de morada de família, independentemente de o afetado pela diligência ser parte ou terceiro e igualmente independentemente do título (justificado) a que o visado pela diligência se encontra no bem a entregar e que constitui a sua casa de morada de família.
A ser assim, julga-se assistir razão aos recorrentes.
O nº 11 do artigo 6º-B da Lei 1-A/2020 na redação introduzida pela Lei 4-B/2021, englobou duas situações - na redação anterior e posterior cindidas em duas alíneas - que legitimam a suspensão dos atos a realizar:
i- os atos relacionados com a concretização de diligências de entrega judicial da casa de morada de família, em sede de processo executivo ou de insolvência;
ii- os atos de entrega de locado, designadamente no âmbito das ações de despejo, dos procedimentos especiais de despejo e dos processos para entrega de coisa imóvel arrendada, quando por requerimento do arrendatário ou do Ex arrendatário e ouvida a contraparte, venha a ser proferida decisão que confirme que tais atos o colocam em situação de fragilidade por falta de habitação própria ou por outra razão social imperiosa.
No primeiro caso basta a demonstração de a entrega visar a casa de morada de família para que se suspendam os atos com a mesma relacionados[3].

Procede nestes termos a argumentação principal dos recorrentes.
Demonstrado ser a casa alvo de entrega a sua casa de morada de família, estavam os mesmos protegidos pelo regime legal então e ainda vigente.
Nos termos do artigo 6º-B nº 11 [hoje 6ºE nº 7 al. b)] da Lei 1-A/2020 é de deferir a pretendida suspensão das diligências de entrega judicial da casa de morada de família dos recorrentes, até à cessação da vigência do regime excecional e transitório previsto na Lei 1-A/2020.
Termos em que procede o recurso interposto.
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IV. Decisão.
Pelo exposto, acordam os Juízes do Tribunal da Relação do Porto em julgar totalmente procedente o recurso interposto.
Consequentemente e revogando a decisão recorrida, determina-se a suspensão dos atos relacionados com a concretização de diligências de entrega judicial da casa de morada de família dos recorrentes enquanto perdurar a vigência do regime excecional e transitório previsto no artigo 6ºB nº 11 (atual 6º-E nº 7) da Lei 1-A/2020.
Custas pela recorrida massa insolvente.
Notifique.

Porto, 2021-10-04.
Fátima Andrade
Eugénia Cunha
Fernanda Almeida
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[1] Consigna-se ter-se procedido à consulta eletrónica dos processos principal e apensos.
[2] Cfr. sobre esta questão e interpretação destes dois normativos – artigo 6º A nºs 6 e nº 7, Ac. TRP de 09/11/2020 nº de processo 1391/18.2T8AMT-D.P1; Ac. TRP de 24/11/2020, nº de processo 96/20.9T8OAZ-C.P1 in www.dgsi.pt
[3] Cfr. neste sentido Ac. TRP de 24/05/2021 nº de processo 2966/15.7T8STS-G.P1 in www.dgsi.pt.