Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | JOSÉ PIEDADE | ||
Descritores: | CRIME DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA MENORES INIMPUTABILIDADE ELEMENTO SUBJECTIVO ELEMENTO OBJECTIVO RELAÇÃO DE NAMORO CONCEITO INDETERMINADO CONCRETIZAÇÃO DA FACTUALIDADE ALEGADA | ||
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Nº do Documento: | RP202309131579/22.1Y2VNG.P1 | ||
Data do Acordão: | 09/13/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | JULGADO PROCEDENTE O RECURSO INTERPOSTO EM REPRESENTAÇÃO DO MENOR | ||
Indicações Eventuais: | 4ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I – Sendo o recorrente inimputável em razão da sua idade (consideram-se inimputáveis os menores de 16 anos), nunca se pode considerar preenchido o elemento subjectivo do tipo, mas apenas o elemento objectivo. II – O crime de violência doméstica tem na sua génese a prevenção das formas de violência no âmbito da família, nos vários tipos de relacionamento que nela agora são considerados. III – A expressão “relação de namoro” constitui um conceito indeterminado que tem de ser preenchido e concretizado com factos adicionais ou complementares. IV – Não é razoável atribuir a um jovem de 13/14 anos o preenchimento ─ ainda que a nível objectivo ─ do tipo do crime de violência doméstica no âmbito de uma “relação de namoro”, sem se especificar e concretizar, minimamente, em que consistiria esse “namoro”, quais as suas circunstâncias e características. [Sumário da responsabilidade do relator] | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Proc. N.º 1579/22.1Y2VNG.P1 Tribunal Judicial da Comarca do Porto, V.N.Gaia - Juízo Fam. Menores - Juiz 4 Acordam, em Conferência, os Juízes desta 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto: No Tribunal Judicial da Comarca do Porto, V.N.Gaia - Juízo Fam. Menores - Juiz 4, processo Tutelar Educativo supra referido, respeitante ao menor AA, foi proferida Sentença com o seguinte dispositivo: “Nestes termos, decide-se 1) Considerar que o jovem praticou factos que integram os elementos objetivos e subjectivos de um crime de violência doméstica, previsto no artigo 152º, nº 1, alínea b) do Código Penal, ao qual corresponde uma pena de prisão de um a cinco anos; 2) Em consequência, considerando a necessidade de educar o jovem para o direito, nos termos das disposições conjugadas dos arts. 2.º, 4.º/1, g), 11 e 12, 15º, nº1, al f) da Lei Tutelar Educativa, por entender ajustada às circunstâncias do caso, aplicar ao jovem a medida tutelar educativa de frequência de programa formativo, designadamente de programa de aquisição de competências pessoais e sociais nos termos do disposto no arrigo 4º, nº1, al. g) e 15º, nº1, al f) da LTE, pelo período de 3 (três) meses, a indicar pela D.G.R.S.(cfr. Informação já prestada ao abrigo do art. 21º da LTE). 3) Determinar a remessa de boletins para averbamento ao registo; 4) Condenar os pais do jovem no pagamento das custas, com taxa de justiça no mínimo legal, cf. art. 8.º/9 do Regulamento das Custas Processuais e Tabela III anexa (separador “Processos Tutelares educativos”) e art. 11/2 da Portaria n.º419-A/2009, de 17.04.” * Desta decisão foi interposto recurso em representação do menor AA, sendo formuladas as seguintes conclusões:* “A) O presente recurso tem como fundamentos: i) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada; ii) Erro notório na apreciação da prova; iii) Errada aplicação do direito. -Da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada B) A matéria provada é, além de parcialmente conclusiva, manifestamente insuficiente para a decisão de se considerar que o jovem praticou factos que integram os elementos objetivos e subjetivos do gravíssimo crime de violência doméstica, previsto no artigo 152º, n.º 1 alínea B) do Código Penal. C) Desde logo, no facto n.º 1 do paragrafo 1, quando se diz que “AA e BB, adiante designada por BB, mantiveram uma relação de namoro entre meados de 2020 e Julho de 2021 sem descrever minimamente os factos que permitam chegar à conclusão de que a relação era mesmo uma relação de namoro. D) O que assume especial acuidade quando os factos que são imputados remontam a uma altura em que o jovem AA teria apenas 11 anos (em 2018) ou 13 anos (em 2020) e havia, fruto da pandemia global conhecida (COVID19) restrições enormes aos contactos e deslocações dos cidadãos. E) A decisão recorrida não descreve de todo as características do alegado relacionamento, designadamente onde se encontravam, quantas vezes se encontravam, o que faziam quando se encontravam, que planos de futuro congeminavam, que tipo de intimidade existia, se o faziam em privado ou em publico, etc. F) Todos estes factos se mostravam essenciais para concluir se existia relação entre os jovens e a existir se era de namoro ou outra qualquer supra se transcrevendo na motivação deste recurso o Acórdão do TRE proferido no processo nº 9/17.5GBABF.E1 exímio em tal explicação. G) Acreditam-se que in casu inexistia qualquer relação de namoro nos termos e para os efeitos da norma em apreço. Sem prejuízo, H) Mesmo que se considere que existia relação de namoro, todos os outros factos continuam a não ser bastantes para integrar os elementos objectivos e subjetivos do crime de violência doméstica, previsto no artigo 152.º, nº 1, alínea b) do Código Penal, sendo que um inclusivamente o afasta completamente. I) Efetivamente o facto 3 do paragrafo 1 é determinante para afastar de todo a subsunção dos mesmos no crime de violência doméstica, pois nenhuma vítima real desse crime poderá ter no seu espírito que o comportamento do agressor era uma brincadeira. - Do Erro notório na apreciação da prova J) Não foi produzida qualquer prova que permita dar como provado os factos 5, 7, 9 e 10 sempre do paragrafo 1. L) Sendo que o exame referido no artigo 8 do paragrafo foi realizado já no âmbito dos presentes autos em 27/10/2022, mais de um ano depois do fim do alegado relacionamento (Julho de 2021). - Ponto 5 M) Não foi produzida qualquer prova que a BB tivesse faltado às aulas e que houvesse alguma ligação entre o alegado comportamento do AA ao facto da BB ter reprovado no 10º ano, sendo que a própria BB declarou que tinha negativas no fim do primeiro período (fins de 2020) a todas as disciplinas por se sentir desmotivada no curso científico que frequentava, razão pela qual veio, posteriormente, a mudar de área científica no ensino secundário, conforme seu depoimento gravado no sistema Habilus media Studio disponível na aplicação informática Citius em uso no Tribunal a quo. N) E que o alegado comportamento do AA só ocorreu em inicio de 2021, fins de Janeiro, Fevereiro. - Ponto 7 O) Não foi produzida qualquer prova em audiência, nem existe qualquer documento que permita concluir que a BB tivesse sido observada em consulta de Psiquiatria, sendo que a BB sua Mãe e Avó negaram isso em audiência! - Ponto 9 P) Não foi produzida qualquer prova que o jovem AA estivesse ciente do que quer que seja, até porque era um jovem de tenra idade e não foi feita prova de qualquer facto que nos permitisse inferir tal consciência. Q) O crime de violência doméstica é gravíssimo “sendo que por força da norma incriminadora apenas se acalentam condutas efetivamente maltratantes, ou seja, todas aquelas que ponham em causa a dignidade da pessoa humana, conduzindo à sua degradação pelos maus tratos”, cfr AC TRE de 28/02/2023 e não poderá ser banalizado como se julga ter ocorrido nos presentes com a conduta imputável ao Jovem AA, sendo que muito bem lembra o Acórdão proferido pelo TRL em 14/10/2020 e disponível em www.dgsi.pt que “O crime de violência doméstica não tutela bagatelas penais e a sua incriminação não deve ser banalizada, sob pena de violação do princípio constitucional da proporcionalidade e de total desconsideração pelo sofrimento e necessidades de protecção das vítimas de reais situações de violência doméstica.”, aí se lembrando sabiamente os perigos de banalização de tão grave crime, como se acredita sucedeu nos presentes. Nestes termos e nos melhores de direito que V.Exas certamente mui doutamente suprirão, deve ser revogada a sentença recorrida e arquivado o presente processo, até porque não existe queixa crime que permita perseguir o jovem por outro qualquer crime que não um crime público.” * Em 1ª Instância, o MºPº defendeu a improcedência do recurso.* Neste Tribunal, o Sr. Procurador-Geral Adjunto pronunciou-se, igualmente, pela improcedência do recurso.* Com interesse para a decisão a proferir, é o seguinte o teor da Sentença recorrida:* Factos Provados “§1.º - AA (.../.../2006) e BB (.../.../2005), adiante designada por BB, mantiveram uma relação de namoro entre meados de 2020 e Julho de 2021. 2º - Em datas que não se conseguiram apurar, mas que se situam entre meados de 2020 e Julho de 2021, AA desferiu por diversas vezes, um número não concretamente apurado de murros, de mão fechada, nos braços de BB. 3º - Em consequência destas agressões, BB ficou com diversos hematomas, mas nunca recorreu aos serviços hospitalares, por entender que o comportamento de AA era uma brincadeira. 4º - Além disso, em datas não concretamente apuradas, mas que se situam entre meados de 2020 e Julho de 2021, AA apelidou BB de “Vaca” e “Puta”. 5º - Fruto do comportamento de AA, BB sentiu-se muito triste, ansiosa e fragilizada, faltou às aulas, tendo reprovado no 10º ano. 6º - Além disso, por medo que AA terminasse o relacionamento, BB não contava a ninguém as agressões que sofria. 7º - Motivo pelo qual, em Janeiro de 2021, BB foi observada em consulta de psiquiatria no Hospital .... 8º - E, ainda, foi sujeita a exame médico-legal, no âmbito de psiquiatria da infância e da adolescência forense, que constatou que BB “apresenta sintomatologia compatível com depressão, em particular humor deprimido, isolamento e autolesões. Em termos de personalidade, revelou apresentar um perfil de vítima com uma grande passividade e dependência emocional do agressor”. 9º - Com todas as descritas condutas, AA estava ciente de que perpetrava aqueles atos na pessoa da ofendida, que era a sua namorada. 10º - Agiu sempre com o propósito de a insultar, intimidar e agredir física e psicologicamente, bem sabendo que as suas condutas eram adequadas e idóneas a provocar na ofendida receio e mazelas físicas, o que de facto aconteceu, e que, dessa forma, afetava o bem-estar físico e psíquico da mesma. 11º - AA agiu sempre livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas pela lei penal. § 2.º - O jovem vive com os seus progenitores e uma irmã germana. Habitam em casa própria, inserida em contexto socio-residencial de configuração suburbana, ao qual não se associam problemáticas sociais específicas. O jovem frequenta o 11º ano de escolaridade, na Escola Secundária ..., no curso de Ciências e Tecnologias, pautando o seu percurso escolar com regularidade e sucesso. O jovem em termos comportamentais adota um estilo de vida direcionado para o cumprimento das regras e expetativas sociais e manifesta respeito por alternativas socialmente ajustadas, não aparentando uma orientação antissocial. O jovem não possui antecedentes tutelares educativos.” * Motivação da convicção do Tribunal“A decisão da matéria de facto assentou, quanto aos factos do § 1.º, no depoimento da referida BB, que descreveu os factos de forma circunstanciada, referindo o período efetivo de namoro, não obstante se conhecerem desde 2018, como se sentia com o comportamento do jovem, e que como gostava dele entendia como uma brincadeira, não se queixando; conjugado com os depoimentos de CC e DD, respetivamente avó e mãe da BB, pessoas que confirmaram os hematomas que esta começou a apresentar, sendo que o “amigo” que a BB tinha era o jovem AA; considerou-se ainda o depoimento de EE, que presenciou comportamentos do jovem para com a BB e a forma como esta ficava após tais comportamentos, e bem assim que tinha acesso à conta de Instagram daquela e via as mensagens que aquele enviava. A testemunha FF não foi valorada por o seu depoimento se revelar comprometido e não sustentado. Quanto aos factos do § 2.º, a decisão da matéria de facto assentou no relatório da DGRS. O último facto decorre do certificado de registo de medidas tutelares educativas.” * Qualificação Jurídica“Os factos provados demonstram que o jovem praticou factos que integram os elementos objetivos e subjetivos de um crime de violência doméstica, previsto no artigo 152º, nº 1, alínea b) do Código Penal, ao qual corresponde uma pena de prisão de um a cinco anos. Justificam a aplicação de medida tutelar educativa. As medidas tutelares encontram-se taxativamente tipificadas no artigo 4.º e ordenadas segundo a sua crescente gravidade, ou seja, pelo grau de limitação ou de restrição que, em abstrato, se considera que cada medida é suscetível de representar para a generalidade dos jovens, no que se refere à sua autonomia de decisão e de condução de vida. Ademais, encontram-se divididas em medidas tutelares não institucionais e medidas tutelares institucionais.” * Colhidos os Vistos, efectuada a Conferência, cumpre apreciar e decidir.* * * Das conclusões, delimitadoras do respectivo objecto, extrai-se que no recurso, interposto em representação do menor AA, se pretende suscitar as seguintes questões:- Insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, e erro notório na apreciação da prova; - Errada aplicação do Direito. * Em síntese, foi considerado provado que o AA (nascido em .../.../2006) e BB (nascida em .../.../2005), “mantiveram uma relação de namoro entre meados de 2020 e Julho de 2021” (teria o AA 13/14 anos e a BB 15/16 anos), e, “em datas que não se conseguiram apurar” desse período “desferiu por diversas vezes, um número não concretamente apurado de murros, de mão fechada, nos braços de BB”, tendo esta ficado com hematomas, “mas nunca recorreu aos serviços hospitalares”, por entender que “era uma brincadeira”.Nesse mesmo período, em datas não apuradas, apelidou-a de “vaca” e “puta”. Com estes factos, considera-se estar preenchido, “a nível objectivo, e subjectivo” o crime de violência doméstica, e impõe-se-lhe a medida tutelar educativa em causa. * No recurso começa-se por escrever que o recurso tem como fundamentos a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, erro notório na apreciação da prova, e errada aplicação do direito. No entanto, mais do que os referenciados vícios da decisão sobre a matéria de facto, o que na realidade se exprime, ao longo de toda a argumentação do recurso é uma discordância sobre o decidido em matéria de Direito. Ir-se-á, pois, centrar a apreciação do recurso nessa matéria. Não deixa, porém, de se referir que -- para além de conclusivo -- se evidencia como violador das regras da lógica e da experiência comum, o facto n.º5 onde se escreve que “fruto do comportamento de AA, BB sentiu-se muito triste, ansiosa e fragilizada, faltou às aulas, tendo reprovado no 10º ano”. É uma conclusão temerária, manifestamente exagerada: é das regras da lógica e da experiência comum, que para tal reprovação, terão certamente concorrido várias causas. * Centrando-nos, pois, na matéria de Direito, na qualificação jurídica escreve-se, singelamente, que “os factos provados demonstram que o jovem praticou factos que integram os elementos objectivos e subjectivos de um crime de violência doméstica”.Começa-se, deste modo, logo por cometer um erro elementar acerca do preenchimento do tipo. Sendo o recorrente inimputável em razão da sua idade (consideram-se inimputáveis os menores de 16 anos), nunca se pode considerar preenchido o elemento subjectivo do tipo, mas apenas o elemento objectivo. Se é considerado inimputável, isso quer dizer que a Lei não lhe atribui ainda o discernimento suficiente para representar a situação, consciencializar a ilicitude da mesma e agir de acordo com essa avaliação (daí que se esteja apenas perante um processo tutelar, e não perante um processo criminal). Ou seja, o elemento subjectivo não se verifica. Mas o principal erro da decisão não é este (que seria, aliás, sanável). O principal erro respeita ao elemento objectivo do tipo em causa. Escreve-se que “os factos provados demonstram que o jovem praticou factos” que o integram. Pois bem, não demonstram. Concretizando, o tipo objectivo que se considera preenchido, é o seguinte: artigo 152.º, violência doméstica, “quem, de modo reiterado ou não, infligir maus-tratos físicos ou psíquicos, incluindo castigos corporais a pessoa de outro sexo com quem o agente tenha mantido uma relação de namoro”. Assiste-se, no caso, à simples utilização deste conceito indeterminado “relação de namoro”, inscrito no tipo do art.152.º, sem qualquer concretização e caracterização. Ora, tratando-se de um conceito indeterminado, mandam as regras da interpretação e da aplicação da Lei, que o mesmo seja preenchido e concretizado com factos adicionais ou complementares. Isso não se verificando, mostra-se desde logo violado o princípio da tipicidade que impõe a especificação -- na medida do razoável e do possível, em cada caso -- dos factos que preenchem a previsão típica. Na realidade, o que aqui se depara é com a atribuição de uma improvável “relação de namoro”, para efeitos da prática de um crime de violência doméstica, a um rapaz de 13/14 anos e uma rapariga de 15/16 anos, sem se especificar e concretizar -- minimamente -- em que consistiria esse “namoro”, quais as suas circunstâncias e características. Das dificuldades de preenchimento deste conceito, mesmo entre adolescentes de maior idade ou entre adultos, nos é dada conta num estudo da autoria de Diana Ferreira (“Relações de namoro -- relações abrangidas e excluídas do artigo 152º do Código Penal”, Universidade Católica Portuguesa), onde se reconhece que “este conceito devido à sua fluidez, fará surgir grandes dificuldades de aplicação prática nos tribunais, especialmente no que diz respeito à matéria probatória”, e citando André Lamas, acaba-se por o definir como ”um relacionamento amoroso em que duas pessoas assumem o desejo de se conhecer mutuamente, de forma mais íntima, em que não estando obrigados a deveres conjugais, estabelecem valores, compromissos, interesses e desejos que podem passar pela fidelidade, a comunicação, o tempo com outros e com o outro, sem que tenha de existir um objectivo que culmine em coabitação ou casamento, sendo uma ligação que depende de alguma estabilidade”) Esta caracterização, evidencia a improbabilidade da sua verificação no caso em apreço. Mas a análise deste caso não se pode ficar por aqui: o que está a ser imputado -- a nível objectivo -- a este jovem, na altura com 13/14 anos, é o preenchimento do tipo do crime de violência doméstica. Mostra-se, assim, necessário relembrar que o crime de violência doméstica tem na sua génese a prevenção das formas de violência no âmbito da família, nos vários tipos de relacionamento que nela agora são considerados. É isso mesmo que é sinalizado pela continuação do uso do termo “violência doméstica”, o vocábulo “doméstica” deriva do latim “domesticus”, relativo à vida de casa, familiar. Por outro lado, é sabido que este crime -- que foi separado do crime de maus-tratos em 2007 (Lei 59/2007) -- é um crime complexo, cujos actos integrantes são susceptíveis, se autonomizados, de constituir os crimes de ofensa à integridade física, ameaças, injúrias ou difamação, nomeadamente. Para que o tipo do art. 152.º do CP se mostre preenchido é necessário que o «infligir maus-tratos físicos ou psíquicos, incluindo castigos corporais, privações da liberdade e ofensas sexuais», revistam relevância e dimensão suficientes para justificarem a sua subsunção a esse tipo legal mais grave. No caso, mais evidente, mais simples, mais compreensível seria encaminhar o processo tutelar para a prática de ofensas à integridade física e injúrias, e, com base no preenchimento dos elementos objectivos desses crimes, aferir da necessidade de aplicação de uma medida tutelar educativa. Não é razoável atribuir a este jovem de 13/14 anos o preenchimento do tipo do crime de violência doméstica, no âmbito de uma “relação de namoro”. Não estamos perante “violência doméstica”, estamos, quando muito, perante “violência juvenil”. Isto dito, não é esta a forma eficaz e adequada de prevenir e combater a violência nos grupos juvenis, nomeadamente a entre géneros, de que este caso constituirá um pequeno afloramento. Neste enquadramento, e dado todo estigma atribuído, nos tempos actuais, à “violência doméstica”, a eventual medida educativa poderia transformar-se em “deseducativa” se o menor a não compreendesse, e a tomasse como injusta (como o denota a argumentação do recurso que em sua representação foi interposto). Em conclusão, o recurso merece provimento, devendo a decisão ser revogada. * Nos termos relatados, decide-se julgar procedente o recurso interposto em representação do menor AA, revogando-se a Sentença que lhe aplicou a medida tutelar educativa, supra referenciada.* * * Sem custas.* Porto, 13/09/2023José Piedade Horácio Correia Pinto Moreira Ramos |