Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
756/22.0T8VLG-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MARIA JOSÉ SIMÕES
Descritores: ACÇÃO EXECUTIVA
INJUNÇÃO
RESPONSABILIDADE CONTRATUAL
ERRO NA FORMA DE PROCESSO
Nº do Documento: RP20220926756/22.0T8VLG-A.P1
Data do Acordão: 09/26/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: RECURSO IMPROCEDENTE; DECISÃO CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - A indemnização prevista na cláusula penal e a indemnização por encargos com a cobrança de dívida que a recorrente peticionou por via da injunção não emergem directamente do contrato, mas da sua resolução por incumprimento e daí não poder considerar-se uma obrigação “stricto sensu”.
II - Tais indemnizações situam-se no campo da responsabilidade civil contratual, por via do incumprimento, as quais são expressamente excluídas do procedimento de injunção (artº 2º nº 2 al. c) do DL nº 62/2013 de 10 de Maio, que transpôs a Directiva nº 2011/7/EU do Parlamento Europeu e do Conselho de 16/02/2011).
III – Deve ser liminarmente indeferido o requerimento executivo quanto aos pedidos indemnizatórios referidos, porquanto o erro na forma de processo não permite qualquer adequação processual ou convite a aperfeiçoamento, consubstanciando nulidade de todo o processo e que conduz à absolvição da instância – artºs 193º, 576º, nº 2, 577º nº 1 al. b) e 578º todos do CPCivil e artº 14º-A nº 2 al. a) do Regime dos Procedimentos, DL nº 269/98 de 01/09.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Pº nº 756/22.0T8VLG-A.P1
(576)

Sumário:
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ACÓRDÃO

Acordam os Juízes do Tribunal da Relação do Porto

I – RELATÓRIO

N..., S.A. veio interpor a presente ação executiva contra AA com vista ao pagamento da quantia de € 5.475,74 e dando à execução um requerimento de injunção no valor de € 3.549,06, do qual diz estar em dívida ovalor de € 3.549,06 e no qual reclama o pagamento da fatura nº. ..., emitida em 20 de fevereiro de 2017 e vencida em 22 de março de 2017 no valor de € 1.670,00 referente ao “incumprimento do período mínimo do contrato”, reclamando ainda o pagamento da quantia de € 568,90 “a título de indemnização pelos encargos associados à cobrança da dívida”.
No requerimento executivo faz acrescer aos referidos € 3.549,06 a quantia de € 1.926,68 que diz respeitar aos juros de mora contabilizados à taxa legal comercial desde a entrada da injunção, dos juros compulsórios e das quantias exigíveis nos termos do art.º. 33º. nº. 4 da L. 32/2014 e artº. 26º. nº. 3 al. c) do RCP.

Notificada para vir esclarecer que montantes respeitam às quantias exigíveis nos termos do art.º. 33º. nº. 4 da L. 32/2014 e quais as que reclama ao abrigo do disposto no artº. 26º. nº. 3 al. c) do RCP veio dizer que reclamava ao abrigo do artº. 33º. nº. 4 da L. 32/2014, € 94,10 e ao abrigo do artº. 26º. nº. 3 al. c) do RCP, € 19,13.

Por despacho de 25/05/2022 e ao abrigo do disposto nos artº. 726º. nº. 2 al. a) e 734º. do CPC, foi indeferido liminarmente o requerimento executivo quanto à quantia de € 2.258,03 prosseguindo os autos para cobrança das quantias de € 1.310,16 e € 94,10, acrescidas dos juros moratórios a calculados sobre os valores e desde a data de vencimento das faturas que integram o capital de € 1.174,48 e dos juros compulsórios a contar da data de aposição da formula executória calculados sobre o referido capital de € 1.174,48.

Inconformada, apelou a exequente, apresentando alegações cujas conclusões são as seguintes:
1. Foi indeferido, liminarmente, o requerimento executivo pelo Tribunal a quo, por ter considerado que “estamos perante o uso indevido do procedimento de injunção o que configura erro na forma de processo” relativamente à importância de € 1.670,00 (incumprimento contratual) e a quantia de € 568,90 (a título de indemnização pelos encargos com a cobrança da dívida”).
2. Salvo, porém, o devido respeito, tal decisão carece de oportunidade e fundamento, uma vez que,
3. O procedimento injuntivo é um meio adequado para peticionar o pagamento da obrigação resultante da aplicação da cláusula penal acordada para o incumprimento do período de fidelização, bem como,
4. A injunção é um meio adequado para peticionar ao devedor o pagamento dos referidos custos administrativos relacionados com diligências de cobrança da dívida.
5. Outra conclusão seria manifestamente contrário ao “espírito” legislativo associado à criação do DL 269/98, de 01 de Setembro, conforme decorre, indubitavelmente da leitura do preâmbulo deste diploma legal.
De tudo quanto ficou exposto, resulta que, a decisão proferida nos presentes autos
- violou o artigo 1º do diploma preambular anexo ao DL 269/98, de 01 de Setembro.
- violou o art.º 590º do CPC
- violou o artigo 726.ºn.º 2 al. a) do CPC
Nestes termos e nos demais de direito, que doutamente se suprirão, deve ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se a decisão recorrida.

Não foram apresentadas contra-alegações.

Foram dispensados os vistos legais.

II – QUESTÕES A RESOLVER

Como se sabe, o âmbito objectivo do recurso é definido pelas conclusões do recorrente importando decidir as questões nelas colocadas – e, bem assim, as que forem de conhecimento oficioso –, exceptuadas aquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras – artºs. 635º, 639º e 663º, todos do Código Processo Civil.
Assim, em face das conclusões apresentadas, são as seguintes as questões recursivas a resolver por este Tribunal:
- Saber se o procedimento injuntivo e a acção especial para cumprimento de obrigações pecuniárias são uma via processual adequada para peticionar o pagamento de uma quantia resultante do incumprimento do período de fidelização estabelecido num contrato de prestação de serviços, bem como o valor relativo a despesas de cobrança.

III- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Os factos pertinentes à resolução do presente recurso decorrem do antecedente relatório, sendo que o despacho recorrido é do seguinte teor:
«N..., S.A. veio interpor a presente ação executiva contra AA com vista ao pagamento da quantia de € 5.475,74 e dando à execução um requerimento de injunção no valor de € 3.649,06, do qual diz estar em dívida o valor de € 3.549,06 e no qual reclama o pagamento da fatura nº. ..., emitida em 20 de fevereiro de 2017 e vencida em 22 de março de 2017 no valor de € 1.670,00 referente ao “incumprimento do período mínimo do contrato”, reclamando ainda o pagamento da quantia de € 568,90 “a título de indemnização pelos encargos associados à cobrança da dívida”.
No requerimento executivo faz acrescer aos referidos € 3.549,06 a quantia de € 1.926,68 que diz respeitar aos juros de mora contabilizados à taxa legal comercial desde a entrada da injunção, dos juros compulsórios e das quantias exigíveis nos termos do art.º. 33º. nº. 4 da L. 32/2014 e artº. 26º. nº. 3 al. c) do RCP.
Notificada para vir esclarecer que montantes respeitam às quantias exigíveis nos termos do art.º. 33º. nº. 4 da L. 32/2014 e quais as que reclama ao abrigo do disposto no artº. 26º. nº. 3 al. c) do RCP veio dizer que reclama ao abrigo do artº. 33º. nº. 4 da L. 32/2014, € 94,10 e ao abrigo do artº. 26º. nº. 3 al. c) do RCP, € 19,13.

Nos termos do artigo 7º do DL n.º 269/98 de 1 de setembro (DL n.º 269/98 de 1 de setembro) considera-se injunção “a providência que tem por fim conferir força executiva a requerimento destinado a exigir o cumprimento das obrigações a que se refere o artigo do diploma preambular ou das obrigações emergentes de transações comerciais abrangidas pelo Decreto-Lei n.º 32/2003 de 17 de fevereiro”.
Do exposto, resulta que são duas as situações que podem fundamentar o uso deste processo especial: transações comerciais nos termos do Decreto-Lei n.º 32/2003 de 17 de Fevereiro e o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato de valor não superior a 15.000 Euros.
Do alegado pela exequente e do requerimento de injunção dado à execução resulta que este foi intentado, no que respeita às faturas referida em cima, não para o cumprimento de obrigação emergente de contrato de valor não superior a 15.000 Euros mas, antes, para fazer valer direitos indemnizatórios concernentes à responsabilidade contratual inerente ao incumprimento do contrato celebrado com o executado. Estamos, de facto, no âmbito da responsabilidade civil contratual por via do incumprimento que, como decorre do disposto no artigo 2º c) do DL 32/2003, não pode ser exercida através do procedimento de injunção.
Em suma, estamos perante o uso indevido do procedimento de injunção o que configura erro na forma de processo.
Decorre do artigo 193º do CPC que “o erro na forma de processo importa unicamente a anulação dos atos que não possam ser aproveitados, devendo praticar-se os que forem estritamente necessários para que o processo se aproxime, quanto possível, da forma estabelecida na lei”. Estamos diante do princípio da conservação ou do aproveitamento dos atos viciados. O mesmo preceito legal estabelece, no entanto, um requisito inultrapassável ao dispor que “não devem aproveitar-se os atos praticados, se do facto resultar uma diminuição de garantias do réu”.
Assim, não podia a exequente ter-se socorrido do procedimento de injunção para se fazer munir de título executivo relativamente à importância de € 1.670,00 já que o regime processual da injunção “só é aplicável às obrigações pecuniárias diretamente emergentes de contratos, pelo que não tem a virtualidade de servir para a exigência de obrigações pecuniárias resultantes, por exemplo, de responsabilidade civil, contratual ou extracontratual.” – Salvador da Costa, A Injunção e as Conexas Acção e Execução, 6ª. ed., pág. 48. O procedimento de injunção devia ter sido recusado pela secretaria com fundamento na pretensão nele deduzida não se ajustar à finalidade do procedimento, em conformidade com o que dispõe o artº 11º n.º 1 al. h) do Regime Anexo ao Dec. Lei 269/98 de 01/09, na redação introduzida pelo Dec. Lei 107/2005 de 01/07 ou, não o tendo sido, sempre devia o secretário judicial ter recusado a aposição da formula executória, conforme prevê o artº 14º n.º 3 do citado diploma. E não obstante a questão não tenha sido suscitada no procedimento de injunção pela requerida, nada obsta a que na ação executiva ela possa ser apreciada uma vez que, como vimos, está subjacente o erro na forma de processo o que consubstancia nulidade de todo o processo, e constituiu uma exceção dilatória de conhecimento oficioso que conduz à absolvição da instância - arts. 193º, 576°, n.º 2, 577º, n.º 1, al. b) e 578º. do C.P.C. e 14º.-A nº. 2 al. a) do Regime dos Procedimento a que se refere o artº. 1º. do D.L. 269/98 de 1 de setembro.
E igual conclusão vale para a quantia de € 568,90 “a título de indemnização pelos encargos com a cobrança da dívida” pois que tal não deixa de ser um direito indemnizatório concernente à responsabilidade contratual que, como vimos, não pode ser exercido através do mecanismo simplificado da injunção.
Quanto à quantia reclamada com fundamento no disposto no artº. 26º. nº. 3 al. c) do RCP. A liquidação da obrigação de pagamento das custas de parte que o artº. 533º. do CPC faz recair sobre a parte vencida é regulada pelas normas dos artºs. 25º. e 26º. do RCP, devendo a mesma e a respetiva interpelação ocorrer até ao momento previsto no nº 1 do artigo 25º do RCP. e as que venha a ter direito em virtude da interposição da presente execução apenas são reembolsáveis a final e nos termos do disposto no artº. 541º. do C.P.C. e Regulamento das Custas Processuais. Do que se conclui que carece em absoluto de título a pretensão da exequente de receber a quantia de € 19,13 a título de custas de parte previstas no artº. 26º. nº. 3 al. c) do Regulamento das Custas Processuais.

Pelo exposto e ao abrigo do disposto nos artº. 726º. nº. 2 al. a) e 734º. do CPC indefiro liminarmente o requerimento executivo quanto à quantia de € 2.258,03 prosseguindo os autos para cobrança das quantias de € 1.310,16 e € 94,10, acrescidas dos juros moratórios a calculados sobre os valores e desde a data de vencimento das faturas que integram o capital de € 1.174,48 e dos juros compulsórios a contar da data de aposição da formula executória calculados sobre o referido capital de € 1.174,48.
Custas do decaimento pela exequente. Notifique».

IV – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

O despacho recorrido indeferiu liminarmente o requerimento executivo por se ter entendido estar-se perante o uso indevido do procedimento de injunção, assim configurando erro na forma de processo relativamente à importância de € 1.670,00, respeitante a incumprimento contratual e à quantia de € 568,90, respeitante a indemnização por encargos com a cobrança de dívida.
Por seu turno, a recorrente entende que o procedimento injuntivo é o meio adequado para peticionar o pagamento da obrigação resultante da aplicação da cláusula penal acordada para o incumprimento do período de fidelização, dado tal encargo constituir uma obrigação pecuniária de valor determinável e resultar da celebração de um contrato de prestação de serviços e respectivo incumprimento, de acordo com o artº 1º do diploma preambular ao DL nº 269/98 de 01/09.
Vejamos a quem assiste razão.
De facto, nos termos do artº 1º do diploma preambular ao DL nº 269/98 de 01/09, a injunção destina-se a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior a € 15.000,00 (quinze mil euros).
Todavia, a indemnização prevista na cláusula penal que a recorrente peticionou por via da injunção não emerge directamente do contrato, mas da sua resolução por incumprimento e daí não poder considerar-se uma obrigação “stricto sensu”.
Veja-se que a recorrente confirma isso mesmo no corpo alegatório do seu recurso ao dizer que «O consumidor não realiza o pagamento das mensalidades, motivando a desactivação do serviço, o que, por sua vez, origina a emissão de factura relativa ao incumprimento do período de fidelização, quando este, obviamente, ainda não decorreu».
Tal indemnização situa-se, assim, no campo da responsabilidade civil contratual, por via do incumprimento, a qual, como bem é referido no despacho recorrido, é expressamente excluída do procedimento de injunção (artº 2º nº 2 al. c) do DL nº 32/2003 de 17/02).
Este diploma que transpôs para o ordenamento jurídico interno, a Directiva nº 2000/35/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de Junho, era expresso ao dispor serem excluídas do âmbito da sua aplicação “Os pagamentos efectuados a título de indemnização por responsabilidade civil, incluindo os efectuados por companhias de seguros” – cfr. o citado artº 2º nº 2 al. c).
Entretanto, tal diploma veio a ser revogado pelo DL nº 62/2013 de 10 de Maio, que transpôs a Directiva nº 2011/7/EU do Parlamento Europeu e do Conselho de 16/02/2011, que aprovou medidas contra os atrasos no pagamento de transacções comerciais, mas manteve intacta a referida exclusão (vide, artº 2º nº 2 al. c) deste diploma).
É este, de resto, o entendimento vertido na numerosa jurisprudência e na doutrina citadas no Ac. de 07/06/2021 deste TRP (Pº nº 2495/19.0T8VLG-A.P1) consultável em www.dgsi.pt e que, aqui nos permitimos seguir de perto.
Relativamente à quantia de € 568,90, respeitante a indemnização por encargos com a cobrança de dívida, teremos de chegar à mesma conclusão, por tal pedido, constituir igualmente uma indemnização respeitante à responsabilidade contratual e, como bem é referido no despacho recorrido, tal pedido está excluído do âmbito do mecanismo simplificado da injunção.
Com efeito, os procedimentos especiais previstos no DL nº 269/98 de 01/09, designadamente o procedimento de injunção, configuram-se como mecanismos marcados pela simplicidade e celeridade, vocacionados para a cobrança simples de dívidas, de molde a aliviar os tribunais da massificação decorrente de um exponencial aumento de acções de pequena cobrança de dívidas (cfr. ac. do TRP de 29/10/2015, pº nº 126391/14.1Y1PRT.P1, disponível em www.dgsi.pt).
Deste modo, porque o erro na forma de processo não permite qualquer adequação processual ou convite a aperfeiçoamento, consubstanciando nulidade de todo o processo e que conduz à absolvição da instância – artºs 193º, 576º, nº 2, 577º nº 1 al. b) e 578º todos do CPCivil e artº 14º-A nº 2 al. a) do Regime dos Procedimentos, DL nº 269/98 de 01/09 - bem andou o Tribunal a quo ao indeferir liminarmente o requerimento executivo quanto às quantias supra referidas.
Improcede, assim, a apelação.

V - DECISÃO

Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação do Porto, em julgar totalmente improcedente o recurso de apelação e, em consequência, confirmar a decisão recorrida.

As custas ficam a cargo da recorrente (artigo 527º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil).

(Processado por computador e integralmente revisto pela Relatora)

Porto, 26/09/2022
Maria José Simões
Abílio Costa
Augusto de Carvalho