Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
877/15.5PCMTS.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ERNESTO NASCIMENTO
Descritores: CRIME
FURTO QUALIFICADO
INTRODUÇÃO EM QUARTO DE MOTEL
SUBTRACÇÃO
Nº do Documento: RP20170524877/15.5PCMTS.P1
Data do Acordão: 05/24/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: PROVIMENTO PARCIAL
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTO N.º 718, FLS.335-345)
Área Temática: .
Sumário: Comete o crime de furto qualificado p.p. pelo artº 204º, nº1, al. f) CP (introdução ilegítima em espaço fechado) o hóspede de um motel, que se introduz num outro quarto desocupado do mesmo motel, sem para tal estar autorizado e dali retira um televisor dele se apropriando.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo Comum Singular 877/15.5PCMTS da Comarca do Porto, Matosinhos, Instância Local, Secção Criminal, J1
Relator - Ernesto Nascimento
Adjunto – José Piedade

Acordam, em conferência, na 2ª secção criminal do Tribunal da Relação do Porto
I. Relatório
I. 1. Efectuado o julgamento, veio a proferir-se sentença, através da qual foi o arguido B… condenado pela prática de um crime de furto qualificado na forma tentada, p. e p. pelos artigos 22.º/1 e 2, 23.º/1 e 2, 203.º/1 e 204.º/1 alínea f) C Penal, na pena de 3 meses de prisão, substituída por 90 dias de multa, à taxa diária de €6,00, no montante global de €540,00.
I. 2. Inconformado, com o assim decidido, recorre o arguido, pugnando pela revogação da sentença e pela sua consequente absolvição, rematando a motivação com as conclusões que se passam a transcrever:
1. por sentença proferida no âmbito do processo 877/15.5PCMTS que correu termos na Comarca do Porto, Matosinhos, Juízo Local Criminal, foi condenado pela prática de um crime de furto qualificado na forma tentada, na pena de 3 meses de prisão substituída por 90 dias de multa, à taxa diária de €6,00, no montante global de €540,00. Entende o recorrente existir uma alteração não substancial dos factos que não lhe foi comunicada:
2. o tribunal teve em consideração os testemunhos dos agentes da PSP, os quais se revelam em determinado momento contraditórios, nos quais os factos ora relatados por estes constituem uma versão dos factos relatados por terceiros;
3. considera o recorrente que o depoimento da testemunha C… não poderia ser valorado em virtude do mesmo não ter presenciado os factos, aliás como o mesmo confirmou;
4. quanto à testemunha D…, o recorrente não percebe como consegue o tribunal a quo ter em conta o depoimento desta testemunha fazendo referencia a determinada expressão na sentença proferida “por fim e de relevante, considerou-se o depoimento da testemunha D… que, apesar da dificuldade em expressar-se, deixou claramente perceber …”;
5. bem, não se entende os parâmetros aplicados pelo tribunal a quo para a apreciação daquele depoimento que apesar da dificuldade, deixou claro que aquela testemunha não foi quem relatou os factos aos agentes da PSP, que confirmou que os quartos estavam abertos e que não viu o arguido com nenhum televisor, nem sequer sabia onde aquele objecto se encontrava;
6. como foi possível de confirmar a testemunha E…, ainda que pouco credível, confirmou o regresso para o motel à procura de um telemóvel, bem como confirmou que não foi descoberto nenhum televisor, pelo menos, onde o mesmo se encontrava e ainda confirmou o pagamento de, pelo menos, 2 quartos;
7. assim sendo, não poderá o arguido ser condenado pela prática de uma tentativa de furto qualificado. Senão vejamos;
8. o crime de furto qualificado pressupõe que o espaço seja fechado, no entanto os quartos nos presentes autos estavam abertos, conforme depoimentos das testemunhas,
9. é pressuposto, que o agente permaneça aí às escondidas, também tal não aconteceu, porquanto o mesmo nunca fez questão de permanecer desse modo, tendo inclusive voltado para o motel uma 2.ª vez;
10. o tribunal a quo, ainda que considerasse que mesmo assim existia indícios da prática de tal crime, deveria ter ponderado que exista uma certa dúvida quanto aos factos descritos e absolver o arguido da prática dos mesmos, devido às contradições existentes, por remissão ao abrigo do disposto no artigo 32.º/2, 1.ª parte da CRP, o qual faz referência ao princípio in dubio pro reo, o qual constitui uma imposição dirigida ao julgador no sentido de se pronunciar de forma favorável ao arguido, quando não tiver certeza sobre os factos decisivos para a decisão da causa; como tal, é um princípio que tem a ver com a questão de facto, não tendo aplicação no caso de alguma dúvida assaltar o espírito do juiz acerca da matéria de direito:
11. no mais o tribunal a quo não teve em consideração o facto de o recorrente ser primário quanto a este crime, pressupondo que o mesmo já tinha cometido este tipo de crime, o que tal não acontece, para tal deveria ter consultado o seu registo criminal;
12. aplicando deste modo uma pena de forma excessiva e não ponderando todos os elementos essenciais de que fazem uma pena justa, violando desse modo o princípio da justa medida da pena;
13. a sentença proferida violou as seguintes normas jurídicas:
- artigo 204.º alínea f) C Penal, porquanto não preenche os pressupostos daquele normativo legal;
- artigo 358.º/1 e 3 C P Penal, a qual faz alusão à alteração da qualificação jurídica que deveria ter existido;
- artigo 18.º parte final da CRP, no sentido de o tribunal a quo condenou excessivamente o recorrente por não ter em consideração o facto do mesmo ser primário;
- artigo 32.º, 1.ª parte da CRP porquanto deveria o tribunal a quo ter considerado que existiam sérias dúvidas quanto aos factos relatados;
- artigo 70.º e 71.º C Penal, alusivos ao critério de escolha da pena e determinação da mesma, a qual deveria de colher o facto do recorrente não ter perpetrado o mesmo crime pelo qual vem condenado.

I. 3. Na resposta, o Exmo. Sr. Magistrado do MP pugna pelo parcial provimento do recurso, por efeito do que se deve rectificar o facto julgado como provado no ponto 8. e ser o arguido assim condenado na pena de 180 dias de multa à taxa diária de €6,00, no montante global de €1.080,00.

II. 1. Subidos os autos a este Tribunal o Exmo. Sr. Procurador Geral Adjunta, pronunciou-se, igualmente, no mesmo sentido da resposta, ressalvada, no entanto a possibilidade de aplicação de pena mais gravosa, por efeito do princípio da proibição da reformatio in pejus.
Proferido despacho preliminar e colhidos os vistos legais, vieram os autos à conferência e dos correspondentes trabalhos resultou o presente Acórdão.
III. Fundamentação
III. 1. Tendo presente que o objecto dos recursos é balizado pelas conclusões da motivação apresentada pelo recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas - a não ser que sejam de conhecimento oficioso - e, que nos recursos se apreciam
questões e não razões, bem como, não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido, então, as questões suscitadas no presente são, a de saber se,
a sentença é nula;
deveria o tribunal ter lançado mão do princípio geral da prova em processo penal do in dubio pro reo;
a subsunção dos factos ao direito se mostra correcta e adequada e, a pena é excessiva.
III. 2. Vejamos, então, para começar, a matéria de facto definida pelo Tribunal recorrido.
FACTOS PROVADOS
1. Pelas 7 horas do dia 6-10-2015 o B… estava no quarto … do “Motel F…”, sito na Rua …, n.º ..., em …, Matosinhos, saiu para os corredores, entrou sem autorização no quarto … que estava apenas fechado com o trinco, tirou da parede uma “TV LCD” da marca “LG” no valor de pelo menos €300,00 que aí estava, saiu desse quarto com esta “TV” nas mãos, ao aproximar-se do quarto … quando aí passava uma funcionária desse “Motel”, entrou de imediato nesse quarto, escondeu a “TV” na garagem correspondente, tornou a sair, foi para o quarto … e depois abandonou as instalações desse “Motel” pagando o preço da estadia.
2. Nessa altura disse aos funcionários que o atenderam que se havia esquecido do seu telemóvel e pediu para regressar ao interior do “Motel”.
3. Com isto pretendia trazer consigo o televisor que havia escondido e integrá-lo na sua esfera patrimonial e de disposição, fazendo-o coisa sua, sem a autorização dos legais representantes da sociedade “G…, SA”, que explora este “Motel” e à qual pertence este bem.
4. Como os funcionários do “Motel” já estavam de sobreaviso chamaram a PSP e na presença da autoridade policial A “TV”, FOI devolvida ao legal representante da “G…”.
5. Agiu de forma livre, deliberada e consciente de infringir a lei.
6. No intuito de se apoderar, apropriar e integrar na sua esfera patrimonial e de disposição, pelo modo descrito, a “TV” referida bem sabendo que não era sua e que actuava contra a vontade dos legais representantes da “G…”;
7. … só não o tendo conseguido por ter sido descoberto a tempo pelos funcionários do “Motel” que chamaram a PSP e conseguiram evitar que o B… a levasse consigo.
8. Do certificado de registo criminal do arguido consta um condenação pela prática de um crime de furto por sentença transitada em julgado em 11.02.2013.
FACTOS NÃO PROVADOS
a televisão tinha o valor de €399;
o arguido apenas voltou ao motel porque tinha perdido o telemóvel.

Porque tal questão releva igualmente para a discussão do recurso, vejamos, também, o que em sede de fundamentação se deixou exarado no que concerne à convicção assim formada pelo Tribunal.

O tribunal formou a convicção com base na prova produzida em audiência de julgamento, analisada de forma conjugada e crítica à luz das regras da experiência comum.
Assim, consideraram-se os depoimentos das testemunhas H… e I…, agentes da PSP que confirmaram a deslocação ao Motel e os motivos da mesma, referindo que a televisão se encontrava no quartos … na respectiva garagem, tapado com uma toalha, conjugado este depoimento com o teor do auto de apreensão de fls. 9, C…, que pertence à direcção do motel, que igualmente confirmou a presença dos agentes da PSP no local e confirmou ter sido encontrada a TV LCD, que faltava num quarto, numa garagem de um outro, referindo ainda que o televisor valia entre €300,00 e €400,00 (assim permitindo apenas apurar o valor mínimo), e E…, que acompanhava o grupo de 4 pessoas em que se integrava o arguido e que se deslocaram ao motel e que esclareceu as condições em que ficaram, dizendo que ficou com o irmão do arguido e a amiga com o arguido, e bem assim, confirmou o regresso ao motel por causa de um alegado telemóvel esquecido (dizendo que só nessa altura foi confrontada com a situação da televisão).
Por fim e de relevante, considerou-se o depoimento da testemunha D… que, apesar da dificuldade em expressar-se, deixou claramente perceber que visualizou o arguido nos corredores e a sair do quarto …, onde foi encontrada a televisão, que faltava no quarto …, aos quais o arguido tinha acesso pelo interior por os mesmos, apesar de fechados, poderem ser abertos.
Tendo em consideração a movimentação detectada por esta última testemunha por banda do arguido, a quem tinha sido atribuído o quarto …, designadamente a saída injustificada do mesmo do quarto …, onde foi colocada a televisão que faltava no quarto …, bem como a circunstância de ela aí ter vindo a ser encontrada na garagem respectiva, e de o arguido após a saída do motel ter regressado a pretexto de procurar um telemóvel, permite concluir – por, conforme decorreu do depoimento das testemunhas, não existir qualquer outra razão para que a televisão tivesse sido retirada e colocada em local diverso daquele em que se encontrava – que foi o arguido quem a retirou, pretendendo regressar ao motel com o objectivo de, então, levar consigo a televisão e de dela se apropriar, só não o tendo logrado em função da intervenção da funcionária e polícia.
Os factos não provados mereceram resposta negativa em função do que antes se disse, sendo que, pese embora a justificação apresentada para o regresso ao motel e legitimação de nova entrada fosse a da perda do telemóvel, da prova resulta que a intenção do arguido seria a de levar consigo o televisor que já havia escondido anteriormente.
O certificado de registo criminal do arguido consta dos autos.

III. 3. A isto que contrapõe o recorrente?

Pretendendo a final, o arguido ser absolvido, recorre porquanto, o tribunal a quo, ainda que considerasse que existiam indícios da prática do crime, deveria ter ponderado que exista uma certa dúvida quanto aos factos descritos e absolver o arguido da prática dos mesmos, devido às contradições existentes, por remissão ao abrigo do disposto no artigo 32.º/2, 1.ª parte da CRP, o qual faz referência ao princípio in dubio pro reo, para o que alinha o seguinte raciocínio:
o tribunal teve em consideração os testemunhos dos agentes da PSP, os quais se revelam em determinado momento contraditórios, nos quais os factos ora relatados por estes constituem uma versão dos factos relatados por terceiros;
o depoimento da testemunha C… não poderia ser valorado em virtude do mesmo não ter presenciado os factos, aliás como o mesmo confirmou;
quanto à testemunha D…, o recorrente não percebe como consegue o tribunal a quo ter em conta o depoimento desta testemunha fazendo referência a determinada expressão na sentença proferida “por fim e de relevante, considerou-se o depoimento da testemunha D… que, apesar da dificuldade em expressar-se, deixou claramente perceber …”;
não entende os parâmetros aplicados pelo tribunal a quo para a apreciação daquele depoimento que apesar da dificuldade, deixou claro que aquela testemunha não foi quem relatou os factos aos agentes da PSP, que confirmou que os quartos estavam abertos e que não viu o arguido com nenhum televisor, nem sequer sabia onde aquele objecto se encontrava;
como foi possível de confirmar a testemunha E…, ainda que pouco credível, confirmou o regresso para o motel à procura de um telemóvel, bem como confirmou que não foi descoberto nenhum televisor, pelo menos, onde o mesmo se encontrava e ainda confirmou o pagamento de, pelo menos, 2 quartos;
para concluir por que não pode ser condenado pela prática de uma tentativa de furto qualificado – que pressupõe que,
- o espaço seja fechado - e, no entanto os quartos estavam abertos - conforme depoimentos das testemunhas,
- o agente permaneça aí às escondidas – o que, também, não aconteceu, porquanto o mesmo nunca fez questão de permanecer desse modo, tendo inclusive voltado para o motel uma 2.ª vez;
e, finalmente, que se não teve em consideração o facto de ser primário quanto a este crime, pressupondo, pelo contrário, que o mesmo já tinha cometido este tipo de crime - o que não acontece, como resulta da mera consulta do seu registo criminal, tendo assim, sido aplicada uma pena excessiva.
III. 4. Apreciando.
III. 4. 1. A nulidade da sentença.
Se bem interpretamos a declaração de vontade do arguido, ao defender a violação das normas contidas nos artigos 204.º alínea f) C Penal, porquanto não preenche os pressupostos daquele normativo legal e 358.º/1 e 3 C P Penal, a qual faz alusão à alteração da qualificação jurídica que deveria ter existido, o mesmo terá em mente, não seguramente o facto de ter sido condenado por factos diversos - tão pouco da qualificação jurídica, que aos mesmos foi dada na acusação - mas sim pelo facto de entender que deveria ter existido uma alteração da qualificação, da acusação para a sentença, pois que não se verificarão, alguns dos elementos constitutivos, qualificativos, do tipo pelo qual foi condenado – a saber o quarto fechado e o aí se haver introduzido ilegitimamente.
Como parece, de resto, claro, linear e inequívoco, este entendimento apresenta um tão, ostensivo, quanto indesculpável, equívoco e erro de interpretação das norma atinentes com o instituto da alteração, não substancial dos factos, da qualificação jurídica e, mesmo da alteração substancial.
Nenhum deles prevê a nulidade da sentença por uma putativa alteração, que afinal não existirá, pela simples razão de o arguido entender que deveria ter existido.
A questão terá outro enfoque atinente com a operação de subsunção dos factos ao direito, a que mais adiante voltaremos.
Improcede, pois este segmento do recurso
III. 4. 2. A violação o princípio in dubio pro reo.
Discorda, então, o recorrente do julgamento firmado sobre a autoria dos factos, pretendendo que com base na aplicação deste princípio geral da prova em processo penal, deveria ter sido absolvido, no entendimento de que o tribunal - ainda que considerasse que existiam indícios da prática do crime - deveria ter ponderado que exista uma certa dúvida quanto aos factos, devido às contradições existentes.
Como se sabe, a violação do princípio geral da prova em processo penal, do in dubio pro reo, pode e deve ser tratado, em sede do vício do erro notório na apreciação da prova, previsto na alínea c) do n.º 2 do artigo 410º C P Penal.
Que assim, desde logo, há-de resultar do texto da decisão recorrida, ainda que com recurso às regras da experiência e, que há-de decorrer, inequivocamente, da motivação acerca da formação da convicção do tribunal ali afirmada.
O princípio in dubio pro reo, enquanto expressão ao nível da apreciação da prova do princípio político-jurídico de presunção de inocência, traduz-se na imposição de que um non liquet na questão da prova tem de ser sempre valorado a favor do arguido - a dúvida resolve-se a favor do arguido.
No que se traduz que apenas pode haver condenação se se tiver alcandorado a verdade com um grau de certeza, para além de qualquer dúvida razoável, que naturalmente, fica aquém da noção de qualquer sombra de dúvida.
“Em processo penal, vigora o princípio da presunção de inocência do arguido, com consagração constitucional, artigo 32°/2 da Constituição da República Portuguesa e ainda na Declaração Universal dos Direitos do Homem, do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, “cuja primeira grande incidência, assenta fundamentalmente, na inexistência de ónus probatório do arguido em processo penal, no sentido de que o arguido não tem de provar a sua inocência para ser absolvido; um princípio in dubio pro reo; e ainda que o arguido não é mero objecto ou meio de prova, mas sim um livre contraditor do acusador, com armas iguais às dele.
Na verdade, e em primeiro lugar, o princípio da presunção de inocência do arguido isenta-o do ónus de provar a sua inocência, a qual parece imposta (ou ficcionada) pela lei, o que carece de prova é o contrário, ou seja, a culpa do arguido, concentrando a lei o esforço probatório na acusação.
Em segundo lugar, do referido princípio da presunção de inocência do arguido - embora não exclusivamente dele - decorre um princípio in dubio pro reo, princípio que procurando responder ao problema da dúvida na apreciação do caso criminal (não a dúvida sobre o sentido da norma, mas a dúvida sobre o facto) e, partindo da premissa de que o juiz não pode terminar o julgamento com um non liquet, determina que na dúvida quanto ao sentido em que aponta a prova feita, o arguido seja absolvido”, cfr. Rui Patrício, in “ O princípio da presunção de inocência do arguido na fase do julgamento no actual processo penal português”, Ass. Académica da FDL, 2000, 93/94.
Como cremos resultar do supra transcrito, que a decisão recorrida procurou demonstrar, na motivação e no exame crítico da prova, a existência das razões pelas quais o tribunal deu como provados os factos, contra cujo julgamento, genericamente, o recorrente se insurge, permitindo-lhe, nesta fase, de recurso, todos os meios de defesa, e ao tribunal de recurso, assim como a qualquer cidadão, reconstruir retrospectivamente o iter percorrido na decisão recorrida.
O princípio in dubio pro reo como regra de decisão da prova, é a solução que resulta de um conjunto de factores em verificação cumulativa:
necessidade de pôr fim ao processo, com decisão definitiva que não represente, do ponto de vista da paz jurídica do arguido, uma demora intolerável;
a inadmissibilidade da pena de suspeição;
a opção pelo modus probandi de livre apreciação da prova ou livre convicção do tribunal, necessariamente objectivável e motivável;
a possibilidade do surgimento de dúvidas, resistentes à prova e impeditivas da tal convicção, na verificação dos enunciados factuais abrangidos pelo objecto do processo;
a consciência da diferença entre o processo criminal e a lide civilística, que impede a transferência para o primeiro da solução do ónus de prova, típica de um processo de partes;
a convicção de que o Estado não deve exercer o seu ius puniendi quando não obtiver a certeza de o fazer legitimamente.
Daí que, este princípio deve ser perspectivado e entendido, como remate da prova irredutivelmente dúbia, destinado a salvaguardar a legitimidade da intervenção criminal do poder público. O Estado não deve exercer o seu ius puniendi quando não obtiver a certeza de o fazer legitimamente. Consequentemente, só releva e restringe o seu âmbito de
aplicação à questão de facto, é mais do que o equivalente processual do princípio da culpa, desligando-se, quanto ao fundamento, da presunção de inocência e abarcando, quer as dúvidas sobre o facto crime, quer a incerteza quanto à perseguibilidade do agente. E finalmente o controle da sua efectiva boa ou má aplicação está dependente de os tribunais cumprirem a obrigação de fundamentarem a sua convicção, cfr. Cristina Líbano Monteiro, in Perigosidade de inimputáveis e in dubio pro reo, 165 e ss., citada no Ac. deste Tribunal de 4.7.2007, relator António Gama, que aqui seguimos de perto.
Quer isto dizer, que a sua verificação pressupõe um estado de dúvida no espírito do julgador, a simples existência de versões díspares e até contraditórias sobre os factos relevantes não implica que se aplique, sem mais, o princípio in dubio pro reo.
Não basta a mera probabilidade de existir uma hipótese contrária à da acusação, para que se possa afirmar que tal obsta à condenação do arguido.
Será seguramente, necessário para fazer desencadear a aplicação deste princípio, que a versão do arguido seja plausível e demonstrável, pois só uma versão credível subjaz a uma dúvida racional. Não basta a mera plausibilidade e verosimilhança da sua versão para que surja sem mais, a dúvida séria e razoável.
A dúvida só pode surgir de uma versão plausível dos factos minimamente fundada e sustentada.
Se da decisão recorrida resultar que o tribunal (não o recorrente) chegou a um estado de dúvida insanável e que, face a ele, escolheu a tese desfavorável ao arguido, há que concluir pela violação de tal princípio.
Da mesma forma, se tal princípio for invocado sem fundamento, sério e razoável, seja fora das condições concretas de que depende a sua aplicação e, não obstante se decretar a absolvição do arguido.
A questão que se coloca - e que o fundamento aduzido pel arguido bem evidencia de resto - é a de saber qual a natureza, a dimensão e a característica que deve assumir a dúvida - a que o tribunal chegue - como pressuposto e justificação da aplicação deste princípio.
Não pode deixar de ser uma dúvida insanável, razoável, racional, objectiva e séria e, não meramente subjectiva, intuitiva e assente em meras conjecturas ou suposições.
Tão pouco, fundada e estruturada numa errada apreciação da prova.
Importa, assim, indagar se no caso, a regra da absolvição na dúvida, foi, ou não, violada.
E a resposta a dar depende da apreciação que se fizer sobre se merece censura o processo lógico e racional, subjacente à formação da afirmada convicção. Depende do facto de se poder, ou não considerar como suficiente e bastante a fundamentação. Depende do facto de se poder, ou não, afirmar que o tribunal errou, notoriamente - na apreciação e na valoração que fez da prova.
O que nos remete para a formulação da questão de saber qual o grau de certeza exigível para que se dê determinado facto como provado.
Isto, porque a certeza que se visa alcançar será sempre uma certeza possível, uma firme persuasão da verdade e nunca a certeza absoluta.
Antes a verdade lógica, racional e processualmente válida resultante da concreta prova produzida nos autos.
Será que se justifica que o Tribunal de 1.ª instância tenha ficado na dúvida sobre a autoria dos factos?
Obviamente que, desde logo, a conclusão afirmada pela recorrente tem subjacente a sua própria, subjectiva, interessada e parcial, valoração do conjunto da prova produzida.
E como se sabe, quando a atribuição de credibilidade a uma fonte de prova pelo julgador se basear em opção assente na imediação e na oralidade, o tribunal de recurso só a poderá criticar se ficar demonstrado que essa opção é inadmissível face às regras da experiência comum. O que, de todo, está longe de acontecer no caso concreto.

Donde, está, assim, também, este segmento do recurso votado ao insucesso.
III. 4. 3. Vícios da decisão.
Donde, aparentemente teríamos que ter com definitivamente fixada a matéria de facto definida na decisão recorrida, não fora a questão atinente com o ponto 8, dos factos provados e com a natureza do crime pelo qual o arguido foi já condenado no passado.
Cremos bem, no entanto que perante o crc. – invocado, acriticamente no segmento da motivação, “o certificado de registo criminal do arguido consta dos autos” - resulta patentemente evidenciada a discrepância entre o que dele consta e o que consta do ponto 8. do elenco dos factos provados, atinentes com a afirmação ali contida, no segmento onde se refere que a condenação anterior foi pela prática de um crime de furto.
Com efeito – não da mera consulta como defende o arguido mas da mera leitura, atenta e cuidada resulta que, a condenação anterior foi por um crime de dano qualificado.
A discrepância entre a real dinâmica e sequência dos antecedentes criminais e a fundamentação aduzida para afastar a aplicação da pena alternativa, desde logo, por cuja aplicação, o arguido pugna agora em sede de recurso – através da invocação da violação do artigo 70.º C Penal - resultará ou traduzirá uma de duas realidades (que se vão tornando correntes e usuais na prática dos Tribunais):
ou o tribunal não atentou, com cuidado e atenção, na prova documental tarifada – o que só por si conduziria ao vicio do erro notório na apreciação da prova - e, não obstante decidiu contra o que ela deixa evidenciado,
ou, então, estamos perante um evidente e embaraçoso percalço no tratamento informática da sentença – também, cada vez mais usual, nos tempos que correm, atinente ao deficiente uso do “copy paste”.
Facto a que não será alheia a forma, como no caso concreto, se levou o crc, desde logo, à fundamentação dos factos provados.
Esta forma de retratar a realidade, posteriormente invocada, de forma incorrecta, porventura com cariz determinante e decisivo, em sede de fundamentação de Direito, desembocou de forma directa e imediata, no lapso que o arguido não deixou de salientar e contra o qual se insurge.
Obviamente, que, quer a primeira situação, a retractar vício da decisão, quer a segunda, a evidenciar erro de escrita, podem e devem ser reparadas nesta sede e daí, decorrentemente, se retirar as devidas consequências em termos de aplicação do direito, no caso, no capítulo da operação de escolha da pena.
E, assim, há que corrigir a apontada redacção daquele ponto da matéria de facto, por forma a que onde consta “crime de furto” passe a constar “crime de dano qualificado”.
E, agora sim, há que ter com definitivamente fixada a matéria de facto definida na decisão recorrida – pela não verificação de qualquer outro fundamento para a firmação de um dos vícios previstos no n.º 2 do artigo 410.º/2 C P Penal, pois que, não se vê, mais, do texto da decisão recorrida ainda que temperada e lida à luz das regras da experiência comum, em face da matéria de facto apurada, que outra mais, o tribunal poderia, deveria, ter averiguado, aprofundado, com utilidade e pertinência, a existência de factos ou de afirmações que estejam entre si numa relação de contradição e, que existam pontos de facto fixados, tão manifestamente arbitrários, contraditórios ou violadores das regras da experiência comum.
Sendo certo que, da mesma forma, o arguido apesar de transcrever, situar e localizar no suporte da gravação, excertos da prova pessoal produzida, fá-lo, tão só, para a final concluir pela existência de contradições nos vários depoimentos – ele remeteu-se ao silêncio – e daí, defender a sua absolvição, por decorrência da aplicação do princípio in dubio pro reo.
E, terá optado por este caminho – assim evidenciando não pretende impugnar o julgamento sobre a matéria de facto, nos termos consabidamente exigentes previstos no artigo 412.º/3 e 4 C P Penal - pois que da leitura dos excertos em causa se é certo que se não evidenciam as apontadas contradições, em matéria essencial e nuclear, da mesma forma, se não evidencia que pudessem sugerir e, muito menos impor, como exige a lei, a evidência de erros de julgamento e assim, decisão em sentido diverso.
III. 4. 4. A subsunção dos factos ao direito.
III. 4. 4. 1. A este propósito e enquadrado nas razões de discórdia do arguido, expendeu-se na decisão recorrida pela forma seguinte:
“ o arguido encontra-se acusado pela prática de um crime de furto qualificado na forma tentada, p.p. pelos artigos 22.º/1 e 2, 23.º/1 e 2, 203.º/1 e 204.º/1 alínea f) C Penal.
(…) O legislador previu ainda a qualificação do furto, a qual decorre do aditamento ao tipo fundamental de elementos complementares ao mesmo que, por incrementarem o grau da ilicitude ou a culpa do agente, determinam uma maior gravidade do crime (José António Barreiros, Crimes Contra o Património, Lisboa, 1996, p. 17).
O furto será, então, qualificado nos termos do n.º 1, al. f), quando, o agente se Introduza ilegitimamente em habitação, ainda que móvel, estabelecimento comercial ou industrial ou espaço fechado, ou aí permaneça escondido com intenção de furtar.
No caso, sabe-se que o arguido, acompanhado por outros indivíduos, se dirigiram ao Motel identificado nos factos provados. Sabe-se ainda que o arguido, em determinada altura, saiu do quarto que lhe foi atribuído, se introduziu num outro quarto e daí retirou um televisor que veio a colocar na garagem de um outro quarto, regressando ao motel, já depois de ter saído, com intenção de dele se apropriar. Sucede, porém, que tal não sucedeu por intervenção de uma funcionária e da polícia que chegou ao local.
(…) Não restam, pois, dúvidas de que o arguido incorreu na prática do crime imputado e na forma qualificada, posto que, apesar de estar legitimada a sua presença no motel, a legitimação era apenas para a permanência no quarto que lhe fora atribuído (o …) e não já naqueles outros (que apesar de não estarem trancados estavam fechados) de onde foi retirada a televisão e onde a mesma veio a ser encontrada (tratando-se, por isso, de introdução em espaço fechado).
III. 4. 4. 2. O arguido defende não poder ser condenado pela prática – ainda que, na forma tentada – do crime de furto qualificado, porque, os quartos estavam abertos – e a norma pressupõe que o espaço seja fechado - e, nunca fez questão de ali permanecer às escondidas – como exige a norma legal – porque até voltou ao motel, uma 2.ª vez.
A este propósito defende o MP na sua resposta que,
- o arguido não estava acusado de entrar no aludido espaço nos termos do artigo 204.º, n.º 1, alínea e) C Penal - e só nesse contexto seria relevante aferir o modo como entrou ou acedeu ao “espaço fechado”, se por arrombamento, escalamento ou chave falsa – isto porque, entrou nos diversos quartos – legitimamente no quarto …, e, ilegitimamente nos quartos … e …, sendo tais quartos um dos espaços descritos e integráveis na norma imputada e considerada, nessa medida integrando, de forma inequívoca o sobredito crime e subsunção jurídica e, que,
- o arguido mais não faz do que invocar a condição de “quarto aberto” para integrar não o crime qualificado, mas o crime de furto simples, porque o espaço “não estava fechado”, o que entende tratar-se de uma manifesta discussão semântica, inócua, porquanto do que se trata é entrar – o que fez – em espaço não livremente acessível ao público, sendo assim introdução ilegítima, sendo certo, por outro lado, que o único quarto “aberto” onde o recorrente legitimamente entrou foi o quarto … (onde entrou de modo legítimo e “pagando o preço da estadia”), e não os quartos … e …, onde acedeu, “ilegitimamente”, no primeiro retirando o “tv lcd”, e no segundo, onde colocou o objecto em apreço na respectiva garagem.

III. 4. 4. 3. O arguido vinha acusado e vem agora condenado pela prática de um crime de furto qualificado em 1.º grau, nos termos do disposto no artigo 204.º n.º 1, alínea f), do C Penal, segundo o qual “quem furtar coisa móvel alheia, Introduzindo-se ilegitimamente em habitação, ainda que móvel, estabelecimento comercial ou industrial ou espaço fechado, ou aí permanecendo escondido com intenção de furtar, é punido com pena de prisão até cinco anos ou com pena de multa até 600 dias”.
Ora, neste particular vem provado que,
1. pelas 7 horas do dia 06-10-2015 o B… estava no quarto … do “Motel F…”, sito na Rua …, nº.., em …, Matosinhos, saiu para os corredores, entrou sem autorização no quarto … que estava apenas fechado com o trinco, tirou da parede uma “TV LCD” da marca “LG” no valor de pelo menos €300,00 que aí estava, saiu desse quarto com esta “TV” nas mãos, ao aproximar-se do quarto … quando aí passava uma funcionária desse “Motel”, entrou de imediato nesse quarto, escondeu a “TV” na garagem correspondente, tornou a sair, foi para o quarto … e depois abandonou as instalações desse “Motel” pagando o preço da estadia.”
Vejamos então, a circunstância qualificativa constante da alínea f) do n.º1 do artigo 204.º - introduzindo-se ilegitimamente em habitação, ainda que móvel, estabelecimento comercial ou industrial ou espaço fechado, ou aí permanecendo escondido com intenção de furtar – aquela que se atendeu na acusação e depois na condenação do arguido.
Isto não obstante a invocação do arguido de que o quarto não estava fechado e de aquela previsão prever a introdução em espaço fechado, pois, que este conceito – tal como, de resto, o similar previsto na alínea e) do n.º 2 - tem o sentido de lugar fechado dependente de casa (que pode servir para a habitação, para o exercício do comércio ou indústria), como resulta das definições legais contidas nas alíneas d) e e) do artigo 202.º - a propósito do que se deve entender, quer, por arrombamento, quer, por escalamento.
Seguramente que se está aqui a pensar em espaços físicos que são susceptíveis de introdução, no caso do n.º 1 do artigo 204.º e de penetração, no do n.º 2, de entrada, apenas se acrescentando a função que eles podem desempenhar.
O conceito de espaço fechado é assim um conceito físico, não existindo naquelas alíneas da definição legal, qualquer qualificação, determinação ou finalidade conectada com tal conceito, de casa, que na sua função, tanto pode servir para a habitação, para o exercício do comércio ou da indústria.
Donde se, o quarto do motel não pode integrar a previsão da alínea e) do referido n.º 1 – “fechada em gaveta, cofre ou outro receptáculo equipados com fechadura ou outro dispositivo especialmente destinado à segurança” – (nem o arguido o pretende, de resto) da mesma forma, não pode ser considerado como espaço fechado, referido na alínea f).
O quarto é uma das assoalhadas de uma casa de habitação e é uma das partes que necessariamente, por definição e pela própria natureza das coisas, compõe - no que ao caso releva - um estabelecimento, a um passo comercial e a outro industrial, como é um hotel, ou no caso concreto, um motel.
Como vem sendo entendido, por outro lado, de forma uniforme e sem reticências, quando não existe outra qualificativa, o furto assim qualificado consome o crime de violação de domicílio ou de introdução em lugar vedado ao público, previstos nos artigos 190.º e 191º C Penal.
Assim a introdução ilegítima em habitação e a permanência nela escondido, coincidem com a conduta do primeiro daqueles tipos e, a introdução em estabelecimento comercial, industrial ou espaço fechado e a permanência neles, às escondidas, coincidem com a conduta do segundo.
E então somos remetidos desde logo para o quarto de hotel, exemplo académico do que se pode entender, também, como habitação, como domicílio.
Entende o Prof. Faria Costa in Comentário Conimbricense, que o quarto de hotel, ainda que ocupado por um único dia ou mesmo que só por algumas horas, é habitação, no âmbito da presente circunstância-elemento.
Com efeito o legislador adoptou um conceito lato de habitação – ainda que móvel, desde logo, no texto da lei.
Assim se abrangendo qualquer espaço independente no interior de um edifício, as barcaças, os atrelados das viaturas, as caravanas, as auto-caravanas, as tendas de campismo e, outras espaços semelhantes, desde que sejam utilizados para habitação, ainda que transitória, cfr. Miguez Garcia e Castela Rio, in C Penal, parte geral e especial.
O conceito contemporâneo de habitação não está dependente, não pressupõe, necessariamente, a existência de uma casa, de uma edificação, sequer.
Numa aproximação conceptual, ali se compreende qualquer construção utilizada de modo permanente ou transitório, para habitação de uma pessoa ou de uma família, como uma cave, uma arrecadação, como o próprio carro dos saltimbancos, a casa-barco em que moram alguns residentes em Amesterdão ou a casa-automóvel dos norte-americanos, uma tenda de campismo, uma barraca, um velho autocarro, a cabine de um transatlântico e em certas condições a cabine-cama de um comboio.
E, assim, também, um quarto, ocupado por um hóspede, seja ele, num hotel, num motel, numa pensão, numa residencial, num simples quarto de uma casa particular, pode, em determinadas circunstâncias, constituir a habitação de uma pessoa, de que só ele faz uso, enquanto hóspede, não entrando aí mais ninguém a não ser o pessoal que aí contratualmente, vai executar tarefas de arrumação e de limpeza, esteja ou não a respectiva porta fechada à chave ou somente com o trinco, ou mesmo aberta ou entreaberta.
Local, em relação ao qual apenas o hóspede é titular do “jus prohibandi”, dependendo do seu consentimento a entrada nele de terceiras pessoas, isto para efeitos de ser abrangido pela tutela do domicílio, cfr. neste sentido, o já longínquo Ac. do STJ de 2.6.1993, consultado no site da dgsi e, que aqui vimos seguindo de perto mesmo com transcrição.
e, assim, espaço fisicamente assegurado, sendo, de resto, o domicílio, tido, desde logo, como inviolável por consagração constitucional, nos termos do artigo 34.º/1, 2 e 3 da CRP, o que está, directamente, relacionado com o direito à intimidade pessoal, garantida pelo artigo 20.º, considerando-se o domicilio como projecção espacial da pessoa.
Como referem os Doutores Gomes Canotilho e Vital Moreira, em Constituição da República Portuguesa anotada, 102, é ainda um direito de liberdade da pessoa, e assim é que a nossa Lei Fundamental considera a vontade, o consentimento da pessoa, como condição sine qua non da possibilidade de entradas no domicílio dos cidadãos fora dos casos de mandado judicial.
Está por isso fora de questão a protecção do que é habitação ou domicílio, enquanto espaço que serve de residência a uma ou a várias pessoas, enquanto espaço fisicamente fechado e reservado ao alojamento, permanência, descanso, convívio, alimentação e pernoita, cfr. Prof. Costa Andrade, Comentário Conimbricense.
O que releva essencialmente é que em determinado local-espaço físico uma pessoa habite, ou seja, local onde pernoita, guarda os seus haveres pessoais, roupas, objectos, livros, dinheiro e local onde se recolhe nas horas de lazer, onde estuda - enfim, onde está instalada a sua intimidade, a sua vida privada.
Isto sendo certo que o conceito de domicílio tido em mente pelo legislador penal não é o mesmo que o definido pelo legislador civil, conceptualizado como o lugar onde a pessoa reside de forma definitiva e permanente, mas não só - também, como sede das operações, o centro das ocupações habituais.
Não é só este, contudo, o domicílio tutelado pela lei penal.
O legislador penal procurou proteger o lar, a casa, o lugar onde alguém mora, assim se visando assegurar a tutela do direito ao sossego, no local de habitação, seja permanente, transitório ou eventual.
E, assim podemos, desde logo, concluir que a noção de habitação da legislação penal não tem as dimensões da expressão "domicílio" contida no Direito Civil.
Isto sendo certo que à habitação pertencem as divisões pertinentes, escadas, casas de banho, caves, garagens, mas já não os jardins, oo pátios ou quintais, anexos, ainda que vedados mas não cobertos, cfr. Miguez Garcia e Castela Rio, loc. cit.
Dizem os mesmos autores, que a essência da qualificação está no espaço fechado que permite a entrada de pessoas, mas que se encontra vedado à penetração, à introdução de indesejáveis, por meio de equipamentos colocados com essa finalidade, como, de resto, acontece, também, com a garagem ou os arrumos do prédio.
É o arrojo que o agente revela entrando para esses lugares que a lei quer resguardar e a perigosidade que representa essa entrada, introdução, no caso do n.º 1, que se quer estigmatizar, com a entrada do corpo inteiro e, não a simples utilização de uma longa manus – que basta, contudo, para a penetração prevista na alínea e) do n.º 2, ibidem.
Ora, no caso, o quarto de onde o arguido retirou a televisão não consta que estivesse a ser ocupado, por algum hóspede, pelo que não pode ser entendido como “habitação” de alguém.
O que não quer dizer, no entanto, que não mereça a mesma tutela.
Isto independentemente de se poder entender que o quarto de um motel, pode não, necessariamente merecer o mesmo grau de tutela, àquele nível, que o quarto de um hotel. Tudo dependendo das circunstâncias do caso concreto e das características da utilização, naturalmente, que o hóspede lhe está dar - vide, desde logo, a possibilidade de ser contratualmente ocupado por períodos que vão das 2, das 4, das 12 ou das 24 horas, enquanto, o quarto do hotel, o é, por regra e em princípio, invariavelmente, por noite, por conjunto de noites, por semana, ou por mês.
Ali, necessariamente a traduzir uma realidade diversa e incompatível com o carácter, minimamente, fixo e permanente do domicílio do local onde se reside, onde se habita. Desde logo, a própria qualificação como hóspede apresenta alguma dificuldade, pois que, aquela noção está reservada, segundo o n.º 3 do artigo 1109.º C Civil, para "os indivíduos a quem o arrendatário proporcione habitação e preste habitualmente serviços relacionados com esta, ou forneça alimentos, mediante retribuição".
E então chegamos ao quarto do motel, fechado apenas com o trinco, sem estar ocupado, quando um hóspede de um outro quarto, nele entra e dali retira uma televisão – que leva para um outro.
Cremos bem que esta conduta integra, como, afinal, se decidiu, a aluda previsão da alínea f) do n.º 1.
O arguido introduziu-se ilegitimamente, pois que não lhe assistia, enquanto hóspede a que havia sido destinado um outro quarto, o direito de o fazer no quarto ainda que desabitado, no momento e por isso, não constituindo seguramente local de habitação, ainda que transitória e ocasional, na noção de local directamente relacionado com a intimidade da vida privada e familiar.
Sendo, no entanto, realidades diversas, a casa desabitada, o quarto de hotel e o quarto do hospital vagos e a casa de onde os moradores estão ausentes e o quarto de hotel, ou do hospital, ocupados, mas temporariamente, sem ninguém – neste derradeiro caso, subsiste o crime de violação de domicílio.
E assim se a casa, o quarto do motel, como o do hospital, não estão, naquela ocasião, pelo menos, com as pessoas que nele estão instaladas, não podem deixar, todavia, de estar vedados ao público – mesmo a um cliente, que esteja hospedado no motel, em outro quarto – o caso dos autos.
Se não se pode reportar no caso assim à previsão do artigo 190.º, pode, já ser reportado à do artigo 191.º.
Se a incriminação da violação de domicílio visa tutelar, tão só, a tranquilidade doméstica, intimidade e a privacidade - tanto que não constitui crime a entrada ou permanência em casa alheia desabitada, também, no segundo caso se protegem bens jurídicos distintos e consonantes com o leque heterogéneo de funções ou interesses cuja prossecução ou salvaguarda reclama a inviolabilidade destes outros espaços.
Em nenhum dos casos, no entanto, se protege nem a posse, nem a propriedade do espaço.
E, então, entrar, sem consentimento ou autorização, no quarto do motel desocupado, integra a última das situações previstas no aludido artigo 191.º - qualquer outro lugar vedado e não livremente acessível ao público.
E assim, como um doente internado no hospital não pode entrar no espaço, reservado e anunciado como de gabinete do médico ou de enfermagem – onde até pode estar anunciada a proibição de entrada a pessoas estranhas ao serviço e, mesmo que o não esteja – também o hóspede do quarto … não pode entrar no quarto ….
A proibição de entrada anunciada, é expressa e a não anunciada resulta, inequivocamente, presumida.
Se o fizer – sem para tal estar autorizado, que é o que aqui está em causa – fá-lo ilegitimamente e, a sua conduta integra, então, a previsão do tipo do artigo 191.º e, se dali se apropria de um bem que pertence a outrem, inequivocamente, que comete um crime de furto qualificado, pela alínea f) do n.º 1 do artigo 204.º C Penal.

Nenhuma censura, merece, pois, a decisão recorrida, também, neste segmento.
III. 4. 4. O quantum da pena.
III. 4. 4. 1. A este outro propósito – e também com enfoque nas razões de discordância apresentadas pelo arguido (que deixa de fora a taxa diária da multa e o facto de se fazer corresponder 3 meses de prisão a 90 dias de multa, aparentemente, à revelia da jurisprudência fixada pelo STJ através do Acórdão 8/2013, segundo o qual, “a pena de multa que resulte, nos termos dos artigos 43.º/1 e 47.º/1 C Penal da substituição de prisão aplicada em medida não superior a 1 ano, deve ser fixada de acordo com os critérios estabelecidos no n.º 1 do artigo 71.º C Penal e, não necessariamente, por tempo igual ou proporcional ao estabelecido para a prisão”) expendeu-se na decisão recorrida pela forma seguinte:
“prescreve o artigo 70.º que «se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição», de onde decorre que deverá ser privilegiada a aplicação da pena não detentiva, desde que a mesma proteja adequadamente o bem jurídico protegido com a incriminação e promova a reintegração social do agente.
No caso em apreço, considerando que o arguido não correspondeu às expectativas decorrentes da relativamente recente condenação pela prática de crime de natureza idêntica é de entender que a pena de multa, então já aplicada, não acautela as exigências de prevenção geral e especial, impondo-se, por isso, a aplicação de uma pena privativa da liberdade.
Das disposições contidas nos artigos 47.º/1 e 71.º/1 C Penal, resulta que para efeitos de determinação da medida concreta da pena de multa, o tribunal deverá ponderar todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor do agente ou contra ele, considerando-se para esse efeito as exigências de prevenção e a culpa do agente e, nomeadamente, as circunstâncias enumeradas no n.º 2 do referido artigo 71º.
Há que considerar no caso a natureza do objecto do crime, o respectivo valor, a circunstância de ter sido encontrado sem dano e, bem assim, a existência de condenação anterior pela prática de idêntico crime.
Deste modo entende-se adequado aplicar a pena de 3 meses de prisão.
Considerando, porém, que ao arguido não havia ainda sido aplicada pena privativa da liberdade pela prática de crime desta natureza, entende-se ser de substituir esta pena de prisão pela pena de multa de substituição por igual número de dias (a qual será suficiente para prevenir o cometimento de futuros crimes (sendo certo que se não for cumprida a pena de multa, terá o arguido de cumprir a pena de prisão) – cfr. art. 43.º/1 C Penal”.
III. 4. 4. 2. As razões de discordância do arguido.

Neste particular defende o arguido que a decisão recorrida não só, não teve em consideração o facto de ser primário quanto ao crime de furto este crime, como pelo contrário, pressupôs, mesmo, que já tinha cometido este tipo de crime, o que, afinal, não acontece.
Para daqui afirmar que foi sancionado com uma pena excessiva, em violação, dos artigos 18.º parte final da CRP, no sentido de o tribunal a quo condenou excessivamente o recorrente por não ter em consideração o facto do mesmo ser primário e, 70.º e 71.º C Penal, alusivos ao critério de escolha da pena e determinação da mesma, a qual deveria de colher o facto do recorrente não ter perpetrado o mesmo crime pelo qual vem condenado.
III. 4. 4. 3. Vejamos.

III. 4. 4. 3. 1. É consabido que a questão dos antecedentes criminais constitui assumidamente, a “pedra de toque” dos critérios que presidem às operações, quer de escolha da espécie da pena, quer de determinação da sua medida concreta.
Se a operação da escolha da espécie da pena, desde logo, não prescinde da indagação do conjunto global dos factos relativos ao passado criminal – tão pouco, à sua apreensão na exacta dimensão da personalidade do agente neles reflectida – o certo é que, no caso concreto tal não foi, de todo, contemplado, de forma correcta, pois que se invocou um passado criminal, que não corresponde à realidade e, assim, decisivamente, se apontou, para o fim da linha das penas não detentivas, na opção entre elas e a pena de prisão, nos termos definidos no artigo 70.º C Penal.
É manifesto que, no caso, a decisão recorrida valorou o facto de o arguido já ter sido condenado anteriormente, pelo mesmo crime aqui agora em causa, de furto, quando, afinal a condenação anterior aconteceu, mas pelo crime de dano qualificado.
No que se traduz, afinal, por violação de prova tarifada como é a atinente com os antecedentes criminais, afirmados, com base no crc. e, assim, na verificação do vício do erro notório na apreciação da prova, sem necessidade, contudo, de reenvio do processo para novo julgamento, pois que, ao tribunal de recurso “é possível decidir a causa”, cfr. artigo 426.º/1 C P Penal.
Com efeito, do crc. junto de fls. 155 a 156 v., contata-se que o arguido foi condenado por sentença de 12.4.2012, transitada a 11.2.2013, proferida no âmbito dos autos NUIPC 87/09.0GCSTS, pelo Juízo 2, da Secção Criminal da Instância Local de Santo Tirso, Comarca do Porto, na pena de 180 dias de multa, à taxa diária de € 5,00, pela prática a 17.2.2009, de um crime de dano qualificado, p. e p. pelo artigo 213.º/1 alíneas a) e c) C Penal.
Há assim, que corrigir esta premissa de facto e depois apreciar se tal alteração tem, ou não reflexos, em sede das operações de escolha da espécie e da determinação da medida da pena.
E assim.
Se é certo que – ao contrário do que defende o arguido – ninguém tem o direito a praticar uma primeira vez todos os crimes do C Penal, sendo, assim, considerado primário sempre que comete um crime pelo qual ainda não fora condenado no passado – da mesma forma, será certo que, ainda assim, constitui realidade diversa, o facto de estando a ser jugado por um crime de furto, ter já no passado cometido crime da mesma natureza ou não ter cometido crime da mesma natureza, mas ter cometido crime de natureza diferente, de dano, qualificado, no caso.
Não obstante ambos os crimes, de furto e de dano, se inserirem no capítulo dos crimes contra o património e dentro destes, contra a propriedade, o certo é que, pelo menos, aparentemente, se não vislumbra uma qualquer linha condutora entre ambos, desde logo, de modo a permitir estabelecer um padrão de comportamento.
Sendo certo, contudo, que poderá revelar que o arguido tanto está predisposto a cometer um como outro, independentemente da natureza intrínseca de cada um.
Será, assim, sempre, imprescindível analisar se entre o passado criminal do agente e os factos em apreciação, existe conexão e qual o seu tipo, de que modo reflecte e é reflectida na sua personalidade, se os factos se reconduzem a uma tendência criminosa, a uma “carreira“ ou tão só a uma situação de pluriocasionalidade, sem radicar na personalidade, bem como, qual o efeito previsível da pena sobre o seu comportamento futuro, sobre a prevenção da reincidência, desde logo.
Seja como for.
Cremos bem que, no caso, caindo a anterior condenação pelo mesmo crime, deixa de fazer sentido, de subsistir, desde logo, a razão pela qual, na alternativa entre pena de prisão e pena não detentiva, nos termos do artigo 70.º C Penal, se entendeu impor-se a aplicação daquela primeira – “considerando que o arguido não correspondeu às expectativas decorrentes da relativamente recente condenação pela prática de crime de natureza idêntica é de entender que a pena de multa, então já aplicada, não acautela as exigências de prevenção geral e especial, impondo-se, por isso, a aplicação de uma pena privativa da liberdade”.
III. 4. 4. 3. 2. E assim, há que reponderar a opção tomada.
Dispõe o artigo 40.º C Penal - diploma a que pertencerão as disposições legais doravante citadas sem menção de origem - que a aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade e que em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa.
É no actual artigo 70.º que se contém o critério da escolha da pena.
Antes da reforma de 1995, a norma correspondente no C Penal de 1982, então, artigo 71.º, colocava o enfoque da preferência da pena não detentiva em detrimento da detentiva, na suficiência daquela para promover a recuperação social do delinquente e satisfação das exigências de reprovação e de prevenção do crime.
Depois da reforma, o actual artigo 70.º dispõe que, “se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.
São, assim, finalidades exclusivamente preventivas, de prevenção especial e de prevenção geral e não finalidades de compensação da culpa, que justificam, que impõem a preferência por uma pena alternativa - e já agora, em outra sede, por uma pena de substituição.
“Neste âmbito são factores determinantes, as exigências de prevenção geral e especial, prevalecendo estas últimas, por serem sobretudo elas que justificam, na perspectiva política criminal, todo o movimento de luta contra a pena de prisão, prevalência que se deve concretizar, no facto de o Tribunal só dever negar a aplicação de uma pena alternativa, quando a execução da prisão se revele, do ponto de vista da prevenção especial e socialização, necessária ou, em todo o caso, provavelmente mais conveniente do que aquela outra alternativa”, cfr. Ac RC de 27.6.96 in CJ, III, 56.
Como refere o Prof. Figueiredo Dias, in Direito Penal Português, As consequências jurídica do crime, 227, “as finalidades da aplicação de uma pena residem primordialmente na tutela de bens jurídicos e, na medida do possível, na reinserção do agente na comunidade. A medida da pena há-de ser dada pela tutela dos bens jurídicos face ao caso concreto, que se traduz nas expectativas da comunidade na manutenção da vigência da norma violada”.
“A culpa, cuja função em todo o processo de determinação da pena, consiste em estabelecer o limite inultrapassável do quantum da pena, artigo 40º/2, nada tem a ver com a questão da escolha da espécie da pena, exercício, este, que antecede, aquele.
A função da culpa exerce-se no momento da determinação quer da medida da pena de prisão – necessária como pressuposto da substituição – quer da pena alternativa ou de substituição: ela é eminentemente estranha, às razões históricas e político-criminais que justificam as penas alternativas e de substituição, não tendo sido em nome de considerações de culpa, ou por força delas, que tais penas se constituíram e existem no ordenamento jurídico.
Afastada a relevância da culpa no problema da escolha da pena, importa, então determinar como se comportam, neste âmbito, as exigências de prevenção geral e de prevenção especial.
É inteiramente distinta a função que umas e outras exercem neste contexto.
A prevalência deve ser concedida a considerações de prevenção especial de socialização, por serem elas que justificam, sobretudo, numa perspectiva político-criminal, todo o movimento de luta contra a pena de prisão.
Prevalência a 2 níveis diversos:
em primeiro lugar, o tribunal só deve negar a aplicação de uma pena alternativa ou de uma pena de substituição, quando a execução da prisão se revele, do ponto de vista da prevenção especial de socialização necessária, ou em todo o caso, provavelmente mais conveniente do que aquelas penas; coisa que só raramente acontecerá se não se perder de vista o já tantas vezes referido carácter criminógeno da prisão, em especial da de curta duração;
em segundo lugar, sempre que, uma vez recusada pelo tribunal a aplicação efectiva da prisão, reste ao seu dispor mais do que uma espécie de pena de substituição, designadamente a suspensão da execução da pena de prisão, são ainda considerações de prevenção especial de socialização que devem decidir qual das espécies de penas de substituição abstractamente aplicáveis deve ser a eleita.
As considerações de prevenção geral surgem, unicamente sob a forma de conteúdo mínimo de prevenção de integração indispensável à defesa do ordenamento jurídico, como limite à actuação das exigências de prevenção especial de socialização.
O que quer dizer que, desde que impostas ou aconselhadas à luz de exigências de socialização, a pena alternativa ou a pena de substituição só não serão aplicadas se a execução da pena de prisão se mostrar indispensável para que não sejam postas irremediavelmente em causa a necessária tutela dos bens jurídicos e estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias”, cfr. Figueiredo Dias, in Direito Penal Português, As consequências jurídicas do crime, 331/3.

III. 4. 4. 3. 3. Ao crime corresponde a moldura penal abstracta de prisão até 4 anos e 4 meses ou pena de multa até 400 dias, cfr. artigos 23.º/2, 73.º/1 e 204.º/1 C Penal.

Se, como vimos, a escolha da pena – entre pena privativa e não privativa da liberdade - depende unicamente de considerações de natureza preventiva, geral e especial, posto que a opção a tomar tem em vista a realização das finalidades da punição, ié., a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade – sendo que o julgador só não deve optar pela cominação de pena não privativa da liberdade quando a mesma não se mostre consentânea, isto é, não realize de forma adequada as referidas finalidades, então no caso em apreço há que atentar, que avultando, muito embora, as necessidades de prevenção geral – dada a frequência assustadora e inusitada com que acontecem atentados contra a propriedade desta natureza – as exigências de prevenção especial, já não assumem a mesma intensidade, pois que se não demonstra estar o arguido assim tão carecido de intervenção a esse nível, donde, cremos bem que no caso se não impõe a aplicação de uma pena privativa da liberdade, posto que, a pena não detentiva, realiza, ela própria, no caso, as finalidades da punição.
Assim, se através da escolha da pena, imporá se contribua, para, especialmente, por parte do arguido – o certo é que não está o arguido tão carecido de intervenção a este nível, já que o passado criminal apenas aponta para um crime de dano, ainda assim, ocorrido 6 anos antes da prática dos factos destes autos – e, assim, concluímos pela aplicação de pena pecuniária, que se revela, no caso, ainda, suficiente e adequada a atingir as apontadas finalidades.

III. 4. 4. 3. 4. E assim, haveria que proceder agora à determinação da medida concreta da pena, tendo presente a amoldura de 10 a 400 dias – ponderando-se, nos termos do artigo 71,º C Penal, quer as apontadas necessidades de prevenção, geral e especial, o grau de ilicitude, adstrito à forma de actuação, ao valor da coisa, ao facto de ter sido recuperada e entregue ao proprietário, sem dano ou prejuízo, bem como afinal, o apontado antecedente criminal do arguido.
Factores que porventura demandariam a aplicação de uma pena de multa de resultado final superior aos 90 dias, aplicados na decisão recorrida.
Só que em obediência ao princípio da proibição da “reformatio in pejus”, consagrado no artigo 409,º/1 C P Penal, uma vez que apenas o arguido apresentou recurso, nada mais resta, agora senão, manter intocada a pena aplicada ao arguido na 1.ª instância - que não pode ser agravada, em recurso apenas por si interposto – sendo que a questão da sua agravação, apenas surgiu, extemporaneamente, na pena do MP na resposta que apresentou ao recurso.
Donde, em, conclusão, cremos estar este segmento do recurso votado ao sucesso – ainda que sem repercussão prática no resultado final da medida da pena, apenas no percurso seguido para a ela se chegar.
Pois que em vez de os 90 dias traduzirem o resultado de uma pena de substituição da prisão, passam a ser aplicados a título de pena principal – que se não for paga terá a correspondência da prisão subsidiária de 60 dias, nos termos do artigo 49.º/1 C Penal e, já não como resultaria da decisão recorrida, ao abrigo do artigo 43.º/2 C Penal, o cumprimento da prisão substituída, de 90 dias.
IV. Dispositivo
Nestes termos e com os fundamentos mencionados, acordam os Juízes que compõem este Tribunal, em conceder, parcial provimento ao recurso apresentado pelo arguido B…, em função do que,
1- se altera o texto do ponto 8. dos factos provados, de forma a que dele passe constar, ao invés de, “do certificado de registo criminal do arguido consta um condenação pela prática de um crime de furto por sentença transitada em julgado em 11.02.2013”, passe constar, ”o arguido foi condenado por sentença de 12.4.2012, transitada a 11.2.2013, na pena de 180 dias de multa, à taxa diária de €5,00, pela prática a 17.2.2009, de um crime de dano qualificado, p. e p. pelo artigo 213.º/1 alíneas a) e c) C Penal” e,
2 – se mantém, a pena de 90 dias de multa, agora a título de pena principal, a que corresponde a prisão subsidiária de 60 dias de prisão.

Sem tributação.

Consigna-se, nos termos do artigo 94º/2 C P Penal, que o antecedente acórdão foi elaborado e integralmente revisto pelo Relator, o 1º signatário.

Porto, 2017.março.24
Ernesto Nascimento
José Piedade