Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1056/21.8T9PVZ.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JOÃO PEDRO PEREIRA CARDOSO
Descritores: PRESCRIÇÃO
CAUSAS DE INTERRUPÇÃO E SUSPENSÃO
CONTRAORDENAÇÃO
LEIS DE EMERGÊNCIA
Nº do Documento: RP202203091056/21.8T9PVZ.P1
Data do Acordão: 03/09/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: CONFERÊNCIA
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 4.ª SECÇÃO (CRIMINAL)
Área Temática: .
Sumário: I - As normas de prescrição reportam-se ao regime substantivo do facto criminoso ou contraordenacional, não podendo, por força do princípio da legalidade, ser aplicadas de forma retroativa aos crimes julgados, salvo se tal regime se mostrar concretamente mais favorável ao arguido.
II - Os novos prazos de prescrição e causas de interrupção e suspensão da prescrição do procedimento criminal e das penas e medidas de segurança, bem assim do procedimento contraordenacional e das coimas, sendo prejudiciais ao arguido por alargamento dos prazos de prescrição, apenas poderão ser aplicados aos factos praticados na sua vigência, sob pena de se lhe conferir um efeito retroativo proibido, em violação do disposto no artigo 29.º, n.º 4, da CRP.
III - O artigo 19.º, nº 6, da CRP, expressamente estabelece que «[a] declaração do estado de sítio ou do estado de emergência em nenhum caso pode afetar […] a não retroatividade da lei criminal, o direito de defesa dos arguidos […]», tendo o mesmo ficado consagrado no n.º 1 do artigo 2.º da Lei n.º 44/86.
IV - Daqui resulta que o estado de emergência não pode ser usado para afastar a proibição da aplicação retroativa da lei penal e contraordenacional, através do alargamento de prazos de prescrição quanto a factos praticados antes do estado de emergência.
V - A Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, e a Lei n.º 4-B/2021, de 1 de fevereiro, ainda que estabeleçam medidas excecionais na situação de estado de emergência, não podem forçar a suspensão dos prazos prescricionais aos processos que têm por objeto factos praticados em momento anterior a cada um daqueles diplomas.
VI - A aplicação da causa de suspensão da contagem do prazo de prescrição por força da situação de emergência sanitária a processos em curso colide com o princípio da legalidade criminal - na vertente da proibição de aplicação retroativa da lei nova desfavorável ao arguido, princípio consagrado do artigo 29.º, n.º 4, da Constituição -, não se vendo razão para o afastar no domínio contraordenacional.
VII - Contudo, a verificada suspensão dos atos e prazos nos processos criminais e contraordenacionais, imposta pela Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, e posteriormente, pela Lei nº 4-B/2021, configura uma causa suspensiva da prescrição, por falta de autorização legal para o processo continuar, nos termos dos art. 27º A, al. a), do RGCO, e art.120º, nº1, al. a), do C. Penal.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo: 1056/21.8T9PVZ.P1

Acordam, em conferência, na Segunda Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto:

1. RELATÓRIO
Após realização da audiência de julgamento no Processo nº 1056/21.8T9PVZ do Juízo Local Criminal da Póvoa de Varzim, foi em 15-11-2021 proferida sentença, e na mesma data depositada, na qual – ao que aqui interessa - se decidiu:
- julgar totalmente improcedente o recurso interposto pelo arguido, mantendo, em consequência, a decisão administrativa que decidiu condená-lo, ademais, na sanção acessória de 30 dias de inibição de conduzir pela prática em 11/07/2018, de uma contraordenação ao disposto no artigo 69º nº 1 do Regulamento de Sinalização, punida nos termos das disposições conjugadas dos artigos 76º al. a), 138º nº1, 146º al. l) e 147º do Código da Estrada.

Inconformado com esta decisão, dela interpôs recurso o arguido, para este tribunal da Relação do Porto, com os fundamentos descritos na respetiva motivação e contidos nas seguintes “conclusões” (…)
Nestes termos e nos melhores de direito deve a sentença recorrida ser revogada e substituída por outro que deferia a impugnação do recurso contraordenacional e suspenda a execução da sanção acessória de inibição de conduzir, mediante a prestação de caução de boa conduta.
Sem prescindir;
E, ao abrigo do disposto nos arts. 27º-A, nºs 1, c) e 2 e 28º, nº 3 do RGCOC e 188º, nº 1 do C. da Estrada, declarar extinto, por prescrição, o procedimento por contraordenação rodoviária que nos autos é exercido contra o recorrente.
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O recurso apresentado pelo arguido foi regularmente admitido a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo.
Respondeu o Ministério Público junto do tribunal a quo às motivações de recurso vindas de aludir, entendendo que o recurso interposto pelo arguido deve ser julgado totalmente improcedente, mantendo-se integralmente a decisão recorrida.
Neste Tribunal da Relação, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no sentido de que o procedimento contraordenacional se encontra prescrito, devendo, em consequência, ser revogada a decisão recorrida e ser julgado extinto o procedimento.
Na sequência da notificação a que se refere o art. 417º, nº 2, do Código de Processo Penal, foi efetuado exame preliminar e, uma vez colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos à conferência.
Cumpre apreciar e decidir.
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2. FUNDAMENTAÇÃO
Sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, é pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação apresentada que se delimita o objeto do recurso e os poderes de cognição do Tribunal Superior - artigo 412.º, n.º 1, do Código de Processo Penal) [1].
O essencial e o limite de todas as questões a apreciar e a decidir no recurso, estão contidos nas conclusões, excetuadas as questões de conhecimento oficioso” – cfr. Ac. do STJ, de 15.04.2010, in http://www.dgsi.pt. [2].
Posto isto,
as questões submetidas ao conhecimento deste tribunal são:
i) - saber se o presente procedimento contraordenacional estava prescrito à data em que a sentença foi proferida ou se está prescrito atualmente.
ii) – saber se no caso vertente estão preenchidos os pressupostos legais para a aplicação da suspensão da execução da sanção acessória de inibição de conduzir imposta ao arguido, devendo por isso lançar-se mão de tal figura legal;
Com relevo para a resolução das questões objeto do recurso importa recordar
a fundamentação de facto da decisão recorrida, que é a seguinte (transcrição):
II - Fundamentação
1. Factos provados
1. No dia 11.07.2018, pelas 18h10, na Rua ..., Póvoa de Varzim, o recorrente conduzia o veículo automóvel ligeiro, com a matrícula ...-LE-..., não tendo parado perante a luz vermelha de regulação do trânsito antes de atingir a zona regulada pelo sinal.
2. Com a conduta descrita, o arguido revelou desatenção e irrefletida inobservância das normas de direito rodoviário, atuando com manifesta falta de cuidado e prudência que o trânsito de veículos aconselha e no momento se lhe impunham, agindo de forma livre e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e sancionada por lei contra-ordenacional.
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2. Factos não provados
Inexistem com relevância para a boa decisão da causa.
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3. Motivação
No caso dos autos, a prova dos factos supra elencados decorre da confissão dos mesmos por parte do recorrente que, expressamente, declarou não pretender impugnar a matéria factual, mas tão só a reponderação da sanção acessória aplicada (questão exclusivamente de direito).
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III - O Direito (…)
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Conhecendo as questões suscitadas, cumpre decidir.
1ª Da prescrição do procedimento contra-ordenacional
A questão aqui colocada, já conhecida em sede de primeira instância, consiste em saber se o presente procedimento contra-ordenacional estava prescrito à data em que a sentença foi proferida ou se está prescrito atualmente, matéria do conhecimento oficioso do tribunal.
Concretamente, alega o recorrente que, aquando da sentença recorrida, o procedimento contraordenacional, encontrava-se prescrito, por ter decorrido desde a data da alegada infração (11-07-2018) o prazo indicado nos artigos 27º e seguintes do RGCOC e artigo 188º do Código da Estrada.
Neste sentido recorda que os factos em causa remontam a 11-07-2018.
O prazo normal de prescrição do procedimento por contra-ordenação rodoviária é de dois anos (art. 188º, nº 1 do C. da Estrada), pelo que terminaria em 07 de julho de 2020.
Contudo, existindo causas de interrupção e de suspensão do prazo normal de prescrição, este não se verificou naquela data.
O arguido foi condenado por decisão da ANSR proferida em 26/07/2019, interrompendo-se a prescrição e iniciando-se a contagem de novo prazo de dois anos, ou seja até 26/07/2021 (art.28º, al.d), do RGCO).
Como o arguido foi notificado da decisão condenatória da autoridade administrativa em 09/08/2019, interrompeu-se novamente a prescrição e iniciou-se a contagem de novo prazo de dois anos, ou seja até 09/08/2021 (art.188º, nº2, do Código da Estrada.
A decisão final do recurso foi proferida em julgamento no dia 15/11/2021, tendo sido o arguido pessoalmente notificado da mesma nessa data. Com a notificação desta decisão judicial interrompeu-se novamente a prescrição e iniciou-se a contagem de novo prazo de dois anos, ou seja, até 15/11/2023 (art.28º, nº1, alínea a), do RGCO).
A questão colocada consiste em saber – repito - se até 09/08/2021 se verificou alguma causa de suspensão do procedimento contraordenacional, entre as previstas nas als. a) e b) do citado artigo 27º-A.
Entendeu negativamente o Ministério Público, já nesta instância de recurso, concluindo que aquando da notificação do despacho que procedeu ao exame preliminar do recurso da decisão da autoridade administrativa – 20/09/2021 – já se havia esgotado o prazo de dois anos contado deste a última interrupção da prescrição. Daí que, no seu entendimento, o procedimento contraordenacional prescreveu em 09/08/2021.
Vejamos as incidências processuais relevantes para o conhecimento da questão suscitada:
1. Em causa a prática, em 11/07/2018, de uma contraordenação ao disposto no artigo 69º nº 1 do Regulamento de Sinalização, punida nos termos das disposições conjugadas dos artigos 76º al. a), 138º nº 1, 146º al. l) e 147º do Código da Estrada.
2. O arguido pagou voluntariamente a coima e por decisão da ANSR proferida em 26/07/2019, notificada ao arguido em 09/08/2019, foi-lhe aplicada a sanção acessória de inibição de conduzir, especialmente atenuada nos termos do artigo 140º do Código da Estrada, pelo período de 30 dias.
3. Em 29/08/2019 o arguido interpôs recurso jurisdicional da decisão da autoridade administrativa.
4. Recurso este que deu entrada no Ministério Público, na Póvoa de Varzim, em 26/07/2021, tendo sido examinado pelo juiz por despacho de 14/09/2021, notificado ao arguido em 20/09/2021. A decisão final do recurso foi proferida em 15/11/2021, tendo sido o arguido pessoalmente notificado da mesma nessa data.
A indagação dessa causa suspensiva interessa especialmente para efeitos do disposto no nº3 do art. 28º do RGCOC que estabelece a prescrição do procedimento sempre que, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo normal acrescido de metade.
Assim, verificada a contra-ordenação em 11 de julho de 2018, o respetivo procedimento contraordenacional prescreveria no dia 11 de julho de 2021.
Conclui o recorrente que, à data da sentença recorrida, em 15 de novembro de 2021, já se encontrava esgotado o prazo máximo legalmente admissível de prescrição, de 3 anos, pelo que – no entender do recorrente - se impõe declarar extinto o respetivo procedimento.
Cumpre apreciar.
A questão que aqui se coloca consiste em saber se até 11 de julho de 2021 ocorreu alguma causa de suspensão da prescrição.
Vejamos.
Os factos integradores da contra-ordenação imputada ao arguido ocorreram a 11 de julho de 2018, sendo certo que, nos termos do disposto no art. 188º do Código da Estrada, o procedimento contra-ordenacional respetivo prescreve em 2 anos.
No caso vertente a prescrição do procedimento interrompeu-se, para além do mais, a 26 de julho de 2019, com a prolação da decisão final administrativa, pelo que o prazo de prescrição começou então contar de novo desde o seu início, o que significa que prescreveria a 26 de julho de 2021.
De qualquer modo, de acordo com a limitação prevista no art. 28º, nº 3, do R.G.C.O. [Regime Geral das Contra-Ordenações], o prazo máximo de prescrição (3 anos) ocorreria até 11 de julho de 2021, ressalvado o tempo de suspensão.
Entendeu o tribunal a quo no seu despacho de 11.10.2021, acompanhado pela resposta do Ministério Público na primeira instância, terem até então ocorrido duas causas de suspensão:
- uma delas decorrente das alterações legislativas implementadas com a crise pandémica causada pelo SARS-COV-2 em 2020 e em 2021 [estabelecidas com Lei nº 1-A/2020 de 19 de Março - mais precisamente no art. 7º, nº 3, desta Lei com as subsequentes alterações do art. 6º, nº 2, da Lei 4-A/2020 de 6 de Abril e do art. 8º da Lei nº 16/2020 de 29 de Maio - e no art. 4º da Lei nº 4-B/2021 de 01 de Fevereiro -mais precisamente no art. 4º desta Lei juntamente com as alterações dos arts. 6º-B à Lei nº 1-A/2020 e dos arts. 5º e 6º da Lei nº 13-B de 5 de Abril];
- outra, prevista no art. 27º-A, alínea b), do R.G.C.O., a qual se estende até um máximo de 6 meses (cfr. artigo 27º-A, nº2, do R.G.C.O.), e cuja contagem se iniciou com a prolação do despacho que admitiu a impugnação judicial da decisão administrativa, proferido a fls. 23 destes autos no dia 14 de setembro de 2021 (referência: 427887038).
Cumpre conhecer cada uma destas causas de suspensão.
Da suspensão da prescrição: COVID
A questão central que aqui se coloca consiste em saber se a suspensão da prescrição estabelecida pela Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março [3], e pela Lei n.º 4-B/2021, de 01 de fevereiro, é aplicável a factos pretéritos, como aqueles reportados ao dia 11 de julho de 2018.
O disposto nos n.ºs 3 e 4 do artigo 7.º da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, que aqui nos ocupa, com respeito à suspensão dos prazos de prescrição e caducidade, não foi objeto de modificação pela Lei n.º 4-A/2020, de 6 de abril.
Subsequentemente, pela Lei n.º 16/2020, de 6 de maio, veio a ser alterada, pela quarta vez, a Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, que, por efeito dos seus artigos 2.º e 8.º, revogou o artigo 7.º deste último diploma.
As alterações introduzidas pela Lei n.º 16/2020, de 29 de maio, entraram em vigor no dia 3 de junho de 2020, pelo que, para o que releva para a presente decisão, da conjugação dos diplomas acima escrutinados resulta que o período da suspensão dos prazos de prescrição e caducidade originariamente estatuída na Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, vigorou entre 9 de março de 2020 e 3 de junho de 2020, ou seja, 86 dias. ‎
Por força do artigo 6º-B, nº3, da Lei nº 4-B/2021, de 01/02, ocorreu nova suspensão relativa no período temporal de 22/01/2021 a 05/04/2021 [4], num total de 73 dias.
Não obstante não ter havido encurtamento ou ampliação do prazo de prescrição previsto no regime geral em vigor à data da prática da infração, a modificação legal dos factos interruptivos ou suspensivos que resultaram daquelas alterações influi na contagem concreta do prazo de prescrição do procedimento, visto que as concretas causas de interrupção e de suspensão constituem fatores imprescindíveis a ter em conta na determinação do prazo máximo de prescrição do procedimento.
Ora, as normas de prescrição reportam-se ao regime substantivo do facto criminoso ou contraordenacional, não podendo, por força do princípio da legalidade, ser aplicadas de forma retroativa aos crimes aqui julgados (salvo se tal regime se mostrar concretamente mais favorável à arguida – art. 2.º, n.º 1 e 4 do Código Penal e art.2º do RGCO e art.29º, nº1 e 4, da CRP.
Os novos prazos de prescrição e causas de interrupção e suspensão da prescrição do procedimento criminal e das penas e medidas de segurança, bem assim do procedimento contraordenacional e das coimas, sendo prejudiciais ao arguido, pois alargará necessariamente tais prazos de prescrição, apenas poderá ser aplicada para os factos praticados na sua vigência, o que não é o caso dos autos, sob pena de conferir-lhe um efeito retroativo proibido, em violação do disposto no artigo 29.º, n.º 4, da CRP.
Na doutrina prevalece largamente o entendimento de que às regras referentes ao regime da prescrição do procedimento criminal são aplicáveis as garantias previstas no artigo 29.º da CRP, no tocante à retroatividade da lei penal. Ou seja, às normas relativas a prazos de prescrição, causas de interrupção ou de suspensão, e efeitos da prescrição são aplicáveis as regras vigentes à data da prática da conduta (tempus delicti), proibindo-se a aplicação retroativa das que sejam menos favoráveis ao agente e impondo-se a aplicação retroativa dos regimes mais favoráveis.
O artigo 19.º, nº6, da CRP, expressamente estabelece que «[a] declaração do estado de sítio ou do estado de emergência em nenhum caso pode afetar […] a não retroatividade da lei criminal, o direito de defesa dos arguidos […]», tendo o mesmo ficado consagrado no n.º 1 do artigo 2.º da Lei n.º 44/86 [5].
Semelhante entendimento resulta da declaração de voto exarada no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 660/2021, onde se refere: «O princípio da proibição de aplicação retroativa da lei nova desfavorável ao arguido é valorado de uma forma especial pelo nosso legislador constituinte, sendo tão importante que nem em situação de estado de sítio ou de emergência pode ser suspendido no que respeita a matéria criminal, como decorre do artigo 19.º, n.º 6, da Constituição – que refere que «A declaração do estado de sítio ou do estado de emergência em nenhum caso pode afetar (…) a não retroatividade da lei criminal» Esta proibição inclui todas as dimensões de retroatividade, abrangendo também, naturalmente, a aplicação a processos já pendentes de uma nova causa de suspensão do prazo de prescrição cujo termo não se mostre ainda atingido (a designada retrospetividade ou retroatividade inautêntica)”.
Daqui resulta que o estado de emergência não pode ser usado para afastar a proibição da aplicação retroativa da lei penal e contraordenacional, através do alargamento de prazos de prescrição quanto a factos praticados antes do estado de emergência.
A Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, e a Lei n.º 4-B/2021, de 1 de fevereiro, ainda que estabeleçam medidas excecionais na situação de estado de emergência, não podem forçar a suspensão dos prazos prescricionais aos processos que têm por objeto factos praticados em momento anterior a cada um daqueles diplomas.
No domínio da sucessão de leis penais no tempo, quer a lei nova se trate de lei temporária ou não, a sua aplicação não pode afastar-se do princípio da não retroatividade da lei penal, corolário do princípio da legalidade, nem se sobrepor à aplicação do regime penal mais favorável ao arguido.
Neste sentido concluiu a jurisprudência do Ac RC
07-12-2021 (Maria José Nogueira), AC RG 25-01-2021 (Cândida Martinho), RL 9.03.2021 (Vieira Lamim), RE 23.02.2021 (António Condesso), RL 24.07.2020 (Jorge Gonçalves) e RL 21.07.2020 (Ana Sebastião), todos in
www.dgsi.pt.
Também assim a doutrina seguida por José Joaquim Fernandes Oliveira Martins, Juiz de Direito, em “A Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março - uma primeira leitura e notas práticas” e em “Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, e a terceira vaga da pandemia COVID-19”, in Julgar online, março de 2020 e fevereiro de 2021, respetivamente, página 7 e página 8.
Do mesmo modo defenderam Rui Cardoso e Valter Baptista, in «Estado de Emergência — COVID-19 — Implicações na Justiça - Jurisdição Penal e Processual Penal», Centro de Estudos Judiciários, abril de 2020, páginas 533 a 536.
Também assim Germano Marques da Silva («Ética e estética do processo penal em tempo de crise pandémica», in Revista do Ministério Público, número especial COVID-19: 2020, páginas 109 a 127) e Adriano Squilacce e Raquel Cardoso Nunes, in “A suspensão dos prazos de prescrição em processo penal e contraordenacional por efeito da legislação covid-19” [6], disponível em https://www.uria.com/documentos/publicaciones/7446/documento/foro-port04.pdf?id=12274.
Em sentido contrário encontramos o Ac RL 4.12.2020 (processo 164/19.0YUSTR.L1) e o Ac RL 11-02-2021 (Almeida Cabral) www.dgsi.pt, concluindo que “não se está, aqui, perante uma sucessão de leis penais, mas, antes, perante um “regime temporário de excepção”, o qual, decorrido o tempo, ou deixadas de verificar as circunstâncias que o haviam determinado, cessará todos os seus efeitos, conforme o previsto no n.° 2 do citado art. 7.°, fazendo com que o anterior “regime” retome a sua vigência e normalidade. Finalmente, também não se poderá dizer que a suspensão do prazo de prescrição previsto no art.º 7.º, n.º 3 da Lei n.º 1-A/2020 se traduz numa decisão mais gravosa para o arguido. É que o prazo de prescrição da pena mantém-se rigorosamente o mesmo, antes e depois da vigência da citada lei. A única diferença é que, esta, por razões de superior interesse público, suspendeu-o temporariamente, para voltar, depois, a correr”.
Também o Tribunal Constitucional foi chamado a pronunciar-se sobre a (in)constitucionalidade da norma extraível da conjugação do artigo 7.º, n.ºs 3 e 4, da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, e do artigo 6.º, n.º 2, da Lei n.º 4-A/2020, de 6 de abril, segundo a qual a causa de suspensão dos prazos de prescrição do procedimento contraordenacional estabelecida no sobredito artigo 7.º, n.º 3, é aplicável aos prazos (de prescrição) que, à data da entrada em vigor da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, se encontravam já em curso.
Considerou que a suspensão do prazo prescricional prevista no artigo 7.º, n.ºs 3 e 4, da Lei n.º 1-A/2020, configura uma medida, entre várias, tomadas no âmbito da legislação de emergência para fazer face à situação pandémica, que originou o estado de exceção constitucional. O período que mediou entre 9 de março (Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março) e 3 de junho de 2020 (Lei n.º 16/2020, de 29 de maio) foi tido como causa de suspensão do prazo prescricional de procedimentos criminais (e contraordenacionais), em grande medida como decorrência da paralisação da atividade judiciária lato sensu durante esse período.
Numa lógica de diferenciação entre tipos de retroatividade no domínio penal, distinguindo os conceitos de retroatividade direta ou de primeiro grau e “retrospetividade”, também conhecida por “retroatividade inautêntica”, (nesta última a norma não se aplica retractivamente – aplica-se para o futuro a processos crimes ainda pendentes, embora resultantes de crimes cometidos no passado), o Acórdão TC n.º 500/2021, de 9 de Junho de 2021, acompanhado pelos Ac.s TC nº660/2021, de 29 de julho, e Acórdão n.º 798/2021, de 21 de outubro, decidiu: “Não julgar inconstitucional o artigo 7.º, n.ºs 3 e 4, da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, interpretado no sentido de que a causa de suspensão do prazo de prescrição do procedimento contraordenacional aí prevista é aplicável aos processos a correr termos por factos cometidos antes do início da respetiva vigência”, cuja interpretação tem inteira aplicação, também, à prescrição do procedimento criminal, conforme referido no texto desse acórdão no seu ponto 31.
Baseado na razão de ser desta causa de suspensão, derivada, única e exclusivamente, da situação imprevisível de emergência sanitária que originou o estancamento da atividade judiciária, por um determinado período, o Tribunal Constitucional entendeu que a intenção do legislador foi “a aplicação desta causa de suspensão da prescrição a processos em curso, aquando da sua entrada em vigor, isto é, a factos cometidos antes dessa data, por serem esses mesmos procedimentos que sofreram uma “torção” na sua tramitação com a sustação da respetiva tramitação (ac TC nº660/2021).
Mais concluiu o TC que “a aplicação imediata desta causa de suspensão a processos em curso não colide com as garantias asseguradas pelo princípio da proibição da aplicação retroativa da lei penal, quando, como é o caso, no momento da sua entrada em vigor, o prazo de prescrição já se tinha iniciado e, apesar de se encontrar em curso, não se havia ainda extinto” (ac TC nº 660/2021), juízo de não inconstitucionalidade cujos argumentos são replicáveis para os procedimentos de natureza contraordenacional ” ( ac TC 500/2021 e ac TC nº 660/2021) [7].
Ora, salvo melhor opinião, a jurisprudência vemos defendida pelos acórdãos do TC nº 500/2021, TC nº660/2021 e TC nº n.º 798/2021 afronta claramente a proteção do princípio da proibição da aplicação retroativa da lei criminal in pejus, ao considerar que está fora do âmbito de proteção daquele princípio a aplicação imediata de uma nova causa de suspensão a processos em curso quando no momento da sua entrada em vigor, o prazo de prescrição já se tenha iniciado, mas ainda não se mostre extinto.
De resto, o Plenário do TC nos Acórdãos n.ºs 231/2021, 232/2021 e 319/2021, proferidos em matéria contraordenacional, estando também em causa a introdução de novas causas, bem como a eliminação de outras, de suspensão do prazo de prescrição do procedimento que ainda não atingira o seu termo, considerou que «as normas sobre prescrição do procedimento, para além da indiscutível vertente processual, têm natureza substantiva [o que] determina, no domínio da aplicação da lei no tempo, a sujeição das respetivas normas ao princípio da aplicação retroativa do regime concretamente mais favorável ao agente da infração [significando] que não pode ser aplicada lei sobre prescrição que se revele, em concreto, mais gravosa do que a vigente à data da prática dos factos, bem como deve ser aplicado retroativamente o regime prescricional que eventualmente se mostre, em concreto, mais favorável» (ponto 5).
Independentemente das razões de emergência sanitária que estiveram na base da criação de uma nova causa de suspensão, aquele entendimento afronta a jurisprudência consolidada, inclusivamente do Tribunal Constitucional, segundo a qual as normas relativas à prescrição, seus prazos e causas de suspensão ou interrupção do procedimento criminal se inserem nas designadas “normas processuais materiais” [8] e, por isso, também elas vinculadas ao princípio da legalidade (por comportarem elementos relativos à punibilidade do agente), impondo o art. 19º, nº6, da C.R.P. limites claros à suspensão do exercício de direitos, especialmente à retroatividade da lei criminal, ainda que em estado de emergência.
De resto, a referência expressa neste art.19º, nº6, à retroatividade da lei criminal não pode deixar de abranger, atenta a sua conexão com o direito penal substantivo, os ilícitos de mera ordenação social, como não os excluem, na interpretação uniforme da doutrina e jurisprudência, os art.s 29º e 32º.
Basta atentar na sua epigrafe para perceber que o legislador constituinte faz uma referência genérica à lei e processo criminal, neles incluído, a passos, o direito das contraordenações, domínio onde são indiscutivelmente aplicáveis, segundo a doutrina e jurisprudência, a generalidade dos princípios estruturantes e garantias processuais neles consagrados, inclusivamente o da proibição da aplicação retroativa da lei criminal in pejus, apesar de nenhuma referência expressa ali existir ao direito das contraordenações, com ressalva do art.32º, nº10.
De outro jeito, em estado de emergência, estaria também aberta a possibilidade de aplicação de normas de conteúdo sancionatório contraordenacional com efeitos retroativos, em clara violação do art.29º, nº4, e mesmo do art.18º, nº3, da C.R.P. [9], e do art.7º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
A aplicação da causa de suspensão da contagem do prazo de prescrição por força da situação de emergência sanitária a processos em curso colide com o princípio da legalidade criminal - na vertente da proibição de aplicação retroativa da lei nova desfavorável ao arguido, princípio consagrado do artigo 29.º, n.º 4, da Constituição [10], não se vendo razão para o afastar no domínio contraordenacional.
Mas, sendo assim, não operando esta causa suspensiva determinada por razões de emergência sanitária, ao tempo do despacho de admissão da impugnação judicial da decisão administrativa, cumpriria declarar verificado o prazo máximo de prescrição de três anos, com as consequências legais em matéria de extinção do procedimento contraordenacional.
Contudo, diferente desta, outra causa suspensiva se verifica, relacionada com a paralisação legal da generalidade dos atos e prazos processuais e procedimentais, no domínio criminal e contraordenacional, primeiramente, por força dos nºs 1 e 6, do artigo 7.º da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, entre 9 de março de 2020 e 3 de junho de 2020 [11], ou seja, 86 dias.
Por força do artigo 6º-B, nº1, e artigo 6º-C, nº1, al.b), da Lei nº 4-B/2021, de 01/02, ocorreu nova suspensão no período temporal de 22/01/2021 a 05/04/2021 [12], num total de 73 dias.
Durante estes dois períodos o procedimento contraordenacional não podia continuar por falta de autorização legal, ante a paralisação imposta por lei para os atos e prazos a decorrer na administração, no Ministério Público e nos tribunais.
O prazo de prescrição suspendeu-se durante o período em que não foi autorizado legalmente o andamento do processo, ou seja, levantado legalmente o obstáculo legal da suspensão dos atos e prazos no procedimento contraordenacional.
A razão de ser desta suspensão baseia-se, como foi o caso, na existência de um obstáculo previsto na lei, de carácter geral, ao inicio ou continuação do procedimento contraordenacional, “o qual suspende o respetivo prazo de prescrição do procedimento mal o obstáculo legal produza os seus efeitos” [13].
Ora, aplicando ao caso o regime da suspensão previsto no art. 27º A, al.a) do RGCO, correspondente ao art.120º, nº1, al.a),do C. Penal [14], já que os procedimentos criminal e contraordenacional não podiam legalmente continuar por falta de autorização legal, essa suspensão limitou-se ao período de 86 + 73 dias, sendo aquela uma causa de suspensão da prescrição do procedimento criminal expressamente contemplada na lei ao tempo dos factos e, por isso, a coberto do princípio da legalidade e não retroatividade da lei penal e contraordenacional
Como sobredito o prazo máximo de prescrição (art.28º, nº3, do RGCO) terminaria em 11 de julho de 2021.
Contudo, ressalvados aqueles 159 (86 + 73) dias de suspensão, esse prazo prorrogou-se até ‎ ‎17‎ de ‎dezembro‎ de ‎2021.
Contudo, como adiante se verá, outra causa de suspensão ocorreu, entretanto.

Da suspensão da prescrição: admissão da impugnação judicial (…)
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2ª Da suspensão da execução da sanção acessória de inibição de conduzir (…)
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3. DECISÃO
Nesta conformidade, acordam os juízes desta Segunda Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto em negar provimento ao recurso e em consequência confirmar a decisão recorrida.

Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 (quatro) UC (arts. 513º, nº 1, do CPP, ex vi do art. 74º, nº 4 do RGCO e 8º, nº 9, do RCP e tabela III anexa).

Notifique.

Acórdão elaborado pelo primeiro signatário em processador de texto que o reviu integralmente (art. 94º nº 2 do CPP), sendo assinado pelo próprio e pelo Excelentíssimo Juiz Adjunto.

Porto, 9.03.2022
João Pedro Pereira Cardoso
Raúl Cordeiro
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[1] Diploma a que se referem os normativos legais adiante citados sem indicação da respetiva origem.
[2] Como é jurisprudência pacífica, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso – detecção de vícios decisórios ao nível da matéria de facto emergentes da simples leitura do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, referidos no art. 410.º, n.º 2, do CPP – Ac. do Plenário da Secção Criminal n.º 7/95, de 19-10-95, Proc. n.º 46580, publicado no DR, I Série-A, n.º 298, de 28-12-95, que fixou jurisprudência então obrigatória (É oficioso, pelo tribunal de recurso, o conhecimento dos vícios indicados no art. 410.º, n.º 2, do CPP, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito) e verificação de nulidades que não devam considerar-se sanadas, nos termos dos arts. 379.º, n.º 2, e 410.º, n.º 3, do CPP – é pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação, onde sintetiza as razões do pedido (art. 412.º, n.º 1, do CPP), que se delimita o objecto do recurso e se fixam os limites do horizonte cognitivo do Tribunal Superior. O STJ apenas pode sindicar a existência de eventuais nulidades, insanáveis, ou por omissão ou excesso de pronúncia, ou de produção de prova, ou meios de obtenção de prova, proibidos por lei (art. 410.º, do CPP) – cfr. STJ 2016-11-23 (PIRES DA GRAÇA) in www.dgsi.pt
[3] Cfr. art. 7.º, n.º 3 da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, na sua versão original, que declarou suspensos os prazos de prescrição do procedimento criminal, aplicável com as necessárias adaptações a “procedimentos contraordenacionais”, por força da remissão do nº6, do art.7º, o mesmo se passando com o art. 6.º-B, n.º 3 da referida lei, na redação conferida pela Lei n.º 4-B/2021, de 01 de fevereiro.
[4] No que ao caso interessa a Lei n.º 4-B/2021, de 1 de fevereiro, no seu artigo 6.º-B, n.º 1, veio suspender todas as diligências e todos os prazos para a prática de atos processuais, procedimentais e administrativos que devam ser praticados no âmbito dos processos e procedimentos que corram termos nos tribunais judiciais e Ministério Público.
E o artigo 6.º-C, no seu nº1, alínea b), veio suspender os prazos para a prática de atos em procedimentos contraordenacionais.
Apesar da entrada em vigor no dia seguinte ao da sua publicação (artigo 5.º), a produção dos seus efeitos retroagiu à data de 22 de janeiro de 2021 (artigo 4.º).
Tais prazos apenas deixaram de estar suspensos até 5 de abril de 2021, uma vez que os referidos artigos 6.º-B e 6º-C, foram revogados pelo artigo 6.º da Lei n.º 13-B/2021, de 05 de abril, e cuja entrada em vigor se deu a 06 de abril de 2021 (artigo 7.º).
[5] Neste sentido são também claros os Decretos do Presidente da República n.º 14-A/2020, de 18 de março, que declarou o estado de emergência (artigo 5.º, n.º 1), 17-A/2020, de 2 de abril (artigo 7.º, n.º 1), e 20-A/2020, de 17 de abril (artigo 6.º, n.º 1), que o renovaram.
[6] Concluindo que “o facto de a Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, e de a Lei n.º 4-B/2021, de 1 de fevereiro, corresponderem a leis temporárias não altera a circunstância de o alargamento de prazos prescricionais, que foi ditado por uma lei nova, não poder ser aplicado retroativamente. Isto porque o problema de fundo continua a ser um problema de sucessão de leis no tempo. Ora, estando em causa um problema de sucessão de leis no tempo, vigora o princípio da não aplicação retroativa da lei penal, em especial na vertente da não aplicação ao agente de um regime legal mais desfavorável do que aquele que vigorava ao tempo da prática do facto. A circunstância de a Lei n.º 1-A/2020 (incluindo as suas sucessivas alterações, nomeadamente pela Lei n.º 4-B/2021) ser uma lei temporária significa apenas que, aos factos praticados durante a sua vigência, aplicar-se-ão as regras prescricionais aí definidas (cfr. artigo 2.º, n.º 3, do Código Penal e artigo 3.º, n.º 3, do Regime Geral das Contraordenações).Ou seja, quando estão em causa questões substantivas, mesmo a lei temporária vale, única e exclusivamente, para o futuro e não para o passado”.
[7] No mesmo sentido, o aresto vindo de referir, cita GIAN LUIGI GATTA, segundo o qual “quando o prazo de prescrição não tenha ainda atingido o seu fim, ao determinar o prolongamento – como no caos da suspensão motivada pela pandemia –, a lei superveniente não torna punível um facto não punível: ela limita-se a conceder ao Estado, por qualquer motivo, neste caso por força de uma emergência sanitária, mais tempo para apurar os factos e a responsabilidade criminal. O direito de defesa não resulta, de modo algum, comprometido e o Estado não abusa do poder punitivo, nem frustra aquela exigência de previsibilidade das consequências da violação da norma penal: como mostra a própria disciplina da prescrição do crime (…) o momento em que se cumpre a prescrição é, na verdade, variável e em boa medida imprevisível antes da prática do facto, quando o agente nem sequer sabe se alguma vez será alvo de um procedimento criminal (cfr. “Lockdown da justiça penal, suspensão da prescrição do crime e princípio da irretroatividade: um curto-circuito”, in Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Separata, Ano 30, n.º 20, maio-agosto 2020, Gestlegal, pág. 312 e 313).
[8] Também assim o AUJ do STJ nº4/2011, de 13 de janeiro, in Diário da República n.º 30/2011, Série I de 2011-02-11, páginas 769 - 780: “Na discussão sobre a natureza jurídica da prescrição, centrada na prescrição do procedimento criminal, domina, actualmente, uma concepção mista que vê na prescrição um instituto jurídico tanto substantiva como processualmente relevante e fundado
[9] Com o entendimento que o princípio da proibição da retroatividade de normas contraordenacionais não decorre do art.29º, nº4, mas sim do art.18º, nº3, da C.R.P. veja-se o ac TC 608/2013 (Cons. Maria de Fátima Mata-Mouros).
[10] Neste sentido, a declaração de voto constante do ac TC nº660/2021 (Cons. Maria de Fátima Mata-Mouros), embora restrita aos processos de natureza criminal, por aceitar que a norma em causa não é inconstitucional em matéria contraordenacional.
[11] Por foça das alterações introduzidas pela Lei n.º 16/2020, de 29 de maio, veio a ser modificada, pela quarta vez, a Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, que, por efeito dos seus artigos 2.º e 8.º, revogou o artigo 7.º deste último diploma e aditou um regime transitório dirigido à realização de audiências de discussão e julgamentos e outras diligências processuais (cfr. artigo 6.º-A, n.ºs 1 a 5), mantendo, ainda assim, um conjunto de prazos processuais suspensos (cfr. artigo 6.º-A, n.º 6).
As alterações introduzidas pela Lei n.º 16/2020, de 29 de maio, entraram em vigor no dia 3 de junho de 2020 (art.10º), pelo que, para o que releva para a presente decisão, da conjugação dos diplomas acima escrutinados resulta que o período da suspensão dos atos e prazos processuais e procedimentais estatuída na Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, vigorou – como sobredito - entre 9 de março de 2020 e 3 de junho de 2020, ou seja, 86 dias. ‎
[12] No que ao caso interessa a Lei n.º 4-B/2021, de 1 de fevereiro, no seu artigo 6.º-B, n.º 1, veio suspender todas as diligências e todos os prazos para a prática de atos processuais, procedimentais e administrativos que devam ser praticados no âmbito dos processos e procedimentos que corram termos nos tribunais judiciais e Ministério Público.
E o artigo 6.º-C, no seu nº1, alínea b), veio suspender os prazos para a prática de atos em procedimentos contraordenacionais.
Apesar da entrada em vigor no dia seguinte ao da sua publicação (artigo 5.º), a produção dos seus efeitos retroagiu à data de 22 de janeiro de 2021 (artigo 4.º).
Tais prazos apenas deixaram de estar suspensos até 5 de abril de 2021, uma vez que os referidos artigos 6.º-B e 6º-C, foram revogados pelo artigo 6.º da Lei n.º 13-B/2021, de 05 de abril, e cuja entrada em vigor se deu a 06 de abril de 2021 (artigo 7.º).
[13] Tiago Lopes de Azevedo, in Lições de direito das contraordenações, Almedina, 2020, pg.223
[14] No direito comparado encontramos paralelo deste segmento normativo no código penal alemão (§ 78b num.2) e no código penal italiano (art.159º).