Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | FERNANDA ALMEIDA | ||
Descritores: | INDIVISIBILIDADE DA HIPOTECA CONVENÇÃO DE DIVISIBILIDADE DISTRATE DE HIPOTECA SOBRE FRAÇÃO PREDIAL AUTÓNOMA | ||
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Nº do Documento: | RP202501271613/24.0T8PRT-A.P1 | ||
Data do Acordão: | 01/27/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | REVOGADA | ||
Indicações Eventuais: | 5ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I - Nos termos do art. 696.º do CC, não são, em princípio, de admitir as expurgações parciais de hipotecas, a não ser que o credor, por comum acordo, renuncie à indivisibilidade parcial, aceitando o distrate parcial da hipoteca, permanecendo a hipoteca sobre todas as parcelas não distratadas. II - A convenção contrária à indivisibilidade da hipoteca pode ser posterior à sua constituição e tácita; ocorre a convenção de divisibilidade da hipoteca quando o credor aceita o distrate da hipoteca sobre determinada fração predial autónoma contra o pagamento da parte proporcional do respetivo crédito. III - No caso de divisibilidade da hipoteca, o critério que se revela claro e objetivo é, como vem sendo defendido por este STJ, o critério da permilagem. O que releva é a participação de cada fração onerada por referência à dívida exequenda atualmente existente. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Processo n.º 1613/24.0T8PRT-B.P1
Sumário do acórdão elaborado pela sua relatora nos termos do disposto no artigo 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil: ……………………………… ……………………………… ……………………………… * Acordam os juízes abaixo-assinados da quinta secção, cível, do Tribunal da Relação do Porto: RELATÓRIO Por apenso aos auto de execução, instaurados a 20.1.2024, pela Banco 1... contra AA e BB, vieram os executados formular os presentes embargos de executado onde invocavam a sua ilegitimidade processual, a ilegitimidade da exequente, a prescrição de parte dos juros pedidos, a sua qualidade de titulares de apenas uma das frações hipotecadas pelo Banco exequente e a renúncia deste à indivisibilidade da hipoteca quando admitiu o distrate de outras frações igualmente hipotecadas para garantia do mesmo crédito, a impossibilidade de cobrar aos executados a totalidade do valor em dívida e para cuja garantia foram constituídas hipotecas sobre diversas frações e a consequente incerteza, inexigibilidade e iliquidez da obrigação exequenda.
Contestando, disse o exequente ser parte legítima porque, tendo cedido o seu crédito a terceiro, este ainda não foi habilitado nos autos como cessionário. Os embargantes são também partes legítimas porque, não sendo devedores do mútuo cujo incumprimento está na origem da execução, são hoje titulares de uma das frações que, por via de hipoteca, o garantem, não podendo opor ao exequente as relações e obrigações para consigo assumidas pelo vendedor e mutuário. Os juros não se encontram prescritos. A hipoteca é una, abrangendo várias frações, nada existindo que permita concluir ter a embargada dado o seu acordo no sentido da divisibilidade.
Os embargantes apresentaram, ainda, um outro articulado, pugnando para que a responsabilidade adstrita à sua fração se cinja à quantia correspondente à permilagem da mesma fração.
Veio a ser elaborado saneador-sentença, datado de 19.9.2024, habilitando, no lugar do exequente/embargado a sociedade A..., S.A., e julgando procedentes os embargos, determinando a extinção da execução e o cancelamento das penhoras.
Desta sentença recorre a ora embargada, visando a revogação da sentença, por se encontrar demonstrada a existência da dívida, mediante a argumentação dos fundamentos que assim esgrimiu em conclusões: A) A sentença do tribunal da 1.ª instância pronunciou-se sobre as 6 (seis) questões suscitadas pelos embargantes nos seus Embargos e objeto de litígio: 1) Ilegitimidade da exequente; 2) Ilegitimidade dos executados; 3) Prescrição dos juros; 4) Bens responsáveis pelo pagamento da dívida; 5) Divisibilidade da hipoteca; e 6) Iliquidez da obrigação. B) As questões supra indicadas em 1), 2), 3) e 4) foram julgadas improcedentes. C) Já em apreciação às questões 5) e 6) (esta como dependente daquela, na opinião do tribunal a quo), decidiu o tribunal que “Aqui chegados temos de concluir pela verificação de convenção tácita sobre a divisibilidade da hipoteca, pelo que tendo ocorrido distrates parciais, cujo valor se desconhece, temos a obrigação por ilíquida e, consequentemente inexequível.” D) Não concorda a exequente com o teor da sentença proferida, no que concerne à consequência dada à (eventual) divisibilidade da hipoteca, razão pela qual apresenta o presente Recurso. E) A sentença proferida pelo tribunal a quo sustenta a sua decisão com base no explanado num Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20.02.2003 a propósito da (in)divisibilidade da hipoteca. F) Antes, refere a sentença da 1ª instância que “a regra da indivisibilidade é supletiva, podendo ser afastada mediante convenção das partes em sentido contrário”. G) E adota o critério do Supremo Tribunal de Justiça de 20.02.2003 que decidiu, relativamente ao “afastamento” da indivisibilidade da hipoteca: “É essa a convenção que se verifica quando o credor aceita o distrate da hipoteca sobre uma determinada fração, normalmente contra o pagamento da parte proporcional do crédito (ainda) em dívida.” H) Contudo, em momento algum esse Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça conclui que a divisibilidade da hipoteca tem como consequência a iliquidez da obrigação e, consequentemente, a sua inexequibilidade como, erradamente, o tribunal da 1ª instância concluiu. I) Aliás, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20.02.2003, cuja posição o tribunal a quo sufragou para a sentença proferida, referiu, relativamente ao valor pelo qual os distrates parciais vieram a ocorrer que: “Pouco importa, aliás, saber qual o exato montante através de cujo pagamento o banco credor aceitou liberar um, ou vários, dos seus concretos garantes. O que importa é que o banco, que por força do mencionado princípio da indivisibilidade tinha o direito de garantir a totalidade do seu crédito também através da fração ou frações que distratou, abriu mão da garantia nessa parte, através de um acordo entre ele e o titular ou titulares da fração ou frações distratadas (ou/e o seu devedor), acordo que, obviamente, só a eles mesmos e na medida dos seus direitos, pode vincular.” J) Razão pela qual, nunca um distrate parcial de hipoteca por valor desconhecido poderá ter, como resultado, a iliquidez/inexequibilidade da obrigação. K) Sobre esta mesma questão, num processo idêntico, relativo ao mesmo negócio, mesma hipoteca, que correu termos com o n.º 1502/22.3T8PRT-A no Juiz 6 do Juízo de Execução do Porto, já se pronunciou o Supremo Tribunal de Justiça muito recentemente, em 15.05.2024, através de Acórdão disponível em www.dgsi.pt. L) O Sumário desse Acórdão do Supremo Tribunal de 15.05.2024 foi o seguinte: (…) M) Perante factualidade em tudo idêntica com a destes autos, o STJ ensinou neste recente Acórdão de 15.05.2024 que: (…) N) E continuou o mesmo Acórdão do STJ de 15.05.2024: (…) O) A este propósito, e contextualizando, cumpre relembrar a factualidade dada por provada sob o n.º 3 e n.º 13 na sentença a quo: (…) P) E continua o Acórdão do STJ de 15.05.2024 a ensinar-nos para determinação do critério a adotar: (…) Q) Não se vê razão para se divergir do entendimento acolhido neste Acórdão do STJ de 15.05.2024. R) Assim, e conforme factualidade dada por provada sob o n.º 13, a execução dos autos foi instaurada para cobrança da quantia de € 1.056.503,55, sendo tal crédito garantido, atualmente, por hipotecas constituídas sobre 7 frações (frações C, F, Q, R, S, T e U), conforme factualidade dada por provada sob o n.º 3. S) Assim, o valor ainda em dívida (quantia exequenda) encontra-se garantido por hipoteca registada sobre frações que representam ... (frações C, F, Q, R, S, T e U), o que significa que o valor pelo qual a presente execução deveria prosseguir é de € 173.197,30 (correspondente à permilagem de 70 correspondente à fração T pertencente aos embargantes por referência àquela quantia exequenda). T) Pelo que, salvo melhor opinião, deverá ser aplicado o critério da permilagem ao valor da execução, o que, nos autos, corresponde à quantia € 173.197,30 (cento e setenta e três mil cento e noventa e sete euros e trinta cêntimos).
Contra-alegaram os executados/embargantes, opondo-se à procedência do recurso, com base no seguinte: A. Ressalvado o devido respeito, apraz, desde logo, aos aqui Recorridos/Executados, no seu modesto entendimento, salientar que a decisão tomada pelo Digníssimo Tribunal “a quo” não merece qualquer reparo ou correção, mormente no que concerne às alegações da aqui Recorrente. B. Com efeito, sendo o distrate um documento requerido/emitido no momento da transmissão de um imóvel, o qual, comprova a extinção ou rescisão de um contrato com hipoteca, é consabido que, no caso daquela hipoteca abranger mais do que uma fração, os distrates podem ser parciais, correspondendo, claro está, a reembolsos também eles parciais. A[1]. Ou seja, quando uma dívida de crédito hipotecário é extinta, não necessariamente no seu todo, é possível a emissão de distrates parciais, a título de cancelamento de hipoteca, correspondentes a reembolsos parciais, o que necessariamente implica a redução da hipoteca. B. Isto para dizer que, a emissão de um distrate parcial corresponde SEMPRE a pagamento proporcional da dívida, e NECESSARIAMENTE redução da hipoteca, proporcionalmente. C. Sucede que, o Tribunal “a quo” considerou procedentes os embargos aduzidos, porquanto, entendeu – e bem, dizemos nós - que a aceitação da divisibilidade como sucedeu, in casu, resulta do facto de ter havido distrates anteriores, aceites pela aqui Exequente; D. Mais considerando o Tribunal “a quo” que não resultando dos autos qual o valor de tais distrates, têm-se a obrigação exequenda por ilíquida, e consequentemente inexequível. E. Ora, das alegações de recurso, a que ora se responde, depreende-se que a aceita a Recorrente a decisão quanto à divisibilidade – o que, desde já, se aceita para não mais ser retirado -, mas já não quanto à consequência da mesma, defendendo ser de afastar a iliquidez da obrigação exequente, F. Porquanto, segundo decidido em situação similar – proc. 1502/22.3T8PRT-A, do Juiz 6 do Juízo de Execução do Porto – deverá ser de aplicar o critério da permilagem ao valor da execução, na proporção da soma da permilagem das 7 frações ainda hipotecadas (...) – com o que não podem concordar os aqui Embargantes/Recorridos – realizando, pois, a seguinte operação aritmética: 1.056.503,55 x 70 / 427 = €: 173.197,30. G. Desde logo, porque, como bem defendido na douta sentença recorrida, face ao elenco dos factos provados, independentemente do cálculo efetuado pela Recorrente, certo é que não temos nos autos qualquer indicação do critério pelo qual anuiu a Exequente aos distrates que emitiu, tão pouco, a permilagem total das frações hipotecadas e/ou da fração em causa. H. Ignorando-se, pois, qual o valor proporcional, de cada fração distratada, de forma a, por uma questão de igualdade e certeza jurídica, se seguir o mesmo critério nestes autos, determinando-se, proporcionalmente, de acordo com o mesmo cálculo, o valor de distrate da fração “T”. I. Ora, reportando-nos ao caso sub judice, verifica-se pelo exame dos documentos juntos com o título executivo, que, a Exequente reclama a totalidade do capital em dívida, acrescido de juros, não liquidando a “quota parte” de responsabilidade dos aqui Executados. Isto é, não procedeu à devida liquidação da obrigação exequenda! J. Assim, em termos gerais, poderemos concluir estarmos, de facto, perante uma obrigação ilíquida, porquanto, a indefinição do valor da obrigação resulta da circunstância de serem desconhecidos dos aqui Recorridos factos que são necessários para o apuramento e conhecimento desse valor, como seja, o critério e os valores dos distrates emitidos pela Exequente. K. Não resulta dos autos sequer, dado como provado, qual a permilagem das frações distratadas e/ou das frações a distratar – logo, o cálculo realizado pela Exequente não encontra qualquer suporte nos presentes autos (antes, decorrente, dos factos de outro processo judicial). L. Razão pela qual, somos assim a concluir pela retidão da douta sentença recorrida, quando concluir pela procedência dos embargos deduzidos por ser ilíquida a obrigação exequenda; falecendo, assim, a argumentação da Recorrente em sentido diverso. Sem prescindir, M. Ainda que assim não se entenda – o que não se aceita, mas, por mero dever legal de patrocínio se equaciona – sempre o critério de cálculo aplicado pela Recorrente, nas suas alegações de recurso, não se compadece com o critério que melhor corresponde à divisibilidade em causa. N. Dir-se-á, antes de mais, que, independentemente da forma de cálculo utilizada para a emissão daqueles – de acordo com o valor da permilagem das frações, ou, de acordo com o valor atribuído à fração pela própria Banco 1... – SEMPRE se conclui que a Exequente/Credora Hipotecária, ao ter emitido os distrates, afastou a regra da indivisibilidade da hipoteca. O. Ora, in casu, como se sublinha, como garantia do pagamento de todas as responsabilidades assumidas ou a assumir pela sociedade “B...”, foi constituída hipoteca, registada a favor do Banco Exequente, pela Ap. ... de 2008/08/06, sobre doze frações autónomas, P. Daquelas doze frações mantém-se apenas e só a hipoteca em causa registada sobre 7 daquelas frações - C, F, Q, R, S, T e U - tendo sido cancelada a mesma sobre as frações B, G, L, O e P, conforme resulta dos documentos juntos aos autos, Q. Daqui se pode e deve concluir que a credora hipotecária anuiu à divisibilidade da hipoteca, dividindo por 12 o valor de cada fração que veio a distratar. R. Com efeito, sabemos que, nos termos do artigo 696.º do CC, a regra é a da indivisibilidade da hipoteca, mas, também sabemos que, no caso dos autos, houve renúncia ao cariz indivisível da hipoteca, ou, pelo menos, mas que vai dar ao mesmo, anuência à sua divisibilidade, em função das 12 frações hipotecadas. S. Pois, reitera-se, se a dita hipoteca, registada sob a Ap. ..., de 2008/08/06, abrange as 12 (doze) frações, identificadas pela Exequente – frações B, C, F, G, L, O, P, Q, R, S, T e U - tal qual assim melhor consta, para os devidos e legais efeitos, do registo predial de cada uma das frações autónomas, ao ter permitido a venda, com a emissão dos respetivos títulos de distrate, a aqui Exequente “dividiu” a hipoteca em causa em 12. T. Ora, o credor não pode ter uma atuação dualista, aceitando receber apenas a respetiva quota parte de alguns e exigindo a totalidade do remanescente a outros, pois que tal atuação, para além de incongruente, é, para estes, objetivamente prejudicial e, acima de tudo, discriminatória e frustrante das suas expectativas, legitimamente criadas pelo seu (do credor) próprio agir. U. Nesta conformidade, qualquer atitude ou atuação do credor que, expressa ou tacitamente, indicie suficientemente que ele renunciou à indivisibilidade deve, máxime, terá de levar-nos necessariamente à conclusão de que deverá aplicar tal “divisibilidade” ao remanescente do crédito em dívida, V. É, como se viu, o caso dos autos. W. Pois que, consabido o montante global em dívida, e que a hipoteca em causa incidia sobre 12 frações, neste caso, a permilagem que se impõe é de 624/1000 - correspondente à soma da permilagem daqueles 12 frações hipotecadas (B, G, L, O, P, + C, F, Q, R, S, T, U) – e não de 427/100 – correspondente às 7 frações não distratadas (C, F, Q, R, S, T, U). X. Entende a Embargante/Recorrente - seguindo o entendimento vertido no Ac. do STJ, de 15/05/2024, proferido nos autos de processo n.º 1502/22.3T8PRT-A, do Juiz 6 de Execução do Porto - que tal cálculo haveria de ser aferido em função do somatório da permilagem das 7 frações ainda hipotecadas (...); Y. Quando, salvo o devido respeito, se entende que a fixação do montante da obrigação exequenda haverá de ter por objeto o valor correspondente à proporção da permilagem da fração “F” no total de 12 frações (624/1000) cuja aquisição foi financiada pela Banco 1.... Z. O que, assim sendo, perfaz a quantia de €: 118.518,03 (€: 1.056.503,55 x 70 / 624) – e, não, €: 173.197,30, conforme pretende a Recorrente (€: 1.056.503,55 x 70 / 427) AA. Conforme, aliás, assim foi decidido no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 10/10/2023, devidamente transitado em julgado, e proferido nos autos de processo 1501/22.5T8PRT-A, do Juiz 3, do Juízo de Execução do Porto (situação igual à dos autos, mudando apenas o Executado), cuja certidão se junta aos presentes autos, nos termos do art.º 651.º do CPC, por não se encontrar publicado em www.dgsi.pt, e assim sumariado: «- Admitindo o credor a divisão de uma hipoteca que era originalmente una, consentindo no distrate em relação a diversas frações que vão sendo vendidas e mantendo a hipoteca em relação a outras não vendidas, fica afastado o regime de indivisibilidade que antes se verificava. - Como tal, não pode ulteriormente o credor prevalecer-se do mesmo regime de invisibilidade, pretendendo depois obter de cada um dos titulares das frações remanescentes a totalidade do remanescente do seu crédito. - Querendo o credor executar a garantia constituída pela hipoteca de cada fração restante, para cobrança do seu crédito, só haverá de o poder fazer na proporção do que essa fração representar naquele prédio (permilagem), se o crédito tiver sido referido à totalidade das frações; ou na proporção do que essa fração represente num conjunto de frações financiadas, sem prejuízo de outros critérios que se mostrem pertinentes.» Em conclusão: BB. Termos em que, não tendo o Dign.º Tribunal “a quo” violado qualquer preceito legal, entendem os aqui Apelados ser de manter a douta sentença recorrida, no sentido da iliquidez da obrigação exequenda, com todas as devidas e legais consequências. CC. Sendo que, sem prescindir, a entender-se que cabia ao Tribunal recorrido liquidar a obrigação exequenda com recurso ao critério da permilagem, sempre, deverá o cálculo em causa ser realizado tendo por referência o somatório de permilagem das 12 frações (624/1000) cuja aquisição foi financiada pela Banco 1..., e não, conforme pretende a Recorrente, considerando apenas as frações não distratadas (...), DD. Limitando-se, pois, a presente execução ao que resulta de tal divisibilidade, seja, €: 118.518,03.
Objeto do recurso: - da divisibilidade da hipoteca e da exigibilidade, certeza e liquidez do título executivo.
FUNDAMENTAÇÃO Matéria de facto provada Foi dado como provado na sentença recorrida o seguinte: 1. No exercício da sua atividade creditícia, a exequente celebrou com a sociedade "B..., Lda." o seguinte empréstimo: - Empréstimo n.º ..., do montante de € 1.100.000,00 (um milhão e cem mil euros), formalizado em 31 de julho de 2008, por escritura pública de compra e venda e empréstimo com hipoteca e mandato, destinado a aquisição de doze frações para revenda - cfr. contrato anexo ao requerimento executivo como doc. n.º 1. 2. Para garantia do capital mutuado pelo empréstimo supra descrito, respetivos juros e despesas, a sociedade mutuária constituiu hipoteca voluntária, em benefício da exequente, sobre os seguintes imóveis: a) fração autónoma designada pela letra “B” descrita na Conservatória do Registo Predial do Porto sob o n.º .../...-B e inscrita na matriz predial urbana sob o art. ...-B; b) fração autónoma designada pela letra “C” descrita na Conservatória do Registo Predial do Porto sob o n.º .../...-C e inscrita na matriz predial urbana sob o art. ...-C; c) fração autónoma designada pela letra “F” descrita na Conservatória do Registo Predial do Porto sob o n.º .../...-F e inscrita na matriz predial urbana sob o art. ...-F; d) fração autónoma designada pela letra “G” descrita na Conservatória do Registo Predial do Porto sob o n.º .../...-G e inscrita na matriz predial urbana sob o art. ...-G; e) fração autónoma designada pela letra “L” descrita na Conservatória do Registo Predial do Porto sob o n.º .../...-L e inscrita na matriz predial urbana sob o art. ...-L; f) fração autónoma designada pela letra “O” descrita na Conservatória do Registo Predial do Porto sob o n.º .../...-O e inscrita na matriz predial urbana sob o art. ...-O; g) fração autónoma designada pela letra “P” descrita na Conservatória do Registo Predial do Porto sob o n.º .../...-P e inscrita na matriz predial urbana sob o art. ...-P; h) fração autónoma designada pela letra “Q” descrita na Conservatória do Registo Predial do Porto sob o n.º .../...-Q e inscrita na matriz predial urbana sob o art. ...-Q; i) fração autónoma designada pela letra “R” descrita na Conservatória do Registo Predial do Porto sob o n.º .../...-R e inscrita na matriz predial urbana sob o art. ...-R; j) fração autónoma designada pela letra “S” descrita na Conservatória do Registo Predial do Porto sob o n.º .../...-S e inscrita na matriz predial urbana sob o art. ...-S; k) fração autónoma designada pela letra “T” descrita na Conservatória do Registo Predial do Porto sob o n.º .../...-T e inscrita na matriz predial urbana sob o art. ...-T; l) fração autónoma designada pela letra “U” descrita na Conservatória do Registo Predial do Porto sob o n.º .../...-U e inscrita na matriz predial urbana sob o art. ...-U. 3. De entre tais imóveis, permanecem hipotecadas, na presente data, as frações autónomas designadas pelas letras “C”, “F”, "Q", “R”, “S”, “T” e “U”, supra melhor identificadas. 4. A referida hipoteca foi registada a favor da Banco 1..., pela inscrição lavrada com base na Ap. ... de 2008/08/06 - cfr. certidões prediais anexas a requerimento executivo como docs. n.º 2 a 8. 5. A fração autónoma designada pela letra “T” supra descrita, e objeto da presente ação, foi transmitida a terceiros, encontrando-se a propriedade da mesma inscrita a favor de AA e BB pela Ap. ... de 2018/05/11, convertida em definitivo pela Ap. ... de 2023/10/13 – cfr. cit. doc. n.º 7 anexo ao requerimento executivo. 6. A sociedade mutuária a sociedade deixou de cumprir as obrigações emergentes do contrato supra identificado, nomeadamente no que concerne ao pagamento pontual das prestações pecuniárias, tendo efetuado o último pagamento em 31 de outubro de 2011[2], encontrava-se em dívida à Banco 1..., à data de 23 de junho de 2021, a quantia de € 1.821.115,31 (UM MILHÃO OITOCENTOS E VINTE E UM MIL CENTO E QUINZE EUROS E TRINTA E UM CÊNTIMOS) - cfr. nota de débito anexa ao requerimento executivo como doc.n.º10. 7. A sociedade mutuária "B..., Lda." foi declarada insolvente no âmbito do processo que, com o n.º 952/12.8TBEPS, corre atualmente termos no Tribunal Judicial da Comarca de Braga, Juízo de Comércio de Vila Nova de Famalicão, Juiz 1 - cfr. edital anexo ao requerimento executivo como doc. 11 e consulta realizada via portal citius. 8. O requerimento executivo entrou em juízo em 20.01.2024- vide requerimento executivo junto aos autos principais. 9. Os embargos entraram em juízo em 02.05.2024. 10. Por requerimento de 29.04.2024, a A..., SA requereu a sua habilitação como cessionária do credito detido pela Banco 1... (vide apenso A). 10.1. A cessão foi realizada em 22.12.2023. 10.2. O incidente de habilitação de cessionário foi requerido por apenso. 10.3. Por se tratar de denominada cessão em massa foi ordenado o desentranhamento do requerimento e sua junção aos atos principais, onde foi notificada às partes. 11. Em 05.06.2024, a Banco 1..., SA contestou os presentes embargos. 12. Por requerimento de 05.09.2024, a A..., SA ratificou o processado. 13. O exequente liquidou a quantia exequenda da seguinte forma: Capital ------------------------------------------------- € 721.620,71 Três anos de juros ----------------------------------€ 334.776,66 Comissões -------------------------------------------€ 106,18 TOTAL -------------------------------------------------€ 1.056.503,55 Vide requerimento executivo. 14. Por sentença proferida, nos autos de apenso O, do processo n.º 952/12.8TBEPS – Juiz 1 – Juízo de Comércio de Vila Nova de Famalicão (Cfr. Documento n.º 1 anexo ao requerimento inicial de embargos) foi julgada parcialmente procedente a ação instaurada pelos ora aqui executados, consignando-se na sua parte decisória o seguinte: «a) – decreto a execução específica do contrato promessa celebrado por escritura de 29.11.2012 e, em consequência, declaro transferido para a esfera jurídica do A. a propriedade da fração autónoma, designada pela letra “T”, destinada a habitação, correspondente ao 3.° andar, do tipo T3 Duplex, com um lugar duplo de estacionamento e arrumos, todos na segunda cave e designados pela letra “T”, do Edifício ..., sito na Rua ..., freguesia ..., concelho do Porto, inscrito na matriz predial urbana sob o n.º ... e descrito na Primeira Conservatória do Registo Predial do Porto sob o n.º ......, com aquisição provisória inscrita a favor da ora Insolvente pela Ap. ... de 26.5.2008, convertida em definitiva pelo averbamento - Ap. ... de 6.8.2008; b) – a venda assim decretada é feita livre da apreensão para a insolvência cujo levantamento ordeno, mas mantém-se em pleno vigor a hipoteca registada a favor da Banco 1... pela Ap. ... de 6.8.2008, da Primeira Conservatória do Registo Predial do Porto; c) – Condeno a Insolvência de “B..., Lda,” a entregar ao autor o valor correspondente ao débito garantido pela hipoteca à Banco 1..., bem como os juros respetivos, vencidos e vincendos até integral pagamento, na parte correspondente ao imóvel referido em a) desta decisão, que deve ser oportunamente liquidado, para que o A. possa expurgar a referida hipoteca; este quantitativo constitui crédito comum sobre a insolvência.»- vide certidão anexa ao requerimento inicial de embargos. Em conformidade com a certidão permanente junta pelo embargado com a sua contestação de embargos, dá-se como provado o seguinte: 15. O prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial do Porto sob o n.º .../... e inscrito na matriz predial urbana sob o art. ... foi constituído em propriedade horizontal ali averbada pela A. 35, de 1.4.2008, tendo sido constituídas as seguintes frações, com as seguintes permilagens:
Fundamentos de direito Matéria idêntica à dos autos foi já decidida no âmbito do processo de embargos de executado com o n.º 1501/22.5T8PRT-A.P1, com acórdão proferido pela 2.ª secção deste Tribunal, datado de 10.10.2023[3], e nos embargos de executado 1502/22.3T8PRT-A.P1, com acórdão datado de 19.12.2023, parcialmente revogado pelo ac. STJ, de 15.4.2024. Ambos os acórdãos foram proferidos antes de proposta a execução apensa. No primeiro caso, decidia-se acerca da fração “C” e, no segundo, da fração “R”. Deu-se como provado, entre o mais, naquele primeiro processo o seguinte: 3. Dentre tais imóveis, permanecem hipotecadas, na presente data, as frações autónomas designadas pelas letras “C”, “F”, "Q", “R”, “S”, “T” e “U”, supra melhor identificadas. (…) 9. A Banco 1... aceitou distratar a hipoteca constituída a seu favor sobre cinco das doze frações autónomas abrangidas por aquela garantia: da fração “B”, no valor de € 68.762,88; da fração “G”, no valor de € 53.544,00; da fração “L”, no valor de € 52.591,40; da fração “O”, no valor de € 98.970,12; da fração “P”, no valor de € 104.510,00, emitindo relativamente a cada uma destas renúncia hipotecária. No segundo acórdão, entre o mais, deu-se como provado: 3. De entre tais imóveis, permanecem hipotecadas, à data da propositura da execução, as frações autónomas designadas pelas letras “C”, “F”, “Q”, “R”, “S”, “T” e “U” (…) (…) 11. A Banco 1... aceitou distratar a hipoteca constituída a seu favor sobre as frações autónomas “B”, “G”, “L”, “O” e “P” contra o pagamento da parte proporcional do respetivo crédito equivalente à permilagem que a sua fração representa na totalidade do prédio. Ao contrário do decidido em primeira instância, a questão nunca foi ali colocada em termos de averiguação da perfetibilidade do título executivo. No primeiro acórdão considerou-se ter existido renúncia tácita, consentida pela ressalva constante do artigo 696.º do Código Civil ao princípio da indivisibilidade da hipoteca, concluindo-se que, querendo o credor executar a garantia constituída pela hipoteca sobre as restantes frações oneradas para cobrança do seu crédito, só o poderá fazer numa determinada proporção. Modificando a decisão do tribunal de 1.ª instância quanto ao critério, correspondente à proporção da permilagem daquela fração “C” relativamente ao prédio para determinar a medida pela qual a execução devia de prosseguir, o acórdão desta Relação, de 10.10.2023, considerou que «na ausência de outro critério admissível (por exemplo, casos há em que o mutuante e mutuário estabelecem antecipadamente uma tabela de valores de distrate, por fração) a proporção do crédito da exequente a ter-se por garantido pela fração “C” haverá de identificar-se depois de calculada a proporção dessa fração naquele universo das 12 frações financiadas. Foram os seguintes os fundamentos para considerar existir renúncia tácita à indivisibilidade da hipoteca: «Dispõe aquele art. 696.º: “Salvo convenção em contrário, a hipoteca é indivisível, subsistindo por inteiro sobre cada uma das coisas oneradas e sobre cada uma das partes que as constituam, ainda que a coisa ou o crédito seja dividido ou este se encontre parcialmente satisfeito.” Resulta desta norma a possibilidade de o regime ali previsto, de indivisibilidade da hipoteca, ser afastado por convenção das partes. O que implica, obviamente, a possibilidade de a ele renunciar o credor assim garantido, que disso beneficiaria. Tal renúncia pode ser expressa, mas pode igualmente ser tácita, atento o disposto no art. 217.º, n.º 1 do C. Civil. E é um tal significado que a jurisprudência vem atribuindo à atuação do credor que vai admitindo o distrate de hipotecas relativamente a algumas frações de um prédio constituído em propriedade horizontal, permanecendo tal garantia apenas em relação a outras. Por consequência da aplicação de uma tal solução, querendo o credor executar a garantia constituída pela hipoteca de cada fração restante, para cobrança do seu crédito, só haverá de o poder fazer na proporção do que essa fração representar naquele prédio (permilagem). Foi essa a solução decretada na decisão recorrida: “Tendo distratado a hipoteca relativamente a cinco frações autónomas, deve entender-se que cada uma das restantes (garante) apenas a dívida na proporção da permilagem da fração respetiva.” E isso porquanto “Os distrates operados quanto a cada uma daquelas cinco frações constituem factos concludentes que revelam, com toda a probabilidade, a manifestação de uma declaração negocial no sentido de concordar com a divisibilidade da hipoteca.” Alega a apelante que uma tal conclusão está prejudicada pela circunstância de aqueles cinco distrates terem sido consentidos contra a entrega de uma quantia apurada por referência ao valor real de mercado das frações correspondentes e não por referência à proporção que as mesmas representavam no valor total do crédito, proporção essa que seria o espelho da permilagem da fração na totalidade do prédio. Entendemos, todavia, que essa questão não é relevante. Com efeito, admitindo o credor a divisão de uma hipoteca que era originalmente una – por efeito do art. 696º do C.C. - fica afastado o regime de indivisibilidade que antes se verificava. E, como tal, não pode ulteriormente o credor prevalecer-se do mesmo regime de invisibilidade, pretendendo depois obter de cada um dos titulares das frações remanescentes a totalidade do remanescente do seu crédito. Quanto a isso, é pertinente a citação feita na sentença recorrida, do ac. do STJ de 12-02-2004 (Proc. 03B2831, em dgsi.pt), onde se refere: “O que importa é que o banco, que por força do mencionado princípio da indivisibilidade tinha o direito de garantir a totalidade do seu crédito também através da fração ou frações que distratou, abriu mão da garantia nessa parte, através de um acordo entre ele e o titular ou titulares da fração ou frações distratadas (ou/e o seu devedor), acordo que, obviamente, só a eles mesmos e na medida dos seus direitos, pode vincular. Não é concebível que o banco pudesse, depois, fazer recair sobre o titular ou titulares das restantes frações um tal acordo, cobrando deste ou destes, ou de cada um destes, a totalidade do seu crédito. Também porque, a ser possível uma tal solução, o titular ou titulares das frações distratadas veriam posto em causa o acordo celebrado pelo banco, porque qualquer dos não distratados, pagando a totalidade da dívida, poderia exercer o seu direito de regresso contra aqueles outros, pedindo-lhes a parte proporcional do que tivessem pago.” Assim, não é em função do critério que o credor tenha escolhido para condicionar o distrate da hipoteca de alguma ou algumas fração ou frações das que globalmente garantiam o seu crédito que cumpre determinar se essa atuação é ou não suficientemente esclarecedora da sua renúncia à indivisibilidade da hipoteca de que antes beneficiava o seu prédio. Essa renúncia pode retirar-se sem mais da sua vontade repetida – como no caso dos autos – de libertar do ónus os sucessivos adquirentes de diferentes frações que paulatinamente vão satisfazendo o seu crédito. Em tais casos, como se refere no ac. do TRG de 2/6/2022 (proc. nº3655/20.6T8GMR-A.G1 ) fica quebrada “a relação entre a estabilidade material da garantia originária e a tutela da integralidade da dívida”, por vontade do próprio credor, pelo que só pode concluir-se que este “terá renunciado tacitamente à indivisibilidade da hipoteca”. Isso mesmo se extrai do Ac. do STJ de 11/3/2021 (proc. nº 2889/15.0T8OVR-A. P1. S1, em dgsi.pt), onde se afirma que sendo a base fundamental do regime da indivisibilidade “o equilíbrio genético entre a estabilidade material da garantia originária e a tutela da integralidade da dívida, só a manutenção desse equilíbrio legitima a indivisibilidade; assim, quebrado ou interrompido esse equilíbrio, a indivisibilidade da garantia perde o seu fundamento.” Assim, e tal como descreve a apelante no seu recurso, embora expressando que a solução lhe desagrada, se o credor for aceitando amortizações parciais do seu crédito, concedendo distrates correspondentes aos valores que determina no âmbito da alienação de cada uma de diversas frações cuja compra ou construção financiou globalmente, claro se torna que tem de abdicar do ulterior pagamento da totalidade do seu crédito – pois que o vai recebendo parcialmente – bem como da garantia plena que constituíra por referência aquela globalidade. De resto, e tal como alega a apelante, logo no contrato de mútuo a que a hipoteca das diversas frações foi associado, logo ficou previsto que haveria de ser viável o expurgo parcial da hipoteca, mediante o pagamento do valor que a Banco 1... entendesse atribuir a cada fração para a qual o distrate fosse pretendido. Afirma a apelante que isso impede a identificação da referida renúncia tácita à indivisibilidade da hipoteca. Entendemos nós que, pelo contrário, logo aí ficou acordado, entre mutuante e mutuária, entre credor e devedor, que a dívida assim contraída poderia ser liquidada em tranches, com valores gerados pelo rendimento da venda das diferentes frações, ao mesmo tempo que as mesmas seriam desoneradas da hipoteca, em proporção a definir ulteriormente pela Banco 1.... Na compreensão desta solução, concordamos, assim, com o tribunal recorrido e com a maioria da jurisprudência, designadamente deste TRP, tal a que consta do ac. de 23/10/2018 (proc. nº 3746/16.8T8LOU-A.P1), além da demais citada naquele Ac. do STJ de 11/3/2021, todavia sem se ignorar a existência de entendimentos divergentes, como neste mesmo Ac. do STJ se revela. Por conseguinte, em linha com a decisão em crise, cabe concluir pela falta de provimento das razões da apelante, em termos que se impõem na presente execução, no que respeita à satisfação do crédito da exequente Banco 1... à custa da fração “C” dos embargantes. Cumpre, assim, assumir que ocorreu uma efetiva, embora tácita, renúncia à indivisibilidade da hipoteca que incidia sobre uma globalidade de frações, pelo que cada uma das frações ainda oneradas pela mesma hipoteca só haverá de garantir determinada proporção do crédito da exequente, e não todo esse crédito ou uma parte dele equivalente limite das forças da fração, como pretendia a exequente». O segundo acórdão alinhou pelo mesmo entendimento. Por nós, cremos assistir motivos para assim também entender, uma vez que a indivisibilidade tem “natureza supletiva: visto o teor do preceito, a indivisibilidade pode ser afastada por cláusula em contrário, ainda que tacitamente”[4]. Seguindo os ensinamentos de Isabel Campos, Comentário ao Código Civil, Direito das Obrigações, UCP, 2018, p. 933 e ss., diremos, então: - a indivisibilidade da hipoteca (ou hipoteca solidária) tem caráter subsidiário e não resulta da ordem pública ou de uma função especial da hipoteca; - a sua vantagem é a de permitir ao credor ressarcir-se por um dos bens hipotecados, se faltarem os restantes; - o credor hipotecário não tem a faculdade de designar, de entre os vários bens hipotecados, aquele que deve ser executado com prioridade sobre os demais, uma vez que todos os bens respondem integralmente pela dívida; - nos termos do art. 721.º CC, o adquirente da fração só pode expurgar a hipoteca, se pagar a totalidade do crédito hipotecário (al. a) ou se declarar que está pronto a entregar ao credor a quantia pela qual obteve os seus bens, ou aquela em que os estima, quando a aquisição tenha sido gratuita (al. b); - não são, por isso, em princípio, de admitir as expurgações parciais, a não ser que o credor, por comum acordo, renuncie à indivisibilidade parcial, aceitando o distrate parcial da hipoteca, permanecendo a hipoteca sobre todas as parcelas não distratadas. Continua aquela autora: “De iure condendo, seria mais ajustada à realidade a solução de admitir a possibilidade de distrate ou expurgação parcial da hipoteca nestas situações. A permilagem atribuídas às frações no título constitutivo da propriedade horizontal não pode, todavia, ser um único critério de referência para cálculo do valor pelo qual seria possível o cancelamento parcial da hipoteca relativamente a cada uma das frações. Trata-se de um valor indicado unilateralmente pelo devedor hipotecário, pelo que dever-se-á complementar com outros métodos como, por exemplo, a realização de uma avaliação das frações por peritos independentes”. Quer isto dizer que, tendo in casu a exequente aceite o distrate de hipotecas, em termos parciais, concretizou-se a sua renúncia tácita à indivisibilidade da hipoteca. A questão seguinte é a de saber por qual valor responde o atual titular de cada uma das frações que permanecem hipotecadas. No ac. desta Relação, de 10.10.2023 (não alterado pelo STJ), não se aceitou o critério da permilagem da fração no prédio em que se integra, porque o prédio tem 21 frações e a hipoteca abrange apenas 12 destas. De modo que o critério foi o da proporcionalidade da permilagem da fração em causa no processo, no universo das 12 frações hipotecadas. No ac. do STJ, de 15.5.2024, que incidiu sobre a fração “R”, depois de se mencionarem os vários critérios possíveis, escreveu-se: A obrigação é certa quando se acha qualitativamente determinada. Não é certa a obrigação que dependa de escolha que está por fazer (art. 400.º Código Civil), como quando a obrigação é alternativa (art. 543.º Código Civil) ou genérica (art. 539.º Código Civil) ou quando o devedor tem que prestar uma determinada quantidade de um género que contém espécies diferentes (obrigação de objeto qualitativamente indeterminado). A prestação é exigível quando se acha vencida ou o seu vencimento depende de interpelação do devedor. A obrigação é ilíquida quando tem por objeto uma prestação cujo quantitativo não está ainda apurado. Quer isto dizer não restarem dúvidas de que os executados devem responder perante a credora – na medida do bem que adquiriram onerado com hipoteca –, por se mostrar certa, exigível e líquida a obrigação exequenda. A dúvida sobre qual o valor pelo qual respondem – que resulta colocada em embargos e não na execução, uma vez que aí o exequente liquidou o valor em dívida – não decorre da iliquidez da obrigação em si, mas sim do que pudesse decidir-se, em embargos, ser ou não a (in) divisibilidade da hipoteca e o critério a seguir em caso de divisibilidade, pelo que a solução não pode ser a da extinção da ação executiva mas, tendo-se concluído pela divisibilidade da hipoteca, determinar o valor pelo qual responde o bem penhorado. E, na ótica do ac. do STJ mencionado por último, teremos que considerar qual o valor que está atualmente em dívida – após destrate de outras hipotecas (e após decisões judiciais proferidas antes da presente) – e quais as hipotecas que já foram expurgadas (também após a instauração da presente execução e nomeadamente em função das sentenças entretanto proferidas e transitadas em julgado - as mencionadas supra, duas, da 2.ª secção deste tribunal) e, após, efetuar o cálculo proposto pelo STJ. O valor em dívida atualmente – que não será certamente o constante do requerimento executivo (porque, entretanto, pelo menos, duas frações – a “C” e a “R” – já responderam pelo crédito da ora exequente) será considerado tendo em conta a proporcionalidade da permilagem da fração “T” (70) entre as frações que permanecem registadas para garantia deste crédito (sabendo nós que as frações “C” e “R”, mencionadas no acórdão referido, e tidas em conta na proporção aí mencionada – ... – se não acham já hipotecadas). Vemos que o valor encontrado no ac. do STJ, de 15.5.2024, pelo qual responderia a fração “R” foi de € 175,590,89, equivalente a 166, 2/1000, ou seja, o valor ali em dívida (€ 1.056.503,55) estaria para 1000, tal como 116, 2, estaria para x. No nosso caso, deverá apurar-se qual o valor total em dívida – posto que já abatidos, pelo menos, os créditos relativos às frações “C” e “R” – e apurar-se, depois, qual a permilagem relativa da fração aqui em causa (“T”) de entre a permilagem correspondente às frações ainda hipotecadas (devendo obter-se certidão do registo predial atualizada e indicar a exequente quais as frações cuja hipoteca foi expurgada), raciocinando-se, depois, aritmeticamente, como acabado de expor.
Dispositivo Pelo exposto, decidem os Juízes deste Tribunal da Relação julgar o recurso procedente e, em consequência, revogando-se a sentença recorrida, ordena-se o prosseguimento da execução para cobrança do valor achado de acordo com o raciocínio acabado de expor, limitada tal cobrança à fração “T” hipotecada e penhorada nos autos. Custas pelas partes, na proporção do decaimento, após o apuramento do valor executivo. |