Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
315/14.0T8LOU-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: FERNADO BAPTISTA
Descritores: REDUÇÃO DA CLÁUSULA PENAL
Nº do Documento: RP20160505315/14.0T8LOU-A.P1
Data do Acordão: 05/05/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º 59, FLS.80-97)
Área Temática: .
Sumário: I - A faculdade de redução da cláusula penal, concedida pelo art. 812º do CCvil (redução equitativa da cláusula penal), não é oficiosa, antes depende de pedido do devedor da indemnização nesse sentido.
II - É sobre o devedor que recai o ónus de alegação e prova dos factos que integrem a desproporcionalidade entre o valor da cláusula estabelecida e o valor dos danos a ressarcir ou um excesso da cláusula em relação aos danos efectivamente causados em função do incumprimento do contrato.
III - A intervenção judicial de controlo do montante da pena deve ser sempre muito cautelosa, não podendo ser sistemática, antes devendo ocorrer apenas em situações excepcionais e em condições e limites apertados.
IV - No exercício do seu equitativo e excepcional poder moderador, o juiz só goza da faculdade de reduzir a cláusula penal com vista a evitar abusos evidentes, situações de clamorosa iniquidade, a que conduzem penas «manifestamente excessivas», francamente exageradas, face aos danos efectivos, tendo sempre presente o seu valor cominatório e dissuasor, e não uma cláusula penal, meramente, excessiva, cuja pena seja superior ao dano.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. 315-14.0T8LOU-A.P1
Relator: Fernando Baptista
Adjuntos:
Des. Ataíde das Neves
Des. Amaral Ferreira

I. RELATÓRIO

Acordam na Secção Cível do tribunal da Relação do Porto

B… intentou embargos de executado contra Banco C…, SA., alegando, em síntese, que a indemnização de 20% peticionada provém de uma cláusula contratual geral, que não teve negociação ou explicação e que é abusiva, também não sendo aceitável o pedido de rendas futuras, pelo que concluiu pedindo que prossiga a execução apenas pelas rendas vencidas e não pagas, pedindo a nulidade da cláusula 20º, al. c) do contrato.

Regularmente notificada, contestou a exequente invocando, em síntese, que os executados tiveram conhecimento do teor do contrato, que o mesmo é válido, que foi agora considerada uma redução do valor da quantia exequenda, face à venda do veículo.
Terminou peticionando a improcedência total dos embargos de executado.

Foi proferido despacho a fixar o objecto do litígio e os temas da prova, conforme consta de fls. 62 e ss..
Realizou-se a audiência de discussão e julgamento com observância do legal formalismo.

Por fim, foi sentenciada a causa nos seguintes termos:
«Nestes termos, de harmonia com as disposições legais citadas:
Julgo os presentes embargos de executado parcialmente procedentes, não sendo devida a
quantia peticionada a título de capital financeiro, de €18.955,05 (dezoito mil novecentos e
cinquenta e cinco euros e cinco cêntimos) e eventuais juros que sobre a mesma hajam recaído,
que deve ser reduzida à quantia exequenda».

Inconformado com esta sentença, dela recorreu o Exequente Banco C…, SA., apresentando alegações que remata com as seguintes

«CONCLUSÕES:

I- QUANTO À QUESTÃO DE SABER SE OCORREU NEGOCIAÇÃO E EXPLIAÇÃO RELATIVAMENTE ÀS CLÁUSULAS CONTRATUAIS, aliás, relativamente á cláusula 20ª, alínea c) das “condições gerais” do contrato de locação financeira nº ….., datado de 27 de Março de 2007

1. O Tribunal Judicial a quo interpretou e aplicou erradamente o regime estabelecido no Decreto-Lei n.° 446/85, de 25/10, nomeadamente, o disposto nos artigos 5° e 6° do referido diploma legal, o que condicionou, desde logo, a selecção e apreciação crítica da matéria de facto relevante para a boa decisão da causa.

2. Na verdade, contrariando a leitura do Tribunal a quo quanto a esta matéria, ensinam os Profs. Almeida e Costa e Meneses Cordeiro, em "Clausulas Contratuais Gerais", Livraria Almedina, Coimbra Editora, 1986, pág. 25, que "O dever de comunicação é uma obrigação de meios: não se trata de fazer com que o aderente conheça efectivamente as cláusulas, mas apenas desenvolver, para tanto, uma actividade razoável. Nessa linha, o n.° 2, esclarece que o dever de comunicação varia, no modo da sua realização e na sua antecedência, consoante a importância do contrato e a extensão e complexidade das cláusulas. Como bitola, refere-se a lei à possibilidade do conhecimento completo e efectivo das cláusulas por quem use de comum diligência.".

3. Ao contrário da posição assumida pelo Tribunal a quo na sentença recorrida, importa essencialmente à boa decisão da causa, nomeadamente à que respeita à aferição da validade e eficácia da cláusula 20a, alínea c) das "Condições Gerais" face ao disposto nos artigos 5° e 6° do Decreto-Lei n.° 446/85, de 25/10, muito mais do que saber se foi ou não lido e explicado o contrato de locação financeira ao executado, ora recorrido, saber, na realidade, se a celebração do contrato em causa ocorreu de modo a permitir, a quem quer que usasse de "comum diligência", ler e analisar o contrato previamente à respectiva assinatura, se o conteúdo da cláusula 20ª, alínea c) das "Condições Gerais" se mostra ou não complexo do ponto de vista jurídico e técnico, se o exequente esteve ou não à disposição dos executados para lhes prestar quaisquer esclarecimentos que eventualmente solicitassem sobre o contrato em causa.

4. Assim, face às alegações das partes e às soluções plausíveis da matéria em litígio,
1) Deveria o Tribunal a quo ter considerado relevante para a boa decisão da causa saber se "Os executados tiveram conhecimento das cláusulas que constituem as Condições Particulares e Gerais do dito contrato e aceitaram as mesma tendo declarado conforme consta do próprio contrato "o Locatário e o (s) Avalista (s) (indicados no Art° 6 das presentes Condições Particulares) declaram conhecer e aceitar plenamente as Condições Particulares e Gerais do presente Contrato de Locação Financeira e o Precário, aos quais dá(ão) a sua plena concordância, e confirma(m) que todas as informações indicadas estão correctas" (vide artigos 34°e 35 ° da contestação).

2) Deveria o Tribunal a quo ter considerado relevante para a boa decisão da causa saber se "do "Pacto de Preenchimento de Livrança", devidamente assinado pela subscritora da livrança que constitui o título executivo, consta a seguinte "Declaração do (s) Avalista (s): Na qualidade de avalista (s) declaro/declaramos que tenho/temos perfeito conhecimento do conteúdo das responsabilidades assumidas pelo (s) subscritor (es), das consequências do incumprimento temporário ou definitivo, da resolução, da caducidade do Contrato de Locação Financeira, do seu montante e dos termos do presente pacto, ao qual dou/damos o meu/nosso total acordo, sem excepções ou restrições de tipo algum, (...)", declaração esta que se mostra devidamente assinada pelos demais executados na execução apensa, designadamente pelo ora executado B… (vide artigo 20° da contestação)

3) Deveria o Tribunal a quo ter considerado relevante para a boa decisão da causa saber se "As assinaturas do dito B… foram reconhecidas _quer no Contrato (presencialmente até) quer no Aditamento". (vide artigo 37° da contestação)

4) Deveria o Tribunal a quo ter considerado relevante para a boa decisão da causa saber se "Antes de terem aposto as suas assinaturas no contrato referido nos autos os executados - isto é o dito B… - dispuseram do tempo _que entenderam necessário e conveniente para lerem e com compreenderem cada uma das cláusulas que dele constavam e constam " (vide artigo 37° da contestação)

5) Deveria o Tribunal a quo ter considerado relevante para a boa decisão da causa saber se "O ex-C1… S.A., o dito ex C2… e o exequente estiveram à disposição dos executados para lhes prestar todos os esclarecimentos e informações complementares que reputassem necessários, quer antes quer depois de subscreverem o dito contrato ". (vide artigo 38° da contestação)

6) Deveria o Tribunal a quo ter considerado relevante para a boa decisão da causa saber se "Nunca antes ou depois de haver sido subscrito o contrato referido nos autos, lhes foi solicitada a prestação de qualquer informação, esclarecimento ou aclaração sobre alguma das cláusulas que constituem quer as Condições Particulares quer as Condições Gerais do mesmo, sendo certo que a sociedade locatária sempre afirmou pretender cumpri-lo" (vide artigo 39°da contestação)

7) Deveria o Tribunal a quo ter considerado relevante para a boa decisão da causa saber se "A cláusula 20ª das "condições gerais "do contrato de locação financeira n.º ……, porque perfeitamente clara e explícita, não justifica qualquer aclaração em especial. (vide artigo 43° da contestação)

5. Depois, face à prova documental e testemunhal produzida nos autos,

1) Deveria o Tribunal a quo ter considerado provado, com base na análise do contrato de locação financeira de fls. 7 vº e ss. e 48 vº e ss., face à ausência de qualquer prova em sentido contrário e face às regras da normalidade da vida e dos negócios; que: "Os executados tiveram conhecimento das cláusulas que constituem as Condições Particulares e Gerais do dito contrato e aceitaram as mesmas tendo plenamente as Condições Particulares e Gerais do presente Contrato de Locação Financeira e o Precário, aos quais dá(ão) a sua plena concordância, e confirma(m) que todas as informações indicadas estão correctas" (vide artigos 34° e 35° da contestação).

2) Deveria o Tribunal a quo ter considerado provado, com base na análise da declaração dos avalistas de fls. 52 e ss., face à ausência de qualquer prova em sentido contrário e face às regras da normalidade da vida e dos negócios, que: "do "Pacto de Preenchimento de Livrança", devidamente assinado pela subscritora da declarado, conforme consta do próprio contrato, "(...) conhecer e aceitar livrança que constitui o título executivo, consta a seguinte "Declaração do (s) Avalista (s): Na qualidade de avalista (s) declaro/declaramos que tenho/temos perfeito conhecimento do conteúdo das responsabilidades assumidas pelo (s) subscritor(es), das consequências do incumprimento temporário ou definitivo, da resolução, da caducidade do Contrato de Locação Financeira, do seu montante e dos termos do presente pacto, ao qual dou/damos o meu/nosso total acordo, sem excepções ou restrições de tipo algum, (...)", declaração esta que se mostra devidamente assinada pelos demais executados na execução apensa, designadamente pelo ora executado B… (vide artigo 20° da contestação)

3) Deveria o Tribunal a quo ter considerado provado, com base na análise do contrato de locação financeira de fls. 7 v. ° e ss. e 48 v.' e ss. e da adenda ao contrato de fls. 9., face à ausência de qualquer prova em sentido contrário e face às regras da normalidade da vida e dos negócios; que "As assinaturas do dito B… foram reconhecidas quer no Contrato (presencialmente até) quer no Aditamento ". (vide artigo 37° da contestação)

4) Deveria o Tribunal a quo ter considerado provado, com base no depoimento da única testemunha ouvida, D… - vide transcrição infra [localização: 0:05:40 a 0:19:20] -, em conjugação com os documentos referidos no anterior ponto 3) - o primeiro deles datado de 27/03/2007 - e as regras da experiência comum - face à ausência de qualquer alegação, muito menos prova, da ocorrência de qualquer facto extraordinário de sentido contrário - que "Antes de terem aposto as suas assinaturas no contrato referido nos autos os executados - isto é o dito B… - dispuseram do tempo que entenderam necessário e conveniente para lerem e compreenderem cada uma das cláusulas que dele constavam e constam " (vide artigo 37° da contestação)

5) Deveria o Tribunal a quo ter considerado provado, com base no depoimento da única testemunha ouvida, D… - vide transcrição supra, [localização: 0:05:40 a 0:08:201 -, face à ausência de qualquer alegação, muito menos prova, da ocorrência de qualquer facto extraordinário de sentido contrário, que "O ex-C1… S.A., o dito ex C2… e o exequente estiveram à disposição dos executados para lhes prestar todos os esclarecimentos e informações complementares que reputassem necessários, quer antes quer depois de subscreverem o dito contrato". (vide artigo 38° da contestação)

6) Deveria o Tribunal a quo ter considerado provado, com base no depoimento da única testemunha ouvida, D… - vide transcrição supra, [localização: 0:05:40 a 0:19:201 -, face à ausência de qualquer alegação, muito menos prova, da ocorrência de qualquer facto extraordinário de sentido contrário, que "Nunca antes ou depois de haver sido subscrito o contrato referido nos autos, lhes foi solicitada a prestação de qualquer informação, esclarecimento ou aclaração sobre alguma das cláusulas que constituem quer as Condições Particulares quer as Condições Gerais do mesmo,
sendo certo que a sociedade locatária, ora oponente, sempre afirmou pretender cumpri-lo " (vide artigo 39° da contestação)

7) Deveria o Tribunal a quo ter considerado provado, com base na análise do contrato de locação financeira de fls. 7 v.' e ss. e 48 v.' e ss. e ao teor dos documentos 7 a 14 juntos com a contestação, considerando ainda a natureza comercial da sociedade locatária da qual o avalista era então sócio gerente e, ainda ao depoimento da única testemunha ouvida, D… - vide transcrição supra, [localização: 0:14:12 a 0:19:201 -, que "A cláusula 20° das "condições gerais "do contrato de locação financeira n.' ….., porque perfeitamente clara e explícita, não justifica qualquer aclaração em especial. (vide artigo 43° da contestação)

6. Assim, salvo o devido respeito por opinião contrária, mostra-se, que carece de sentido jurídico e de fundamento factual, face ao regime do Decreto-Lei n.° 446/85, de 25/10 e face á prova constante do processo e negligenciada pelo Tribunal a quo, a sentença que julga inválidas as cláusulas do contrato em causa por pretensa violação do dever de informação relativo às mesmas e a concomitante argumentação do Tribunal a quo que a esse respeito afirma, um tanto anacronicamente e sem adesão à realidade que cumpre efectivamente apreciar, que "Não basta colocar no contrato uma série de cláusulas, muitas vezes após as assinaturas dos contraentes ou mesmo depois dessas assinaturas, mas com as características das habituais 'letras pequenas ou minúsculas' (como também alegado pelo executado), para dizer que está lá tudo (ou inserir cláusulas genéricas, como nos autos, alegando conhecimentos das partes no que concerne ao contrato em questão - o que é proibido nos termos do art. 2 1 °, al. e, do DL n. 0 446/85, de 25/10)"

7. Aliás, o "art. 21º, al. e, do DL nº 446/85, de 25/10" não é manifestamente aplicável ao contrato de locação financeira em causa na medida em que, na realidade que os autos demonstram inequivocamente, o referido contrato relaciona juridicamente o locador, isto é, o ora recorrente, com a locatária, isto é, a sociedade executada, uma sociedade comercial por quotas cujo objecto social é o transporte de mercadorias, a respeito da fruição de um veículo pesado cujo financiamento se visou proporcionar

8. Mostra-se, portanto, que o Tribunal a quo não procedeu a uma correcta interpretação do DL n.° 446/85, de 25/10 - o que condicionou, desde logo, a selecção e apreciação crítica da matéria de facto relevante para a decisão da causa - e, consequentemente, violou disposto nos artigos 5°, 6° e 20° do referido diploma legal ao julgar verificada a violação do dever de informação relativamente às aludidas cláusulas gerais insertas no contrato em causa nos autos.

9. Mostra-se, também que ao decidir que "Ficariam, pois, fora deste âmbito as aludidas cláusulas, nas quais se inclui a do art. 20°, al. c), cláusula essa que é nula" violou o Tribunal a quo, simultaneamente, o artigo 8° do DL n.° 446/85, de 25/10 e os princípio expressos nos artigos 608, n° 2 e 609°, n° 1 do Código de Processo Civil e condicionou ilegalmente o adequado conhecimento da totalidade do clausulado do contrato em causa, como a sequência do raciocínio imanente da decisão recorrida comprova.

Por outro lado,

10. Não obstante o Tribunal a quo ter julgado a indemnização contra a qual se insurgiu o executado nos embargos que deduziu, isto é, a indemnização de 20% do capital financeiro em divida como válida na medida em que considerou a mesma adequada, permitiu-se também conhecer de questão que não foi suscitada pelo executado na respectiva petição acabando por proferir decisão que carece de sustentação factual adequada e afronta os mais elementares princípios de proporcionalidade e equidade.

11. Na verdade, errou o Tribunal a quo ao interpretar a cláusula 20a, alinea c) das "condições gerais"do contrato de locação financeira n.° ……, considerando, sem justificação aparente, no raciocínio na base da conclusão formulada quanto ao tema em análise na sentença recorrida, que o exequente estaria a incluir no valor total da livrança dada à execução o montante das rendas não vencidas, as vincendas, quando na realidade o exequente se limitou a contabilizar a esse respeito o valor respeitante ao capital financeiro em dívida no contrato dos autos, acrescido do IVA respectivo, tal como resulta inequivocamente da análise do contrato de locação financeira de 48 v.° e ss., da adenda ao contrato de fls. 9 e respectivo casflow (doc. 13) junto com a contestação e, ainda, do depoimento da testemunha D…

12. Errou portanto o Tribunal a quo ao fazer corresponder o valor de € 18.955,05 ao valor das rendas não vencidas, as vincendas, e estas ao capital financeiro em dívida no contrato em causa e, assim, desde logo, nos pressupostos de facto de que partiu para a análise operada para os efeitos do disposto no artigo 812° do Código Civil.

13. Porém, acresce ainda que a entender-se com cabimento processual e minimamente justificada - face aos pedidos formulados e à causa de pedir alegada na instância - , a análise operada pelo Tribunal a quo, para os efeitos do disposto no artigo 812° do Código Civil, da cláusula 20a, alínea c) das "condições gerais" do contrato de locação financeira n.° ….., não podia aquele Tribunal furtar-se a analisar aquela cláusula no contexto global do clausulado do contrato em causa, em especial, no confronto com o estatuído na cláusula imediatamente subsequente àquela - isto é, a 21a, onde se estatui que "Logo que o Equipamento, restituído ao Locador, nos termos da alínea b) do artigo anterior, seja vendido, este deve entregar ao Locatário 80% do preço obtido, deduzido de despesas e comissões, desde que se encontrem integralmente pagas todas as quantias indicadas nas alíneas a) e c) do artigo anterior.

14. Assim, a entender, como o Tribunal a quo que o juízo sobre o manifesto excesso e desproporção da cláusula penal implica uma apreciação em abstracto, aplicável aos contratos da mesma natureza e, uma apreciação em concreto, em face da factualidade do caso considerado, não podia aquele Tribunal deixar de se considerar relevante para a boa decisão da causa o teor da citada cláusula 21ª das condições do contrato dos autos, atento até, como se mostra provado, "O exequente, tendo-lhe sido entregue (...) o veículo locado procedeu à respectiva venda em leilão, em 13 de Novembro de 2014, pelo preço líquido de €16.178,19, quantia esta que considerou recebida, por conta do pedido exequendo".

II. QUANTO À QUESTÃO DE SABER SE A CLÁUSULA INDEMNIZATÓRIA, rectius, a cláusula 20ª, alinea c) das "condições gerais "do contrato de locação financeira nº ….., datado de 27- de Março de 2007, na parte em que prevê uma indemnização de 20% sobre o montante do capital financeiro em divida, ÉABUSIVA.

15. Deveria o Tribunal a quo ter também considerado relevante para a decisão da causa e provado, com base na análise do contrato de locação financeira de fls. 7 vº e ss. e 48 vº e ss., que:
8. Consta no artigo 21° das respectivas Condições Gerais que: "Logo que o Equipamento, restituído ao Locador, nos termos da alínea b) do artigo anterior, seja vendido, este deve entregar ao Locatário 80% do preço obtido deduzido de despesas e comissões, desde que se encontrem integralmente pagas todas as quantias indicadas nas alíneas a) e c) do artigo anterior."

IIL QUANTO À QUESTÃO DA VALIDADE DAS CONDIÇÕES GERAIS DO CONTRATO DE LOCAÇÃO FINANCEIRA nº ….., datado de 27 de Março de 2007

16. Atento a matéria de facto que, salvo o devido respeito por opinião contrária, a correcta interpretação do regime estatuído no Decreto-Lei n.° 446/85, de 25/10 e dos factos alegados impunham, deveria o Tribunal a quo ter considerado provados os facto destacada nos pontos 1 a 7 do presente recurso e, consequentemente, julgar totalmente improcedente a pretensão do recorrido quanto à exclusão de qualquer uma das condições gerais do contrato em função de pretensa violação dos deveres de comunicação e informação estabelecidos no referido diploma legal.

IV. QUANTO À QUESTÃO DA INTERPRETAÇÃO DO CONTRATO E DA PRETENSA REDUÇÃO EQUITATIVA DA CLÁUSULA 20ª EM DESCONSIDERAÇÃO DA VENDA DO VEÍCULO E DEDUÇÃO DO RESPECTIVO MONTANTE.

17. Errou o Tribunal a quo, como referido antes no presente recurso, nos pressupostos de facto dos quais partiu para concluir pelo carácter excessivo da indemnização prevista na alínea c) do artigo 20° das condições gerais do contrato proferindo decisão que, por um lado, viola o princípio do pedido plasmado no artigo o 609°, nº1 do Código de Processo Civil, e, por outro lado, afronta os princípios de proporcionalidade e equidade.

18. Na verdade, o ónus de alegar e provar os factos que integrem a desproporcionalidade entre o valor da cláusula estabelecida e o valor dos danos a ressarcir ou um excesso da cláusula em relação aos danos efectivamente causados recaía sobre o embargante, ora recorrido.

19. O uso da faculdade de redução equitativa da cláusula penal, concedida pelo artigo 812° do Código Civil, não é oficiosa, mas dependente de pedido do devedor da indemnização.

20. Acresce, como escreve Calvão da Silva, que "O controlo judicial da cláusula penal impõe-se, mas limitado apenas à correcção de abusos; impõe-se, tão só, para proteger o devedor de exageros e iniquidades de credores, mas, não já, para privar o credor dos seus legítimos interesses, entre os quais se conta o de recorrer à cláusula penal como meio de pressão sobre o devedor em ordem a incitá-lo a cumprir a prestação que lhe é devida, resultado que, em si, tem o efeito moralizador de assegurar o respeito devido à palavra dada e aos contratos"

21. Ora, como ressalta dos embargos que originaram a presente acção o recorrido limitou­-se a pedir que a cláusula 20° alinea c) das "condições gerais" do contrato, fosse considerada dele excluída ou nula e, como tal, inaplicável, invocando para esse efeito o disposto nos artigos 5°, n° 1 e 2 e 6°, 8°, alíneas a), b) e c), 19á al. c) do RJCCG e artigos 432° a 436° do Código Civil.

22. Assim, mostra-se que o Tribunal a quo fez uso ilegítimo da faculdade de redução equitativa da cláusula penal, violando assim o princípio da proibição do julgamento «ultra petitum» (artigo 609°, n° 1 do Código de Processo Civil) e o disposto nos artigos 812°, n° 1, 282° e 287 do Código Civil, na medida em que nenhum pedido nesse sentido foi oportunamente formulado nos autos pelo ora recorrido nesse preciso sentido.

23. Em consequência e comprovando a ausência de pedido formulado pelo embargante, ora recorrido, de redução equitativa da cláusula 20°, alínea c) do contrato em causa, este não satisfez minimamente o ónus de alegar e provar os factos que eventualmente podiam integrar a desproporcionalidade entre o valor da cláusula estabelecida e o valor dos danos a ressarcir ou um excesso da cláusula em relação aos danos efectivamente causados em função do incumprimento do contrato de locação financeira em causa sendo da iniciativa do Tribunal a quo a "especulação" que fundamenta a decisão recorrida quanto a esta matéria.

24. Aliás, "especulação" ou raciocínio que, como antes referido, partindo de pressupostos de facto erroneamente apurados pelo Tribunal a quo e de omissão de apreciação da integralidade do contrato dos autos, acaba produzindo na realidade da vida - ao promover a dupla redução do pedido exequendo (considerando não devida ao exequente a quantia peticionada a título de capital financeiro no montante de € 18.955,05 e também a redução do pedido referente à venda do veículo objecto do contrato de locação financeira pelo valor de mais € 16.178,19) a negação, ilegal e ilegítima, do direito do exequente ora recorrente ao ressarcimento ou indemnização decorrente do culposo incumprimento do contrato em causa por parte do embargante, ora recorrido.

25. Qualquer juízo sobre o eventual excesso e desproporção da cláusula penal implicaria a consideração do teor da citada cláusula 21ª das condições do contrato dos autos, atento até, como se mostra provado, "O exequente tendo-lhe sido entregue (...) o veículo locado procedeu à respectiva venda em leilão, em 13 de Novembro de 2014, pelo preço líquido de € 16.178,19 quantia esta ue considerou recebida por conta do pedido exequendo "

26. Com efeito, estando provado que o exequente recebeu coisa própria - o veículo objecto do contrato de locação financeira em causa - mas cuja detenção, nos termos do contrato havia entregue à sociedade locatária - não devia o Tribunal a quo deixar de considerar - como efectivamente desconsiderou - os termos em que o exequente, ora recorrente, recebeu a importância obtida através da venda do veículo em causa, isto é, imputando a totalidade do valor recebido por conta da dívida do ora recorrido.

27. Tanto mais que aquele facto encerra um valor decisivo na composição do litígio que o Tribunal a quo entendeu ilegitimamente operar e resulta num desequilíbrio ofensivo do princípio da equidade que pretendia salvaguardar.

28. A sentença recorrida violou assim também o disposto nos artigos 405° e 406°, 810°, 811° e 812° do Código Civil.

Termos em que deve ser dado provimento ao presente recurso e revogar-se a sentença recorrida, substituindo-a por acórdão que julgue a oposição à execução totalmente improcedente e não provada e ordene o prosseguimento da execução, como é de inteira

JUSTIÇA».

Não foram apresentadas contra-alegações.

Foram colhidos os vistos legais.

II. FUNDAMENTAÇÃO
II.1. AS QUESTÕES

Tendo presente que:
- O objecto dos recursos é balizado pelas conclusões das alegações dos recorrentes, não podendo este Tribunal conhecer de matérias não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (arts. 635º, nº4 e 639º, do C. P. Civil);
- Nos recursos se apreciam questões e não razões;
- Os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido,

as questões suscitadas na apelação são as seguintes:

A. IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO

• Se deveria o Tribunal a quo ter considerado provado o alegado nos artigos 34° e 35° da contestação;
• Se deveria o Tribunal a quo ter considerado provado que: "do "Pacto de Preenchimento de Livrança", devidamente assinado pela subscritora da declarado, conforme consta do próprio contrato, "(...) conhecer e aceitar livrança que constitui o título executivo, consta a seguinte "Declaração do (s) Avalista (s): Na qualidade de avalista (s) declaro/declaramos que tenho/temos perfeito conhecimento do conteúdo das responsabilidades assumidas pelo (s) subscritor(es), das consequências do incumprimento temporário ou definitivo, da resolução, da caducidade do Contrato de Locação Financeira, do seu montante e dos termos do presente pacto, ao qual dou/damos o meu/nosso total acordo, sem excepções ou restrições de tipo algum, (...)", declaração esta que se mostra devidamente assinada pelos demais executados na execução apensa, designadamente pelo ora executado B… (vide artigo 20° da contestação);
• Se deveria o Tribunal a quo ter considerado provado que "As assinaturas do dito B… foram reconhecidas quer no Contrato (presencialmente até) quer no Aditamento ". (vide artigo 37° da contestação);
• Se deveria o Tribunal a quo ter considerado provado que "Antes de terem aposto as suas assinaturas no contrato referido nos autos os executados - isto é o dito B… - dispuseram do tempo que entenderam necessário e conveniente para lerem e compreenderem cada uma das cláusulas que dele constavam e constam " (vide artigo 37° da contestação);
• Se deveria o Tribunal a quo ter considerado provado o alegado nos artigos 38°, 39º e 43º da contestação;
• Se deveria o Tribunal a quo ter considerado relevante para a decisão da causa e provado que:
“Consta no artigo 21 ° das respectivas Condições Gerais que: "Logo que o Equipamento, restituído ao Locador, nos termos da alínea b) do artigo anterior, seja vendido, este deve entregar ao Locatário 80% do preço obtido deduzido de despesas e comissões, desde que se encontrem integralmente pagas todas as quantias indicadas nas alíneas a) e c) do artigo anterior".

B. DA MATÉRIA DE DIREITO

• Se o Tribunal a quo interpretou e aplicou erradamente o regime estabelecido no Decreto-Lei n.° 446/85, de 25/10, nomeadamente o disposto nos seus artigos 5° e 6°.
• Da cláusula indemnizatória: saber se a cláusula 20a, alínea c), das "condições gerais" do contrato de locação financeira n.° ….., na parte em que prevê uma indemnização de 20% sobre o montante do capital financeiro em dívida, é abusiva; e se não podia o tribunal a quo, como fez, reduzir (equitativamente) essa cláusula penal, designadamente, se com isso violou o princípio da proibição do julgamento «ultra petitum», na medida em que nenhum pedido nesse sentido foi oportunamente formulado nos autos pelo recorrido.
• Se o tribunal a quo errou ao interpretar a cláusula 20a, alínea c), das "condições gerais" do contrato de locação financeira, ao considerar que o Exequente incluiu no valor total da livrança dada à execução o montante das rendas não vencidas, as vincendas; se, ao invés do entendimento havido pelo tribunal, o Exequente se limitou a contabilizar no valor da livrança o valor do capital financeiro em dívida no contrato dos autos, acrescido do IVA respectivo; e se qualquer juízo sobre o eventual excesso e desproporção da cláusula penal sempre implicaria a consideração do teor da citada cláusula 21ª das condições do contrato dos autos, não devendo, então, o Tribunal a quo deixar de considerar os termos em que o exequente, ora recorrente, recebeu a importância obtida através da venda do veículo em causa, isto é, imputando a totalidade do valor recebido por conta da dívida do ora Recorrido (ponto 17 dos factos provados).


II.2. OS FACTOS

Vejamos os factos declarados provados e não provados pelo tribunal recorrido.

«Face à prova junta aos autos e produzida em audiência de julgamento, resultaram provados os seguintes factos:

1. A exequente é portadora de uma livrança no montante de € 36.221,51, apresentada a pagamento em 7 de Fevereiro de 2013, subscrita pela sociedade executada E…, TRANSPORTES, LDA. e avalizada à subscritora pelo executado B… e também pela executada F….
2. A sociedade executada E…-Transportes, Lda. foi declarada insolvente por sentença proferida a 9 de Fevereiro de 2015, em processo que correu termos pela Instância Central de Amarante, Secção de Comércio J2, Comarca de Porto Este, tendo o processo de insolvência sido encerrado conforme anúncio de 11 de Maio de 2015, dele constando a indicação do crédito dos autos como litigioso.
3. Tal livrança foi entregue para garantia do cumprimento das obrigações assumidas no contrato de locação financeira n.º ….., datado de 27 de Março de 2007, celebrado com referência a um veículo, marca Renault, com a matrícula ..-DA-.., para o efeito adquirido, a pedido da dita sociedade, pelo então C1…, SA, à firma G…, UNIPESSOAL, LDA, fornecedora do mesmo veículo, que foi recepcionado pela sociedade executada.
4. Tal contrato contém a assinatura do executado B… reconhecida presencialmente.
5. Do referido contrato consta expressamente das Condições Particulares do mesmo, prevendo o seu art. 6º que “Para garantia do bom pagamento de qualquer obrigação ou responsabilidade emergentes do presente contrato, o Locatário entrega à C1…, SA uma livrança por si subscrita e avalizada por: Nome: B…, Nº Contribuinte ………, B.I. Nº …….., Nome: F…, Nº Contribuinte ………, B.I. …….., livrança essa que, desde já autoriza (m) a C1…, SA. a, em caso de incumprimento e/ou resolução do presente contrato, preencher pelo valor que for devido, conforme o preceituado no pacto de preenchimento da Livrança e o estipulado nos artigos 19º e 20º das Condições Gerais”.
6. Do artigo 23º das Condições Gerais do referido contrato consta que:
“Como garantia das obrigações assumidas no presente contrato, poderão ser constituídas a favor do Locador quaisquer garantias, nos termos em que vierem a ser ajustados entre as partes, nomeadamente a subscrição da livrança em branco, acompanhada do respectivo acordo de preenchimento, subscrito pelo locatário e avalizada por terceiros identificados no presente contrato e correspondências associada como “avalistas”.
7. Simultaneamente foi entregue ao ex-C1… o “Pacto de Preenchimento da Livrança” do contrato de locação financeira ….., devidamente assinado.
8. O contrato de locação financeira previa o pagamento de 60 rendas, com vencimentos mensais e sucessivos, com início em 08/07/2007, posteriormente acrescidas, a pedido da sociedade executada, de mais 24, conforme Aditamento de Julho de 2009, celebrado já com o ex-C2…, com a assinatura do ora oponente B… na qualidade de legal representante da dita sociedade locatária notarialmente
reconhecida.
9. A primeira renda – sem IVA – era de € 7.500,00, vencida apenas, conforme acordado três meses após o início do dito contrato e as restantes, incluindo as novas mais 24 dos montantes constantes do “cash-flow” enviado à sociedade locatária em 10/08/2009. O valor residual era de € 1.500,00, acrescido também de IVA.
10. Do referido contrato foram pagas as cinquenta e sete primeiras rendas, a última das quais vencida em 8 de Março de 2012.
11. Consta do artigo 19º das Condições Gerais do referido contrato que: “1 – O presente contrato poderá ser resolvido por iniciativa do Locador, para além dos casos previstos na Lei:
a) Sempre que o Locatário se atrasar no pagamento de qualquer renda de locação ou qualquer outro débito conexo com o presente contrato;
b) Sempre que, e independentemente de interpretação o Locatário passe a estar sujeito a processo especial de recuperação de empresas e protecção de credores ou falência, sua dissolução ou liquidação, ou contra ele correr execução ou providência cautelar em que esteja ou possa estar em causa o bem locado;
c) Sempre que exista manifesta detioração da situação económico financeira do Locatário, bem como, de práticas pelo mesmo de delapidação ou qualquer outra forma de alienação patrimonial, que possa fazer perigar as garantias inerentes ao presente contrato;
d) Sempre que o Locatário incumpra definitivamente qualquer das suas obrigações não pecuniárias decorrentes deste contrato. O incumprimento temporário destas obrigações do Locatário tornar-se-á definitivo com o envio ao Locatário pelo Locador de carta registada com aviso de recepção intimando-o ao cumprimento em prazo que desde já é fixado em oito dias.
2 – Nos casos previsto nas alíneas a), b) e c) do número anterior, o Locador enviará ao Locatário carta registada com aviso de recepção em que lhe comunicará a resolução do contrato e identificará os seus fundamentos, podendo este precludir tal resolução nos termos da Lei.
3 – No caso indicado na alínea d) do número um deste artigo, o Locador enviará ao Locatário carta em que lhe comunicará o saldo em dívida decorrente da resolução entretanto operada.”.
12. Consta no artigo 20º das respectivas Condições Gerais que: “Quando o Locador resolver o contrato nos termos do artigo anterior, terá direito:
a) A fazer definitivamente suas as rendas vencidas e pagas pelo Locatário;
b) À restituição imediata do Equipamento;
c) Ao pagamento, à data da resolução das rendas vencidas e não pagas, acrescidas dos respectivos juros de mora, encargos e portes de acordo com o preçário em vigor, do montante do capital financeiro em divida e de uma indemnização igual a 20% deste”.
13. Prevê também o artigo 22º das ditas Condições Gerais que:
1“- A falta e pagamento pontual das rendas vencidas e/ou outros montantes devidos pelo Locatário, no âmbito do presente contrato, implica a obrigação de pagamento ao Locador de juros de mora e de encargos, nos termos dos números seguintes.
2 – Os juros de mora serão calculados pela adição à taxa de juro convencionada para o contrato, da sobretaxa máxima permitida por lei às sociedades de locação financeira (à data 4%).
3- Os encargos devidos por cada débito vencido e não pago pontualmente serão devidos, quando não haja lugar à resolução do contrato nos termos do artigo 19º e calculados por aplicação de uma percentagem fixada no preçário em vigor à data da constituição em mora, sobre os valores em falta, até ao limite máximo de 10% do respectivo montante”.
14. Face ao não pagamento das rendas, a exequente enviou cartas aos executados a resolver o contrato, a 04/12/2012.
15. À data da resolução o montante em débito, correspondente apenas às rendas 58º à 65ª, facturadas e não cobradas, acrescidas dos respectivos juros de mora, era de € 8.891,51.
16. A livrança dos autos foi preenchida com data de vencimento de 01/02/2013, pelo montante de € 36.221,51, correspondente ao valor das rendas em dívida em tal data - € 10.415,24 que inclui o montante das rendas facturadas e não pagas, respectivos juros e comissões de mora, estas à razão de € 20,80 por mês e por renda nos termos do preçário em vigor, mais € 18.955,05 de capital financeiro em dívida à data da resolução de 04/12/2012, mais € 1.291,50 de serviços e outros encargos, mais € 5.379,51 correspondentes à indemnização de 20% de capital em divida à data do primeiro incumprimento (08/04/2012), e de mais € 180,21 de imposto de selo da livrança, como dela consta.
17. O exequente, tendo-lhe sido entregue em 25 de Outubro de 2014 pela sociedade E…-Transportes, Lda. o veículo locado procedeu à respectiva venda em leilão, em 13 de Novembro de 2014, pelo preço líquido de € 16.178,19, quantia esta que considerou recebida, por conta do pedido exequendo.

B) FACTOS NÃO PROVADOS

Toda a restante matéria foi dada como não provada, aqui se dando por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais, não se provando, designadamente, que todas as cláusulas do contrato tenham sido lidas e explicadas aos executados.».

III. O DIREITO

Vejamos, então, as questões suscitadas no recurso.

A. DA IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO

Entende a Apelante, na impugnação da decisão da matéria de facto, que o tribunal recorrido devia ter considerado provado:
• O alegado nos artigos 34° e 35° da contestação;
• O seguinte excerto do alegado no artº 20º da contestação: que: "do "Pacto de Preenchimento de Livrança", devidamente assinado pela subscritora da declarado, conforme consta do próprio contrato, "(...) conhecer e aceitar livrança que constitui o título executivo, consta a seguinte "Declaração do (s) Avalista (s): Na qualidade de avalista (s) declaro/declaramos que tenho/temos perfeito conhecimento do conteúdo das responsabilidades assumidas pelo (s) subscritor(es), das consequências do incumprimento temporário ou definitivo, da resolução, da caducidade do Contrato de Locação Financeira, do seu montante e dos termos do presente pacto, ao qual dou/damos o meu/nosso total acordo, sem excepções ou restrições de tipo algum, (...)", declaração esta que se mostra devidamente assinada pelos demais executados na execução apensa, designadamente pelo ora executado B…”
• Que "As assinaturas do dito B… foram reconhecidas quer no Contrato (presencialmente até) quer no Aditamento ". (artigo 37° da contestação);
• Que "Antes de terem aposto as suas assinaturas no contrato referido nos autos os executados - isto é o dito B… - dispuseram do tempo que entenderam necessário e conveniente para lerem e compreenderem cada uma das cláusulas que dele constavam e constam " (artigo 37° da contestação);
• O alegado nos artigos 38°, 39º e 43º da contestação;
• Que: “Consta no artigo 21 ° das respectivas Condições Gerais que: "Logo que o Equipamento, restituído ao Locador, nos termos da alínea b) do artigo anterior, seja vendido, este deve entregar ao Locatário 80% do preço obtido deduzido de despesas e comissões, desde que se encontrem integralmente pagas todas as quantias indicadas nas alíneas a) e c) do artigo anterior".

Perante o teor da sentença, parece evidente que não há qualquer interesse ou utilidade na apreciação destes segmentos da alegação do Apelante.

O Apelante, nas doutas alegações de recurso, nos “FUNDAMENTOS DA APELAÇÃO”, no capítulo I) DO JULGAMENTO DA MATÉRIA DE FACTO”, intitulado “QUANTO Á QUESTÃO DE SABER SE OCORREU NEGOCIAÇÃO E EXPLICAÇÃO RELATIVAMENTE ÀS CLÁUSULAS CONTRATUAIS”, insere e/ou aprecia, é certo, todos os pontos da impugnação de facto supra referidos (cfr. pp 12 a 36 das doutas alegações).
Na sentença recorrida entendeu-se que o contrato junto aos autos funcionava como contrato de adesão, a ele se aplicando as regras das cláusulas contratuais gerais. E nessa senda, apreciou-se ali a questão suscitada pelo Embargante consubstanciada na pretensa ausência de negociação e explicação (cfr., v.g., arts. 5º e 6º do RJCCG) designadamente, da cláusula contratual geral que atribuía a indemnização de 20% peticionada pelo Embargado/Exequente. E conclui-se na mesma sentença que “houve, assim, violação do dever de informação, relativamente às aludidas cláusulas gerais insertas no contrato em causa nos autos e, como tal, não se consideram integrantes do aludido do contrato tais cláusulas” (cfr. fls. 96). Donde se ter ali observado que, por via desse entendimento (e mais não houvesse)ficariam, pois, de fora deste âmbito as aludidas cláusulas, nas quais se inclui a do artº 20º, al. c), cláusula essa que é nula...”.

Acontece, porém, que a sentença também apreciou da existência do abuso de direito por banda do Embargante (e fez muito bem, pois é jurisprudência pacífica que o abuso de direito é de conhecimento oficioso por ser função do Tribunal determinar os limites de direito mesmo que as partes não o invoquem[1]). E nessa apreciação concluiu (com toda a pertinência) estar-seperante um caso de abuso de direito por parte do executado na invocação da nulidade e exclusão dessas cláusulas apenas na questão atinente às cláusulas contratuais gerais, uma vez que face aos factos provados não resultam dúvidas que o executado cumpriu mais de dois terços das prestações atinentes ao contrato em causa (57 das 84), que nunca colocou qualquer questão quanto a esta matéria, só alegando não poder pagar, que o executado teve o contrato em seu poder, designadamente para efeitos de reconhecimento da sua assinatura, tendo até renegociado tal contrato alargando o prazo do mesmo, através do aumento das rendas em dívida, como decorre do teor da adenda dado como provado – sublinhados nossos.
Trata-se, como ali bem se refere, de uma situação de venire contra factum proprium (a corroborar esse entendimento, traz-se ali à colação abundante e pertinente jurisprudência).
Nessa senda, concluiu a decisão recorrida que os efeitos da declaração de nulidade integral da aludida cláusula (do artº 20º, al. c)) que resultariam da aplicação do regime das cláusulas contratuais gerais (violação do dever de informação....) ficam, porém, paralisados por via da actuação do aludido abuso do direito, o que na sentença se decidiu.
Concorda-se inteiramente com a apreciação ali feita sobre o abuso do direito[2] – sendo, de todo, desnecessário adicionais considerações sobre aquele instituto, dada a evidência da sua existência no caso sub judice, atenta nudez da factualidade provada, supra elencada.
Como se afirmou no acórdão do S.T.J. de 10 de Outubro de 1991[3], “Nos termos do artigo 334.º do Código Civil há abuso de direito e é portanto ilegítimo o seu exercício quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.
Agir de boa fé tanto no contexto deste artigo como no do artigo 762.º, n.º 2, é “agir com diligência, zelo e lealdade correspondente aos legítimos interesses da contraparte, é ter uma conduta honesta e conscienciosa, uma linha de correcção e probidade a fim de não prejudicar os legítimos interesses da contraparte e não proceder de modo a alcançar resultados opostos aos que uma consciência razoável poderia tolerar”.
Meditando acerca dos fundamentos da consagração de tal válvula de segurança, Baptista Machado[4] considerava que o Direito não pode deixar de tutelar certas expectativas que espontaneamente emergem dos contratos ou das relações interpessoais e, por isso, fixa os limites da responsabilidade na interacção social, reconhecendo e criando normas que consolidem de forma particular as expectativas criadas.
Neste caso, o Direito dá cobertura a auto-vinculações resultantes da comunicação entre as pessoas ou tutela a aparência jurídica na medida do necessário para a segurança do tráfego jurídico.
Por outras palavras, um dos princípios fundamentais do sistema jurídico é o princípio da confiança que procura proteger aquele que, de boa fé, justificadamente, desenvolve certa actividade ou omite determinado acto, por acreditar que se manterá a conduta da contraparte que esteve na base da sua própria actuação[5].
Assim, em situações como a dos autos, em que uma das partes do sinalagma contratual, durante longo período de tempo paga regularmente as prestações ou rendas acordadas (veja-se que no caso presente foram cumpridas mais de dois terços das prestações do contrato em causa), sem que alguma vez tenha suscitado perante a contraparte a (eventual) nulidade ou outro vício do contrato, só o vindo a fazer muito tempo após a sua outorga, é corrente decidir-se pelo preenchimento do abuso de direito, na medida em que o referido lapso temporal em que contrato foi, sem qualquer vicissitude, sendo cumprido pontualmente é, objectivamente, de molde a criar na outra parte a confiança de que o comprador ou locatário não viria a suscitar ou reclamar o que quer que fosse em consequência daquele possível vício do contrato.
Com efeito, perante o comportamento cumpridor do comprador ou locatário, a outra parte só poderia deduzir, na posição de um declaratário normal, que o mesmo considerava o negócio eficaz e vinculativo para todos os legais efeitos.
É este o entendimento sufragado por vastíssima jurisprudência[6].
Pode bem dizer-se que o vendedor (ou o locador...) confiou no comportamento do comprador (ou do locatário). E, como ensina Baptista Machado[7], “o princípio da confiança é um princípio fundamentalíssimo e a ordem jurídica não pode deixar de tutelar a confiança legítima baseada na conduta de outrem”.
**
Ora, se assim é – e veja-se que até nem houve (como não faria qualquer sentido que houvesse, dado ser-lhe de todo favorável... – e a legitimidade do recurso tem a ver com o vencimento, ut artº 631º/1, fine, do CPC) qualquer reacção negativa da Apelante a este entendimento sufragado na sentença (decidindo com base na aplicação do regime do abuso de direito), sendo, até, que o Apelado ..... não recorreu e nem, sequer, contra-alegou – , parece evidente que não tem qualquer interesse a apreciação, em sede de recurso, dos segmentos da apelação que tenham a ver com a questão dos vícios apontados pelo Embargante ao contrato dos autos (violação dos deveres de comunicação e informação por banda do Embargado/Exequente...).
O que significa que, designadamente, a parte da impugnação da decisão da matéria de facto atinente a esses “vícios”, simplesmente, será ignorada, por inútil (cfr. artº 130º CPC), já que, perante o teor da sentença,.....ficou ultrapassada (favoravelmente, é claro, ao Apelante, por via da aplicação do abuso de direito por banda do Embargante!).

Assim sendo, não tem (repete-se) qualquer interesse apreciar se o tribunal a quo fez ou não correcta “interpretação do DL 445/85, de 25.10, no que tange à alegada violação do disposto nos arts. 5º, 6º e 20º do referido diploma legal, ao julgar verificada a violação do dever de informação relativamente às aludidas cláusulas contratuais insertas no contrato em causa nos autos” (pp 36 das alegações).
Pelo que a observação feita pela Apelante, ao impugnar a decisão da matéria de facto, de que mal andou o tribunal recorrido “ao decidir que “Ficariam pois, fora deste âmbito as aludidas cláusulas, nas quais se inclui a do artº 20º, al. c), cláusula esse que é nula”,....”, ficou ultrapassada por, por via da decisão havida sobre o abuso do direito, se ter considerado que (afinal) essa nulidade deixava de ter qualquer efeito prático, já que ficou paralisada por aplicação das consequências daquele instituto.

Sendo assim, pelas apontadas razões, e sem mais considerações por, de todo, desnecessárias, prejudicado está o conhecimento dos pontos atinentes à impugnação da decisão da matéria de facto, supra discriminados.

Excepto num aspecto: não se tendo dado como reproduzido na matéria de facto provada, o teor do contrato de locação financeira dos autos e uma vez que o artigo 21º das respectivas Condições Gerais que a apelante pretende ver levado à matéria de facto provada pode ter algum interesse na decisão de mérito do recurso, acrescenta-se à relação de factos provados o seguinte:
“Consta no artigo 21° das respectivas Condições Gerais que: "Logo que o Equipamento, restituído ao Locador, nos termos da alínea b) do artigo anterior, seja vendido, este deve entregar ao Locatário 80% do preço obtido deduzido de despesas e comissões, desde que se encontrem integralmente pagas todas as quantias indicadas nas alíneas a) e c) do artigo anterior".

B. DA MATÉRIA DE DIREITO

• Se o Tribunal a quo interpretou e aplicou erradamente o regime estabelecido no Decreto-Lei n.° 446/85, de 25/10, nomeadamente, o disposto nos seus artigos 5° e 6°.

Este ponto já supra ficou abordado e “arrumado”: a interpretação do tribunal sobre a eventual violação dos aludidos arts. 5º e 6º do RJCCG ficou ultrapassada, “inutilizada”, por via da consideração da existência de abuso de direito por banda do Embargante/Executado, instituto este que (como se diz na sentença) paralisou os efeitos que decorreriam da (eventual) aplicação da nulidade das cláusulas contratuais decorrente da violação daqueles normativos.

• Da cláusula indemnizatória: saber se a cláusula 20a, alínea c), das "condições gerais" do contrato de locação financeira n.° ……, na parte em que prevê uma indemnização de 20% sobre o montante do capital financeiro em dívida, é abusiva; e se não podia o tribunal a quo, como fez, reduzir (equitativamente) essa cláusula penal, designadamente, se com isso violou o princípio da proibição do julgamento «ultra petitum», na medida em que nenhum pedido nesse sentido foi oportunamente formulado nos autos pelo recorrido.

A questão da nulidade da cláusula em questão já foi apreciada pelo tribunal recorrido: entendeu que “houve, assim, violação do dever de informação, relativamente às aludidas cláusulas gerais insertas no contrato em causa nos autos e, como tal, não se consideram integrantes do aludido do contrato tais cláusulas”, e daí que – diz-se na sentença – “ficariam, pois, de fora deste âmbito as aludidas cláusulas, nas quais se inclui a do artº 20º, al. c), cláusula essa que é nula...”.
No entanto, como dito também, por via do funcionamento do instituto do abuso do direito, que o tribunal considerou (e bem) verificar-se no caso sub judice, decidiu-se que o efeito (a nulidade) que a violação daquele direito de informação poderia ter sobre as mesmas cláusulas gerais ficou paralisado.
Sendo assim, decidiu, afinal, o tribunal a quo que as cláusulas gerais do contrato de locação financeira dos autos (nomeadamente a ínsita no artº 20º, al. c)) eram inteiramente válidas, pois era abusivo, relativamente a elas, vir o Embargante, só agora (ou seja, depois de ter liquidado grande parte das prestações ali acordadas sem fazer qualquer objecção ao teor do contrato que assinou) invocar os vícios aludidos na petição de embargos.
Donde cair por terra toda a argumentação do Embargante relativamente a essa mesma cláusula.
Aliás, a justificação de tal cláusula indemnizatória até se encontra bem plasmada na sentença recorrida: «Nos contratos de leasing (locação financeira), face ao volume de capital investido (como é o caso, por exemplo, dos autos), são grandes os riscos assumidos, daí que seja importante para o locador tentar dissuadir o locatário do incumprimento. Neste caso há uma fixação antecipada da indemnização, que opera mesmo sem necessidade de prova de danos efectivos (que sempre caberia ao executado e que não se verificou tal prova no caso concreto), o que se explica pela função sancionatória da própria cláusula (cfr. o art. 810º do Código Civil).».

Entendeu, porém, o tribunal a quo, mau grado tal pronúncia sobre a validade da cláusula (por via do funcionamento do abuso de direito), interpretar a seu bel prazer o âmbito da mesma e, perante essa sua interpretação, concluir que se impunha a sua redução, o que fez.

Mas, a nosso ver, não andou bem nessa interpretação da cláusula, muito menos com o resultado a que chegou.

Por um lado, não considerou o tribunal recorrido que dessa forma estava a ir além do peticionado pelos Embargantes. É que estes limitaram-se a alegar no seu petitório que a cláusula não lhes foi devidamente comunicada e informada, que o clausulado do contrato apenas com “recurso a uma lupa” foi possível ser lido e que essa cláusula é ambígua e violadora da boa fé contratual. Nessa senda, concluiram o articulado pedindo que o tribunal considerasse excluída ou nula a aludida cláusula 20ª, al. c) das “condições gerais” do contrato (cfr. fls. 6)[8].
Foi este (e só este) o pedido – sendo ele que determina o âmbito da demanda (cfr. artº 609º/1 do CPC).

Sendo assim, ao ter-se inserindo o tribunal em caminhos para que não foi chamado a pronunciar-se (a redução equitativa da cláusula penal...), parece-nos ter sido violado o princípio do pedido ínsito naquele normativo da lei adjectiva civil.
Com efeito, na doutrina e jurisprudência tem sido amplamente entendido que a faculdade de redução da cláusula penal, concedida pelo art. 812º do CCvil (redução equitativa da cláusula penal), não é oficiosa, antes dependendo de pedido do devedor da indemnização nesse sentido[9].
*
Por outro lado, da prova produzida nos autos parece, também, claro que a interpretação feita pelo tribunal à citada cláusula 20ª, al. c) das “condições gerais” do contrato (em especial o que considerou como sendo o “capital financeiro”) não foi a correcta.
De facto, o que se vê da sentença recorrida é que o tribunal considerou que o Exequente incluiu no valor total da livrança exequenda o montante das prestações (rendas) vincendas, fazendo corresponder estas ao capital financeiro em dívida no contrato. Só que não foi isso que se passou, como claramente se vê do depoimento da testemunha D… (funcionária do C…, S.A.), que explicou detalhadamente como chegou ao valor aposto na livrança exequenda (face ao incumprimento do contrato), sendo certo que foi a testemunha quem a preencheu, esclarecendo, designadamente, que aquando da resolução do contrato, o capital financeiro em dívida (sobre o qual incidiria a acordada penalização de 20%) não tem nada a ver com o capital vincendo,... deduzido dos juros vincendos. Falou dos montantes respeitantes às rendas em dívida, juros de mora (sobre estas rendas), encargos, despesas judiciais, indemnização contratual, imposto de selo e capital financeiro (com IVA), o que tudo isso (sim) levou ao valor aposto na livrança – no respeito do clausulado no contrato (cfr., designadamente, o artº 20º das condições gerais).

Assim, portanto, o tribunal a quo, ao fazer coincidir o valor de €18.955,05 ao valor das rendas não vencidas, as vincendas, e estas ao capital financeiro em dívida no contrato, partindo desse pressuposto para a análise que fez da cláusula em causa (e respectiva redução), não teve em conta a prova testemunhal que os autos ostentam.
Portanto, o que os autos mostram é que o Exequente apenas se limitou a contabilizar no valor total da livrança o valor respeitante ao capital financeiro em dívida no contrato dos autos, acrescido do IVA respectivo, tudo em conformidade com o depoimento da aludida testemunha D… e o que resulta resulta dos próprios termos do contrato de locação financeira (fls 48 vº a 50), da adenda ao contrato (cfr. fls. 9) e respectivo casflow (doc. fls. 56-58).
Aliás, não levou, sequer, em conta o que ficou provado no ponto 17 : «O exequente, tendo-lhe sido entregue em 25 de Outubro de 2014 pela sociedade E…-Transportes, Lda. o veículo locado, procedeu à respectiva venda em leilão, em 13 de Novembro de 2014, pelo preço líquido de € 16.178,19, quantia esta que considerou recebida, por conta do pedido exequendo».
**
Por outro lado, mau grado, como dito, o tribunal a quo ter enveredado por trilhos que estavam fora do âmbito do pedido e bem assim ter feito uma errónea interpretação do âmbito da cláusula em questão, sempre nos parece não ser aceitável a redução da indemnização contratual operada pela decisão recorrida – bem antes pelo contrário.
O que tudo, diga-se, está bem demonstrado nas doutas alegações de recurso.

Efectivamente, é sobre o devedor que recai o ónus de alegação e prova dos factos que integrem a desproporcionalidade entre o valor da cláusula estabelecida e o valor dos danos a ressarcir ou um excesso da cláusula em relação aos danos efectivamente causados em função do incumprimento do contrato[10].

Aliás, como bem observa a Apelante, a “especulação” ou raciocínio que fundamentou a decisão recorrida nesta matéria, como antes referido, «partindo de pressupostos de facto erroneamente apurados pelo Tribunal a quo e de omissão de apreciação da integralidade do contrato dos autos, acaba produzindo na realidade da vida – ao promover a dupla redução do pedido exequendo (considerando não devida ao exequente a quantia peticionada a título de capital financeiro no montante de € 18.955,05 e também a redução do pedido referente à venda do veículo objecto do contrato de locação financeira pelo valor de mais € 16.178,19) – a negação, ilegal e ilegitimamente, do direito do exequente ora recorrente ao ressarcimento ou indemnização decorrente do culposo incumprimento do contrato em causa por parte do embargante, ora recorrido.».
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A propósito da redução da cláusula penal, ou melhor, do controlo judicial do montante dessa cláusula, não pode deixar de se anotar que essa intervenção deve ser sempre muito cautelosa, apenas se permitindo ao juiz que intervenha em situações excepcionais e de todo justificadas e fundamentadas.
De facto, como ensina CALVÃO DA SILVA[11], «O controlo judicial da cláusula penal impõe-se, mas limitado apenas à correcção de abusos; impõe-se, tão só, para proteger o devedor de exageros e iniquidades de credores, mas, não já, para privar o credor dos seus legítimos interesses, entre os quais se conta o de recorrer à cláusula penal como meio de pressão sobre o devedor em ordem a incitá-lo a cumprir a prestação que lhe é devida, resultado que, em si, tem o efeito moralizador de assegurar o respeito devido à palavra dada e aos contratos».
«Por isso e para isso, a intervenção judicial de controlo do montante da pena não pode ser sistemática, antes deve ser excepcional e em condições e limites apertados, de modo a não arruinar o legítimo e salutar valor coercitivo da cláusula penal e nunca perdendo de vista o seu carácter à forfait. Daí que, por toda a parte, apenas se reconheça ao juiz o poder moderador, de acordo com a equidade, quando a cláusula penal for extraordinária ou manifestamente excessiva, ainda que por causa superveniente - destaques nossos.
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Donde, perante os factos provados supra elencados, se concluir que mal andou o tribunal recorrido, quer atento o âmbito do pedido apresentado nos autos, quer ao fazer (nos termos que fez) a supra aludida interpretação da cláusula em questão, quer, ainda (e principalmente), ao chegar ao resultado a que chegou (redução equitativa da cláusula penal)!
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Por acharmos de todo pertinentes e ajustadas ao caso sub judice, transcrevem-se as seguintes considerações (de direito) vertidas nas alegações de recurso, com as quais se concorda inteiramente:
«.... estando provado que o exequente recebeu coisa própria – o veículo objecto do contrato de locação financeira em causa, mas cuja detenção, nos termos do contrato havia entregue à sociedade locatária – não devia o Tribunal a quo deixar de considerar – como efectivamente desconsiderou – que os termos em que o exequente, ora recorrente, recebeu a importância obtida através da venda do veículo em causa, isto é, imputando a totalidade do valor recebido por conta da dívida do ora recorrido, encerra um valor decisivo na justa composição do litígio que o Tribunal a quo entendeu ilegítima e ilegalmente operar e redunda num desequilíbrio ofensivo dos princípios da equidade e justiça que na sentença recorrida se referem nortear aquela decisão e na violação do princípio da liberdade contratual, os artigos 405º e 406º, 810º e 811º do Código Civil.

Na verdade, acompanhando agora o decidido pelo Supremo Tribunal de Justiça em acórdão proferido no processo 605/06.6TBVRL.P1.S1 aos 24-04-2012, disponível em http://www.dgsi.pt, a cláusula penal, na sua função de liquidação prévia do dano, é um instrumento de previsão e fixação antecipada, em princípio, invariável, da indemnização a prestar pelo devedor, que o ressarcirá do dano resultante de um eventual não cumprimento ou do seu cumprimento inexato.
Daí que o devedor, vinculado à cláusula penal, não se encontre obrigado ao ressarcimento do dano que, efectivamente, cause ao credor com o incumprimento, mas antes à compensação do prejuízo, negocial e antecipadamente, fixado, através da cláusula penal, sempre que não tenha sido pactuada a indemnização pelo dano excedente, nos termos do disposto pelo artigo 811º, nº 2, do Código Civil.
O carácter da liquidação convencional “forfetária” dos danos impede qualquer pretensão posterior no sentido de ajustar ou de fazer coincidir o montante indemnizatório predeterminado com o prejuízo real verificado, no que se refere à cláusula penal de fixação antecipada da indemnização e à cláusula penal enquanto sanção compulsória, porquanto não se sabe ainda qual o valor efectivo dos danos, nem sequer se eles se virão a produzir, o que significa, tão-só, que, mediante a estipulação das referenciadas cláusulas penais, fica afastada a controvérsia futura sobre a extensão, mas não, também, nestes casos, quanto à existência do dano real.
Com efeito, como não se trata de uma cláusula de garantia, mas antes de uma cláusula penal, o devedor só não será obrigado a pagar a soma preestabelecida se provar a sua falta de culpa, sendo certo que a sua responsabilidade ficará, igualmente, arredada, nestas situações, desde que demonstre a inexistência de qualquer dano que, consequentemente, retira toda e qualquer base à sua liquidação anterior.
(...).
... ao celebrar-se o acordo, a fim de pressionar o devedor a cumprir, o credor estipula uma sanção que aquele aceita, ficando legitimado a exigir uma prestação mais gravosa, em alternativa à prestação inicial, desde que esta não seja satisfeita, prestação essa que não passa pela via indemnizatória, que não se reconduz a uma obrigação alternativa, mas antes a uma obrigação com faculdade alternativa do credor.
Porém, a cláusula penal não pode valer como um simples pacto de simplificação probatória favorável ao credor, como uma simples regra de inversão do ónus da prova, porquanto o montante predeterminado entre as partes obsta a que o devedor venha a pretender a sua redução, até ao montante do dano efectivo, e bem assim como, em princípio, a que o credor obtenha uma indemnização superior àquela que foi, previamente, ajustada.
(...).
Destinando-se a cláusula penal a reforçar o direito do credor ao cumprimento da obrigação, a indemnização devida será aquela que tiver sido prevista na pena convencionada, mais gravosa para o inadimplente do que, normalmente, seria, que, em princípio, deve ser respeitada, dado o seu caráter «a forfait», e por corresponder à vontade conjetural original das partes, sendo certo que só, em casos excepcionais, deve ser reduzida, com vista a evitar abusos evidentes, situações de clamorosa iniquidade, a que conduzem penas, «manifestamente excessivas», francamente, exageradas, face aos danos efectivos.
A fim de não serem anuladas as vantagens da cláusula penal, respeitando-se a sua intangibilidade, o tribunal não só não deve fixar a pena abaixo do dano do credor, como nem sequer deverá fazê-la coincidir com os prejuízos efectivos verificados, porquanto a redução da pena destina-se, tão-só, a afastar o seu exagero e não a anulá-la.
Efectivamente, o devedor não pode, em princípio, pretender pagar uma indemnização inferior ao valor da pena convencional fixada, com exceção, caso em que esta pode ser reduzida, de acordo com a equidade, da situação em que a mesma seja, manifestamente, excessiva, ou, extraordinariamente, excessiva, mas não em função do dano efectivo ocorrido que, aliás, o credor não tem de demonstrar, não podendo ter lugar uma intervenção judicial sistemática, sob pena de se arruinar o legítimo e salutar valor correctivo da cláusula penal e de se subestimar o seu caráter «a forfait».
Na verdade, considerando que a cláusula penal não é independente da indemnização, antes fixa a indemnização exigível, mesmo a cláusula penal, manifestamente, excessiva, não pode ser reduzida, oficiosamente, pelo Tribunal, consoante decorre do preceituado pelo artigo 812º, nº 1, do Código Civil, sob pena de violação do princípio da proibição do julgamento «ultra petitum», devendo antes a sua redução ser solicitada pelo devedor interessado, por via de acção ou de reconvenção, ou de defesa por exceção, a deduzir na contestação, mas não, apenas, na fase de alegações, uma vez que para os negócios usurários, em geral, se prescreve o regime da anulabilidade e não o da nulidade, atento o disposto pelo artigo 282º, não se justificando, assim, a redução oficiosa, em face do regime legal da anulabilidade, que apenas é invocável pelas pessoas em cujo interesse a lei a estabelece, com base no preceituado pelo artigo 287º, ambos do Código Civil.
No exercício do seu equitativo e excecional poder moderador, o juiz só goza da faculdade de reduzir a cláusula penal que se revele extraordinária ou, manifestamente, excessiva, tendo sempre presente o seu valor cominatório e dissuasor, e não uma cláusula penal, meramente, excessiva, cuja pena seja superior ao dano.».

Não foi isso, como vimos, que fez o tribunal a quo. Ao invés, na errada interpretação da cláusula sob apreciação – 20ª, al. c)) – procedeu a uma indevida redução da mesma.

Assim procede a questão suscitada.

• Quanto à questão de saber se o tribunal a quo errou ao interpretar a cláusula 20a, alínea c), das "condições gerais" do contrato de locação financeira, ao considerar que o Exequente incluiu no valor total da livrança dada à execução o montante das rendas não vencidas, as vincendas; se, ao invés do entendimento havido pelo tribunal, o Exequente se limitou a contabilizar no valor da livrança o valor do capital financeiro em dívida no contrato dos autos, acrescido do IVA respectivo; e se qualquer juízo sobre o eventual excesso e desproporção da cláusula penal sempre implicaria a consideração do teor da citada cláusula 21ª das condições do contrato dos autos, não devendo, então, o Tribunal a quo deixar de considerar os termos em que o exequente, ora recorrente, recebeu a importância obtida através da venda do veículo em causa, isto é, imputando a totalidade do valor recebido por conta da dívida do ora Recorrido (ponto 17 dos factos provados).

Trata-se de matéria cuja apreciação e tomada de posição já foram feitas na questão anterior, nada se justificando acrescentar ao que ficou dito.

Impõe-se, assim, a revogação da sentença recorrida, com a improcedência dos embargos de executado.
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CONCLUINDO

1. A faculdade de redução da cláusula penal, concedida pelo art. 812º do CCvil (redução equitativa da cláusula penal), não é oficiosa, antes depende de pedido do devedor da indemnização nesse sentido.
2. É sobre o devedor que recai o ónus de alegação e prova dos factos que integrem a desproporcionalidade entre o valor da cláusula estabelecida e o valor dos danos a ressarcir ou um excesso da cláusula em relação aos danos efectivamente causados em função do incumprimento do contrato.
3. A intervenção judicial de controlo do montante da pena deve ser sempre muito cautelosa, não podendo ser sistemática, antes devendo ocorrer apenas em situações excepcionais e em condições e limites apertados.
4. No exercício do seu equitativo e excepcional poder moderador, o juiz só goza da faculdade de reduzir a cláusula penal com vista a evitar abusos evidentes, situações de clamorosa iniquidade, a que conduzem penas «manifestamente excessivas», francamente exageradas, face aos danos efectivos, tendo sempre presente o seu valor cominatório e dissuasor, e não uma cláusula penal, meramente, excessiva, cuja pena seja superior ao dano.
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IV. DECISÃO

Termos em que acordam os Juízes da Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto em julgar procedente a apelação, revogando-se a sentença e julgando-se improcedentes os embargos de executado.

Custas pelos Apelados.

Porto, 05 de Maio de 2016
Fernando Baptista
Ataíde das Neves
Amaral Ferreira
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[1] Cfr. Ac. RP de 20.04.87, in CJ, Ano XII, T. 2, p. 241.
[2] Tal instituto, bem como os princípios da boa fé e da lealdade negocial, são meios de que os tribunais devem lançar mão para obtemperar a situações em que alguém, a coberto da invocação duma norma tuteladora dos seus direitos, ou do exercício da acção, o faz de uma maneira que, objectivamente, e atenta a especificidade do caso, conduz a um resultado que viola o sentimento de Justiça, prevalecente na comunidade, que, por isso, repudia tal procedimento, que apenas formalmente respeita o Direito, mas que, em concreto, o atraiçoa.
[3] In BMJ, n.º 412, p. 460.
[4] In RLJ, Ano 117, p. 267.
[5] Cfr. Ac. RP de 18.1993, in CJ, Ano XVIII, T. 5, p. 219.
[6] V.g., Ac. RP 22.02.2005, 19.09.2000, 15.12.2005 e Ac. RL 9.05.2006, disponíveis em www.dgsi.pt, todos citados no douto Ac. RP 26.06.2008, aí também disponível, com o n.º de processo 0833784.
[7] RLJ 119.º, p. 232.
[8] O recorrido limitou-se, de facto, a pedir que a cláusula 20ª, alinea c) das "condições gerais" do contrato, fosse considerada dele excluída ou nula e, como tal, inaplicável, invocando para esse efeito o disposto nos artigos 5°, n° 1 e 2 e 6°, 8°, alíneas a), b) e c), 19ª, al. c) do RJCCG e artigos 432º a 436º do Código civil.
[9] Cfr., PINTO MONTEIRO, Cláusula Penal e Indemnização, pp. 735 a 737, PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, vol. II, 4.ª ed., p. 81, CALVÃO DA SILVA, Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória, 1987, p. 275; acórdãos do STJ de 17/2/98, CJ do STJ, ano VI, tomo I, p. 72 e no BMJ n.º 474, p. 457, de 30/9/2003, de 20/11/2003, de 17/5/2012 e de 24/4/2012, proferidos nos processos 03A3514, 03A1738, 3855/05.9TVLSB.L1.S1 e 605/06.6TBVRL.P1.S1; acórdãos da Relação do Porto de 8/4/91, de 23/11/93 e de 26/1/2000, na CJ, ano XVI, tomo II, p. 256, ano XVIII, tomo V, p. 225, e ano XXV, tomo I, p. 205.
[10] Cfr., acórdãos do STJ de 17/11/98, de 9/2/99, e de 5/12/2002, in CJ do STJ, ano VI, tomo III, p. 120, ano VII, tomo I, p. 99, e Sumários, 2002, p. 10; acórdão do STJ de 12/9/2013, no processo 1942/07.8TBBNV.L1.S1.
[11] Ob cit. (citado pelo Apelante).