Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
8233/21.0T8VNG-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: TERESA SÁ LOPES
Descritores: REPERCUSSÃO DA DECISÃO DO PROCEDIMENTO CAUTELAR NA AÇÃO
DECISÃO PROFERIDA SOBRE A ADMISSIBILIDADE DE DETERMINADO MEIO DE PROVA
PRESSUPOSTOS DE ADMISSIBILIDADE DAS IMAGENS CAPTADAS POR SISTEMA DE VIDEOVIGILÂNCIA COMO MEIO DE PROVA
Nº do Documento: RP202403048233/21.0T8VNG-A.P1
Data do Acordão: 03/04/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE; ANULAÇÃO DA SENTENÇA
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: I - O que for decidido no procedimento cautelar em termos de mérito não se repercute no mérito da ação, assim como a convicção formada em sede de procedimento cautelar, a partir de um meio de prova, sobre determinada matéria de facto, também não é vinculante ou seja, pode o juízo que vier a ser formado na ação a esse respeito ser outro.
II - Questão diversa é a da decisão proferida desde logo em sede cautelar sobre a admissibilidade de determinado meio de prova valer para o processo principal.
III - “é de aceitar as imagens captadas por sistema de videovigilância como meio de prova em processo disciplinar e na subsequente ação judicial em que se discuta a aplicação de sanção disciplinar, mormente o despedimento, desde que sejam observados os pressupostos que decorrem da legislação sobre a proteção de dados e concomitantemente se conclua que a finalidade da sua colocação não foi exclusivamente a de controlar o desempenho profissional do trabalhador.”
IV - Assim sucede no quadro circunstancial apurado por o sistema de registo B... ter sido instalado no veículo de trabalho para maior proximidade com os clientes transportados e apuramento dos resultados semanais, não tendo em vista o controlo do desempenho profissional dos motoristas.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº8233/21.4T8PRT.P1
Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo do Trabalho de Vila Nova de Gaia – Juiz 2
Recorrente: A..., LDA,
Recorrido: AA
Relatora: Teresa Sá Lopes
1º Adjunto: Desembargador António Luís Carvalhão
2ª Adjunta: Desembargadora Germana Ferreira Lopes

1. Relatório (aproveitando o relatório efetuado na sentença):
Partes:
1. Trabalhador: AA.
2. Empregadora: A..., LDA,
Pedidos da reconvenção:
- que seja a ré condenada a indemnizar o autor pelos danos não patrimoniais, consequentemente, condene a ré no pagamento de uma indemnização ao autor por danos não patrimoniais que ascende a €5.000,00 (cinco mil euros);
- que seja a ré condenada a pagar a retribuição de férias que ainda não pagou ao autor por conta do ano de 2021, consequentemente, condene a ré no pagamento de €665,00 referente à retribuição de férias inerente ao ano de 2021;
- que seja a ré condenada a indemnizar por substituição de reintegração o autor, consequentemente, condene a ré no pagamento dessa indemnização;
- que seja a ré condenada a pagar as retribuições que o autor não tem vindo auferir e que já ascendem a €1.330,00 (mil trezentos e trinta euros), isto sem prejuízo das que se forem vencendo até ao trânsito em julgado, consequentemente, condene a ré no pagamento de todas as retribuições;
- que a ré seja condenada em litigante de má-fé, porquanto, alterou a verdade dos factos e omitiu outros tantos relevantes para a decisão da causa.
Causa de pedir
Ilicitude do despedimento por ultrapassagem do prazo para iniciar o procedimento disciplinar. Nulidade do procedimento porque foi instaurado por procurador da gerência com procuração nula. Falsidade dos fundamentos do despedimento e violação do art. 20º, 1, CT.

Foi proferida sentença, com o seguinte dispositivo:
“Julga-se procedente a ação e ilícito o despedimento de AA
Julga-se a reconvenção parcialmente procedente e condena-se a empregadora A... LDA a pagar ao trabalhador:
– 7.387,18€ (sete mil trezentos e oitenta e sete euros e dezoito cêntimos) de indemnização em substituição da reintegração, acrescidos de juros de mora, à taxa legal, contados desta data;
- 11.956,94€ (onze mil novecentos e cinquenta e seis euros e noventa e quatro cêntimos), de retribuições que deixou de auferir desde o despedimento até esta data, bem como as que se forem vencendo até ao trânsito em julgado, deduzidas das importâncias referidas no artigo 392º, 2, a) e c), do Código do Trabalho, a liquidar em execução de sentença;
Do mais pedido em via reconvencional, absolve-se a empregadora.
Julga-se improcedente o pedido de condenação da empregadora como litigante de má-fé
Valor processual: 7.387,18€ + 11.956,94€ (valores acima referidos) + 5.000€ (indemnização danos não patrimoniais) + 665,00€ (férias 2021) = 25.009,12€.
Custas na proporção do decaimento que se fixa em 77,65% para a empregadora e 22,35% para o trabalhador.”

A Ré/Entidade empregadora interpôs recurso de tal decisão, finalizando com as seguintes conclusões:
“1. Vem o presente recurso interposto da douta sentença proferida nos presentes autos, que decidiu do mérito da causa e pôs fim à mesma, julgou a ação de impugnação judicial da regularidade e ilicitude do despedimento procedente e declarou ilícito o despedimento do Autor AA.
2. A decisão identifica as seguintes questões a decidir, que analisa de forma individualizada:
A - validade das provas obtidas através dos Registos B...;
B - caducidade do procedimento;
C -validade da procuração passada pela gerência a quem instaurou o procedimento e suas consequências;
D - se havia fundamento para o despedimento com justa causa
E - não havendo, se a relação entre autor e ré começou com contrato de prestação de serviços;
F - valores a que o trabalhador tem direito caso o despedimento seja ilícito
G - litigância de má-fé da empregadora
3. A ora Recorrente delimita o presente recurso apenas às questões A,D,E, e F: validade das provas obtidas através dos Registos B... / se havia fundamento para o despedimento com justa causa / não havendo, se a relação entre autor e ré começou com contrato de prestação de serviços / valores a que o trabalhador tem direito caso o despedimento seja ilícito.
4. O Tribunal “a quo” apreciou como questão prévia a da validade dos meios de prova obtidos através dos registos do sistema -plataforma online – da B... para fundamentar a decisão disciplinar de despedimento com justa causa do aqui Recorrido.
5. E com fundamento de que os registos do sistema B... constantes do processo disciplinar intentado contra o aqui Recorrido foram utilizados para fiscalizar o comportamento e desempenho do trabalhador e sobre ele atuar disciplinarmente, o que não é uma finalidade legítima à luz do RGPD, declarou nulas as provas obtidas com recurso aos registos do B..., constantes das seguintes folhas do processo disciplinar em anexo ao procedimento cautelar: 30-37, 39, 40, 42-57, 59-69, 71-93, 95-98, 100-104, 106-112, 114-116, 118-124, 126-133, 135-141, 143-145, 147-156, 158-174, 176- 189, 191-203, 202-212, 214 e 215.
6. Acontece que tal questão já havia sido apreciada anteriormente pelo Venerando Tribunal da Relação do Porto, no âmbito do recurso interposto pelo aqui Recorrido da decisão proferida no procedimento cautelar de suspensão do despedimento que antecedeu a presente ação e de que esta é anexo.
7. No acórdão proferido no procedimento cautelar, o Venerando Tribunal da Relação do Porto concluiu que: “…vendo os factos indiciariamente provados não encontramos neles nada que aponte para que fosse visado o controlo do desempenho do trabalhador e que fosse posta em causa a esfera de privacidade e reserva do trabalhador.”
8. Mais salientou o douto acórdão do Venerando Tribunal da Relação: “… aquilo que resulta é que semanalmente é feito o apuro de cada motorista de táxi (…) e para conferir as contas (…) são conjugados os dados recolhidos da leitura do taxímetro (…), do conta-quilómetros (…) e da aplicação B... (…).
9. É de referir que os factos indiciariamente dados como provados em sede de procedimento disciplinar, são exatamente os mesmos que foram dados como provados no procedimento disciplinar e exatamente os mesmos que foram dados como não provados na douta decisão ora recorrida.
10. E decidiu o Venerando Tribunal da Relação do Porto, no supra citado acórdão:
“Assim, não se pode dizer que o sistema B... não pudesse ser admitido como meio de prova no procedimento disciplinar.”(…), o que, a contrario, sempre terá de admitir-se que o sistema B... como meio de prova no procedimento disciplinar é válido e lícito.”
11. O douto acórdão proferido pelo Venerando Tribunal da Relação do Porto recaiu sobre a relação processual, designadamente sobre a admissibilidade de um concreto meio de prova – os registos do sistema B... – pelo que, formou-se caso julgado formal sobre essa matéria.
12. O caso julgado formal “só é vinculativo no próprio processo (e respectivos incidentes que correm por apenso) em que a decisão foi proferida, obstando a que o juiz possa na mesma ação, alterar a decisão proferida - mas não impede que a mesma questão processual seja decidida em outra ação, de forma diferente pelo mesmo tribunal ou por outro tribunal” .– Cfr. Remédio Marques, na obra supra citada , pág. 644.
13. Embora o supra citado acórdão tenha sido proferido em sede de Procedimento Cautelar e a decisão ora recorrida já em sede de ação principal de impugnação judicial sobre a regularidade e licitude do despedimento, sempre será de concluir que ambas são proferidas sobre o mesmo objeto e no âmbito do mesmo processo.
14. O procedimento cautelar corre sempre por apenso à ação principal de que depende; é autuado ao processo principal como um apenso, como incidente daquela; pelo que sem sombra de dúvida, estamos no âmbito do mesmo processo.
15. E assim sendo, a decisão proferida pelo Venerando Tribunal da Relação do Porto admitindo os registos do sistema B... como meio de prova válido/legal no procedimento disciplinar, formou caso julgado formal sobre esta matéria; pelo que, não poderia o Tribunal “a quo” apreciar novamente esta questão.
16. E ainda que assim não se entendesse, dúvidas não subsistem que estamos perante duas decisões sobre o mesmo objeto, totalmente contraditórias/antagónicas, proferidas no âmbito do mesmo processo.
17. Dispõe o art. 625.º do CPC que, havendo «duas decisões contraditórias sobre a mesma pretensão, cumpre-se a que passou em julgado em primeiro lugar» (n.º 1); e é «aplicável o mesmo princípio à contradição existente entre duas decisões que, dentro do processo, versem sobre a mesma questão concreta da relação processual» (n.º 2).
18. Ou seja, ocorrendo casos julgados contraditórios, a lei resolve apelando ao critério da anterioridade: vale a decisão contraditória sobre o mesmo objeto que tenha transitado em primeiro lugar, e ainda, do mesmo modo, quando estejam em causa decisões que, dentro do mesmo processo, versem sobre a mesma questão concreta da relação processual.
19. O Tribunal “a quo” ao apreciar e decidir pela nulidade das provas obtidas em sede de procedimento disciplinar com recurso aos registos da B... violou o caso julgado formal, viola expressa e manifestamente o disposto no n.º 1 do art. 620º do CPC, o que determina a sua nulidade insuprível, nos termos do disposto na al. d) do nº 1 do art. 615º do CPC.
20. Ainda que assim se não entenda, cumpre salientar que a Recorrente não fiscalizava/controlava os percursos efetuados pelas suas viaturas (táxis) em tempo real. Mas, tão-só no final de cada semana, já depois de ter apurado com o respetivo motorista o número de quilómetros percorridos naquela semana e o valor em euros registado no taxímetro. Se a intenção fosse monitorizar o trabalhador/motorista, como é óbvio, a fiscalização/controlo era feita “ao segundo e ao metro” como se refere na douta decisão recorrida.
21. O objetivo da Recorrente com a análise dos trajetos/percursos efetuados pelos veículos de que é proprietária foi sempre e tão-só, o de confirmar se os quilómetros percorridos na totalidade dos trajetos feitos naquela semana, por cada veículo, correspondem, aproximadamente, com os apurados na conferência do conta-quilómetros. Porquanto é da média feita entre o número de quilómetros efetivamente percorridos e o valor registado no taxímetro que o Recorrente apura o valor em euros de cada quilómetro e verifica se a atividade é ou não rentável.
22. Ademais, como se refere na douta decisão recorrida, a aplicação está instalada num tablet ou num telemóvel com ligação ao taxímetro – neste caso num telemóvel – que o trabalhador não tem necessariamente que trazer consigo quando se ausenta do veículo.
23. Este sistema não regista imagem, nem som, mas tão-só os percursos efetuados pela viatura, desde o início até ao fim, identifica a viatura pelo número da respetiva licença de táxi, o número do trabalhador que está adstrito a esta viatura, a data e hora em que foi efetuado aquele percurso a distância percorrida (em quilómetros) e o estado do taxímetro durante o mesmo.
24. Não há qualquer hipótese de verificar se durante um exato percurso registado pelo sistema B..., foi efetuado em concreto por um ou outro motorista, pois o sistema não regista qualquer dado pessoal do motorista.
25. A instalação deste sistema no táxi, teve como único objetivo permitir que o Recorrido exercesse a atividade de motorista de táxi, e recebesse (como todos) os serviços da Central, o lugar de aparcamento nas posturas, etc. e porque, permitindo a localização da viatura, permite uma maior segurança e proteção dos motoristas, permitindo evitar, muitas vezes, que o motorista seja alvo de agressões e/ou assaltos.
26. O sistema da B... é pois, imprescindível para o exercício da atividade de táxi nos moldes supra referidos e visa a segurança e proteção dos motoristas; pelo que, a sua utilização é legal e permitida face ao disposto nos nºs 2 e 3 do art. 20º do Código do Trabalho.
27. Decidindo-se, como se reclama, que a prova obtida por recurso à plataforma online da B... é válida e não está ferida de nulidade, os pontos 128.i) a 162.ww) da matéria de facto dada como não provada na sentença ora recorrida terão que passar a constar dos Factos provados, porquanto a matéria factual aí vertida é a que resulta dos registos da B....
28. Atento a matéria factual vertida nos pontos 93.ll) a 99.tt) dos Factos Provados e a matéria factual vertida nos pontos 128.i) a 162.ww) (constante dos Factos Não Provados, mas que terá de integrar os Factos Provados atenta a validade da prova) é forçoso concluir que os factos narrados consubstanciam um comportamento ilícito, culposo e grave do aqui Recorrido, violador dos deveres de respeito, zelo, diligência, obediência e lealdade previstos nas alíneas c), e), f) e h) do art. 128º do C.T..
29. Tais comportamentos quebraram irremediavelmente as relações de confiança e respeito que presidem ao vínculo laboral, o que impossibilita irremediavelmente a manutenção da relação laboral.
30. Está, pois, verificada e abundantemente provada, a justa causa para o despedimento do aqui recorrido.
31. Ou seja: face à matéria factual ora dada como provada, sempre terá de se decidir que o Recorrido com a sua conduta ilícita, cometeu as infrações previstas no n.º1 e alíneas a), d) e e) do n.º 2 e n.º 3 do artigo 351º do C.T., pelo que o despedimento com justa causa é lícito e regular.
32. A Recorrente, nos presentes autos, alega que a relação laboral entre Autor e Ré só existe a partir de Março/2020, pois, até essa data, o vínculo que existiu entre eles foi de um verdadeiro contrato de prestação de serviços e não um contrato de trabalho.
33. O Tribunal “a quo” decidiu que “havia subordinação jurídica. Logo, contrato de trabalho desde 1/9/2015.”; decisão esta, com a qual a recorrente não se conforma.
34. Aceita-se e corrobora-se o vertido na douta sentença ora recorrida no que concerne á caracterização de contrato de trabalho e de contrato de prestação de serviços e, bem assim, quanto ao disposto no art. 12º do CT, no que concerne á presunção da existência de contrato de trabalho. (Ponto 246 a 258.)
35. Nos termos do disposto no art. 342º nº 1 do Código Civil compete ao trabalhador, aqui Recorrido, alegar e provar a existência de contrato de trabalho, a existência de subordinação jurídica. E, temos para nós, que a prova da existência de subordinação jurídica terá de ser feita diretamente, demonstrando que recebia ordens e instruções sistemáticas da parte da Ré/Recorrente no decurso da sua atividade.
36. Resulta da matéria factual provada que o Recorrido estava na posse da chave do veículo, conduzia o veículo e exercia a atividade de motorista de táxi num período diário das 6:00h às 18:00h, sem qualquer controlo da Recorrente no que concerne a horas (onde se inclui a assiduidade, a duração do período diário de trabalho, as pausas e intervalos, horas de descanso), percursos (onde se inclui os serviços/percursos realizados, posturas frequentadas, etc) e, de uma maneira geral, sem qualquer controlo da Recorrente sobre o modo como exercia diariamente a sua atividade de motorista de táxi.
37. Ou seja, era o Recorrido que decidia o seu horário de trabalho, os serviços que aceitava e os que não aceitava, a hora a que fazia as suas refeições, as posturas onde aparcava e os percursos que fazia, com total liberdade, sem qualquer tipo de fiscalização ou controlo da Recorrente.
38. Acresce que, o Recorrido não tinha remuneração fixa: auferia quantias variáveis, correspondentes a 35% do apuro diário que efetuava.
39. Não resultou provado que, até Março/2020, o Recorrido efetuasse algum registo de assiduidade, ou que estivesse, por qualquer forma, sujeito à autoridade, disciplina e ordens da Recorrente. O Recorrido não logrou demonstrar as horas de trabalho diário e semanal que praticava, as horas de pausas e/ou intervalos que levou a cabo, se marcou e gozou férias e quando, se recebeu subsídio de férias e de Natal, etc…
40. É, pois, forçoso concluir que o aqui Recorrido não logrou demonstrar, como lhe competia, os factos indispensáveis e necessários que permitissem concluir pela existência de um contrato de trabalho desde 2015 até Março/2020.
41. A manter-se a douta decisão recorrida no que concerne à declaração de ilicitude do despedimento do aqui Recorrido (o que só por dever de patrocínio se admite) sempre se dirá que os valores que a Recorrente vem condenada a pagar por força da citada ilicitude não estão corretos.
42. Vem a recorrente condenada a pagar ao agora Recorrido: a quantia de € 7.387,18 a título de indemnização em substituição da reintegração, acrescidos de juros de mora, à taxa legal, contados desta data e a quantia de € 11.956,94 a título de retribuições que deixou de auferir desde o despedimento até esta data, bem como as que se forem vencendo até trânsito em julgado, deduzidas das importâncias referidas no artigo 392º n.º 2 al. a) e c) do CT.
43. No item das retribuições que o Recorrido deixou de auferir desde o despedimento até à data da decisão recorrida, o Tribunal “a quo” apura o valor de € 11.956,94 somando os seguintes valores: € 1.330,00 [referentes à retribuição dos meses de Novembro e Dezembro/2021 (€665x2)] + € 364,68 (referentes a proporcionais das férias, subsídios de férias e de Natal não pagos do ano 2021) + € 9.870,00 [referentes a retribuições do ano 2022 (€705x14)] + € 392,26 (referentes a 16 dias do mês de Janeiro).- Cfr. pontos 282 a 288 da decisão recorrida.
44. Porém, resulta do ponto 122 dos Factos Provados que “Por transferências bancárias realizadas nos dias 29/10/2021 e 30/11/2021, com o vencimento de Outubro, foram pagos os proporcionais de férias, do subsídio de férias e do subsídio de Natal do ano corrente, nos valores, cada um deles, de € 543,44 e indemnização de férias não gozadas no montante de € 362,73.
45. Ou seja, a Recorrente nada deve ao recorrido a título de proporcionais das férias, subsídios de férias e de Natal, que foram devidamente pagos juntamente com a retribuição do mês de Outubro.
46. Logo, o montante de € 364,68 referente aos citados proporcionais, incluindo no valor global de € 11.956,94 referente a retribuições a pagar pela Recorrente ao Recorrido, não é devido. Ou seja, o valor de € 11.956,94 a que a Recorrente foi condenada a pagar ao Recorrido não está correto devendo ser corrigido para € 11.592,26, como se reclama (€ 11.956,94 - € 364,68) .
47. Por outro lado, a este valor de € 11.592,26, haverá ainda, nos termos do disposto na al. a) do n.º 2 do art. 390º do CT, que deduzir todas as prestações pecuniárias auferidas pelo Recorrido, desde o despedimento ate à data da douta decisão recorrida, provenientes de trabalho prestado a outras entidades/pessoas; pois, como foi referido pela testemunha BB, o Recorrido está, já, a trabalhar como motorista de táxi noutra entidade patronal.
48. Há ainda que deduzir, nos termos do disposto na al. c) do n.º 2 do art. 390º do CT, as quantias recebidas pelo Recorrido, durante este período a título de subsídio de desemprego.
49. No que concerne às deduções legais, a douta decisão recorrida apenas prevê a dedução das importâncias referidas no art. 390º n.º 2, als. a) e c) do Código do Trabalho relativamente às retribuições que se foram vencendo desde a data da decisão recorrida até ao trânsito em julgado.
50. Porém, também às retribuições devidas desde a data do despedimento até à data em que foi proferida a decisão ora recorrida, são aplicáveis as deduções previstas no supra citado preceito legal.
51. Dispõe ainda o art.98º -N do CPT que : “Sem prejuízo do disposto no n.º 2 do artigo 390.º do Código do Trabalho, o tribunal determina, na decisão em 1.ª instância que declare a ilicitude do despedimento, que o pagamento das retribuições devidas ao trabalhador após o decurso de 12 meses desde a apresentação do formulário referido no artigo 98.º-C até à notificação da decisão de 1.ª instância seja efetuado pela entidade competente da área da segurança social.
52. A douta decisão recorrida nenhuma referência faz, como devia, sobre os montantes que ao abrigo do disposto no supra citado art. 98º-N, são da competência da Segurança Social pagar ao Recorrido.
53. Pelo contrário, a sentença proferida condena a Recorrente no pagamento das retribuições referentes a esse período; pelo que, enferma de nulidade nos termos da al. d) do nº 1 do art. 615º do CPC.
54. Foi violado o disposto no nº 1 do art. 620º, al. d) do nº 1 do art. 615º ambos do CPC, n.ºs 1 e 2 do art. 20º do CT, n.º 1, als. a) d) e e) do n.º 2 e n.º 3 do art. 351º do CT, arts. 11º e 12º do CT, art. 1154º do Código Civil, n.º 1 e als. a) e c) do n.º 2 do art. 390º do CT e art. 98º - N do CPT.
NESTES TERMOS E NOS MELHORES EM DIREITO SENDO DADO PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO DE APELAÇÃO E DECIDINDO-SE EM CONFORMIDADE, COM O ALEGADO, DECLARANDO NULA A SENTENÇA PROFERIDA OU ENTÃO REVOGANDO A SENTENÇA PROFERIDA PELO TRIBUNAL “A QUO”, NO SENTIDO DA PROCEDÊNCIA DOS PEDIDOS FORMULADOS, FAR-SE-Á A ACOSTUMADA E HABITUADA JUSTIÇA!”

Contra-alegou o Trabalhador, sem formular conclusões, nos termos que se transcrevem:
“O recorrido foi notificado das alegações e conclusões da recorrente, ora vendo a decisão consideramos que a mesma não padece de qualquer mácula, aliás é uma decisão doutamente proferida;
Desta feita a recorrente não tem um qualquer argumento válido que aponte à referida decisão;
Contudo, mesmo assim a recorrente entendeu que a sentença padecia, no entender dela, de pontos que considera em crise, nomeadamente, a) que houve decisão sobre o mesmo assunto e que considera ser caso julgado, b) que houve justa causa para o despedimento, c) que não havia contrato de trabalho, d) que entende que os valores não estão certos, e) que o recorrido está a trabalhar para outra entidade empregadora (demonstra com matéria de facto, no entanto não indica o respetivo ponto e passagem onde se encontra tal na ata de audiência de julgamento), f) que é nula a sentença na parte do pagamento que seria da competência de outra entidade;
Nós, voltando a olhar a sentença não vemos em crise os pontos acima descritos, na verdade olhando o acórdão proferido no processo cautelar não vemos que aquele acórdão se tenha debruçado para lá do indiciário, tal como fez esta sentença, isto é, o acórdão debruçou-se em parte sobre o tema, mas debruçou-se na parte indiciária que na altura tinha sido indiciariamente demonstrada, enquanto que a sentença apurou pela prova documental e testemunhal que tal sistema permite “uma monitorização constante, ao segundo e ao metro, da localização do veículo logo do seu condutor” e mais “que tal tecnologia não está na viatura mas sim num telemóvel que acompanha o condutor”, aliás sustentou a sentença, e muito bem, que a jurisprudência do Tribunal da Relação do Porto em tempos se debruçou sobre o tema e decidiu nesse sentido (tal como foi vertido na sentença, nos pontos 27 e 28), logo isto não foi invenção do Tribunal “ad quo”;
Em rigor o Tribunal “ad quo” constatou que este sistema deveria ser usado como sistema de despacho (algo lícito) e não para ser utilizado ilicitamente para controlo do trabalhador (ora, algo ilícito) e é neste particular aspeto que dizemos que o Tribunal “ad quo”, na pessoa do Exmo. Senhor Juiz chegou a uma conclusão inteligente e de facto brilhante que enaltece o direito, por consequência considerou que o uso de um sistema intrusivo da vida do trabalhador, para lá das funções que tinha, era dar um fim diferente para aquele que tal sistema foi concebido e por tal apontou para a nulidade da prova de tal sistema;
Portanto, quanto a este tema entendemos que nada existe a apontar à decisão e que tal não é sequer caso julgado material, porque o que no Acórdão se verteu foi uma coisa (indícios) e na sentença foi outra (demonstração efetiva da realidade dos factos);
Quanto ao que a recorrente entende e considera como tendo sido justa causa, nós só temos a referir (com o enorme respeito pela recorrida) que as alegações finais foram: que não houve factos ilícitos, na verdade o autor estava acusado de retirar dinheiros com tais comportamentos (vd. motivação ponto 52, pp), ss) etc.), ora a conclusão do Tribunal “ad quo” é muito simples e direta “dos provados não resulta a infração de qualquer dever laboral pelo trabalhador”, porque a recorrida não junta pontos de facto em contrário, o certo é que toda a sua nota de culpa e todo o seu relatório final foi dado como não provado, portanto, logo por aqui os factos que sustentavam o despedimento não se encontram provados e por tal é de todo legitimo e rigoroso o raciocínio do Exmo. Sr.º Juiz do Tribunal “ad quo”;
Portanto, neste ponto temos a referir que não existe argumento válido à recorrente para demonstrar que os factos são verdadeiros, aliás tem dois pontos negativos: o de alegar no final da audiência que o autor nunca esteve acusado de ficar com dinheiros e outro; o de não sustentar o recurso com a impugnação da matéria de facto (640.º do C. P. C.) para inverter a prova que foi feita contra o seu relatório final de despedimento, logo a sentença não padece do que lhe foi imputado;
Quanto ao contrato de trabalho e a esta alegação é de facto inusitada, porque de facto para lá das presunções de direito previstas no artigo 12.º do Código de Trabalho, que a recorrente não ilidiu, importa referir que a mesma tinha um documento assinado, ora o qual tinha um conteúdo de direito de trabalho e o certo é que seguindo as normas de direito civil, no que toca à prova, vemos que as declarações no contrato são atribuídas às partes, ou melhor, vemos que a relação que foi constituída é de direito de trabalho (e que a recorrente não conseguiu mostrar o contrário), portanto, as declarações no documento são suas e do recorrido, logo o artigo 374.º, n.º 1 do Código Civil determina que tal é visto como prova plena (em conjugação com o artigo 376.º, n.º 1 do C. C), e que o modo de contrariar a prova plena teria de ser com outro meio de prova que demonstrasse que tal facto não era verdadeiro, porém retornando ao caso concreto, a recorrida nem sequer se aproximou disto e agora como se vê também não impugna matéria de facto;
Portanto, por aqui a recorrente não tem argumentos válidos para impugnar tal parte da decisão e por isso a sentença não padece do que aquela lhe aponta;
No outro ponto, vendo os valores que a recorrida entende deduzir, agora sustentada em alegada verbalização por prova testemunhal, esta que não se vê por demonstrada no requerimento de recurso o concreto ponto e passagem onde tal foi dito, contudo, certo é que arguiu tal, tal que não foi dado como provado, portanto, por aqui não vemos onde a recorrente consegue sustentar tal facto;
Nem na parte que o recorrido recebeu subsídio de desemprego, porque não recebeu em momento algum subsídio de desemprego, até porque ele foi despedido pela recorrente;
Portanto, nesta parte entendemos que a recorrente não tem razão no que afirma e assim chegamos ao mesmo que assim vimos dizendo, a sentença não padece de vícios;
Por último a recorrente refere que o pagamento dos montantes em causa devem ser pagos pela Segurança Social e que por isto não ter sido dito na sentença, tal faz com a esta seja nula, ora nós ao vermos o artigo 98.º-N, retiramos que as retribuições intercalares e após o decurso de 12 meses são pagas pela segurança social, ora se virmos que o nosso requerimento foi entregue em 02/11/2021 e a decisão só ocorreu em 17/01/2023, estaríamos inclinados para dar conta que desde 02/11/2022 estas retribuições seriam da responsabilidade da Segurança Social, porém, olhando o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, n.º de processo 16995/17.2T8LSB.L2.S1 e datado de 17/03/2022, esta inclinação cai e cai, porque este. Acórdão refere que durante tal não se contam as férias judiciais, assim tendo em conta que houve férias judiciais de Natal de 2021, férias judiciais da Páscoa de 2022, férias judiciais do Verão de 2022 e ainda férias judiciais de Natal de 2022, entendemos que a recorrente não tem razão em tal apontamento, porém a tê-lo ela sempre seria responsável pelo pagamento até 02/11/2022 e daí em diante a Segurança Social, contudo não é o caso;
Todavia, o que importa é que em lado algum se aponta que uma eventual falha na sentença de tal ordem à Segurança Social implica uma nulidade da sentença.
Portanto, aqui chegados e pelo que acima dissemos entendemos que a recorrente não tem razão, por efeito, deve ser mantida na integra a sentença recorrida;
CHEGADOS AQUI E NOS MELHORES TERMOS DE DIREITO QUE V/EXA.(S) DOUTAMENTE SUPRIRÃO REQUER-SE QUE A SENTENÇA, ORA EXARADA, SEJA MANTIDA NA INTEGRA, PORQUANTO NÃO PADECE DOS PROPALADOS VICIOS QUE A RECORRENTE AFIRMA.
FAZENDO-SE ASSIM A HABITUADA E SÃ JUSTIÇA.”
Termina referindo que deve ser julgado improcedente o presente recurso.

O recurso foi admitido tendo sido proferidos os seguintes despachos:
“Nulidades da sentença arguidas pela recorrente
Nas alegações de recurso, é invocada a nulidade da sentença prevista no art. 615º, 1, d), CPC a propósito da invalidação da prova obtida pelo sistema B... e pela omissão de referência aos valores a cargo da Segurança Social por força do disposto no art. 98º-N CPT.
Dispõe o art. 615º, 1, d), CPC que é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
A recorrente defende que era vedado ao tribunal apreciar a validade da prova obtida através do B... porque no procedimento cautelar, em sede de recurso, o Tribunal da Relação já decidira pela validade das provas.
Discorda-se. A validade daquelas provas foi posta em causa pelo trabalhador na contestação. E é matéria de conhecimento oficioso. Assim, este tribunal teria sempre que conhecer dessa matéria. O seu não conhecimento é que traduziria uma nulidade por omissão de pronúncia.
Se a sentença violou um alegado caso julgado formal – pensa-se que não – tal será um erro de julgamento, não a pronúncia sobre questão de que não podia tomar conhecimento.
Relativamente á ausência de referência aos valores que deveriam ficar a cargo do SS, mais uma vez, não se está perante omissão de pronúncia sobre determinada questão. Mas perante um eventual erro de julgamento (o que não se concede).
Assim, indeferem-se as arguidas nulidades, ao abrigo do disposto no art. 617º, 1, CPC.

Admissão do recurso
Admite-se o recurso interposto pela empregadora da sentença para o Tribunal da Relação do Porto. A apelação tem efeito meramente devolutivo (art.s 79º-A, 1, a), e 83º, 1, CPC).
Notifique e remeta os autos para o TRP.”

Neste Tribunal, foi emitido Parecer pelo Exm.º Procurador-Geral Adjunto, no qual, nomeadamente, se lê:
“Restringe a Recorrente o recurso a quatro questões:
(…) Quanto à primeira questão, sobre a validade das provas obtidas através dos registos B..., começa a Recorrente por dizer que tal questão foi apreciada no procedimento cautelar de suspensão de despedimento, onde havia sido considerada válida, formando-se, assim, caso julgado.
Porém, como refere Abrantes Geraldes (in Recursos em Processo Civil, 6ª edição, Almedina, p. 159-162), o que for decidido no procedimento cautelar não exercerá qualquer efeito sobre a ação principal, quer esta esteja pendente, quer seja posteriormente instaurada. Tão pouco a convicção formada acerca dos factos considerados provados ou não provados ou quanto ao direito invocado pode influir na ação principal, cujo resultado deve ser corolário da alegação e prova dos factos que nela venham a ser apreciados.
Quer a decisão seja favorável, quer seja desfavorável ao requerente, é vedado extrair da mesma, efeitos de caso julgado extensivos ao processo principal (Ac. do STJ de 16.12.2020, citado por Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luis Filipe Silva, CPC anotado, vol. I, 3ª edição, Almedina, p. 462).
Assim, levando em conta esta posição, entende-se não assistir razão à Recorrente neste particular.
4.2. Porém, e diferentemente da decisão entende-se que deveria ser aceite a prova obtida pelos Registos B..., devendo ser apreciada e analisada em sede de instrução e decisão.
Com efeito como se refere no Ac da RP de 28.11.2022, proc. 6337/21.8T8VNG.P1 (António Carvalhão), o art.º 28º da Lei da Proteção de Dados Pessoais não exige que exista procedimento criminal, sendo a ideia subjacente esta: os meios de videovigilância não podem ser utilizados com a finalidade de controlar o desempenho profissional do trabalhador, antes visando a proteção e segurança de pessoas e bens, pelo que poderão ser utilizados como meio de prova, no apuramento de responsabilidade disciplinar, se não estiver em causa o controlo do desempenho do trabalhador e os factos possam ter relevância criminal, mas independentemente de existir processo no foro criminal.
No mesmo sentido vão os Ac. da RP de 09.09.2019, proc. 1437/18.4T8VFR.P1 (Paula Leal de Carvalho), de 05.03.2018, proc. 1119/13.3TTPRT.P2 (Nelson Fernandes), de 26.06.2017, proc. 6909/16.2T8PRT.P1 (Jerónimo Freitas), onde se conclui que é de aceitar as imagens captadas por sistema de videovigilância como meio de prova em processo disciplinar e na subsequente ação judicial em que se discuta a aplicação de sanção disciplinar, mormente o despedimento, desde que sejam observados os pressupostos que decorrem da legislação sobre a proteção de dados e concomitantemente se conclua que a finalidade da sua colocação não foi exclusivamente a de controlar o desempenho profissional do trabalhador. Num quadro circunstancial assim apurado, o trabalhador não merece – nem a lei lhe confere - maior proteção do que aquela que é conferida aos demais cidadãos e, logo, o meio de prova é lícito e admissível.
Ora, neste caso, o sistema de registo B... foi instalado no veículo de trabalho para maior proximidade com os clientes transportados e apuramento dos resultados semanais, não tendo em vista o controlo do desempenho profissional dos motoristas e, portanto, do recorrido.
Além disso, era do conhecimento dele a instalação deste sistema de registo, para a qual, aliás, forneceu os seus dados pessoais.
Entende-se, assim, que estão preenchidos os requisitos necessários à sua instalação podendo as imagens ser utilizadas para fins disciplinares, não sendo necessária a instauração de processo criminal.
Pelo que, salvo melhor opinião, deveria anular-se a douta decisão em recurso e repetir-se a produção da prova, nomeadamente esta, obtida pelo registo B... que foi anulada, nos termos do disposto no art.º 662º, n.º 2, alíneas, b) e c) do CPC.

4.3. Se assim se não entender, diferentemente do que conclui a Recorrente, os factos não provados que o podiam ser através deste meio de prova não se convertem em factos provados só por isso.
Necessário seria que a Recorrente indicasse os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, os concretos meios probatórios que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida, bem como a decisão que no seu entender deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, cumprindo com o determinado pelo art.º 640º do CPC, o que, salvo melhor opinião não aconteceu.
E não sendo cumprida esta determinação, não sendo possível conhecer destas questões, teria de se aceitar a matéria de facto constante da decisão.
Com base nesta, salvo melhor opinião, não merece censura, para ela se remete, evitando desnecessárias repetições, devendo ser confirmada.”

Foram os autos a vistos.
Cumpre apreciar e decidir.

Objeto do recurso:
São estas as questões objeto do presente recurso:
- Nulidade da sentença por violação de caso julgado formal;
- Licitude da prova obtida através dos registos do B...;
- Alteração da matéria de facto;
- Fundamento para o despedimento com justa causa;
- Não havendo, saber se a relação entre autor e ré começou com contrato de prestação de serviços;
- Valores a que o trabalhador tem direito caso o despedimento seja ilícito.

2. Fundamentação:
2.1. Fundamentação de facto:
Foi esta a decisão de facto proferida na sentença recorrida (procede-se aqui à numeração da factualidade provada):
Factos provados:
1. A 01/12/2015, o Autor e a Ré celebraram Contrato de Trabalho a Termo Certo, pelo prazo de 6 meses, com início a 01/12/2015, para a categoria de Motorista de Táxi, sob a remuneração ilíquida mensal de € 520,00 (quinhentos e vinte euros).
2. À data do despedimento a remuneração ilíquida mensal do Autor era de € 665,00 (seiscentos e sessenta e cinco euros).
3. Foi ainda outorgado, entre Autor e Ré, Acordo de Isenção de Horário de Trabalho, com data de 01/09/2015.
4. Mas a relação laboral entre ambos, até Março/2020, regeu-se por um acordo verbal que outorgaram em Setembro/2015, a saber:
5. A Ré entregava-lhe a chave de um seu veículo, chave que ficava na posse do Autor;
6. O Autor obrigava-se a conduzir a referida viatura, no exercício de funções de transporte de táxi, num período compreendido entre as 06:00h e as 18:00h;
7. Nesse período não havia qualquer controlo pela empregadora das horas, percursos e, em geral, da atividade do autor.
8. O Autor recebia 35% do apuro bruto que fizesse, retirando a referida quantia, diariamente, no final do serviço prestado.
9. Diariamente o Autor obrigava-se a registar numa agenda que se encontrava no interior do veículo o número de quilómetros percorridos e o valor do taxímetro (este correspondia ao valor em euros que o Autor apurava diariamente), o valor que retirava (correspondente aos 35% contratualizados) e o valor que restava do apuro diário que era, posteriormente, entregue à Ré.
10. Todas as despesas inerentes ao veículo, incluindo portagens, gasóleo e reparações, eram da responsabilidade da Ré.
11. A partir das 18:00h o veículo era conduzido por outro Colega que fazia o turno da noite; pelo que o Autor diariamente, a essa hora, entregava o veículo a esse Colega e recebia-o de volta às 6h00.
12. Mais ficou acordado entre Autor e Ré, que para efeitos fiscais e legais vigoraria o contrato de trabalho celebrado entre ambos,
13. A razão da outorga do Acordo de Isenção do Horário de Trabalho a 01/09/2015, residiu no facto de ser o único documento que o Autor teria de ter na sua posse para poder iniciar as suas funções sem receio de qualquer fiscalização, nomeadamente da PSP ou da ACT; perante qualquer inspeção, exibiria o Acordo de Isenção do Horário de Trabalho.
14. Em Março de 2020, com a implementação de uma nova gestão executiva a Ré optou por alterar a situação de todos os motoristas, inclusive o Autor e pôs fim ao sistema das comissões diárias de 35%, passando a cumprir rigorosamente o estipulado no contrato de trabalho celebrado, nomeadamente a remuneração mensal, subsídio de refeição, férias, subsídios de férias e de Natal.
15. O despedimento do Autor foi precedido de processo disciplinar, junto aos autos do procedimento cautelar.
16. No processo disciplinar foi proferido Despacho Inicial, datado de 06/04/2021, constante de fls 7 do mesmo, no qual a procuradora da gerência da Ré, CC, com poderes concedidos por procuração outorgada pelos sócios gerentes a 04/12/2020, decidiu pela instauração de processo disciplinar contra o Autor e nomeou como instrutora a Advogada DD.
17. A 08/04/2021 a instrutora procedeu às seguintes diligências: junção da “Ficha de Inscrição do Funcionário” (fls.10), junção do Contrato de Trabalho a Termo Certo celebrado com o aí arguido ora Autor (fls.11 a 13).
18. A 13/4/2021 procedeu à inquirição da testemunha EE (fls. 14 a 17).
19. A 15/4/2021 juntou cópia do email remetido ao aqui Autor pela empresa ora Ré (fls.19), junção de cópia do email remetido pela Ré à empresa B... pedindo informações (fls. 20), junção de cópia do email remetido pela B... à Ré (fls. 21).
20. A 21/4/2021 juntou “Relatório de Serviços do colaborador AA” com referência concreta aos registos visualizados/analisados na plataforma B... os quais estão anexados ao relatório e individualizados por dia (fls. 26 a 215).
21. A 22/4/2021 reinquiriu a testemunha EE (fls 216).
22. A 22/04/2021 a Instrutora elaborou o Relatório Preliminar constante de fls. 217 e 218.
23. A Ré, por carta registada datada de 16/04/2021, enviada ao Autor, comunicou-lhe a instauração do processo disciplinar e a sua suspensão preventiva com efeitos imediatos, uma vez que considerava a sua presença no local de trabalho inconveniente durante a instrução do referido processo (fls. 22 a 24).
24. A 27 de Abril 2021 a Ré remeteu ao Autor a Nota de Culpa, com intenção de despedimento, constante de fls.219 a 230 do processo disciplinar, recebida a 29/4/2021.
25. O Autor respondeu à Nota de Culpa, requereu diligências instrutórias (inquirição de testemunhas e pedido de informações à B...) e a junção aos autos de 7 documentos, tudo como melhor consta de fls 235 a 255 do processo disciplinar.
26. Concluídas as diligências instrutórias requeridas pelo Autor foi elaborado o Relatório Final, tendo sido dado como provados os factos de que o Autor vinha acusado, com exceção da denominação do local onde terminou o percurso que efetuou no dia 9/2/2021 pelas 8h28m, concluindo pela violação dos deveres profissionais constantes da nota de culpa, bem como pela impossibilidade de subsistência da relação laboral, recomendando-se a aplicação da sanção disciplinar de despedimento.
27. Por carta registada datada de 21/10/2021, a Ré comunicou ao Autor o seu despedimento imediato, com justa causa.
(Factos provados constantes da nota de culpa)
28. b) Pelo menos desde Agosto/2020, por ordem da Gerência, semanalmente o arguido, tal como todos os motoristas da empresa, deslocava-se às instalações provisórias da entidade patronal, sitas à Rua ..., ... – Maia, onde entregava à trabalhadora EE, os valores em dinheiro que tinha na sua posse, referente ao apuro dos serviços efetuados com o táxi que conduzia durante aquela semana e, bem assim as despesas de gasóleo, portagens ou outras.
29. c) Aquando de cada uma dessas deslocações, a trabalhadora EE, acompanhada pelo arguido, verificava e apontava o valor em euros registado no taxímetro e, bem assim, o número de quilómetros registado no conta-quilómetros do veículo.
30. d) Na presença do arguido, a trabalhadora EE, já munida do valor registado no taxímetro e do número de quilómetros registado no conta-quilómetros, apurava o número de quilómetros percorrido e o valor em euros realizado naquele período de uma semana, mediante operação aritmética, feita na presença do arguido, subtraindo aos números registados no taxímetro e no conta-quilómetros, os números que tinham sido registados na semana anterior.
31. e) Após o que, o arguido entregava à citada trabalhadora EE, o valor em euros, assim apurado, que corresponderia ao valor recebido pelo motorista naquele período de uma semana.
32. f) Posteriormente, sem a presença do arguido, por incumbência da Gerência, a trabalhadora EE apurava, em média, o valor em euros do quilómetro percorrido e a análise dos percursos efetuados por cada motorista, inclusive o arguido, neste caso, por consulta aos registos constantes da plataforma online da B....
33. g) A plataforma online da B... regista os percursos efetuados por cada veículo táxi, com indicação concreta do ano, mês, dia, frota, número do táxi, a hora em que se inicia cada percurso, o estado em que se encontra o taxímetro nesse percurso, o número do motorista, a distância percorrida e o tempo despendido, bem como a indicação de todo o percurso no mapa de Portugal, no qual o ponto A é o ponto de partida e o ponto B é o ponto onde termina aquele serviço/percurso.
34. h) Ainda por incumbência da Gerência, a trabalhadora EE, através da plataforma online da B..., identifica o percurso correspondente a cada uma das faturas emitidas pelos motoristas, inclusive o arguido, comparando o dia e hora constante do registo da B..., com o dia e hora constante em cada fatura.
35. j) No dia 01/02/2021, o autor emitiu uma fatura de € 5.85 (Fatura nº ...).
36. o) No dia 3/2/2021, o autor emitiu uma fatura de € 6.65 (Fatura nº ...)
37. No dia 8/2/2021 o autor emitiu uma fatura de € 7,25 (Fatura nº ...).
38. No dia 9/2/2021, o autor emitiu fatura e a fatura no valor de € 5.85 (Fatura nº...)no valor de € 8.35 (Fatura nº ...) e uma fatura no valor de € 4.15 (Fatura nº ...), fatura no valor de € 7.95(Fat a fatura no valor de € 6,65 (Fatura nº ...)ura nº 15/1852) emitiu uma fatura no valor de € 7.65 (Fatura nº ...)
39. No dia 10/2/2021 emitiu a fatura no valor de € 7.15 (Fatura nº ...)
40. bb) No dia 11/2/2021 emitiu uma fatura no valor de € 7,45 (Fatura nº ...) e uma fatura no valor de € 18.05 (Fatura nº ...)
41. dd) No dia 12/2/2021 emitiu uma fatura no valor de € 7.25 (Fatura nº...)
42. ee) No dia 23/2/2021 emitiu uma fatura no valor de € 12.15 (Fatura nº ...)
43. No dia 24/2/2021 emitiu uma fatura no valor de € 5.35 (Fatura nº ...),
44. hh) No dia 25/2/2021 emitiu fatura no valor de € 18.75 (Fatura nº ...)
45. ii) No dia 26/2/2021 o autor emitiu uma fatura no valor de € 5.85 (Fatura n.º ...)
46. ll) O arguido bem sabia que o taxímetro só deve estar no estado Livre quando está pronto a receber clientes e no estado Pausa apenas quando está temporariamente impossibilitado de receber um serviço.
47. mm) O arguido bem sabia que o taxímetro quando está no estado Livre ou Pausa não está a contar; ou seja, não regista qualquer valor em euros.
48. nn) O arguido bem sabia que o taxímetro só regista o valor respetivo quando o percurso é feito no estado de Ocupado, Recolha ou Recolha da Central; sendo que o estado Ocupado significa que está com cliente dentro do táxi, o estado Recolha significa que vai ao encontro do cliente e Recolha da Central significa que vai ao encontro de cliente na sequência de uma chamada da Central
49. oo) O arguido é motorista de táxi há anos; pela experiência profissional que tinha quando começou a trabalhar para esta entidade patronal, tinha perfeito conhecimento do modo de funcionamento do taxímetro.
50. pp) O arguido tinha perfeito conhecimento que ao circular com o taxímetro no estado Livre ou Pausa ou, até, desligado, o valor do serviço inerente aos quilómetros assim percorridos não ficaria registado no taxímetro; e, como tal, no final da semana, tal valor não era contabilizado pela entidade patronal.
51. qq) No final da semana, o arguido só entregava em dinheiro à entidade patronal exatamente o valor que constava do taxímetro (mais concretamente, a diferença entre o valor registado e o que havia sido registado na semana anterior).
52. tt) O arguido recebeu da sua entidade patronal, uma ordem de serviço escrita - por email remetido a 01/02/2021 – no sentido de que o procedimento de trabalho deveria ser o que já era do seu conhecimento; ou seja, posicionar-se numa postura da qual sairia com um serviço e no final de cada viagem deveria colocar-se na postura mais próxima do ponto em que ficou e, mais lhe foi ordenado pela entidade patronal, nesse email, que deveria colocar o taxímetro no estado Pausa durante o intervalo para o almoço e nunca desligado.
53. xx) O arguido não tem antecedentes disciplinares registados.
Contestação/reconvenção
54. O sistema B..., é um sistema de geolocalização que tem uma relação com o taxímetro e com o telemóvel do motorista e ainda com o que regista num site (administrado pela B... e onde a ré pode ver os dados que o mesmo registou);
55. O sistema B... é um sistema de comunicação que depende de rede de telemóvel;
56. Este sistema localiza a viatura, regista os percursos do veículo e se está livre, ocupado, em pausa ou em recolha de clientes.
57. Nalgumas posturas (designadamente no ...), o sistema B... não parqueava automaticamente como deveria quando o táxi está na postura.
58. O carro teve o interface avariado em Agosto de 2020 altura em que foi substituído (interface é um aparelho que comunica por Bluetooth o estado do taxímetro – livre ou ocupado – à aplicação B... no telemóvel).
59. Nessa altura substituíram o interface e o problema ficou resolvido.
60. Na procuração passada pela gerência da empregadora a CC é dito que os gerentes conferem os poderes necessários para em nome da referida sociedade a representante tratar de todos os assuntos relacionados com contratos de trabalho, representar em processos judiciais em curso ou a intentar, em representação da sociedade, quer de foro civil quer criminal e laboral, representar a sociedade, tratando de todos os assuntos relativos a viaturas registadas em nome da sociedade, movimentar quaisquer contas bancárias.
61. CC deu o despacho de instauração do processo disciplinar, em 06/04/2021, baseada nessa procuração.
62. No dia 16/04/2021 o trabalhador recebeu uma comunicação de CC que lhe diz: “Boa tarde Sr AA, Tal como o conversado telefonicamente mantemos a informação. A viatura que habitualmente conduz, como foi informado está em reparação. Tal como combinado, enquanto a mesma estiver na oficina o senhor poderá ficar em casa e, entretanto, entraremos em contacto. Melhores cumprimentos, CC”
63. O autor tem uma família composta por si e pela sua esposa com os seus filhos, irmãos e sobrinhos e sobrinhas;
64. Quando recebeu a nota de culpa, nessa noite nem sequer dormiu;
65. Os filhos contaram aos primos que o autor se levantou durante a noite durante duas ou três noites para ler a referida nota de culpa e não dormiu mais;
66. O autor após a nota de culpa ficou ansioso, com insónias e desiludido;
67. Quando foi despedido ficou muito triste, angustiado, desesperado, ansioso, nervoso, desalentado, começou a pensar como iria sustentar a sua família e pagar as suas obrigações que tem para com os seus credores hipotecários (banco) da sua casa;
68. O autor gozou em Abril de 2021 dez dias úteis de férias referentes ainda a 2020;
Resposta
69. O sistema de geolocalização da B... foi implantado para substituir o serviço de radio-táxis anteriormente utilizado pela Central de Táxis da C....
70. A instalação deste sistema no táxi, levada a cabo pela Ré, visa obter clientes da central.
71. Aquando da admissão, o motorista, faculta os seus dados de identificação ao empregador para proceder à sua inscrição na C... e na B..., recebendo, desta, um código pessoal de acesso ao sistema.
72. A procuração passada a CC foi emitida porque um dos sócios é pessoa de avançada idade e doente e o outro ia viajar para o Brasil.
73. Os dez dias de férias que o autor gozou em Abril de 2021 foram pagos com a retribuição desse mês.
74. O subsídio de férias relativo às férias vencidas no dia 1/1/2021, no montante de 665,00€ foi pago em 31/5/2021.
75. Por transferências bancárias realizadas nos dias 29/10/2021 e 30/11/2021, com o vencimento de Outubro, foram pagos os proporcionais de férias, do subsídio de férias e do subsidio de Natal do ano corrente, nos valores, cada um deles, de 543,44€ e indemnização por férias não gozadas no montante de 362,73€.
*
Factos não provados (elencam-se aqui por alíneas)
A. O Autor iniciou o exercício de funções como motorista do táxi da Ré apenas a 20/10/2015.
B. Foi o autor quem propôs as condições para começar a conduzir o táxi da Ré.
C. O autor assumiu o compromisso de trabalhar pelo menos 8 horas diárias.
D. O Autor, não pretendia ter quaisquer encargos fiscais e a outorga de um verdadeiro contrato de prestação de serviços implicava que fosse o Autor a assumir os encargos fiscais e descontos à Segurança Social, o que ele não queria, nem aceitava.
E. Até Março/2020 o Autor, enquanto motorista do táxi da Ré, sempre fez o que entendeu fazer quanto à forma e quantum de receber pela sua prestação.
F. i) No exercício das tarefas supra descritas, no que concerne ao táxi conduzido exclusivamente pelo arguido, verificou-se que este fez vários percursos/serviços que, propositadamente, não foram registados no taxímetro, muito embora o arguido, pelo menos em alguns, tenha cobrado o respetivo valor do cliente e emitido a respetiva fatura. A saber, nomeadamente:
G. j) No dia 01/02/2021, às 9:44h o táxi conduzido pelo arguido estava na postura do Hospital ..., onde permaneceu cerca de 1:17h; saiu daquela postura pelas 11:02h, com o taxímetro em “LIVRE” e fez um percurso de 7,61 km, desde esse Hospital até ... e quando terminou, às 11:10h, após o que fez percurso de regresso à postura das ... onde chegou às 11:15h.
H. k) O percurso efetuado pelo arguido do Hospital ... a ..., num total de 7,61 Km, tendo sido feito com o taxímetro no estado de Livre, não contou, pois, o taxímetro não registou qualquer valor em euros; porém, o arguido cobrou o respetivo valor do cliente e emitiu a respetiva fatura.
I. l) Como não ficou registado no taxímetro (porque estava na posição/estado LIVRE), no final da semana tal valor também não foi contabilizado para efeitos de contas prestadas pelo arguido à entidade empregadora; o valor cobrado por este percurso não foi entregue à empresa.
J. m) No dia 03/02/2021, pelas 14:10h o táxi conduzido pelo arguido encontrava-se na postura do ... onde ficou por 1:02h, sem sair da referida postura; pelas 15:15h, o arguido colocou o taxímetro em Livre e assim permaneceu, no mesmo local, por mais 1:22h.
L. n) Pelas 16:38h, ainda na postura do ..., colocou o taxímetro em Ocupado e sem fazer nenhuma deslocação, pelas 16:43h, desligou o taxímetro, reaparecendo, no sistema, já com o taxímetro na posição/estado de Ocupado, na zona da ...-Porto, fazendo um percurso de 0,643 Km neste estado.
M. Pelas 16:46h colocou o taxímetro no estado de Pausa e circulou neste estado mais 1,814 km entre a Avenida ... e a Avenida ...; pelas 16:52 h colocou o taxímetro em Livre e deslocou-se 6,755 km entre a Avenida ... e a Travessa ... em Vila Nova de Gaia, no final emitiu e desligou o sistema porque se encontrava na sua residência.
N. p) No dia 08/02/2021, pelas 15:02 h, o táxi conduzido pelo arguido saiu, da Via ..., com o taxímetro em Ocupado e circulou cerca de 374m, e sem qualquer interrupção na viagem passou o taxímetro a Livre e circulou mais 3,985 km desde a mesma Via até ao ...,
O. q) Pelas 15:06 h fez novamente um percurso com o taxímetro em Livre de 1,041km entre o ... e a Rua ... (na ...) e, de seguida regressou à postura do ... (com o taxímetro no estado Livre, como é devido).
P. r) No dia 09/02/2021, o táxi conduzido pelo arguido, pelas 08:28h, encontrava-se na postura do Hospital ..., de onde saiu, com o taxímetro em Recolha Central e fez uma deslocação de 2,157 km até à Praceta ..., aí colocou o taxímetro em Ocupado e deslocou-se cerca de 0,849 km até local não devidamente identificado sito em Vila Nova de Gaia, de onde retomou o percurso com o taxímetro em Livre, cerca de 0,755 km, até dentro do Hospital ... - Gaia.
Q. s) No Hospital ... – Gaia, deslocou-se 0,046 km com o taxímetro em Pausa, efetuando depois o regresso à postura sita naquele Hospital.
R. t) Ainda no dia 09/02/2021, pelas 09:49 h, o táxi conduzido pelo arguido saiu da postura sita ao Hospital ... - Gaia com o taxímetro em Ocupado circulou nesse estado por 0,114 km e, sem qualquer interrupção no percurso, passou o taxímetro para o estado de Livre, circulando nesse estado 9,344km entre o final da postura do Hospital ... até ..., onde, ainda em circulação, mudou o taxímetro para o estado de Pausa durante 00:00:11h e voltou a mudar para o estado de Livre circulando mais 11,256 km entre ... e a Rua ..., em ....
S. u) De seguida, pelas 10:14 h mudou o taxímetro para o estado de Ocupado, circulou por mais 0,915 km entre a Rua ... e a Avenida ... e voltou a mudar o taxímetro para o estado de Livre continuando o percurso por mais 9,099km até à Rua ... no Porto, onde já com o taxímetro em estado de Pausa, após o que fez o percurso de regresso até à postura da ... (com o taxímetro no estado Livre, como é devido).
T. v) Ainda no dia 09/02/2021, o táxi conduzido pelo arguido estava na postura da ... de onde saiu, pelas 11:22 h, com o taxímetro em estado Livre e assim circulou 3,112km até à Rua ..., , após o que fez o percurso de regresso até á postura de ....
U. w) No citado dia 09/02/2021, pelas 12:16 h, o táxi conduzido pelo arguido encontrava-se na postura dos ..., de onde saiu para efetuar uma recolha da central, deslocando-se 1,704 km até a Rua ..., aí, pressupondo-se que recolheu o cliente, passou o taxímetro (como devia) para o estado de Ocupado e circulou 0.026 km, após o que, voltou a mudar o taxímetro para o estado de Livre e circulou neste estado 10,736km até próximo da Rua ..., está em Pausa, após o que faz o percurso de regresso até à postura da ... (com o taxímetro no estado Livre, como é devido)
V. x) Ainda no dia 09/02/2021, pelas 14:03 h, o veículo conduzido pelo arguido encontrava-se na postura de ... de onde saiu para efetuar uma recolha da Central deslocando-se 0,667 km até à Rua ..., aí mudou o taxímetro para o estado de Ocupado circulando cerca de 1,593km, após o que, passou o taxímetro para o estado de Livre e circulou nesse estado mais 3,434km até à Praceta ..., onde em Pausa.
X. y) De seguida, pelas 14:21 h, iniciou o percurso com o taxímetro no estado Livre deslocando-se nesse estado desde a Praceta ... até Rua ..., cerca de 1,563 km. Aí com o taxímetro no estado recolha da Central (pelas 14:25 h) fez um percurso de 12,891 km até à Rua ..., em ..., findo o qual, pelas 14:42 h, , após o que iniciou o percurso de regresso (com o taxímetro no estado Livre, como é devido) até à postura da ....
Z. z) Ainda no dia 09/02/2021, pelas 15:16 h, o táxi conduzido pelo arguido saiu da postura da ... circulando com o taxímetro no estado Livre 4,44km até à Travessa ..., aí mudou o taxímetro para o estado Ocupado e circulou mais 0,448 km na mesma rua e, imediatamente a seguir, mudou novamente o taxímetro para o estado Livre e circulou mais 0,623km até a Rua ..., de seguida, voltou a mudar o taxímetro para o estado Ocupado e circulou mais 2,091km até a Rua ..., após o que fez o retorno do percurso com o taxímetro no estado Livre durante 3,469km novamente até à Travessa ..., , já com o taxímetro em Pausa e fez o regresso (com o taxímetro no estado Livre, como é devido) até à postura do ....
AA. aa) No dia 10/02/2021, pelas 10:13h, o táxi conduzido pelo arguido estava na postura do ... de onde saiu, pelas 10:23 h, com o taxímetro no estado Livre circulando 9,15 km até à Rua ..., após o que regressou (com o taxímetro no estado Livre, como é devido) para a postura da ....
BB. No dia 11/02/2021, o táxi conduzido pelo arguido saiu da postura de ... com o taxímetro no estado de Pausa e assim circulou cerca de 9,856 km até ao Hospital ... – Gaia,.
CC. cc) Ainda no dia 11/02/2021, pelas 15:38h, o táxi conduzido pelo arguido saiu da postura do ... e com o taxímetro em estado Livre circula 19,136 km até ..., aí colocou o taxímetro no estado de Pausa e, após o que regressou à postura da ... (com o taxímetro no estado Livre, como é devido).
DD. No dia 12/02/2021, o táxi conduzido pelo arguido saiu da postura da ... pelas 12:52h e circulou com o taxímetro no estado Livre 0,986 km até aos CTT ..., de seguida, sem qualquer interrupção na viagem, mudou o taxímetro para o estado Ocupado e circulou mais 2,05km até à Rua ... em ... - Gaia, e sem interromper a viagem, voltou a mudar o taxímetro para o estado Livre, circulando mais 4,032 km até à Rua ..., após o que colocou o taxímetro em Pausa regressando depois (com o taxímetro no estado Livre, como é devido) à Travessa ..., onde reside.
EE. No dia 23/02/2021, pelas 14:48h, o táxi conduzido pelo arguido saiu da postura do ... e circulou com o taxímetro no estado Livre cerca de 11,647km até junto da Câmara Municipal ...; aí, passou o taxímetro para o estado Pausa, após o que efetuou o percurso de regresso até à postura do ... (com o taxímetro no estado Livre, como é devido).
FF. ff) Ainda no dia 23/02/2021, pelas 15:44h, o táxi conduzido pelo arguido saiu da postura do ... com o taxímetro no estado Livre e assim circulou 5,542km até a Escola ..., onde sem interrupção da viagem, mudou o taxímetro para o estado Ocupado e circulou mais 0.414km até a Avenida ..., continuando depois o percurso com o taxímetro no estado Livre mais 3,911 km até junto ao Tribunal de Vila Nova de Gaia, após o que, faz o percurso de regresso à postura do ... (com o taxímetro no estado Livre, como é devido).
GG. gg) No dia 24/02/2021, pelas 10:25h, o táxi conduzido pelo arguido saiu da postura da ...- Gaia e com o taxímetro no estado Livre circulou 5,274 km até ao Pavilhão Feminino do Hospital ... – Gaia, onde, depois de colocar o taxímetro no estado de Pausa, após o que se dirigiu para a postura do Hospital ... – Gaia (com o taxímetro no estado Livre, como é devido).
HH. No dia 25/02/2021, pelas 14:46h, o táxi conduzido pelo arguido saiu da postura de ... e com o taxímetro no estado Recolha da Central fez um percurso de 8,66km até ao Bairro ..., no Porto. De seguida, sem interrupção na viagem, mudou o taxímetro para o estado de Ocupado, circulou 1,522 km até aos semáforos do cruzamento junto da Junta de Freguesia ... e, imediatamente a seguir, circulou com o taxímetro no estado Livre mais 10,193km entre a zona de ..., passando a Avenida ..., até ...; ao passar na Ponte ... mudou de novo o taxímetro para o estado Ocupado e assim circulou cerca de 2,744 km até à Escola Básica ..., imediatamente a seguir mudou novamente o taxímetro para o estado Livre e circulou mais 1,116 km até á Rua ... , aí mudou novamente o taxímetro para o estado Ocupado e circulou mais 0,431km até à Rua..., e regressou depois à postura do ... (com o taxímetro no estado Livre, como é devido).
JJ. No dia 26/02/2021, pelas 12:53h, o táxi conduzido pelo arguido saiu da Postura da ... – Gaia com o taxímetro no estado Livre e circulou 5,426 km até ao Hospital 1... no Porto, aí colocou o taxímetro no estado de Pausa, regressando depois à Travessa ... onde reside (com o taxímetro no estado Livre, como é devido).
LL. jj) Conforme se descreve supra nas alíneas j) e m) a ii), o arguido fez vários percursos com o taxímetro no estado Livre e no estado de Pausa, outros até, com o taxímetro totalmente desligado e nalguns deles – devidamente identificados supra - o arguido durante o mesmo percurso foi mudando o taxímetro do estado Ocupado ou Recolha da Central para o estado Livre ou Pausa por diversas vezes.
MM. kk) Em todos esses percursos o arguido cobrou do cliente e, por vezes emitiu, até, a respetiva fatura.
NN. pelo que, embora a entidade patronal lhe tivesse comunicado todos os estados do taxímetro e seus significados e tivesse ordenado que o taxímetro só poderia estar em Livre quando estivesse a aguardar um serviço e em pausa durante o intervalo de almoço
OO. rr) O arguido, nos dias e horas referidos supra nas alíneas j) e m) a ii), do relatório final fez vários percursos/serviços com o taxímetro no estado Livre, Pausa e até desligado; sendo que o valor em euros devido pelos percursos assim efetuados, não ficou registado no taxímetro, mas o arguido recebeu esse o valor e, nalguns casos, devidamente descriminados supra, até emitiu fatura dos valores recebidos.
PP. ss) Estes valores, porque não estavam registados no taxímetro, não foram contabilizados no final de cada semana; ao prestar contas, o arguido não entregou à entidade patronal esses valores, causando-lhe pois, um prejuízo efetivo equivalente aos valores em euros que, deste modo, recebeu.
QQ. uu) No dia 08/02/2021 e no dia 09/02/2021, o arguido fez percursos sucessivos sem regressar no final de cada viagem á postura mais próxima, violando, deste modo, a ordem emanada pela sua entidade patronal.
RR. vv) Nos dias 01/02/2021, 02/02/2021, 04/02/2021, 08/02/2021, 09/02/2021, 10/02/2021, 15/02/2021, 17/02/2021 e 26/02/2021, o arguido durante o intervalo para o almoço desligou o taxímetro em vez de o manter no estado de Pausa, como lhe havia sido ordenado pela sua entidade patronal desde o inicio da relação laboral e posteriormente reforçado por email remetido ao arguido no dia 01/02/2021 pelas 09:09h.
SS. ww) O arguido violou reiteradamente a ordem de serviço emanada pela entidade patronal, para manter o taxímetro no estado de Pausa durante o intervalo para o almoço.
Contestação/reconvenção
TT. O sistema B... relata mal os dados ao portal eletrónico onde são registados os dados
UU. As falhas que são apontadas ao sistema B... são:
VV. I. Que o sistema tem avarias;
XX. II. Que caía um serviço, aceitavam-no no telemóvel, aparecia a morada e aí chegado recolhia o cliente e ligava o taxímetro em ocupado, porém o sistema B... não acusava ocupado, mantinha a morada no ecrã do telemóvel;
ZZ. III. Por vezes até bloqueava, o que obrigava a reiniciar o sistema quando terminava o serviço;
AAA. IV. Que iam para um serviço e o telemóvel dar como livre e não estar a acusar ocupado, o que, entretanto, caiam outros serviços no telemóvel, nestas situações o que ficava no telemóvel era a morada do cliente e não passava para ocupado quando ligava o taxímetro ou livre quando o desligava;
BBB. V. Quando acontecia o sistema não acusar ocupado, fazia-se o percurso sem ter qualquer informação do que estava a registar;
CCC. VII. Que pode ser também devido ao carro que estava uma lástima;
DDD. VIII. Que quando a bateria falhava o sistema ficava todo baralhado;
EEE. IX. Que é um sistema que não funciona muito bem que ainda em Maio do ano 2021 o motorista que conduz o carro que era conduzido pelo autor – reparou que o telemóvel estava em livre quando estava a fazer um serviço e até lhe caiu um serviço novo;
FFF. X. Que antes de ir de férias o autor se queixou a colegas de trabalho que o tablet não ligava e que pediu ajuda para ligar para a B...;
GGG. XI. A B... ligou para o autor, mas o problema não ficou resolvido;
HHH. XII. Acontece frequentemente ligarem o tablet de manhã e quando vão almoçar colocam o tablet em pausa e quando regressam o sistema indica “pausa sem taxímetro”;
III. XIII. Que quando estão a circular o sistema apaga-se e o motorista tem de voltar a ligar tudo de novo;
JJJ. XIV. Que tais falhas serão do satélite;
LLL. A ré sabia do problema que o carro tinha, nomeadamente, o sistema B...;
MMM. O carro andava com o interface do taxímetro avariado à data dos factos imputados ao autor;
NNN. CC soube logo no dia 26/2/2021 dos factos imputados ao arguido na nota de culpa
Réplica
OOO. A procuradora, no que concerne ao presente procedimento disciplinar, não tomou qualquer decisão sem, previamente, ter consultado – via telefone – o sócio gerente Dr. FF.
PPP. Foi o citado sócio gerente que lhe ordenou que emitisse o despacho nos termos em que consta de fls.7 do processo disciplinar.
QQQ. Todos os motoristas (inclusive o Autor), receberam formação sobre o modo de funcionamento do sistema de geolocalização e o taxímetro.
*
Os demais factos alegados são irrelevantes para a decisão.
*
Análise da prova
Estão admitidos por acordo os factos referidos sob os nºs 48 a 50, 100, 110 a 114
O depoimento de parte do gerente da empregadora, GG, não teve relevância. Nada sabia com interesse.
O trabalhador AA admitiu os factos referidos sob os nºs 51, 55 a 58, 60 e 61.
Negou que tivesse começado a trabalhar em Outubro de 2015. Foi antes em 1 de Setembro.
Até Outubro utilizou um bloco em branco para registar os quilómetros e os valores recebidos. Só no decorrer de Outubro de 2015 é que passou a fazer o registo nas agendas (como se constata pelas respetivas cópias juntas ao processo em requerimentos de 25/5/2022).
A versão do autor não foi contrariada e é a que faz sentido. De outro modo não se compreenderia a razão para o acordo de isenção de horário (junto ao requerimento inicial do procedimento) datar de 1/9/2015.
Mais referiu o autor que ficava com a viatura entre as 6h00 e as 18h00. Nas doze horas seguintes era conduzida por outro taxista.
O autor acrescentou que até à pandemia recebia ordens de um HH. Que lhe dizia que deveria ir para a postura mais próxima (...). Mas não referiu, nem ele nem qualquer outra pessoa, que houvesse algum controlo sobre horas de trabalho, posturas onde habitualmente parava, sobre o que fazia ou não.
Pelo que, atenta a natureza da atividade, é crível que, como CC afirmou, antes da pandemia não existisse qualquer controlo.
De igual forma não foi feita prova nenhuma de que foi o autor (que o negou) a impor ou propor os termos iniciais do contrato. Designadamente, a que tenha sido ele a exigir a outorga de um contrato escrito apenas para efeitos fiscais e de segurança social.
É pacífico que foi isso que aconteceu. Mas desconhece-se quem o propôs.
Tratando-se, aliás, de uma prática comum os taxistas receberem 35% do apuro (como se depreende dos depoimentos de CC e dos taxistas II e JJ) não é plausível que o autor tenha imposto à empregadora tais condições.
CC, a gestora da empregadora e procuradora da gerência, explicou como assumiu a gestão da empresa e pôs termo ao sistema do pagamento aos taxistas à percentagem.
A testemunha afiançou que só soube dos factos que deram origem ao procedimento disciplinar em 23/3/2021 (data do auto de notícia junto ao procedimento disciplinar).
Não obstante a proximidade com EE, a pessoa que lhe deu a informação é sua cunhada, não há prova que a contrarie.
CC também referiu que falou telefonicamente com o gerente FF (que estava retido no Brasil) para decidir o que fazer com essas informações. E que este mandou entregar o caso à Advogada. Não há prova alguma dessa conversa. Somente o depoimento da testemunha que está pessoalmente envolvida no caso. Logo, não se deu tal como provado.
Com ressalva da emissão das faturas, a nulidade da prova obtida com recurso aos registos da B... conduz a que não haja prova aproveitável sobre os factos imputados ao trabalhador dos dias 1/2/2021 a 26/2/2021.
Mesmo o que a testemunha EE disse sobre essa matéria é inutilizável. Pois os seus conhecimentos derivam unicamente da análise de prova nula.
O depoimento desta testemunha serviu para provar como eram feitas as contas semanais com os motoristas e que ela depois conferia a quilometragem do carro com a do sistema B.... Sistema cujo funcionamento descreveu.
Do depoimento desta testemunha decorreu que havia instruções da empresa para os motoristas colocarem o sistema em pausa aquando das refeições. O que o autor sabia como decorre da mensagem de correio eletrónico junta a fls. 19 do procedimento disciplinar.
EE negou que tivessem sido reportadas falhas no sistema B... na viatura (105) do autor.
E depois de analisar os registos dos percursos e o estado em que foram efectuados (livre, ocupado, pausa), ela dirigiu-se à B... e também à C... para verificar se havia falhas. Mas não.
Diversas testemunhas contrariam-na ao afirmarem que a informaram dessas falhas. As testemunhas KK e LL, também motoristas asseveraram que lhe telefonaram por isso. E ela disse-lhes para ligarem para a B....
Ora, apesar destas testemunhas terem, segundo dizem, ligado para a B... não explicaram que informação é que aí lhes foi dada. Pormenor que coloca em dúvida a veracidade do narrado.
Também BB referiu que o autor se queixava na empresa dos problemas com o B..., mas que nada faziam. Ora, esta testemunha é primo do autor. Do seu depoimento percebeu-se que são bastante chegados. Pelo que não é uma testemunha imparcial.
Por outro lado, um dos problemas referidos pelas testemunhas – MM e NN - foi o da avaria do interface (aparelho que faz a comunicação, através de Bluetooth do taxímetro com a aplicação o B... que está no telemóvel). Contudo, o interface foi reparado em Agosto de 2020 pela oficina da testemunha OO - cf fatura de 25/8/2020 junta à réplica. Antes dos factos imputados ao autor. Não havendo prova de que, mesmo assim, continuou a funcionar mal.
Além disso, explicou PP, engenheiro informático da B..., com uma avaria no interface o que sucede é que no sistema da B... aparece a informação “pausa no taxímetro”.
Esta testemunha esclareceu que o taxímetro ativado com as opções ocupado ou livre gera cargas elétricas diferentes. Informação enviada pelo interface à aplicação B... que assim, assume um desses estados.
E rejeitou que uma falha do sistema pudesse originar oscilações entre pausa/livre/ocupado da forma como apareceram nos registos da viatura do autor.
Tal como rejeitou falhas no GPS. Se as houvesse, não surgiam os trajetos efetuados desenhados nos mapas.
PP admitiu, porém, a existência de falhas momentâneas, designadamente, de ligação GPS em locais cobertos.
Será essa a falha apontada por muitos na postura da .... Pois, ao chegar à postura, o sistema deve “parquear” automaticamente a viatura. Contudo, tal não é assim na ... devido, provavelmente, aos edifícios aí existentes.
Outra falha mencionada é aludida no documento nº 2 da contestação. Quanto a ela, MM, da C..., afirmou que não era um problema do B... mas sim do D... (outra aplicação). O que foi negado por BB. Ficando o tribunal na dúvida.
Ainda uma falha era o recebimento de chamadas da central quando o veículo estava ocupado. O que foi mencionado por NN e KK. Mas MM da C... explicou que tal é possível em determinadas situações. Não é uma falha.
Esta testemunha, aliás, opinou que os motoristas não sabem lidar bem com o sistema. O que sugere que muitas das apontadas falhas resultam antes do desconhecimento de quem trabalha com a aplicação.
Não foi feita prova sobre formação profissional relacionada com o B.... Mas, obviamente todos os motoristas de táxi sabem que com o taxímetro em livre não conta o preço dos percursos.
QQ, gestor da B..., admitiu que o sistema possa ter algumas falhas, como sucede quando há quebras de rede de telemóvel, mas que é fiável. Se não fosse não seria praticável nem usado por muitas empresas de táxi. Faz sentido.
Problemas como os apontados ao autor, designadamente, a oscilação num mesmo percurso entre ocupado e livre e mesmo pausa, a testemunha não conhecia, nem MM.
E certo é que essas alterações podiam ter sido feitas pelo autor na aplicação. O qual, obviamente, ganharia se transportasse passageiros com o taxímetro em “livre”. Não teria que entregar o preço da corrida à empregadora (o que o tribunal não sabe se ocorreu ou não).
Um dos argumentos para demonstrar que o autor não estava a enganar a empregadora foi o facto de fazer alguns trajetos em livre e no final emitir fatura. Perguntou-se às testemunhas, qual o interesse de circular em livre, estando ocupado, se no final se denunciava com a emissão da fatura?
Parece incongruente, mas não é. O normal é as pessoas apenas pedirem fatura no final. Antes disso o motorista não sabe o que irá suceder.
Isto para concluir que não se provaram o grosso das “acusações” feitas ao funcionamento do B.... Nem que foi dado conhecimento delas à empregadora.
Consideraram-se os vários documentos juntos aos autos. Destacam-se o procedimento disciplinar junto ao procedimento disciplinar e os recibos de vencimento e comprovativos de transferências bancárias que acompanham a réplica.”
*
Temos como pertinente começar por apreciar a invocada nulidade da sentença por violação do caso julgado formal.
Lê-se no acórdão proferido no procedimento cautelar, apenso aos presentes autos:
“A questão passaria por ver se estamos perante a utilização de um “meio de vigilância à distância no local de trabalho, mediante o emprego de equipamento tecnológico, com a finalidade de controlar o desempenho do trabalhador”, o que o nº 1 do art.º 20º do Código do Trabalho proíbe, e que é alegado em recurso, mas não o foi nos articulados iniciais.
Essa questão seria oportuna como fundamento da impugnação de decisão sobre matéria de facto, de modo a sustentar a não prova de factos que tivessem sido considerados assentes com base nesse meio de prova, mas não é esse o caso dos autos porquanto o Recorrente invoca-a como questão geral de que “não podia ser considerado provado que o sistema X... seja o ponto de sustentação do despedimento e também o ponto de sustentação da sentença”.
Ora, a questão em si (de ser meio de obtenção de prova proibido) é de conhecimento oficioso, pelo que se os factos indiciariamente provados levarem a dizer ser o sistema X... um meio de obtenção de prova proibido, pode agora ser considerado como tal, ou seja, que não pode ser admitido como meio de prova em procedimento disciplinar.
Consta do segundo ponto 2 dos factos indiciariamente provados que estamos perante um sistema de geolocalização.
Como refere Lurdes Dias Alves[41], há várias tecnologias que permitem reconhecer, cada vez com maior precisão, a localização geográfica de um objeto e/ou uma pessoa, destacando-se a tecnologia GPS (Global Positioning System), utilizada com frequência em veículos automóveis; os dados de geolocalização são dados pessoais, e no contexto laboral exige-se que a utilização dessa tecnologia ocorra com especial cautela, sendo a preocupação principal a de que a utilização descomprometida e excessiva desses dispositivos viole direitos fundamentais dos trabalhadores, especialmente a reserva da vida privada.
Tem sido admitida a instalação de sistemas de geolocalização em automóveis para gestão de serviços de frota em serviço externo na atividade de transporte de passageiros, desde que não usados para controlar o desempenho do trabalhador, e sem esquecer que a informação sobre a localização de um veículo automóvel que está a ser utilizado por trabalhador em concreto é informação relativa a uma pessoa.
Ora, independentemente da integração no conceito de «meio de vigilância à distância[45], temos que, como se refere no acórdão do TRG de 03/03/2016[46], para saber se é visado o controlo do desempenho profissional, há que ter presentes as concretas funções que estão acometidas ao trabalhador, tendo-se ali concluído que, no caso de “delegado de informação médica”, o uso de aparelho de aparelho de GPS para proceder à conferência da quilometragem percorrida em confronto com os dados transmitidos pelo próprio trabalhador não configura avaliação do seu desemprenho profissional.
Ora, vendo os factos indiciariamente provados não encontramos neles nada que aponte para que fosse visado o controlo do desempenho do trabalhador e que fosse posta em causa a esfera de privacidade e reserva do trabalhador.
Na verdade, aquilo que resulta é que semanalmente é feito o apuro de cada motorista de táxi (cfr. segundos pontos 8 a 10 e ponto 11 dos factos indiciariamente provados), e para conferir as contas (se os valores recebidos correspondem com os percursos percorridos, não avaliar o desempenho do motorista) são conjugados os dados recolhidos da leitura do taxímetro (valores recebidos pelo motorista), do conta-quilómetros (número de quilómetros percorridos) e da aplicação X... (percursos realizados – cfr. ponto 12 dos factos indiciariamente provados).
Assim, não se pode dizer que o sistema X... não pudesse ser admitido como meio de prova no procedimento disciplinar.
(…)
[41] In “Proteção de Dados Pessoais no Contexto Laboral – o direito à privacidade do trabalhador”, Almedina, 2020, pág. 34.
[42] Sobre o conceito de meios de vigilância à distância, pode ver-se Pedro Ferreira de Sousa, “O Procedimento Disciplinar Laboral – uma construção jurisprudencial”, 4ª edição, 2021, Almedina, págs. 182-188.
[43] Cfr. Deliberação da Comissão Nacional de Proteção de Dados nº 7680/2014 (aplicável aos tratamentos de dados pessoais decorrentes da utilização de tecnologias de geolocalização no contexto laboral), págs. 19 e 25, consultável em www.cnp.pt.
[44] Cfr. Deliberação da Comissão Nacional de Proteção de Dados nº 1565/2015, págs. 2/3, consultável em www.cnp.pt.
[45] Sobre a questão podem ver-se os acórdãos do STJ de 13.11.2013, desta Secção Social do TRP de 05/12/2016 e do TRE de 26/10/2017, todos consultáveis em www.dgsi.pt, processos nº 73/12.3TTVNF.P1.S1, 20/14.8T8AVR.P1 e 1184/15.8BJA.E1, respetivamente.”
Lendo-se ainda no sumário da mesma decisão:
“I - A instalação de sistema de geolocalização em táxi, sem visar o controlo do desempenho do motorista (trabalhador), e sem pôr em causa a esfera de privacidade e reserva do motorista (trabalhador), pode ser admitido como meio de prova no procedimento disciplinar.
III - É esse o caso de semanalmente ser feito o apuro de cada motorista de táxi, e conferidas as contas (se os valores recebidos correspondem com os percursos percorridos, não avaliar o desempenho do motorista), conjugando os dados recolhidos da aplicação X... (percursos realizados) com os dados recolhidos da leitura do taxímetro (valores recebidos pelo motorista) e do conta-quilómetros.”
Quanto à primeira questão objeto do recurso, lê-se na decisão recorrida:
“Licitude da prova obtida através dos registos do B...
Esta é uma questão prévia à da decisão sobre a matéria de facto sujeita a prova. Há que conhecê-la neste momento.
Na nota de culpa e nos factos dados por provados na decisão de despedimento é está escrito: “A plataforma online da B... regista os percursos efetuados por cada veículo táxi, com indicação concreta do ano, mês, dia, frota, número do táxi, a hora em que se inicia cada percurso, o estado em que se encontra o taxímetro nesse percurso, o número do motorista, a distância percorrida e o tempo despendido, bem como a indicação de todo o percurso no mapa de Portugal, no qual o ponto A é o ponto de partida e o ponto B é o ponto onde termina aquele serviço/percurso.”
O sistema B... - como referido na réplica – tem por finalidade a atribuição por uma central (da C...) do serviço aos diversos táxis. É um chamado de serviço de despacho. Substituiu o rádio-táxis.
Extrai-se, nomeadamente, do depoimento do engenheiro informático PP, que trabalha na empresa que presta esse serviço, o B... funciona com recurso a uma aplicação informática – inserida num telemóvel ou tablet - com geolocalização. A aplicação está ligada ao taxímetro para comunicar se a viatura está livre ou ocupada. Assim, é possível à central saber onde está a viatura e se está disponível ou não para receber clientes.
Como alegado pelo empregador nos art.s 29º e 30º da réplica:
“29 - Aquando da admissão, o motorista, faculta os seus dados de identificação ao empregador para proceder à sua inscrição na C... e na B..., recebendo, desta, um código pessoal de acesso ao sistema.
30 - O Autor, enquanto motorista experiente e há longos anos no exercício desta profissão, bem sabia que estava a trabalhar com o sistema de geolocalização da B... e conhecia bem o modo de funcionamento do mesmo, facultou os seus elementos de identificação para inscrição na Central e no sistema, recebeu o seu código de acesso pessoal e estava consciente de que, por força desse sistema, a viatura que conduzia estava monitorizada diariamente.”
Pergunta-se, assim, se é lícita a prova retirada dos registos do B....
Para o efeito, há que convocar o disposto no art. 20º do Código do Trabalho (doravante CT):
1 - O empregador não pode utilizar meios de vigilância a distância no local de trabalho, mediante o emprego de equipamento tecnológico, com a finalidade de controlar o desempenho profissional do trabalhador.
2 - A utilização de equipamento referido no número anterior é lícita sempre que tenha por finalidade a proteção e segurança de pessoas e bens ou quando particulares exigências inerentes à natureza da atividade o justifiquem.
3 - Nos casos previstos no número anterior, o empregador informa o trabalhador sobre a existência e finalidade dos meios de vigilância utilizados, devendo nomeadamente afixar nos locais sujeitos os seguintes dizeres, consoante os casos: «Este local encontra-se sob vigilância de um circuito fechado de televisão» ou «Este local encontra-se sob vigilância de um circuito fechado de televisão, procedendo-se à gravação de imagem e som», seguido de símbolo identificativo.
4 - Constitui contra-ordenação muito grave a violação do disposto no n.º 1 e constitui contra-ordenação leve a violação do disposto no n.º 3.
Há jurisprudência que entendeu que os meios de vigilância à distância abrangidos por esta norma são os que permitem a captação de imagem e/ou de som e já não os de geolocalização colocados em viaturas – cf. Acórdãos do STJ de 22/5/2007 e de 13/11/2013, ambos disponíveis em www.dgsi.pt.
Essa interpretação não parece a mais correta. Na verdade, a norma não restringe os meios de vigilância à distância aos que captam som e/ou imagem.
E os sistemas de geolocalização têm essa possibilidade de fazer o controlo à distância (temporal e espacial). Permitem uma monitorização constante, ao segundo e ao metro, da localização da viatura, logo do seu condutor.
Mais ainda quando tal tecnologia não está na viatura mas sim num telemóvel que acompanha o trabalhador.
Daí a doutrina entender que na previsão deste artigo também se inclui o chamado GPS. Veja-se, por exemplo, António Monteiro Fernandes, “Direito do Trabalho”, Livraria 21ª edição, Livraria Almedina, pp 305/6.
No mesmo sentido vai diversa jurisprudência, v.g. Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 22/4/2013 e de 5/12/2016, em www.dgsi.pt.
E este tribunal perfilha essa ideia de que as tecnologias de geolocalização enquadram-se também nesta norma. Por isso não podem servir para controlar o desempenho profissional do trabalhador.
E quer seja essa (o controlo do desempenho) a sua única finalidade, quer seja apenas uma delas a par de outras lícitas. Os meios técnicos de vigilância à distância não podem ter esse fim – cf. Teresa Coelho Moreira, in “Direito do Trabalho – Relação Individual”, diversos autores, Livraria Almedina pp. 174 e ss.
No caso dos autos, o sistema B... é um serviço de despacho. Ou seja, dirige os táxis ao encontro dos passageiros. Não visa o controlo do desempenho profissional dos taxistas. Pelo que a sua utilização é lícita.
Mas o que está em causa nestes autos é o aproveitamento dos registos desse sistema para monitorizar a atividade do trabalhador. E aqui há que considerar outros diplomas. Designadamente, os que regulam a proteção de dados pessoais.
Pois, as tecnologias de geolocalização são geradoras de dados pessoais, como foi reconhecido pela Comissão Nacional de Proteção de Dados na Deliberação nº 7640/2014 de 28/10.
Deve ter-se em conta o Regulamento (UE) nº 679/2016, Regulamento Geral de Proteção de Dados (RGPD), e o diploma que assegura a execução desse Regulamento no nosso ordenamento jurídico, a Lei nº 58/2019, de 8/8.
Ora, o tratamento de dados pessoais tem que obedecer a diversos princípios fundamentais. São eles, os princípios da finalidade legítima, da proporcionalidade e da transparência.
O princípio da finalidade legítima encontra-se no art. 5º, b), do RGPD. Determina ele, os dados pessoais são recolhidos para “finalidades determinadas, explícitas e legítimas e não podendo ser tratados posteriormente de uma forma incompatível com essas finalidades”.
Na situação sub judice, está em causa uma tecnologia que permite, como se disse, levar os táxis na direção dos seus clientes. É uma finalidade legítima.
Contudo, os dados estão a ser utilizados para outro fim: fiscalizar o comportamento do trabalhador e sobre ele atuar disciplinarmente. Existe, portanto, um tratamento de dados incompatível com aquela finalidade.
O art. 28º, 4 e 5, da citada Lei nº 58/2019 dispõe que:
4 - As imagens gravadas e outros dados pessoais registados através da utilização de sistemas de vídeo ou outros meios tecnológicos de vigilância à distância, nos termos previstos no artigo 20.º do Código do Trabalho, só podem ser utilizados no âmbito do processo penal.
5 - Nos casos previstos no número anterior, as imagens gravadas e outros dados pessoais podem também ser utilizados para efeitos de apuramento de responsabilidade disciplinar, na medida em que o sejam no âmbito do processo penal.
Logo, os registos do B... não podem ser usados como prova em procedimento disciplinar não acompanhado de processo penal.
A monitorização à distância e constante dos movimentos do trabalhador constitui uma violação da dignidade do trabalhador.
E uma intromissão abusiva no seu direito de reserva da intimidade vida privada tutelada pela Constituição da República Portuguesa (CRP) no seu art. 28º, 1. Reserva que subsiste mesmo no desenrolar na atividade profissional.
E o art. 32º, 8, CRP fulmina com a nulidade os meios de prova obtidos com abusiva intromissão na vida privada.
Note-se que não está em causa a faculdade do empregado fiscalizar a atividade profissional do trabalhador. Mas o modo como é feita essa fiscalização.
Teresa Coelho Moreira, obra citada p.172, esclarece “pretende-se, desta forma, evitar não o controlo exercido pelo empregador, porque este é lícito, mas o controlo orwelliano, constante, insidioso e vexatório”.
E, a pp 176, acrescenta a autora, “o que é lícito ao olho humano não o é igualmente ao olho eletrónico da máquina”.
Consequentemente, declaram-se nulas as provas obtidas com recurso aos registos do B.... Discriminando, são as seguintes folhas do procedimento disciplinar (que está junto aos autos do procedimento cautelar): 30-37, 39, 40, 42-57, 59-69, 71-93, 95-98, 100-104, 106-112, 114-116, 118-124, 126-133, 135-141, 143-145, 147-156, 158-174, 176-189, 191-203, 202-212, 214 e 215.
A nulidade não é extensível às faturas que estão nos intervalos desses documentos (fls. 38, 41, 58, 70, 94, 99, 105, 113, 117, 125, 134, 142, 146, 157, 175, 190, 204 e 213).”
Vejamos:
Entendemos ser uma súmula bastante, o que assim foi sumariado no Acórdão do STJ de 18.11.2021, in www.dgsi.pt:
«I – Na relação de instrumentalidade existente entre o procedimento cautelar e ação principal, a decisão proferida naquele não faz caso julgado material nem se configura com prejudicialidade relativamente à pretensão reclamada na ação principal, não condicionando a decisão a proferir nesta;
II – ou seja, do teor do decidido no âmbito da providência cautelar, seja em termos de fixação da matéria de facto, seja na integração jurídica desta, não é suscetível de extrair quaisquer efeitos de caso julgado material aplicáveis ao processo principal, isto é, o teor do decidido nos autos cautelares não exerce qualquer efeito sobre a ação principal;
III – a decisão proferida no procedimento cautelar, assume, assim, uma natureza precária, pois assenta em fatores de menor solidez de fiabilidade, não devendo influenciar a apreciação a efetuar no âmbito da ação definitiva;».
Começa a Apelante, neste segmento do recurso, por concluir:
- Tal questão já havia sido apreciada anteriormente por este Tribunal, no âmbito do recurso interposto pelo aqui Recorrido da decisão proferida no procedimento cautelar de suspensão do despedimento que antecedeu a presente ação - de que desta é anexo -, tendo aí ficado decidido: “Assim, não se pode dizer que o sistema B... não pudesse ser admitido como meio de prova no procedimento disciplinar.”(…), o que, a contrario, sempre terá de admitir-se que o sistema B... como meio de prova no procedimento disciplinar é válido e lícito.”
- O acórdão proferido recaiu sobre a relação processual, designadamente sobre a admissibilidade de um concreto meio de prova – os registos do sistema B... – pelo que formou-se caso julgado formal sobre essa matéria.
- o caso julgado formal “só é vinculativo no próprio processo (e respetivos incidentes que correm por apenso) em que a decisão foi proferida, obstando a que o juiz possa na mesma ação, alterar a decisão proferida - mas não impede que a mesma questão processual seja decidida em outra ação, de forma diferente pelo mesmo tribunal ou por outro tribunal”.– Cfr. Remédio Marques.
Entende o Apelado que não é sequer caso julgado material, porque o que no Acórdão se verteu foi uma coisa (indícios) e na sentença foi outra (demonstração efetiva da realidade dos factos).
Porém, a questão não é essa, não é a de convicção mas sim a da validade do meio de prova, ou seja não se trata da capacidade do sistema - Registos B... - para sustentar a prova de determinada matéria mas sim da própria admissibilidade desse sistema como meio de prova.
Relativamente à nulidade da sentença, pronunciou-se o M.mº Juiz a quo, aquando da admissão do recurso, referindo que “A validade daquelas provas foi posta em causa pelo trabalhador na contestação. E é matéria de conhecimento oficioso. Assim, este tribunal teria sempre que conhecer dessa matéria. O seu não conhecimento é que traduziria uma nulidade por omissão de pronúncia.”
Assim também não entendemos.
Não é por ter sido questão suscitada na contestação que obstava a que o Tribunal a quo deixasse de considerar o já decidido em sede de procedimento cautelar, quanto à admissibilidade do meio de prova, em causa - Registos B....
O que for decidido no procedimento cautelar em termos de mérito não se repercute no mérito da ação, assim como a convicção formada em sede de procedimento cautelar, a partir de um meio de prova, sobre determinada matéria de facto, também não é vinculante ou seja, pode o juízo que vier a ser formado na ação a esse respeito ser outro.
Ainda assim, quanto à força probatória da confissão judicial, esta “apenas vale como tal no processo em que se concretizou ou, tratando-se de procedimento cautelar, no respetivo processo principal (art. 355º, nº3, do CC)”. como em anotação ao artigo 421º do Código de Processo Civil, «Valor extraprocessual das provas», referem Ant. Geraldes, Paulo Pimenta e Luís de Sousa, (in Código de Processo Civil Anotado, vol. I, pág. 497),
Questão diversa é a da decisão proferida desde logo em sede cautelar sobre a admissibilidade de determinado meio de prova valer para o processo principal.
A este respeito, afigura-se-nos que assiste razão à Apelante quando conclui que o Tribunal a quo ao apreciar e decidir pela nulidade das provas obtidas em sede de procedimento disciplinar com recurso aos Registos da B... violou o caso julgado formal e o disposto no nº 1 do artigo 620º do Código de Processo Civil, o que determina a sua nulidade insuprível, nos termos do disposto na alínea d) do nº 1 do artigo 615º do mesmo Código.
Sob a epígrafe «Caso julgado formal», o artigo 620º do Código de Processo Civil, dispõe no nº 1 «As sentenças e os despachos que recaiam unicamente sobre a relação processual têm força obrigatória dentro do processo.»
Começando por salientar que a decisão cautelar, “posto que preliminar ou incidental da ação, não exerce qualquer influência nesta”, em anotação a este artigo, os Autores citados, na mesma obra, vol. I, pág. 745, referem a eficácia externa de decisão cautelar proferida a respeito da exceção da incompetência absoluta e ainda da decisão do incidente de incompetência relativa.
Quanto à questão aqui em análise, em suma, entendemos que a decisão que rejeitou Registos B..., violou o caso julgado da decisão em sentido contrário, do acórdão proferido âmbito do procedimento cautelar anexado aos presentes autos, a qual transitou em julgado, tendo, tal como previsto no artigo 620º, nº 1, do Código de Processo Civil, força obrigatória dentro do processo, no qual se incluem os autos principais, ou seja, a presente ação, autoridade essa que vinculava o tribunal a quo, não podendo este da mesma conhecer, nos termos em que o fez.
Pronunciou-se o Tribunal a quo sobre questão de que não podia conhecer, sendo nula a sentença nos termos previstos no artigo 615º, nº1, alínea d) do Código de Processo Civil.
Procede assim nesta parte a Apelação.
Ainda que assim não se entendesse a apelação sempre procederia pelo fundamento que se passa a explicitar.
O art. 28º, 4 e 5, da citada Lei nº 58/2019 dispõe que:
4 - As imagens gravadas e outros dados pessoais registados através da utilização de sistemas de vídeo ou outros meios tecnológicos de vigilância à distância, nos termos previstos no artigo 20.º do Código do Trabalho, só podem ser utilizados no âmbito do processo penal.
5 - Nos casos previstos no número anterior, as imagens gravadas e outros dados pessoais podem também ser utilizados para efeitos de apuramento de responsabilidade disciplinar, na medida em que o sejam no âmbito do processo penal.
Não acompanhamos a afirmação “os registos do B... não podem ser usados como prova em procedimento disciplinar não acompanhado de processo penal.”
Não é essa a leitura que fazemos.
Como com referência a anteriores acórdãos desta secção, bem assinalou o Ex.mº Procurador Geral “(…) é de aceitar as imagens captadas por sistema de videovigilância como meio de prova em processo disciplinar e na subsequente ação judicial em que se discuta a aplicação de sanção disciplinar, mormente o despedimento, desde que sejam observados os pressupostos que decorrem da legislação sobre a proteção de dados e concomitantemente se conclua que a finalidade da sua colocação não foi exclusivamente a de controlar o desempenho profissional do trabalhador. Num quadro circunstancial assim apurado, o trabalhador não merece – nem a lei lhe confere - maior proteção do que aquela que é conferida aos demais cidadãos e, logo, o meio de prova é lícito e admissível.”.
Ora, neste caso, o sistema de registo B... foi instalado no veículo de trabalho para maior proximidade com os clientes transportados e apuramento dos resultados semanais, não tendo em vista o controlo do desempenho profissional dos motoristas e, portanto, do recorrido.
Além disso, era do conhecimento dele a instalação deste sistema de registo, para a qual, aliás, forneceu os seus dados pessoais.
Entende-se, assim, que estão preenchidos os requisitos necessários à sua instalação podendo as imagens ser utilizadas para fins disciplinares, não sendo necessária a instauração de processo criminal.”
Procede a Apelação.
Anula-se a sentença, devendo os autos ser remetidos à primeira instância, para produção de prova, considerando a admissão da prova obtida pelo registo B..., decidida no acórdão proferido neste mesmo processo, nos autos de providência cautelar, apensos aos presentes autos, o que se determina.

3. Decisão:
Em face do exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar procedente a Apelação, declara-se nula a sentença, devendo os autos ser remetidos à primeira instância, para produção de prova, considerando a admissão da prova obtida pelo registo B..., decidida no acórdão proferido neste mesmo processo, nos autos de providência cautelar, apensos aos presentes autos.
Custas do recurso pelo Apelado.

Porto, 04 de Março de 2024.
Teresa Sá Lopes
António Luís Carvalhão
Germana Ferreira Lopes