Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2137/10.9TTPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: FERNANDA SOARES
Descritores: TRABALHADOR ESTUDANTE
PROMOÇÃO PROFISSIONAL
ACORDO DE EMPRESA
Nº do Documento: RP201210152137/10.9TTPRT.P1
Data do Acordão: 10/15/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ANULADA A DECISÃO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: I - Da conjugação do disposto no art. 93,º do CT/2009 com o determinado na cláusula 21.º do AE vigente na C..., a reclassificação profissional do trabalhador em função das suas novas qualificações não é automática.
II - O trabalhador deve levar ao conhecimento da empresa a sua nova qualificação e deve formalizar o pedido de candidatura; por seu lado, a empresa deve analisar se necessita de trabalhador com a qualificação do trabalhador, caso em que o convocará para a realização de estágio vindo, posteriormente, a submetê-lo a exame psicotécnico e a elaborar pareceres.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 2137/10.9TTPRT.P1
Relator: M. Fernanda Soares – 1033
Adjuntos: Dr. Ferreira da Costa – 1619
Dra. Paula Leal de Carvalho

Acordam no Tribunal da Relação do Porto
I
B… instaurou, em 30.12.2010, no Tribunal do Trabalho do Porto, acção emergente de contrato de trabalho contra C…, pedindo a condenação da Ré a cumprir o determinado na clª21ª do AE, ou seja, a fazer ingressar o Autor em categoria profissional correspondente às suas novas habilitações.
Alega o Autor que presta trabalho para a Ré desde o dia 02.08.1999 sendo que em 25.07.2006 concluiu a licenciatura em direito pela Universidade …, e em 04.11.2009 o estágio na Ordem dos Advogados. Em 25.05.2010 o Autor dirigiu carta à Ré a pedir o ingresso na categoria profissional correspondente às suas habilitações, não obtendo qualquer resposta, sendo certo que em Novembro de 2010 o Autor tomou conhecimento de que a Ré contratou uma jurista para o seu departamento jurídico, violando, deste modo, o determinado na clª21ª do AE [a qual determina que os trabalhadores da Ré «que concluam cursos em estabelecimento de ensino oficiais ou oficializados poderão, a seu pedido, ingressar em categoria profissional correspondente às suas novas habilitações, se a empresa necessitar de trabalhadores com o curso em questão, após seis meses de estágio e parecer favorável em exame psicotécnico»].
A Ré contestou alegando, em suma, que em 31.05.2010 o licenciado em direito e advogado que fazia parte do quadro da empresa desde 1977, e que ocupava o cargo de subdirector, cessou o contrato de trabalho, por mútuo acordo, tendo aquele posto de trabalho – de subdirector do gabinete de apoio jurídico da Ré – sido extinto. Acontece que a Ré contratou, a partir de 01.09.2010, uma advogada, em regime de prestação de serviços jurídicos, durante 25 horas por semana, sendo que tal contratação veio suprir a cessação, em 2009, da prestação de serviços por parte de outra advogada. Assim, e não havendo, no quadro organizacional e funcional da Ré necessidade de trabalhador com perfil profissional de licenciado em direito, não existem condições que permitam a satisfação da pretensão do Autor, devendo, deste modo, a acção improceder.
Foi proferido despacho saneador e procedeu-se a julgamento. Foram consignados os factos dados como provados e não provados e foi proferida sentença a julgar a acção improcedente e a absolver a Ré do pedido.
O Autor veio recorrer pedindo a revogação da sentença e a sua substituição por acórdão que condena a Ré a admitir o recorrente ao estágio para as funções correspondentes às suas novas habilitações, concluindo do seguinte modo:
1. O recorrente discorda do Tribunal a quo quando julga que «o tribunal não pode substituir-se à Ré na medida em que a norma em apreciação exige a frequência de 6 meses de estágio, com parecer favorável em exame psicotécnico e, por ser um “quadro técnico” parecer favorável da hierarquia».
2. O pedido formulado na petição passou, única e exclusivamente, pela condenação da Ré a cumprir a clª21ª do aludido AE.
3. O primeiro requisito do nº1 da aludida cláusula exige, em primeiro lugar, que a empresa necessite de «trabalhadores com o curso em questão» o que, tal como ficou assente na matéria considerada provada, assim sucede.
4. E verificada a necessidade da empresa de «trabalhadores com o curso em questão», a frequência dos seis meses de estágio, após solicitação do trabalhador, é automática.
5. Assim, a necessidade da empresa e a respectiva solicitação do trabalhador em se candidatar a uma determinada categoria profissional para a qual tenha habilitações conduz, inevitavelmente, à frequência do estágio de seis meses.
6. O «parecer favorável em exame psicotécnico» ocorrerá durante o estágio ou no término deste, sendo assim crucial para o ingresso definitivo do trabalhador nas «novas funções». Mas nunca este requisito pode servir para vedar ao trabalhador a possibilidade de frequentar o estágio para o qual se candidatou.
7. O exame psicotécnico não é um requisito de acesso ao estágio, é antes um requisito de acesso definitivo à categoria profissional correspondente às novas habilitações.
8. O mesmo se diga do requisito previsto no nº2 da referida norma que se encontra enunciado na sentença: «por ser um “quadro técnico” parecer favorável da hierarquia».
9. Este é igualmente um requisito de acesso definitivo à categoria profissional correspondente às novas habilitações e não de acesso ao estágio a pedido do trabalhador.
10. O parecer favorável da hierarquia deve ser entendido como aquele que será realizado pela hierarquia onde o trabalhador prestará o estágio, manifestando a sua posição favorável ou desfavorável ao ingresso do trabalhador nas novas funções.
11. Pela mesma ordem de razões este parecer será efectuado – e fundamentado – após o término do estágio e na fase do ingresso definitivo – ou não – do trabalhador nas suas novas funções.
12. Não é razoável emitir um parecer sem conhecer um trabalhador impedindo-o de efectuar o estágio a que se candidatou.
13. Atendendo à especificidade das funções de um «quadro técnico», caso demonstre inabilidade para ocupar essas funções, o parecer desfavorável impede definitivamente o trabalhador de ingressar na categoria à qual se candidatou.
14. As partes signatárias do referido Acordo de Empresa pretenderam com esta norma favorecer os trabalhadores da Ré a progredirem na estrutura da empresa, demonstrando na prática o seu potencial para ocuparem cargos para os quais, entretanto, se habilitaram academicamente.
15. Essa pretensão seria, desde logo, colocada definitivamente em causa caso fossem elaborados pareceres prévios – desfavoráveis – sem antes ser aferida a capacidade desses trabalhadores para o desempenho das funções nas categorias profissionais que se encontrassem vagas na empresa.
A Ré veio contra alegar pugnando pela manutenção da decisão recorrida e concluir do seguinte modo:
1. A aplicabilidade da clª21ª do AE invocado dependeria de filiação sindical do Autor, facto que não está demonstrado nem ele alegou concretamente.
2. O recorrente considera ter ficado provada a condição, também pela pressuposta clª21ª do AE, de a empresa «necessitar de trabalhadores com o curso em questão».
3. O Tribunal a quo não deu como provada a existência dessa necessidade, tendo-a indeferido da factualidade assente, e nomeadamente da circunstância da Ré ter celebrado um contrato com uma advogada.
4. O que se acha provado quanto à contratação dessa advogada não traduz uma existência de tarefas jurídicas a executar a que correspondesse uma necessidade de trabalhadores, a ser satisfeita por reclassificação de trabalhador no quadro, em detrimento do recrutamento externo, pois, tal como se revelam do contrato, as funções de índole jurídica que estiveram subjacentes não implicavam ocupação de um posto de trabalho, nem a tempo inteiro, e nada na matéria de facto assente permite que se considere que a Ré pudesse ter outras funções dessa natureza a atribuir ao Autor para este perfazer o seu horário de trabalho, como o Tribunal a quo supôs para concluir pela existência de necessidade de trabalhadores.
5. A sentença recorrida fez avaliação incorrecta dessa necessidade, para efeito de aplicação da clª21ª do AE, o que aqui a Ré subsidiariamente invoca, requerendo a ampliação do âmbito do recurso, ao abrigo do nº1 do artigo 684º-A do CPC, para a hipótese de se entender que no mais poderia o mesmo merecer provimento.
6. Por via do eventual conhecimento desta questão, deverá concluir-se que a condição de a empresa «necessitar de trabalhadores com o curso em questão» estabelecida na dita clª21ª não se acha preenchida.
7. O que, por essa condição configurar um pressuposto do atendimento da pretensão do recorrente que este teria de demonstrar positivamente, constitui mais uma razão para se negar provimento ao recurso.
O Exmo. Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido do não provimento do recurso.
Admitido o recurso e corridos os vistos cumpre decidir.
* * *
II
Matéria dada como provada e a ter em conta no presente recurso.
1.O Autor está ao serviço da Ré, sob a sua direcção e fiscalização, desde o dia 02.08.1999 por contrato de trabalho por tempo indeterminado.
2.No dia 25.07.2006, o Autor concluiu a licenciatura em Direito pela Universidade ….
3.Nos dias que se seguiram à conclusão do aludido curso, o Autor entregou nas instalações da Ré o certificado que atesta as suas habilitações académicas, sendo a mesma conhecedora das habilitações literárias daquele.
4.Nos meses que se seguiram à licenciatura, o Autor ingressou no estágio da Ordem dos Advogados na qualidade de Advogado/Estagiário.
5.No dia 04.11.2009, o Autor concluiu o estágio na Ordem dos Advogados.
6.Simultaneamente o Autor continuou e continua ao serviço da Ré na qualidade de motorista de serviços públicos nos termos enunciados.
7.O Autor tomou conhecimento que um dos advogados pertencentes ao quadro da C… havia deixado de exercer funções por mútuo acordo.
8.No dia 25.05.2010 o Autor dirigiu uma carta à Exma. Senhora Presidente do Conselho de Administração da C… a pedir o ingresso na categoria profissional correspondente às suas novas habilitações no estrito cumprimento do artigo 21º do Acordo de Empresa.
9.Porém, não obteve qualquer resposta.
10.Em 31.05.2010, um licenciado em Direito e advogado que fazia parte do quadro da Ré desde 1977, com contrato de trabalho a tempo integral, e que ocupava o cargo de Subdirector cessou esse contrato por mútuo acordo.
11.Por via dessa cessação, o posto de trabalho de Subdirector do Gabinete de Apoio Jurídico da C…, S.A., foi extinto.
12.Extinção essa que se enquadrou num processo de reestruturação global da empresa, do qual resultou nomeadamente a alteração da sua macro/estrutura, que a partir de 01.06.2010 ficou organizada nos termos que constam do documento junto a folhas 48 a 59 e a reafectação de funções nas suas várias áreas determinadas pela necessidade de reduzir o efectivo, nomeadamente a nível de quadros técnicos e de pessoal administrativo, que possui em excesso.
13.Facto que levou a pedir à tutela um pedido de autorização excepcional de rescisão, por mútuo acordo, de um elevado número de contratos, enquanto empresa em reestruturação sem subordinação ao limite legal e visou nomeadamente abranger esses trabalhadores.
14.A reestruturação abrangeu também o gabinete de Apoio Jurídico da Empresa, que reduziu funções e efectivo, deixando de ter o dito advogado/subdirector e três administrativos, o que também motivou a mudança das instalações para outras de menor dimensão.
15.No contexto dessa reestruturação e da extinção do posto de trabalho de um advogado, com contrato de trabalho a tempo integral e a categoria de subdirector, as funções de gestão de sinistros automóvel passaram essencialmente para outra área da empresa, o Departamento Administrativo e Financeiro, e as restantes funções, nomeadamente de coordenação da área disciplinar, foram redistribuídas dentro do Gabinete de Apoio Jurídico, pelo seu Director, Dr. D…, e pela Chefe de Serviço, Dra. E…, ambos advogados com contrato de trabalho ao serviço da Ré.
16.Com o que ficou assegurado o desempenho, com meios humanos de que a empresa já dispunha, das tarefas anteriormente exercidas pelo advogado Subdirector do Gabinete de Apoio Jurídico, cargo com atribuições de chefia que deixou de ter justificação na nova estrutura organizacional e por isso deixou de exercer.
17.A Ré contratou a partir de 01.09.2010, uma advogada, Dra. F…, em regime de prestação de serviços jurídicos, durante cerca de 25 horas semanais.
18.Contratação que a Comissão de Trabalhadores foi informada em reunião que manteve com o Conselho de Administração da C… em 30.09.2010.
19.Essa contratação veio suprir a cessação em 2009 da prestação de serviços por parte de uma outra advogada, Dra. G… que havia prestado esses serviços desde 2004, disponibilizando para o efeito cerca de 30 horas semanais.
20.Tempo em que àquela cabia organizar, que eram essencialmente as de instrução e processos disciplinares, apoio nos processos de averiguações, apoio jurídico à certificação da empresa em matéria ambiental e de qualidade e segurança no trabalho bem como assessoria jurídica ao Provedor do Cliente da C….
21.Em face da cessação da colaboração da Dra. G…, e para dar continuidade aos serviços de que esta havia estado incumbida, o Conselho de Administração da Ré chegou a ponderar, em alternativa à nova contratação de advogado em regime de avença, a revisão do processo relativo à disciplina e às averiguações, seleccionando uma entidade externa para análise do processo em vigor à data e apresentação de proposta de um modelo alternativo, revendo também a actividade do Provedor de Cliente da C…, que se pretendia ver alargada ao H….
22.Mas optou por manter a instrução dos processos disciplinares e de averiguações no seu Gabinete Jurídico, recorrendo de novo para esse efeito à prestação de serviços de um advogado, com inscrição na Ordem e prática forense, o que conduziu à celebração do contrato junto a folhas 83 a 85, com início em 01.09.2010.
23.Através deste contrato estabeleceu-se que os serviços da Dra. F… seriam prestados nas instalações da Ré, podendo ser assegurados, no entanto, a partir de outros locais, nomeadamente o escritório ou a residência daquela, e que a sua disponibilidade para essa prestação seria de cerca de 25 horas semanais, cabendo-lhe organizar os respectivos tempos e dias.
24.E deste modo a Dra. F… assumiu os serviços anteriormente desempenhados pela Dra. G…, com a excepção do apoio jurídico ao Provedor, que deixaram de ser prestados, daí a redução de 30 para 25 horas semanais do tempo previsto para a prestação.
25.Por carta datada de 25.11.2010, o Autor comunicou à Ré a renovação da sua candidatura à categoria profissional correspondente com as suas funções mas não obteve resposta até à data em que instaurou a presente acção.
26.As únicas vagas que existem na C…, S.A., são para motoristas de serviço público, vagas essas que a Ré se encontra impedida de preencher por força das restrições a que está sujeita pelo Orçamento de Estado aprovado pela Lei nº55-A/2010 de 31.12.
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III
Questão em apreciação.
Da verificação dos pressupostos consignados na clª21ª do AE.
Diz-se na sentença recorrida, em face da factualidade dada como provada, o seguinte: (…) “Não resta a mínima dúvida de que a contratação de uma advogada para prestar serviços de natureza jurídica significa que a Ré necessitava efectivamente de uma pessoa com essas habilitações, Sabemos também que a Ré dispõe de uma Gabinete Jurídico onde o Autor poderia ingressar, perfazendo, com outras funções acrescidas, as restantes horas para completar o seu horário de trabalho. Acontece, porém, que o tribunal não pode substituir-se á Ré na medida em que a norma em apreciação exige a frequência de seis meses de estágio, um parecer favorável em exame psicotécnico e, por seu um «quadro técnico», parecer favorável da hierarquia. Em suma, não se mostram preenchidos todos os pressupostos necessários para que o Tribunal possa fazer ingressar o Autor na categoria profissional correspondente às suas novas habilitações” (…).
O apelante defende que o seu pedido consiste na condenação da Ré no cumprimento do determinado na clª21ª do AE, ou seja, verificado que seja o pressuposto “necessidade de trabalhadores com o curso em questão”, os requisitos «frequência de seis meses de estágio», «parecer favorável em exame psicotécnico» e «parecer favorável da hierarquia» constituem requisitos necessários ao ingresso definitivo na «nova» categoria profissional correspondente às «novas» habilitações, não sendo exigíveis aquando da simples candidatura do trabalhador ao estágio. Que dizer?
Sob a epígrafe “Promoção profissional de trabalhador-estudante” refere o artigo 93º do Código do Trabalho de 2009 (CT/2009) o seguinte: “O empregador deve possibilitar a trabalhador-estudante promoção profissional adequada à qualificação obtida, não sendo todavia obrigatória a reclassificação profissional por mero efeito da qualificação” [o artigo 84º do CT/2003 referia que «Ao trabalhador-estudante devem ser proporcionadas oportunidades de promoção profissional adequadas à valorização obtida nos cursos ou pelos conhecimentos adquiridos, não sendo, todavia, obrigatória a respectiva reclassificação profissional por simples obtenção desses cursos ou conhecimentos»].
Maria do Rosário Palma Ramalho, em comentário ao artigo 93º do CT/2009, refere que “O Código contém ainda uma disposição recomendatória no sentido de ser promovida a reclassificação profissional dos trabalhadores, de acordo com a valorização obtida nestes cursos” – Direito do Trabalho, parte II – situações laborais individuais, 3ªedição, página 395.
Passemos agora à análise/interpretação da clª21ª do Acordo de Empresa (AE).
Segundo a cláusula 21ª, seu nº1, do AE publicado no BTE, 1ªsérie, nº43, de 22.11.1984, “Os trabalhadores do C… que concluam cursos em estabelecimentos de ensino oficiais ou oficializados poderão, a seu pedido, ingressar em categoria profissional correspondente às suas novas habilitações, se a empresa necessitar de trabalhadores com o curso em questão, após seis meses de estágio e parecer favorável em exame psicotécnico”. E o nº2 da mesma cláusula prescreve que “Quanto aos quadros técnicos, além das condições referidas no número anterior, terá de haver parecer favorável da hierarquia, o qual terá de ser fundamentado”.
Da conjugação do disposto no artigo 93º do CT/2009 com o determinado no AE, decorre que a reclassificação profissional, em função das novas qualificações do trabalhador, não é automática.
E como deve actuar o trabalhador que obteve, como no caso dos autos, licenciatura em direito? Em primeiro lugar deve levar ao conhecimento da sua entidade empregadora tal facto. Foi o que o Autor fez (nº2 e nº3 da matéria de facto assente). Em segundo lugar deve formalizar o pedido de candidatura a que alude a clª.21ª, nº1, do AE. Também cumpriu o Autor tal formalidade (nº8 da matéria de facto assente).
Confrontada com tal pedido do Autor, competia à Ré analisar se necessitava de trabalhador com o curso do Autor. Se tal necessidade se verificasse, então, competia à Ré convocar o trabalhador para a realização de estágio e submetê-lo, posteriormente, a exame psicotécnico, elaborando, também, os pareceres favoráveis a que aludem o nº1 e o nº2 da referida cláusula.
Assim nos parece ser os passos a seguir, quanto mais não seja em homenagem ao princípio da boa fé previsto no artigo 126º, nº1 do CT/2009. [resulta do nº9 e do nº25 da matéria de facto assente que a Ré se remeteu ao silêncio].
Admitindo, por hipótese, que a empresa comunica ao trabalhador que não necessita de trabalhador com o curso de direito, necessariamente não o vai chamar para efectuar o estágio. E mesmo com a realização do estágio – no pressuposto da existência da necessidade de trabalhador com o curso em questão – não é seguro que o trabalhador ingresse, após o estágio, na categoria profissional correspondente às suas habilitações, na medida em que pode não obter os pareceres favoráveis a que já nos referimos.
Por isso, não acompanhamos a afirmação da Mmª. Juiz a quo quando refere que o Autor requereu o ingresso na categoria profissional e para tal era necessário a verificação dos requisitos estágio e demais pareceres, o que ele não possui.
Na verdade, quando o Autor pede o cumprimento da clª21ª do AE – condenação da Ré a fazê-lo ingressar em categoria profissional correspondente às suas novas habilitações – tem de entender-se que o que o recorrente pretende é candidatar-se ao estágio com vista a ingressar em categoria profissional superior, em resultado das suas novas habilitações. Mas se a Mmª. Juiz a quo entendeu que assim não era, então, deveria ter convidado o Autor a apresentar nova petição onde o mesmo alegasse a frequência do estágio e a existência dos pareceres favoráveis a que alude a clª21ª do AE – alínea b) do artigo 27º do Código de Processo de Trabalho [determina este artigo que «O juiz deve, até à audiência de discussão e julgamento convidar as partes a completar e a corrigir os articulados, quando no decurso do processo reconheça que deixaram de ser articulados factos que podem interessar à decisão da causa, sem prejuízo de tais factos ficarem sujeitos às regras sobre contrariedade e prova»] – em vez de julgar, na sentença, a acção improcedente, por falta de alegação de tais requisitos.
E se o Autor com a presente acção veio pedir o cumprimento do determinado na clª21ª do AE – cumprimento com o alcance e sentido que deixámos atrás referido – então, e tendo a Mmª. Juiz a quo concluído pela verificação do requisito «necessidade da Ré de trabalhador com o curso do Autor», só resta condenar a recorrida a dar cumprimento integral à referida cláusula.
Cumpre-nos, porém, conhecer se tal requisito se verifica.
* * *
IV
Da ampliação do objecto do recurso.
Nos termos do disposto no artigo 684º-A, nº1 do Código de Processo Civil (CPC) “No caso de pluralidade de fundamentos da acção ou da defesa, o tribunal de recurso conhecerá do fundamento em que a parte vencedora decaiu, desde que este o requeira, mesmo a título subsidiário, na respectiva alegação, prevenindo a necessidade da sua apreciação”.
Defende a Ré – no âmbito da requerida ampliação do objecto do recurso – que o pressuposto «necessidade de trabalhadores com o curso em questão», estabelecido na clª21ª do AE, ao contrário do defendido na sentença recorrida, não se encontra preenchido. Argumenta a recorrida que a matéria de facto dada como provada não permite concluir pela «existência de tarefas jurídicas a executar a que correspondesse uma necessidade de trabalhadores, a ser satisfeita por reclassificação de trabalhador do quadro, em detrimento do recrutamento externo», acrescentando que «as funções de índole jurídica que lhe estiveram subjacentes não implicavam ocupação de um posto de trabalho nem a tempo inteiro, e nada na matéria de facto assente permite que se considere que a aqui recorrida pudesse ter outras funções dessa natureza a atribuir ao recorrente para este perfazer o seu horário de trabalho” (…). Que dizer?
Relembremos aqui o teor do nº1 da clª21ª do AE “Os trabalhadores do C… que concluam cursos em estabelecimentos de ensino oficiais ou oficialiazados poderão, a seu pedido, ingressar em categoria profissional correspondente às suas novas habilitações, se a empresa necessitar de trabalhadores com o curso em questão” (…).
A clª21ª, nº1, do AE não exige que a empresa necessite de trabalhadores a tempo inteiro. Igualmente do seu teor não resulta a exclusão de situações em que a necessidade dos ditos trabalhadores é apenas a tempo parcial. Com efeito, estando em causa o acesso do trabalhador a níveis superiores de categoria – em função das suas novas habilitações – e consequentemente a «promoção humana e profissional» do trabalhador – artigo 126º, nº2 do CT/2009 – não parece que este direito possa ser afastado com o «argumento» de que só no caso de necessidade de trabalhador a tempo inteiro é possível a reclassificação do trabalhador.
Na verdade, não podemos esquecer que o legislador consagrou a figura do contrato de trabalho a tempo parcial – artigos 150º e seguintes do CT/2009 e artigos 180º e seguintes do CT/2003 – impondo ao empregador determinados deveres, a saber, “facilitar o acesso a trabalho a tempo parcial a todos os níveis da empresa, incluindo os cargos de direcção” – artigo 156º, nº1, al. c) do CT/2009 [o artigo 187º, nº1, al. c) do CT/2003 era, neste particular, mais específico, ao determinar que o empregador deve tomar «as medidas destinadas a facilitar o acesso ao trabalho a tempo parcial em todos os níveis da empresa, incluindo os postos de trabalho qualificados e os cargos de direcção» (…)].
Em suma: se na clª21ª não se indica, concretamente, que «a necessidade da empregadora de trabalhador com o curso em questão» reporta-se a funções a exercer a tempo integral, não se vê razão para assim se limitar essa mesma necessidade ao exclusivo preenchimento de um posto de trabalho a tempo inteiro, tendo em conta que o legislador previu igualmente a modalidade do contrato de trabalho a tempo parcial.
A defender-se a posição assumida neste particular pela recorrida, então, seria muito fácil ao empregador «afastar» a aplicação da referida clª21ª argumentado que as «suas necessidades» não justificam trabalhador a tempo inteiro [a tempo inteiro ou a tempo parcial as «necessidades» não deixam de ser «necessidades»].
Assim, não acompanhamos os argumentos defendidos pela recorrida, sendo que em face da matéria de facto dada como provada – em especial a indicada nos números 17 a 24 – podemos concluir verificar-se o requisito «necessidade de trabalhador com o curso em questão».
Só para finalizar se dirá que «falece» igualmente a argumentação da recorrida de que a «aplicabilidade da clª21ª do AE invocada dependeria de filiação sindical do ora recorrente, facto que não está demonstrado nem ele alegou concretamente”: em primeiro lugar porque a Ré não veio recorrer da sentença neste particular; em segundo lugar porque a Ré na contestação apresentou os seus argumentos fazendo referência ao AE que o Autor indicou na petição inicial, a significar que as partes estão de acordo quanto à aplicação do referido acordo de empresa ao caso dos autos.
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Termos em que se julga a apelação procedente, se revoga a sentença recorrida e se substitui pelo presente acórdão e, em consequência, se condena a Ré a dar cumprimento ao disposto na clª21ª, seus números 1 e 2, do Acordo de Empresa.
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Custas da acção e da apelação a cargo da recorrida.
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Porto, 15-10-2012
Maria Fernanda Pereira Soares
Manuel Joaquim Ferreira da Costa
Paula Alexandra Pinheiro Gaspar Leal Sotto Mayor de Carvalho