Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1174/13.6TTPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JOÃO NUNES
Descritores: DESPEDIMENTO COLECTIVO
FUNDAMENTO
COMISSÃO DE TRABALHADORES
NEGOCIAÇÃO
Nº do Documento: RP201505261174/13.6TTPRT.P1
Data do Acordão: 05/26/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROVIDO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: I - A existência de fundamentos para o despedimento colectivo há-de aferir-se de modo objectivo, perante as circunstâncias invocadas pela empregadora para esse despedimento.
II - Verifica-se o fundamento objectivo para o despedimento colectivo se a empregadora procede a reorganização dos serviços, encerra o seu Call Center no Porto para concentrar os serviços no Call Center de Lisboa, que dota de melhores condições de funcionamento, mostrando-se, por isso, adequado o despedimento colectivo dos trabalhadores que prestavam serviço naquele Call Center.
III - Em razão do encerramento do Call Center do Porto, a empregadora não se encontrava legalmente obrigada a transferir os trabalhadores para o Call Center de Lisboa.
IV - Da circunstância de nas negociações com a respectiva comissão de trabalhadores, a empregadora ter proposto a admissão de 06 dos 12 trabalhadores despedidos do estabelecimento do Porto, mediante a celebração de novos contratos de trabalho não decorre, por si só, que a mesma tenha agido com abuso de direito.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. n.º 1174/13.6TTPRT.P1
Secção Social do Tribunal da Relação do Porto
Relator: João Nunes; Adjuntos: (1) Des. António José Ramos, (2) Des. Eduardo Petersen Silva.

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:

I. Relatório
B… (NIF ………, residente na Rua …, n.º .., R/C ET, ….-… Porto) intentou em 03-09-2013, no extinto Tribunal do Trabalho do Porto, a presente acção, com processo especial, de impugnação de despedimento colectivo, contra C…, Lda. (NIPC ………, com sede na …, n.º …, ..º, ….-… Lisboa), pedindo a condenação desta a:
«1. ver decretada a invalidade da cessação por ela decidida, com a manutenção em vigor do seu contrato de trabalho com o A.;
2. indemnizar o A. por todos os danos patrimoniais sofridos, pagando-lhe o valor global das suas retribuições (salário, diuturnidades, subsídio de turno, subsídio de alimentação, tudo no valor mensal de € 1.394,28 e os subsídios de natal e de férias, cada um no valor anual de € 1.244.02), desde a data do despedimento e até à data do trânsito em julgado da ilicitude, ressalvadas as deduções a que se refere o art. 390.º/2 do Cód. do Trabalho;
3. indemnizar o A. por todos os danos não patrimoniais por ela causados, em quantia não inferior a € 15.000,00;
4. reintegrar o A. ao seu serviço em conformidade com o disposto no art. 389.º/1/b) do Cód. do Trabalho;
5. reconhecer que a remuneração de base é de € 992,27».

Alegou para o efeito, em síntese e no que ora releva, que foi admitido ao serviço de C1… em 28 de Outubro de 1991, que em 01 de Janeiro de 2007 o contrato de trabalho se transmitiu para a aqui Ré, e que por carta de 27 de Maio de 2013 esta lhe comunicou a cessação do contrato por despedimento colectivo, com produção de efeitos a 15 de Agosto de 2013.
No entanto, o despedimento é ilícito, por improcedência dos motivos justificativos, uma vez que embora a Ré tenha encerrado o Centro de Coordenação ou Call Center do Norte, sito no Porto, onde trabalhavam 12 trabalhadores Coordenadores, incluindo ao Autor, dispunha de 06 postos de trabalho no Centro de Coordenação localizado em Lisboa, para onde podia transferir alguns desses trabalhadores: no entanto não deu aos trabalhadores em causa a possibilidade de serem transferidos para o Centro de Coordenação de Lisboa.
Acrescentou que devolveu à Ré a compensação que esta pôs à sua disposição pelo despedimento e que o comportamento da mesma lhe causou danos patrimoniais e não patrimoniais que justificam indemnização.

Citada a Ré para, querendo, contestar a acção, veio a fazê-lo, sustentando, muito em resumo e também no que ora releva, que por motivos estruturais – por reestruturação da sua organização produtiva – e de mercado – dada a redução da sua actividade – teve que encerrar o Centro de Coordenação ou Call Center …, onde o Autor trabalhava, pelo que se mostra justificado o despedimento colectivo.
Concluiu, por isso, pela improcedência da acção e juntou o processo de despedimento colectivo.

Em cumprimento do disposto no artigo 156.º, n.º 3, do Código de Processo do Trabalho, foram chamados à acção os outros trabalhadores abrangidos pelo despedimento colectivo, não tendo, na sequência, qualquer deles tido intervenção nos autos.

O tribunal nomeou assessor nos termos e para os efeitos previstos no artigo 158.º, n.º 1, do compêndio legal referido, e as partes indicaram os respectivos peritos para assessorar aquele.
O assessor nomeado apresentou relatório sobre os factos e fundamentos do despedimento colectivo, em que apresentou as seguintes conclusões:
«18. A evolução do volume de pedidos de assistência através dos Call Centers, em geral, e a situação específica do da … era desfavorável no momento em que foi decidida a reestruturação da atividade que motivou o despedimento coletivo;
19. A C… realizou em 2011 e 2012 um conjunto de investimentos significativos que permitiram melhorar a eficiência e eficácia do serviço prestado;
20. Em situações como a descrita nos pontos anteriores, uma das medidas de gestão aconselhável é a reorganização e otimização do fluxo global de produção, logística e comercial, com o objectivo de ajustar os custos ao nível de atividade da empresa, atual e prevista.
21. A centralização da Coordenação do serviço de Call Centers enquadra-se neste tipo de medidas de gestão aconselháveis.
22. No contexto descrito, consideramos que se encontra fundamento económico (de mercado e estruturais) para medidas de gestão conducentes ao despedimento coletivo.».
E cada um dos técnicos indicados pelas partes para assistir o assessor apresentou um relatório, em separado, nos autos.

Procedeu-se a audiência preliminar e em 27-11-2014 foi proferido despacho saneador, que julgou improcedentes os fundamentos invocados pela Ré para o despedimento colectivo, nos termos do artigo 381.º, al. b), do Código do Trabalho, julgando, nessa parte, procedente a pretensão do Autor nessa declaração.
Mais se determinou o prosseguimento dos autos, a fim de apreciar os restantes pedidos formulados pelo Autor.

Inconformada com o assim decidido, quanto à improcedência dos fundamentos invocados para o despedimento colectivo e, por consequência, procedente a pretensão do Autor quanto à declaração de ilicitude do despedimento colectivo, dele veio a Ré interpor recurso para este tribunal, arguindo, desde logo, expressa e separadamente, a nulidade da sentença por oposição entre os fundamentos e a decisão.
E a terminar as alegações formulou as seguintes conclusões:
«A) Como se arguiu logo no requerimento de interposição de recurso, entende a R./Recorrente que, por se verificar oposição entre a decisão contida no saneador- sentença recorrido e os seus fundamentos, se encontra preenchida a causa de nulidade referida na alínea c) do n.° 1 do artigo 615.° do Código de Processo Civil (CPC), sendo que, ainda que assim não se entenda, sempre constituirá o vício invocado motivo bastante de impugnação do mesmo saneador-sentença.
B) Com efeito, ao assumir no seu n.° 61 que a Recorrente "avançou para o despedimento colectivo sem" ter "dado a conhecer" aos trabalhadores visados "aquele seu propósito de ocupar os novos postos de trabalho no …" - e ao fundar em tal constatação o seu juízo quanto à verificação de abuso de direito, o saneador-sentença recorrido entra em grave contradição com os factos que dá como provados.
C) Relembre-se, a este propósito, que, na "matéria de facto assente", o despacho em apreço inclui a constante de diversos artigos da p.i. do A. e que, entre tais artigos, se conta o art. 34.º, relativo à acta da reunião de 3 de Abril de 2013, junta aos autos como doc. n.° 8,
D) Acta essa cujo conteúdo, documentalmente provado - e não só invocado, mas citado pelo próprio saneador-sentença nos n.°s 44 e 45 supra aludidos - atesta que nessa ocasião a ora Recorrente, anunciou a sua intenção de admitir "seis dos doze trabalhadores afectos ao Centro de Coordenação …, a encerrar", para preencher vagas no seu estabelecimento no …, Lisboa, e, nessa medida, refuta a insustentada versão dos factos na qual o despacho baseia a sua desacertada decisão.
E) Por outro lado, o saneador-sentença, ao decidir pela improcedência dos fundamentos de todos os 12 despedimentos efectuados na sequência do encerramento do Centro de Coordenação …, incorreu numa patente e grave contradição entre a decisão proferida e o fundamento que a suporta - o pretenso abuso do direito de proceder a um despedimento colectivo.
F) De facto, ao concluir que a Recorrente "actuou em abuso de direito, quando, podendo apenas despedir seis trabalhadores", despediu mais (n.°s 63, 64 e 48), o saneador-sentença reconheceu irrefutavelmente que apenas parte dos despedimentos dos trabalhadores do Centro de Coordenação … teriam sido abusivamente efectuados - e de que os demais o haviam sido licitamente -,
G) Isto com necessários reflexos no plano decisório: só os despedimentos relativamente aos quais se verificasse tal motivo deveriam ser declarados ilícitos, e esses seriam, à luz desse mesmo motivo, 6 dos 12 despedimentos realizados: precisamente os 6 efectuados em excesso face aos 6 que ao empregador eram permitidos (v., neste sentido, os n.°s 57 e 61).
H) Sucede, porém, que quer o A. na sua p.i., quer o Mm.º Juiz a quo no saneador- sentença que ora se impugna, se quedaram pelas afirmações e considerações genéricas e abstractas supra transcritas acerca do "abuso de direito de proceder a um despedimento colectivo" verificado no caso, sendo que em momento algum o A. fez sequer menção de alegar factos que permitissem ao Mm.º Juiz a quo determinar quais, de entre os 12 trabalhadores despedidos, eram os 6 que o haviam sido abusivamente, nos termos por si invocados, quando era sobre o A. que recaía tal ónus, nos termos do artigo342.°, n.° 1, do Código Civil.
I) Perante esta clamorosa insuficiência na estratégia seguida pelo A., deveria o Mm.º Juiz a quo ter constatado a impossibilidade de proferir a decisão nos termos pretendidos por falta de elementos de facto que a suportassem, e, por isso, julgar improcedente a pretensão formulada pelo A., a que alude no n.° 64.
J) Não o fez, contudo, tendo, ao invés, optado por "julgar improcedentes os fundamentos invocados para esse mesmo despedimento colectivo", que "não podia ter lugar com a extensão que teve" (n.°s 64 e 63), ou seja, em manifesto excesso face ao fundamento invocado - que, quando muito, justificaria a improcedência de seis desses despedimentos -, decidiu pela improcedência dos 12 despedimentos efectuados na sequência do encerramento do Centro de Coordenação da …, incorrendo, assim, no vício constante da alínea c) do n.° 1 do artigo 165.° do CPC.
K) Julga o saneador-sentença em questão "improcedentes os fundamentos invocados para esse mesmo despedimento colectivo, nos termos do art. 381.°, al. b)", do CT, assim procedendo "a pretensão do Autor nessa mesma declaração" (n. 64).
L) Sucede, porém, que esta construção e os argumentos que a pretendem sustentar assentam na errada interpretação e aplicação de várias normas legais e contrariam factos dados como provados no presente processo, pelo que não podem de modo algum proceder.
M) A simples leitura do saneador-sentença, em muitas das suas passagens, evidencia aquele que é o primeiro dos muitos erros em que assenta a tese do abuso de direito: a sistemática confusão - e a consequente assimilação - entre os fundamentos ou motivos do despedimento colectivo e o fim por este visado.
N) Confusão que resulta bem patente do cotejo dos seus n.°s 56, que anuncia haver abuso do direito "sempre que a extensão e o alcance do despedimento colectivo não estejam respaldados - no todo ou em parte - pelas razões económico-financeiras que estão na sua origem" e 62, que reconduz o mesmo pretenso abuso do direito a "excesso dos limites do fim económico do direito de proceder a um despedimento colectivo",
O) E que claramente faz perder de vista a função da motivação no contexto do despedimento colectivo: legitimar a decisão organizacional de redimensionamento ou de encerramento, habilitando o empregador a fazer cessar os contratos de trabalho em número adequado e congruente com a redução da actividade e do pessoal (que serão todos, no caso do encerramento), função essa que o saneador- sentença parece desconhecer ou esquecer quando admite como possível que um despedimento colectivo justificado por dadas "razões económico-financeiras" por dado motivo ... não seja por estas "respaldado" quanto à sua "extensão e alcance (n.º 56).
P) E, pior, quando decide, ao arrepio de toda a lógica e da mais elementar coerência que, apesar de existir "fundamento" para o despedimento colectivo de todos os trabalhadores do Centro de Coordenação … encerrado ... são "improcedentes os fundamentos invocados para esse mesmo despedimento colectivo" (n.°s 63 e 64) - isto é, declara totalmente imotivado um despedimento colectivo logo depois de o declarar indubitavelmente motivado! (n.° 63),
Q) O que causa tanto maior estranheza quanto se considere que o "fundamento" do despedimento colectivo pacificamente aceite pelo Mm.º Juiz a quo não é senão "encerramento de uma secção ou estrutura equivalente" (n.° 63).
R) A verdade, porém, é que no modelo entre nós há muito adoptado, o despedimento colectivo é necessariamente motivado - donde, ou o despedimento, tal como projectado, é, nos termos expostos, motivado e lícito; ou o despedimento não é, nos mesmos termos, motivado e será, então, ilícito.
S) Por tudo o que antecede, o que não pode é afirmar-se - como o faz o saneador- sentença recorrido - contra, insista-se, toda a lógica e toda a coerência e ignorando as opções do ordenamento quanto a este ponto - que o presente despedimento colectivo é fundamentado ... mas os seus fundamentos são improcedentes - nem, naturalmente, pretender estribar tal raciocínio nos artigos 359.°, n.° 1, e 381.°, n.° 21, al. b), do Código do Trabalho, totalmente alheios a tão arrevesada e absurda construção, razão pela qual, ao decidir como decidiu, o saneador-sentença errou na leitura e na aplicação de um e de outro preceito.
T) Acresce que o saneador sentença exprime, ainda, uma leitura a vários títulos errada do artigo 361.°, n.º 1, do CT, que tem como consequência a também errada aplicação que do mesmo preceito faz.
U) É, antes de mais, errada a afirmação que faz o saneador-sentença em causa quando, sem demonstrar, cinge o acordo a que se refere o artigo 361.°, n.° 1, do Código do Trabalho a "outras medidas que reduzam o número de trabalhadores a despedir" (n.° 60).
V) Que assim não é resulta da sua própria letra, para a qual o acordo não respeita exclusiva, nem sequer principalmente, a alternativas ao despedimento, antes incide, em primeira linha, sobre "a dimensão e os efeitos das medidas a aplicar", i.e., sobre o próprio despedimento e seus concretos reflexos na esfera dos trabalhadores abrangidos.
W) Mas resulta também da sua ratio, bem patente no preceito que lhe dá origem e [] que, contra o que insustentadamente proclama o saneador-sentença recorrido, não é o artigo 53.º da Constituição.
X) O artigo 361.º, n.° 1, do CT (que reproduz o artigo 420.°, n.º 1, do CT de 2003 e, antes deste, o artigo 18.°, n.° 1, do DL n.° 64-A/89, de 27 de Fevereiro) radica na Directiva n.° 98/59/CE do Conselho, de 20 de Julho de 1998, relativa è aproximação das legislações dos Estados-membros respeitantes aos despedimentos colectivos (que sucedeu à Directiva n.° 75/129/CEE, do Conselho, de 17 de Janeiro de 1975, relativa à aproximação das legislações dos Estados-membros respeitantes aos despedimentos colectivos).
Y) Tal Directiva estabelece um modelo de tutela do trabalhador através do procedimento, deixando outros aspectos de regime, como o montante da compensação, ao direito interno dos Estados.
Z) Constitui, com efeito, "objectivo principal da Directiva" n.° 98/59 "fazer preceder os despedimentos colectivos de uma consulta dos representantes dos trabalhadores e da informação da autoridade pública competente", com vista a "evitar ou reduzir as cessações dos contratos de trabalho" ou "atenuar as suas consequências": afirma-o, entre outros, o Acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia de 10 de Dezembro de 2009.
AA) Nesse sentido, o artigo 2.° da Directiva n.° 98/59 impõe ao empregador que pretenda efectuar um despedimento colectivo a "consulta em tempo útil dos representantes dos trabalhadores o objectivo de chegar a um acordo", pelo menos, sobre as possibilidades de evitar ou de reduzir os despedimentos colectivos, bem como sobre os meios de atenuar as suas consequências (n.°s 1 e 2).
BB) Igualmente determina o mesmo artigo 2.° que, de modo a permitir aos representantes dos trabalhadores "formular propostas construtivas, o empregador deve, em tempo útil, no decurso das consultas", facultar-lhes todas as informações necessárias e "comunicar-lhes, sempre por escrito", entre outros, os motivos do despedimento, o número e as categorias dos trabalhadores a despedir, os critérios a utilizar na selecção destes (caso a lei e/ou prática nacional lhe dêem essa competência), o método de cálculo de eventual indemnização de despedimento que não a que decorre das leis e/ou práticas nacionais (n.° 3).
CC) Nada mais alheio, portanto, à indemonstrada função que o saneador-sentença ora recorrido assaca a tal fase, erigindo-a numa espécie de obrigatória tentativa de conciliação tendo em vista um acordo impeditivo do despedimento.
DD) Tal visão, tão redutora quanto errada, informa toda a apreciação, também ela redutora e errada, que do presente caso faz o saneador-sentença.
EE) Refira-se, porque especialmente ilustrativa do que antecede, a forma depreciativa com que o mesmo se refere, nos seus n.°s 44 e 45, à proposta apresentada pela Recorrente, logo na primeira reunião de informação e negociação, realizada a 3 de Abril de 2013: segundo o Mm.º Juiz a quo, tal medida só se coadunaria com o prescrito no artigo 361.°, n.° 1, do CT, se a mesma constituísse uma alternativa ao despedimento, i.e., se destinasse a evitar o despedimento de 6 dos 12 trabalhadores visados.
FF) A verdade, porém, é que se o preceito do artigo 361.°, n.° 1, do CT alude expressamente a "medidas que reduzam o número de trabalhadores a despedir", que aliás exemplifica nas suas alíneas a) a d), estas não esgotam a sua previsão.
GG) Bem pelo contrário, integram tal previsão e, por isso, fazem parte desta fase, a informação e as negociações sobre os efeitos do despedimento colectivo - da compensação a atribuir aos trabalhadores a soluções que permitam a minimização dos efeitos negativos dos despedimentos colectivos - como em mais de uma ocasião sublinhou o Tribunal de Justiça da União Europeia, "as consultas previstas no artigo 2.° da Directiva 98/59 têm por objecto não só as possibilidades de evitar ou de reduzir os despedimentos colectivos mas também as possibilidades de atenuar as suas consequências pelo recurso a medidas sociais de acompanhamento que visam nomeadamente o auxílio à reintegração e à reconversão dos trabalhadores despedidos".
HH) Por último, e se dúvidas restassem - que não restam - quanto ao âmbito e finalidade da fase de informações e negociação, a que se refere o artigo 361.°, n.° 1, do CT, sempre haveria que relembrar que "o juiz nacional é obrigado a interpretar o direito nacional, na medida do possível, à luz do texto e dos objectivos da Directiva 98/59, de forma a que as obrigações que figuram nos seus artigos 2.° e 3.° sejam respeitadas e executadas".
II) É também errada a ideia, que subjaz à decisão tomada, de que a Ré não poderia licitamente despedir os trabalhadores do Centro de Coordenação …, sem tentar a sua recolocação - na fase de informação e negociação - nos postos de trabalho compatíveis existentes no Centro de Coordenação do ….
JJ) E é-o, desde logo por tais postos de trabalho - conforme bem o explicitou a Ré na reunião de 3 de Abril de 2013 - corresponderem a categoria inferior à de alguns dos trabalhadores em causa.
KK) E também por tais postos de trabalho - 6 - serem em número claramente inferior ao dos trabalhadores afectos ao Centro de Coordenação … encerrado - 12 -, o que inviabilizaria a sua oferta, sem mais, a todos eles, tal como propugnada pelo despacho-saneador ora recorrido ... que, patentemente não curou de antever as consequências de uma eventual aceitação dos mesmos por todos ou pela maior parte deles.
LL) Mas tal ideia é sobretudo errada diante daquela que é há muito a opção do nosso ordenamento juslaboral, de não impor ao empregador, como condição de licitude do despedimento colectivo - e ao contrário do que sucede em matéria de extinção do posto de trabalho (a expressa afirmação em contrário no n.° 47 do despacho-saneador ora recorrido deve-se, decerto, a lapso) - a recolocação dos trabalhadores atingidos.
MM) Ora, sobre este ponto, muito embora o saneador-sentença proclame, no seu n.° 47, que "a lei presentemente vigente" não determina "que a entidade empregadora só possa despedir trabalhador (...) quando não possa colocá-lo em outro compatível", tratando-se de despedimento colectivo, é bem outra a posição que assume quando:
- afirma, no seu n.° 58, que tendo a Ré anunciado "a necessidade de reforçar o seu Centro de Coordenação do … com mais seis trabalhadores", não poderia ter posteriormente despedido todos os trabalhadores do Centro de Coordenação …;
- insiste, no mesmo n.° 58, que "só depois de se assegurar que nenhum dos trabalhadores abrangidos pelo pretendido despedimento colectivo aceitaria a manutenção dos seus contratos de trabalho mediante a sua transferência para Lisboa" poderia ter despedido todos eles;
- censura à Recorrente, no seu n.° 61, ter esta alegadamente avançado para o despedimento colectivo sem antes ter dado a conhecer aos trabalhadores o "seu propósito" de os fazer ocupar os novos postos de trabalho no …";
- o que deveria ter sucedido na fase de informações e negociação, dirigida à "obtenção de acordo sobre outras medidas que reduzam o número de trabalhadores a despedir como refere nos seus n.°s 59 e 60.
NN) Posição essa que associa à apresentação, pela Recorrente, na fase de informações e negociação, de uma "medida destinada a minorar o impacto do presente despedimento colectivo junto de alguns trabalhadores" (cfr. a já citada Acta da reunião de 3 de Abril de 2014) efeitos que por completo subvertem o disposto no artigo 361.º, n.° 1, do Código do Trabalho.
OO) Erra ainda o Mm.° Juiz a quo na leitura que faz do artigo 361.°, n.° 1, do Código do Trabalho quando entende - e julga em conformidade - que deveria a Recorrente, na fase de informações e negociação, ter oferecido aos trabalhadores as vagas disponíveis e ter-se certificado de que nenhum dos trabalhadores abrangidos peto pretendido despedimento colectivo aceitaria" (n.°s 58, 60 e 61).
PP) E erra porque supõe - contra o que cristalinamente prescrevem, quer a norma legal, quer a norma comunitária que lhe dá origem - que tal fase se desenrola em negociações directas com os trabalhadores, aos quais dirigiria o empregador propostas de medidas alternativas ao despedimento, que estes aceitariam, ou não: são a este propósito inequívocos os seus n.°s 58 e 60.
QQ) Ora, nada mais contrário à realidade: a fase de informações e consultas envolve o empregador e os representantes dos trabalhadores - no presente caso, a comissão de trabalhadores, e tanto assim é que o eventual "acordo" por estes alcançado não se projecta, directamente, na esfera jurídica de cada um dos trabalhadores abrangidos no despedimento colectivo, antes supõe, caso a caso, um acordo subsequente, relativamente a cada trabalhador envolvido; bem pelo contrário, tal preceito apenas impõe ao empregador a prestação de informações e a negociação sobre as matérias e com os objectivos nele versados.
RR) Daí que, contrariamente ao que entendeu e, consequentemente, julgou o saneador-sentença que ora se impugna, nada do que nessa fase possa ter sido afirmado, revelado ou proposto pela Recorrente teria a virtualidade de obstar a que esta prosseguisse, como prosseguiu, com o despedimento de todos os trabalhadores do Centro de Coordenação …, tendo como causa o respectivo encerramento.
SS) Entende ainda o Mm.° Juiz a quo que "só depois de se assegurar que nenhum dos trabalhadores abrangidos pelo pretendido despedimento colectivo aceitaria a manutenção dos seus contratos de trabalho mediante a sua transferência para Lisboa (ao abrigo do disposto no art. 194n.° 1, al. a), do CT), é que deveria ter avançado para o despedimento de todos eles" (n.° 58).
TT) Mais uma vez, ao fazê-lo, sufraga um entendimento a vários títulos errado desse mesmo preceito em que se louva.
UU) Em primeiro lugar, porque contrariamente ao que sugere o trecho transcrito, as ordens de transferência dadas pelo empregador ao abrigo do artigo 194.°, n.° 1, do Código do Trabalho devem, desde que legítimas, ser acatadas pelo trabalhador, nos termos gerais do seu artigo 128.°, n.° 1, al. e), relativo ao dever de obediência - não aceites por este, como se de meras propostas se tratasse...
VV) Contraria assim frontalmente o disposto no artigo 194.°, n.° 1, al. a), a ideia veiculada pelo Mm.° Juiz a quo, de que os trabalhadores do Centro de Coordenação do Norte, perante a ordem de transferência para Lisboa dada pela Ré, poderiam, ou não, aceitá-la.
WW) Igualmente desconforme com a disciplina deste preceito se mostra a asserção, pelo mesmo Mm.° Juiz a quo, de que "só depois de se assegurar que nenhum dos trabalhadores abrangidos pelo pretendido despedimento colectivo aceitaria" tal transferência ao abrigo do disposto no art. 194.°, n.° 1, al. a), do CT, deveria a Ré "ter avançado para o despedimento de todos eles" (n.° 58).
XX) Isto porque, perante uma ordem de transferência dada nos termos da al. a) do n.° 1 do artigo 194.° do Código do Trabalho, o trabalhador, individualmente considerado, de duas, uma:
- acata-a, por não poder invocar contra a mesma "prejuízo sério";
- não a acata, por a mesma envolver "prejuízo sério", cuja alegação e prova lhe competem: simplesmente, em tal hipótese, porque a "mudança ou extinção" do estabelecimento onde presta serviço obsta à manutenção do anterior local de trabalho, não lhe resta senão resolver o contrato de trabalho com tal fundamento, tendo direito a compensação nos termos do art. 360.° do CT (é o que prescreve o n° 5 do mesmo art. 194.°).
YY) Ou seja, não só a ordem de transferência fundada no artigo 194.°, n.° 1, al. a) do CT é insusceptível de "aceitação" pelo trabalhador, seu destinatário, como a legítima oposição a esta - fundada na existência de prejuízo sério - implica a cessação do contrato de trabalho por iniciativa do visado.
ZZ) Carece, pois, de qualquer correspondência com a disciplina deste preceito a fantasiosa tese, expressa no n.° 58 do saneador-sentença, de que, não aceitando os trabalhadores em causa a transferência para Lisboa, "deveria" então a Ré "ter avançado para o despedimento de todos eles".
AAA) Mas não se queda, contudo, por aqui o desacerto da tese que quanto a este ponto sustenta o saneador-sentença: e isto porque, insistindo o Mm.º Juiz a quo em vários pontos do despacho-saneador ora impugnado - 44, 45, 61 e o próprio 58 - que eram 6 as vagas existentes no Centro de Coordenação do …, em Lisboa, e que eram 12 os trabalhadores afectos ao Centro de Coordenação …, estranhamente, porém, parece esquecer tal discrepância quando afirma categoricamente que "só depois de se assegurar que nenhum dos trabalhadores abrangidos pelo pretendido despedimento colectivo aceitaria" tal transferência ao abrigo do disposto no art. 194.°, n.° 1, al. a), do CT, deveria a Ré "ter avançado para o despedimento de todos eles" (n.° 58).
BBB) Ou seja, quando decreta que para a Ré poder licitamente desencadear o despedimento colectivo, teria de ter oferecido aos 12 trabalhadores atingidos pelo encerramento no Porto as 6 vagas existentes em Lisboa, sem se deter a indagar o que sucederia se os 12 trabalhadores aceitassem TODOS as 6 vagas assim oferecidas, e sem aparentemente se importar que esta atitude - que erige em condição de licitude do recurso ao despedimento colectivo - a ser adoptada pela Ré no presente caso envolveria, isso sim, uma violação evidente e grosseira da boa fé com que tanto o preocupa.
Nestes termos e nos demais do douto suprimento dos Venerandos Desembargadores do Tribunal da Relação do Porto, deve ser concedido provimento ao presente Recurso de Apelação, devendo como tal ser considerados procedentes os fundamentos invocados para o despedimento colectivo impugnado nos presentes autos e, em consequência, declarada a licitude do despedimento do Autor/Recorrido B…, com todas as implicações legais.».

O recorrido respondeu ao recurso, a pugnar pela sua improcedência.

Seguidamente, o recurso foi admitido na 1.ª instância, como de apelação, como subida imediata, nos próprios autos e efeito suspensivo, atenta a caução prestada.
O Exmo. Juiz a quo pronunciou-se ainda sobre a arguida nulidade da sentença, para negar a mesma, e fixou valor à causa (€ 15.000,00).

Remetidos os autos a este tribunal, e aqui recebidos em 09-04-2015, neles a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto parecer, «(…) no sentido de ser revogada a douta decisão recorrida, e ordenado o prosseguimento dos autos para julgamento, relativamente a toda a matéria controvertida indispensável à decisão.».
Ancorou-se para tanto, muito em síntese, que existe vária matéria controvertida que interessa à decisão da causa, pelo que, não estando apurados todos os factos relevantes para a avaliação de decisão de despedimento devem os autos prosseguir.
Ao referido parecer respondeu o recorrido, a manifestar a sua discordância

Foi cumprido o disposto no artigo 657.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, com remessa de projecto de acórdão aos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos.
Realizada a conferência, cumpre agora decidir.

II. Objecto do recurso
Antes de identificarmos o objecto do recurso, uma nota prévia se impõe.
O presente recurso foi interposto do despacho saneador, que julgou a improcedência dos fundamentos invocados para o despedimento colectivo; e no mesmo despacho ordenou-se o prosseguimento dos autos para a apreciação das restantes questões suscitadas no processo.
O recurso foi admitido a subir de imediato e nos próprios autos.
Contudo, como prescreve o artigo 83.º-A, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho, na parte que ora releva, sobem nos próprios autos as apelações das decisões que nos termos do anterior n.º 1, alínea a), do artigo 691.º-A, do anterior Código de Processo Civil, a que corresponde o artigo 645, n.º 1, alínea a), do actual Código de Processo Civil, ponham termo ao processo; e, de acordo com o n.º 2 do mesmo artigo 83.º-A, do Código de Processo do Trabalho, «[s]obem em separado as apelações não compreendidas no número anterior».
Tal significa que não tendo a decisão recorrida posto termo ao processo devia o recurso ter subido em separado: tendo subido nos próprios autos, haveria lugar à notificação das partes para indicarem as peças processuais necessárias à instrução do recurso, que seriam autuadas com o requerimento de interposição do recurso e com as alegações, baixando, em seguida, os autos principais à 1.ª instância (n.º 2 do artigo 653.º do Código de Processo Civil).
Todavia, considerando que o recurso já se encontrava preparado para decisão final e, assim, que a instrução em separado, nesta fase, de seguro apenas contribuiria para o retardamento dessa decisão final, e ainda que a garantia de acesso aos tribunais implica o direito de obter, em prazo razoável, uma decisão judicial que aprecie a pretensão deduzida em juízo, a fim de evitar delongas processuais e a prática de actos inúteis, entendeu-se não determinar nesta altura que se processasse em separado a subida do recurso (cfr. artigos 2.º e 130.º do Código de Processo Civil).
Deixada esta nota prévia, avancemos então com vista à definição do objecto do recurso.

Como é sabido, o objecto dos recursos é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações (cfr. artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, ex vi do artigo 87.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho), salvo as questões de conhecimento oficioso, que aqui não se detectam.
Das alegações e respectivas conclusões de recurso extrai-se, desde logo, que tendo a recorrente arguido a nulidade da sentença – por contradição entre os fundamentos e a decisão –, pretende que se conheça de tal arguição.
Quanto ao restante, verifica-se que na decisão recorrida, sob o ponto 5. (fls. 692-693), se afirma que o artigo 160.º, n.ºs 2 e 3, do Código de Processo do Trabalho, impõe que no despacho saneador se decida se foram cumpridas as formalidades legais do despedimento colectivo e se procedem os fundamentos invocados para o mesmo.
Logo a seguir, sob os pontos 6. a 18. (fls. 693 a 697) analisa as diversas formalidades legais para o despedimento colectivo, para concluir que se verificou a observância das mesmas, o que não vem posto em causa no recurso.
E nos pontos 19. e segts. (fls. 697) o tribunal a quo analisa a procedência ou não dos fundamentos invocados para o despedimento colectivo, conforme previsto na alínea b), do n.º 2 do artigo160.º, e afirma (sob o n.º 57) que se a entidade empregadora procede ao despedimento de seis trabalhadores quando podia fazer face às razões de mercado, estruturais ou tecnológicas com o despedimento de apenas dois ou três, está a abusar do seu direito quando estende o despedimento a todos os seis, pois a extensão deste despedimento se não justificava.
E prossegue, sob o ponto 63. (fls. 709) que «[c]consequência desse abuso – e pese embora do ponto de vista formal exista fundamento para a ré proceder ao despedimento colectivo de todos aqueles trabalhadores, na medida em que procedeu ao encerramento de uma secção ou estrutura equivalente – é justamente ficar tolhido o passo a esse mesmo despedimento, que não podia ter lugar com a extensão que teve».
Concluiu então o tribunal a quo que a Ré actuou com abuso do direito e, por consequência, que se devem considerar improcedentes os fundamentos invocados para o despedimento colectivo, «(…) assim procedendo, também por essa via, a pretensão do autor nessa declaração» (n.º 64., fls. 710).
Ou seja, o tribunal a quo, na decisão a que se refere a alínea b) do n.º 2 do artigo 160.º do Código de Processo do Trabalho, considerou que apesar de existir fundamento para a Ré proceder ao despedimento colectivo, abusou do direito ao proceder ao despedimento de todos os trabalhadores do Call Center do Norte e, assim, que improcedem os fundamentos invocados para o despedimento colectivo.
Deste modo, e considerando que os recursos se destinam, ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, a apreciar as questões que tenham sido submetidas à apreciação do tribunal a quo e não a criar decisões sobre questões novas, entendendo-se estas como aquelas que, colocadas ao tribunal de recurso, não tenham merecido pronúncia por parte do tribunal a quo, sendo indiferente que essa omissão provenha de insuficiência alegatória da parte, nos seus articulados, ou do mero silêncio do tribunal a quo, desde que, nesta última situação, não tenha sido tempestivamente arguido o vício de omissão de pronúncia [cfr. artigos 627.º, n.º 1, 631.º e 639.º, n.º 1, todos do Código de Processo Civil, e na jurisprudência, ente outros, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 08-03-2006 (Recurso n.º 3919/05) e de 22-04-2009 (Recurso n.º 2595/08), de 07-05-2009 (Recurso n.º 3441/08) e de 11-05-2011 (Recurso n.º 786/08.4TTVNG.P1.S1) todos da 4.ª Secção e disponíveis em www.dgsi.pt], a questão essencial a decidir consiste em saber se se verificam os fundamentos invocados pela Ré para o despedimento colectivo (quanto ao cumprimento das formalidades desse despedimento é matéria que não vem questionada no recurso): em caso afirmativo se a Ré agiu com abuso do direito ao despedir o Autor; em caso negativo terá, forçosamente, que se declarar ilícito o despedimento do Autor.
Assim, retomando a questão supra equacionada, são as seguintes as questões objecto do recurso:
i. saber se a sentença é nula, por contradição entre os fundamentos e a decisão;
ii. saber se procedem os fundamentos invocados para o despedimento colectivo e, em função da resposta dada a essa questão, se a Ré ao despedir o Autor agiu com abuso de direito.

III. Factos
Como resulta do disposto no artigo 607.º, n.ºs 3 e 4,do Código de Processo Civil, na sentença deve o juiz, entre o mais, discriminar os factos que considera provados.
Porém, da leitura da decisão recorrida não resulta qualquer discriminação em relação aos factos provados.
Não obstante, em cumprimento do referido normativo legal, tendo por base os documentos juntos aos autos e o acordo das partes, com relevância para a decisão dão-se como provados os seguintes factos:
1. Por carta datada de 26 de Março de 2013, enviada à respectiva comissão de trabalhadores e ao Ministério da Economia, a Ré comunicou-lhes, ao abrigo do artigo 360.º do Código do Trabalho, ser sua intenção proceder a um despedimento colectivo, que abrangeria 12 trabalhadores Coordenadores;
2. Nos termos da referida comunicação, dispondo a Ré de dois serviços de Call Center, um em Lisboa, na zona do …, e outro no Porto, na zona da …, designado por Centro de Coordenação ou Call Center do Norte, pretendia encerrar este;
3. Para fundamentar tal encerramento, a Ré alegou, além do mais, que tem havido uma diminuição da actividade dos serviços de assistência, que o Centro de Coordenação localizado em Lisboa, «pólo aglutinador e o centro nevrálgico de toda a actividade de coordenação dos serviços de assistência, foi sendo progressivamente renovado, equipado e modernizado, de modo a assegurar um controlo mais rigoroso, quer do desempenho quer da eficácia dos próprios serviços, quer da melhoria das condições de trabalho dos trabalhadores»;
4. Na mesma comunicação a Ré afirmou que «razões estratégicas, de eficácia, optimização e rentabilização dos recursos humanos e meios disponíveis, impõem, pois, que se adopte como medida de gestão – aliás, como acto ou regra imperiosa de boa gestão – a centralização e unificação, num único Call Center, dos serviços de coordenação de toda a actividade do D…, o qual, pelos motivos apontados, não poderá ser outro senão aquele que funciona na cidade de Lisboa, no estabelecimento do …»;
5. Mais consta da referida comunicação: «A extinção dos postos de trabalho dos doze trabalhadores afectos ao Centro de Coordenação (Call Center) … decorre, como foi acima referido, do próprio encerramento dessa secção ou unidade do D…. Ou seja, o critério que está na base da selecção desses doze trabalhadores é o total esvaziamento das funções que lhes estavam atribuídas, em virtude do encerramento do Centro de Coordenação ou Call Center onde ainda trabalham, encerramento esse que deixa, assim, de justificar a manutenção de todos os postos de trabalho afectos a essa estrutura funcional»;
6. E ainda: «o presente despedimento colectivo tem na sua base e como motivação, relativamente aos doze trabalhadores acima identificados que integram a Coordenação (Call Center) … (na cidade do Porto), o encerramento desta unidade ou secção do D…, encerramento esse que, constituindo um fundamento autónomo de despedimento colectivo nos termos do n.º 1 do artigo 359.º do Código do Trabalho, dispensaria as demais considerações e razões aqui expendidas, as quais, todavia, na presente comunicação se reiteram, assentando em motivos estruturais, mais concretamente na reestruturação da sua organização produtiva, motivo também previsto na alíneas b) do n.º 2 do mesmo artigo».
7. O Autor trabalhava nesse Centro de Coordenação do Norte, com a categoria profissional/função/posto de trabalho de «Planeador/Coordenador», tendo sido abrangido pelo despedimento colectivo;
8. Na sequência da referida comunicação e no âmbito das negociações tendentes ao despedimento colectivo, pela Ré foi afirmado à Comissão de Trabalhadores da empresa, na reunião havida em 03 de Abril de 2013, que era sua intenção «(…) propor medida destinada a minorar o impacto do presente despedimento colectivo junto de alguns dos trabalhadores abrangidos pelo despedimento» e se encontrar «(…) em condições de garantir a seis dos doze trabalhadores afectos ao Centro de Coordenação da … a encerrar, o preenchimento de vagas em igual número para a categoria de Planeador/Função de Coordenador no estabelecimento do D… em Lisboa (…), com as seguintes condições:
- Pagamento de compensação de antiguidade e de demais créditos emergentes da cessação do contrato de trabalho em execução seguido de celebração de novo contrato de trabalho sem termo e sem período experimental, com efeitos e antiguidade reportados a 1 de Julho de 2013;
- Remuneração correspondente à categoria de Planeador com mais de 1 ano, em termos equivalentes à auferida pelos colegas com a categoria Planeador / Função Coordenador em idêntica situação no estabelecimento do … em Lisboa;”
- Atribuição de subsídio no valor ilíquido de 2.000,00 euros para custeio do transporte de mobília / mudança para Lisboa dos candidatos seleccionados».
9. Na referida reunião mais foi afirmado pela Ré que podiam «(…) apresentar a candidatura todos os trabalhadores afectos ao Centro de Coordenação ou Call Center da … (em número de doze), devendo para o efeito remeter o seu CV actualizado (…)».
10. Por carta datada de 21 de Junho de 2013, o Autor, através do seu mandatário, comunicou à Ré pretender impugnar o despedimento de que foi alvo, já que, pelo menos em relação a ele (Autor) o despedimento «(…) foi promovido de modo excessivo, pois que não lhe foi dada a prévia oportunidade de transferência para que se disponibilizara, o que gera a sua ilicitude».
11. A Ré respondeu a tal missiva por carta datada de 15 de Julho de 2013, afirmando serem infundados os fundamentos invocados para a impugnação do despedimento colectivo por parte do Autor, uma vez que foi dada aos 12 trabalhadores afectos ao Centro de Coordenação do Norte abrangidos pelo despedimento colectivo a possibilidade de apresentarem candidatura para a categoria de Planeador/função de Coordenador, mediante o envio do respectivo Curriculum Vitae até às 24.00 horas do dia 15 de Abril de 2013, tendo essa possibilidade, bem como as respectivas condições de apresentação de candidatura e de preenchimento das vagas no Centro de Coordenação de Lisboa sido comunicadas na reunião havida em 03 de Abril de 2013, no âmbito da reunião na fase de informações e negociação do procedimento de despedimento colectivo.
12. O Exmo. assessor nomeado pelo tribunal apresentou relatório, que concluiu nos seguintes termos:
«18. A evolução do volume de pedidos de assistência através dos Call Centers, em geral, e a situação específica do da … era desfavorável no momento em que foi decidida a reestruturação da atividade que motivou o despedimento coletivo;
19. A C… realizou em 2011 e 2012 um conjunto de investimentos significativos que permitiram melhorar a eficiência e eficácia do serviço prestado;
20. Em situações como a descrita nos pontos anteriores, uma das medidas de gestão aconselhável é a reorganização e otimização do fluxo global de produção, logística e comercial, com o objectivo de ajustar os custos ao nível de atividade da empresa, atual e prevista.
21. A centralização da Coordenação do serviço de Call Centers enquadra-se neste tipo de medidas de gestão aconselháveis.
22. No contexto descrito, consideramos que se encontra fundamento económico (de mercado e estruturais) para medidas de gestão conducentes ao despedimento coletivo.».
13. Por carta datada de 27 de Maio de 2013, a Ré comunicou ao Autor o despedimento, no âmbito do processo de despedimento colectivo, com produção de efeitos assinalada para 15 de Agosto de 2013.

IV. Enquadramento Jurídico
Delimitadas supra (sob o n.º II) as questões a decidir é, então, o momento de analisar e decidir cada uma de per si.

1. Da (arguida) nulidade da sentença
Alega a Ré/recorrente que a sentença é nula, por oposição entre os fundamentos e a decisão, uma vez que, por um lado, a sentença recorrido afirma que a recorrente avançou para o despedimento colectivo sem ter dado a conhecer aos trabalhadores visados o propósito de ocupar novos postos de trabalho no …, em Lisboa, quando nas negociações havidas para o despedimento colectivo havia manifestado a intenção de admitir seis dos doze trabalhadores afectos ao Centro de Coordenação do Norte, a encerrar, para preencher vagas no seu estabelecimento no …, Lisboa; por outro, ao concluir que a mesma recorrente actuou com abuso de direito, quando, podendo apenas despedir seis trabalhadores despediu mais, acabou por reconhecer que apenas parte dos despedimentos dos trabalhadores teriam sido abusivamente efectuados e que os demais o haviam sido licitamente.
A parte contrária pronunciou-se no sentido da improcedência da referida questão.
No mesmo sentido se pronunciou a Exma. Procuradora-Geral Adjunta.
Vejamos.

Estipula o artigo 615.º, n.º 1, alínea c) do Código de Processo Civil (aplicável ex vi do artigo 1.º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo do Trabalho), que é nula a sentença quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão.
Ensina Alberto dos Reis (Código de Processo Civil Anotado, vol. V, reimpressão, Coimbra Editora, 1984, pág. 141) – ensinamento que, embora no domínio de legislação anterior, se mantém actual – que a referida oposição se caracteriza por haver uma contradição real entre os fundamentos e a decisão e não contradição meramente aparente, resultante de simples erro material (na fundamentação ou na decisão), caso em que a contradição é eliminada através de despacho a proferir nos termos do artigo 667.º do anterior Código de Processo Civil, artigo 614.º da actual lei adjectiva civil.
Na contradição em análise, o juiz escreveu o que queria escrever; porém, «o que sucede é que a construção da sentença é viciosa, pois os fundamentos invocados pelo juiz conduziriam logicamente, não ao resultado expresso na decisão, mas a resultado oposto».
Ou seja, verifica-se a nulidade prevista no art. 615.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Civil, quando na construção da sentença existe realmente um vício lógico que a compromete pelo facto de o juiz, embora escrevendo o que realmente queria escrever, ter chegado a um resultado (a uma decisão) diferente daquele a que os fundamentos por ele invocados logicamente conduziriam.
Explicita também Lebre de Freitas (et alii, Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, pág. 670), que “[e]ntre os fundamentos e a decisão não pode haver contradição lógica; se, na fundamentação da sentença, o julgador seguiu determinada linha de raciocínio, apontando para determinada conclusão, e, em vez de a tirar, decidir noutro sentido, oposto ou divergente, a oposição será causa de nulidade da sentença”. E, logo a seguir esclarece: “Esta posição não se confunde com o erro na subsunção dos factos à norma jurídica ou, muito menos, com o erro na interpretação desta: quando, embora mal, o juiz entende que dos factos apurados resulta determinada consequência jurídica e este seu entendimento é expresso na fundamentação, ou dela decorre, encontramo-nos perante o erro de julgamento e não perante oposição geradora de nulidade”.

No caso que nos ocupa, entende-se ser manifesto que não se verifica a invocada contradição.
Com efeito, o tribunal a quo afirmou, entre o mais:
«41. Em consequência, não se vislumbra que a fundamentação invocada pela demandada para proceder ao despedimento colectivo tenha sido ficticiamente criada; aliás, reitera-se, o autor não questiona que não havia alternativa ao encerramento do Centro de Coordenação do Norte.
42. Questão diversa, porém, é a de apreciar se o despedimento decorrente desse encerramento – com a extensão que teve – consubstancia abuso de direito ou conduta de má-fé da sua parte».
E mais adiante acrescenta:
«57. Assim, se uma entidade empregadora procede ao despedimento de seis trabalhadores quando podia fazer face às razões de mercado, estruturais ou tecnológicas com o despedimento de apenas dois ou três, está a abusar do seu direito quando estende o despedimento a todos os seis, pois a extensão desse despedimento se não justificava.
(…)
63.Consequência desse abuso – e pese embora do ponto de vista formal exista fundamento para a ré proceder ao despedimento colectivo de todos aqueles trabalhadores, na medida em que procedeu ao encerramento de uma secção ou estrutura equivalente – é justamente ficar tolhido o passo a esse mesmo despedimento, que não podia ter lugar com a extensão que teve».

Isto é: a sentença recorrida reconheceu que se verificava fundamento para o despedimento colectivo: todavia, tendo esse despedimento abrangido mais trabalhadores do que aqueles que seria necessário, verificou-se abuso de direito no despedimento colectivo.
Dito de outro modo: de acordo com a sentença recorrida assistia o direito à empregadora a recorrer ao despedimento colectivo; porém, como nesse despedimento colectivo abrangeu mais trabalhadores do que os que era necessário, a Ré excedeu os limites económicos impostos por esse direito ao despedimento, pelo que improcedem os fundamentos invocados para o mesmo despedimento colectivo.
Ora, salvo o devido respeito por diferente interpretação, verifica-se a conformidade entre os fundamentos da sentença, consistentes, ao fim e ao resto, na circunstância de a empregadora ter direito a proceder ao despedimento colectivo, mas ter abusado desse direito ao abranger mais trabalhadores do que o necessário, e a decisão de, face ao abuso do direito, considerar improcedentes os fundamentos invocados para o despedimento colectivo.
Questão diversa, que se analisará infra, consiste em saber se ocorreu abuso de direito por parte da empregadora ao recorrer ao despedimento colectivo dos trabalhadores e se tal conduz à improcedência dos fundamentos invocados para o despedimento colectivo: essa é, porém, uma questão que se inscreve no âmbito do erro de julgamento e não de nulidade da sentença.
Improcedem, por consequência, nesta parte, as conclusões das alegações de recurso.

2. Da procedência ou improcedência dos fundamentos invocados para o despedimento colectivo e eventual abuso de direito por parte da empregadora
Como é consabido, a Lei fundamental (artigo 53.º) consagra o princípio da segurança no emprego, estabelecendo que é garantida aos trabalhadores a segurança no emprego, sendo proibidos os despedimentos sem justa causa ou por motivos políticos ou ideológicos.
O mesmo princípio encontra-se reiterado no artigo 338.º, do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro, aqui aplicável tendo em conta o disposto no artigo 7.º do diploma preambular e a data do despedimento.
Porém, o referido princípio não afasta que os contratos de trabalho possam cessar em determinados circunstancialismos (cfr. artigo 340.º, do Código do Trabalho).
Entre essas causas de cessação encontra-se o despedimento colectivo [alínea d) do referido artigo 340.º e artigo 359.º].
De acordo com este último preceito legal, considera-se despedimento colectivo a cessação do contrato de trabalho promovida pelo empregador e operada simultânea ou sucessivamente no período de três meses, abrangendo, pelo menos, dois ou cinco trabalhadores, conforme se trate, respectivamente, de microempresa ou de pequena empresa, por um lado, ou de média ou grande empresa, por outro, sempre que aquela ocorrência se fundamente em encerramento de uma ou várias secções ou estrutura equivalente da empresa ou redução de pessoal determinada por motivos de mercado, estruturais ou tecnológicos, conceitos estes que se encontram concretizados no n.º 2 da mesma norma, embora em termos não taxativos.
Assim, de acordo com o referido preceito legal, o despedimento colectivo integra dois elementos: (i) um quantitativo, relativo ao número de trabalhadores despedidos, (ii) e outro qualitativo, referente aos motivos do despedimento.
Quanto ao quantitativo, ele varia em função da empresa ser qualificada de micro ou pequena empresa, por um lado, ou de média ou grande empresa, por outro, tal como se encontra estabelecido no artigo 100.º do Código do Trabalho, não se justificando outras considerações na matéria já que a mesma não está em causa no recurso.
Quanto aos elementos qualitativos, importa sublinhar que a fundamentação do despedimento colectivo, ou seja, o motivo do despedimento colectivo atinente à empresa abrange uma pluralidade de trabalhadores, embora, a final, seja emitida uma declaração extintiva dirigida à cessação do vínculo contratual com cada um dos trabalhadores abrangidos.
Nas palavras de Pedro Furtado Martins (Cessação do Contrato de Trabalho, 3.ª Edição, 2012, Principia, pág. 265), «[s]endo certo que, a final, o despedimento (apesar de «colectivo»), se traduzirá sempre na emissão de declarações extintivas individuais – isto é, dirigidas à cessação do vínculo contratual de cada um dos trabalhadores abrangidos –, a motivação comum que as fundamenta constitui o elemento unificante entre tais declarações e possibilita a autonomização do despedimento colectivo no confronto com as demais causas de cessação do contrato de trabalho.».
Como prescreve o n.º 1 do artigo 359.º do Código do Trabalho, os fundamentos do despedimento colectivo são «o encerramento de uma ou várias secções ou estrutura equivalente» ou a redução de pessoal da entidade empregadora, «determinada por motivos de mercado, estruturais ou tecnológicos».
O n.º 2 do referido artigo especifica os conceitos de motivos de mercado, estruturais ou tecnológicos, embora em termos não taxativos.
Assim:
- consideram-se motivos de mercado a redução da actividade da empresa provocada pela diminuição previsível da procura de bens ou serviços ou impossibilidade superveniente, prática ou legal, de colocar esses bens ou serviços no mercado [alínea a) do n.º 2];
- por motivos estruturais considera-se o desequilíbrio económico-financeiro, mudança de actividade, reestruturação da organização produtiva ou substituição de produtos dominantes [alínea b) do mesmo número e artigo];
- por motivos tecnológicos consideram-se as alterações nas técnicas ou processos de fabrico, automatização de instrumentos de produção, de controlo ou de movimentação de cargas, bem como informatização de serviços ou automatização de meios de comunicação [alínea c) do mesmo número e artigo].
E porque o motivos determinantes do despedimento colectivo se consubstanciam numa decisão de gestão empresarial, ou seja, na autonomia contratual do empregador ligada à necessidade de dimensionamento da sua empresa, tem subjacente a premissa economicista, no sentido de redimensionar o quadro de pessoal da empresa às reais necessidades da mesma.
Tendo em conta a necessidade do respeito do critério de gestão empresarial, a doutrina e a jurisprudência têm-se pronunciado, de modo largamente maioritária, no sentido de que a legalidade do despedimento não terá de ser aferida segundo os critérios empresariais utilizados pelo empregador, competindo tão só ao julgador, nessa parte, verificar a exactidão dos motivos estruturais, tecnológicos ou conjunturais que foram invocados [neste sentido, vejam-se, por todos, na doutrina, Pedro Romano Martinez, Código do Trabalho Anotado, 2013, 9.ª Edição, Almedina, pág. 763, e na jurisprudência, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 07-11-2001 (Proc. n.º 594/01), de 01-10-2003 (Proc. n.º 4494/02), de 02-11-2005 (Proc. 1458/05), de 24-05-2006 (Proc. n.º 379/06), de 17-01-2007 (Proc. n.º 1549/06) e de 17-09-2009 (Proc. n.º 3844/08), disponíveis, à excepção do 2.º indicado, em www.dgsi.pt].
Deste entendimento tem dissentido Júlio Gomes (Direito do Trabalho – Relações Individuais de Trabalho), I Volume, Coimbra Editora, 2007, página 991 e seguintes), argumentando que tal praticamente esvazia a necessidade de fundamentação do despedimento colectivo, uma vez que é «(…) apresentado como um acto de gestão praticamente insindicável pelo tribunal ao ponto de converter em puro ritualismo, formal e inteiramente despido de sentido útil, tanto o processo de negociações que deveria preceder a eventual decisão de despedir, como a própria motivação desta» (Direito do Trabalho – Relações Individuais de Trabalho), I Volume, Coimbra Editora, 2007, página 991 e seguintes).

Seja como for, o certo é que esta problemática perde aqui relevância uma vez que, como melhor se analisará, não parece ser objecto de discordância – seja das partes, maxime do Autor, seja do próprio tribunal a quo – não só o encerramento do estabelecimento da Ré no Porto, como também a necessidade de por razões estruturais e de mercado reduzir o pessoal, o que, objectivamente, constitui fundamento de despedimento colectivo.
O que importa então apurar no caso concreto, tendo a conta a jurisprudência, ao menos maioritária, do Supremo Tribunal de Justiça, é se existe um nexo causal entre esses motivos invocados (o encerramento do Centro de Coordenação do Norte e os motivos estruturais e de mercado para a redução de pessoal) e o despedimento, por forma a que, segundo juízos de razoabilidade, se possa concluir aqueles eram idóneos a determinar uma diminuição de pessoal por via do despedimento colectivo dos trabalhadores; isto é, haverá que apurar a verificação objectiva dos motivos, a existência de um nexo entre tais fundamentos e o despedimento, por forma a que, segundo juízos de equidade, tais fundamentos sejam aptos a justificar a decisão de redução de pessoal através de despedimento colectivo [vide os supra referidos acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 24-05-2006 e de 09-12-2010, e ainda os acórdãos de 27-06-2007 (Proc. n.º 1147/07), de 26-11-2008 (Proc. n.º 1874/08) e de 19-12-2012 (Proc. n.º 1222/10.1TTVNG-A.P1.S1), disponíveis em www.dgsi.pt).
Nessa análise caberá a apreciação da sub-questão de saber se a empregadora ao recorrer ao despedimento está a agir em abuso de direito, na medida em que no Centro de Coordenação de Lisboa teria 06 vagas para trabalhadores com a categoria profissional daqueles que foram despedidos com o encerramento do Centro de Coordenação do Norte e se, alegadamente, para aí devia transferir 06 daqueles trabalhadores.
Refira-se que face aos factos provados (com base em prova documental ou por acordo das partes), supra referidos em III, se entende que constam já do processo os elementos essenciais à decisão, não se acompanhando, por isso, o douto parecer da Exma. Procuradora-Geral Adjunta, no sentido do prosseguimento dos autos por haver matéria controvertida relevante a apurar.
Vejamos então.

Como decorre da factualidade, dispondo a Ré de dois serviços de Call Center, um em Lisboa, na zona do …, e outro no Porto, na zona da …, designado por Centro de Coordenação ou Call Center do Norte, pretendia encerrar este, como veio a encerrar.
Por razões estratégicas, de eficácia, optimização e rentabilização dos recursos humanos e meios disponíveis, a Ré decidiu proceder à centralização e unificação, num único Call Center, de todos os seus serviços de coordenação.
Tais serviços passaram a ser centralizados e unificados no Call Center sito no …, em Lisboa, sendo que este serviço veio sendo progressivamente renovado, equipado e modernizado, de modo a assegurar não só um controlo mais rigoroso do desempenho e eficácia dos serviços, como também a melhoria das próprias condições de trabalho dos trabalhadores.
Ora, perante o descrito verifica-se que a Ré invocou como fundamento para o despedimento colectivo dos 12 trabalhadores “Coordenadores” o encerramento do seu estabelecimento do Porto e a reestruturação dos seus próprios serviços, com a unificação no estabelecimento de Lisboa.
Face ao disposto no artigo 359.º, n.º 1, do Código do Trabalho, verificando-se o encerramento do Centro de Coordenação da Ré na cidade do Porto, justifica-se, face a esse quadro motivacional, a cessação de contratos de trabalho no âmbito de um processo de despedimento colectivo.
Dito de outro modo: verifica-se um nexo causal entre o encerramento do estabelecimento e o despedimento colectivo dos trabalhadores Coordenadores que aí laboravam.
Além disso, a reestruturação dos serviços da Ré, com concentração num único Call Center, em Lisboa, como é acentuado no relatório do Exmo. perito nomeado pelo tribunal, mostra-se também adequada a essa cessação dos contratos de trabalho no âmbito de um processo de despedimento colectivo.
Como já se deixou afirmado, esta conclusão não parece ser contrariada pelo Autor/recorrido, que não pôs em causa a opção gesticionária da Ré, de reestruturação dos serviços, com concentração no Centro de Coordenação de Lisboa e encerramento do Centro do Porto.
Esta é, também, a conclusão extraída pelo tribunal recorrido, quando na sentença afirma, entre o mais:
«36. Do ponto de vista estritamente técnico, por assim dizer, objecções não se podem dirigir à inviabilidade da manutenção em funcionamento pela ré do seu Centro de Coordenação do Norte
37. Na verdade, a análise efectuada pelo sr. assessor nomeado nestes autos relativamente às razões de mercado e estruturais – que foram os motivos essenciais invocados pela ré para alicerçar o despedimento colectivo dos autores – evidenciou de modo claro a redução acentuada do volum[e] de contactos efectuados p[]ara os centros de coordenação da ré (quer o da …, nesta cidade, como o de Lisboa, no …) no período compreendido entre 2010 e 2013.
38. Acresce que, sempre de acordo com tal parecer, os investimentos realizados pelo réu nos anos de 2011 e de 2012 em equipamentos tecnológicos potenciaram o incremento da qualidade e capacidade de prestação do seu serviço, razão pela qual a reestruturação desse serviço de call center no sentido da sua centralização se afigura como justificada.
39. Por isso, aceita-se de boa mente a conclusão dos sr. assessor em como o despedimento colectivo do autor se justificou pela necessidade da ré – decorrente de motivos de mercado e estruturais – em racionalizar a sua estrutura de custos.
40. Estamos, portanto, perante indícios bastantes da verificação efectiva dos motivos de mercado e dos motivos de natureza estrutural invocados pela ré para proceder ao despedimento colectivo.
41. Em consequência, não se vislumbra que a fundamentação invocada pela demandada para proceder ao despedimento colectivo tenha sido ficticiamente criada; aliás, reitera-se, o autor não questiona que não havia alternativa ao encerramento do Centro de Coordenação do Norte.».
Todavia, a mesma sentença acaba por afirmar mais adiante, maxime sob o n.º 58, que não obstante existir, «do ponto de vista formal», fundamento para a Ré proceder ao despedimento colectivo, uma vez que procedeu ao despedimento de 12 trabalhadores quando apenas era necessário proceder ao despedimento de 06, agiu com abuso de direito, assim concluindo pela não verificação dos fundamentos para o despedimento.
Adiante-se, desde já, que não se acompanha tal conclusão jurídica.
Expliquemos porquê.

Como se viu, face ao encerramento do Centro de Coordenação da Ré na cidade do Porto, justificava-se a cessação de contratos de trabalho no âmbito de um processo de despedimento colectivo; ou seja, perante o quadro motivacional de encerramento do Call Center deixaram de aí existir postos de trabalho, pelo que justificava a cessação dos contratos de trabalho.
Por isso, não poderá deixar de se concluir, em cumprimento do disposto no artigo 160.º, n.º 2, alínea b), do Código de Processo do Trabalho, que procedem os fundamentos para o despedimento colectivo: isto independentemente de saber se o trabalhador A), B) ou C) podia ser integrado nesse despedimento colectivo ou, tendo em conta o caso em presença, se não obstante a existência de fundamento para o despedimento colectivo, a empregadora abusou desse direito ao despedir o Autor.
Com efeito, não pode deixar de se ter presente que mesmo na tese do Autor, e do próprio tribunal a quo – no sentido de que a Ré apenas necessitava de despedir 06 trabalhadores uma vez que em relação aos outros 06 devia transferi-los para Lisboa –, sempre se afigura que o despedimento seria fundamentado em relação àqueles 06 trabalhadores que teriam que ser despedidos.
Isto é, dito de outro modo e de forma objectiva: tendo em conta o encerramento das instalações da Ré, no Porto, e que não dispunha nas instalações de Lisboa de 12 postos de trabalho para onde pudesse transferir os 12 trabalhadores que prestavam serviço no Porto, ter-se-ia que considerar fundamentado o despedimento pelo menos em relação ao número de trabalhadores correspondentes àqueles que não tinham vaga em Lisboa.
Daí que, ressalvado o devido respeito por diferente interpretação, não se vislumbra fundamento legal para se concluir que não obstante existir objectivamente fundamento para o despedimento colectivo, pela circunstância de algum ou alguns dos trabalhadores abrangidos não o deverem ser, tal determinou a inexistência de motivo justificativo para o despedimento em relação a todos os trabalhadores: o que haverá que apurar é se não obstante a existência de motivo para a Ré recorrer ao despedimento colectivo, em relação a um trabalhador em concreto – o aqui Autor – se verifica abuso de direito, o que torna o despedimento ilícito.

Decorre do artigo 334.º do Código Civil que o abuso do direito consiste no exercício ilegítimo de um determinado direito, traduzindo-se a ilegitimidade em actuação, por parte do respectivo titular, que manifestamente exceda os limites impostos pela boa fé [entendida em sentido objectivo ou ético (boa fé objectiva) ou em sentido subjectivo ou psicológico (boa fé subjectiva)], pelos bons costumes ou pelo fim económico ou social desse direito.
Para que o exercício do direito seja considerado abusivo, não basta, pois, que cause prejuízos a outrem; é necessário que o titular exceda, visível, manifesta e clamorosamente, os limites que lhe cumpre observar, impostos quer pelo princípio da tutela da confiança (boa fé), quer pelos padrões morais de convivência social comummente aceites (bons costumes), quer, ainda, pelo fim económico ou social que justifica a existência desse direito, de tal modo que o excesso, à luz do sentimento jurídico socialmente dominante, conduz a uma situação de flagrante injustiça.
Dito ainda de outro modo: para determinar os limites impostos pela boa fé e pelos bons costumes, há que atender de modo especial às concepções ético-jurídicas dominantes na colectividade; quando esses limites decorrem do fim económico e social do direito impõe-se apelar para os juízos de valor positivo consagrados na própria lei (Antunes Varela, das Obrigações em Geral, 10.ª edição, pág. 544 e segts.).
Pessoa Jorge (Ensaio sobre os Pressupostos da Responsabilidade Civil, Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal, 1968, nota 166) sublinha que a orientação que fundamenta o abuso do direito não assenta na preocupação de evitar que uma lei, justa em abstracto, se torne iníqua no caso concreto, já que a relevância do abuso do direito não afecta o princípio da aplicabilidade da lei a todos os casos nela previstos, mesmo que, num ou noutro, tal aplicação se revele injusta: a reprovação do abuso do direito procura, sim, que não se desvirtue o verdadeiro sentido da norma abstracta.
A manifestação mais evidente do abuso do direito é a chamada conduta contraditória (venire contra factum proprium) em combinação com o princípio da tutela da confiança (exercício dum direito em contradição com uma conduta anterior em que a outra parte tenha confiado, vindo esta com base na confiança gerada, e de boa fé, a programar a sua vida e a tomar decisões). Como figuras próximas, encontra-se a renúncia (acto de disposição jurídico-negocial que pressupõe a vontade de abdicar do direito, de o extinguir) e a neutralização do direito.
Segundo Baptista Machado (Revista de Legislação e Jurisprudência, n.º 118, pág. 228), esta última figura é considerada, em geral, como uma modalidade especial da proibição do venire contra factum proprium e ocorre quando se verificam cumulativamente as seguintes circunstâncias: (i) o titular dum direito deixa passar longo tempo sem o exercer; (ii) com base neste decurso do tempo e com base ainda numa particular conduta do dito titular ou noutras circunstâncias, a contraparte chega à convicção justificada de que o direito já não será exercido; (iii) movida por esta confiança, essa contraparte orienta em conformidade a sua vida, tomando medidas ou adoptando programas na base daquela confiança, pelo que o exercício tardio e inesperado do direito lhe acarretará uma desvantagem maior do que o seu exercício atempado.

No caso em apreço, como se deixou amplamente afirmado, a Ré justificou o despedimento do Autor com o encerramento do estabelecimento onde ele trabalhava, no Porto.
No entanto, a própria Ré, com vista a «minorar o impacto do presente despedimento colectivo junto de alguns dos trabalhadores abrangidos pelo despedimento» deu oportunidade aos trabalhadores despedidos de se candidatarem e virem a preencher 06 vagas no estabelecimento em Lisboa.
Na análise da questão do abuso de direito, haverá desde logo que fazer uma referência ao despedimento por extinção do posto de trabalho.
E isto porque para alguns autores, como Leal Amado (Contrato de Trabalho, 2.ª Edição, Coimbra Editora, pág. 404), «(…) o despedimento por extinção do posto de trabalho [ ] perfila[-se] como uma espécie de variante individual do despedimento colectivo [ ]»; para outros, como Pedro Furtado Martins (Cessação do Contrato de Trabalho, 3.ª Edição, 2012, Principia, pág. 245) o despedimento por extinção de posto de trabalho apresenta-se como uma subespécie (juntamente com o despedimento colectivo) dos «despedimentos por eliminação de emprego»”.
Ou seja, as duas formas de despedimento encontram traços comuns, tendo por base a necessidade de eliminação de emprego.
Pois bem: em relação ao despedimento por extinção do posto de trabalho, o Código do Trabalho de 2009 (aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12-02), na sua primitiva redacção, considerava que tal forma de despedimento só podia ter lugar desde que, entre o mais, fosse praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho, o que sucedia quando o empregador não dispusesse de outro posto compatível com a categoria profissional do trabalhador.
Dito de outra forma: nos termos dos n.ºs 1, alínea b), 2 e 4 do artigo 368.º do Código do Trabalho, em caso de pluralidade de postos de trabalho de conteúdo idêntico, havia o dever de transferência do trabalhador para outro posto de trabalho compatível, e só em caso da sua inexistência se verificava a impossibilidade de subsistência da relação de trabalho.
Com a alteração do preceito legal, operada pela Lei n.º 23/12, de 25 de Junho, passou a caber ao empregador determinar o concreto posto de trabalho a extinguir e, assim, o concreto trabalhador a despedir, desde que o definisse por critérios relevantes e não discriminatórios face aos objectivos subjacentes à extinção do posto de trabalho.
Contudo, o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 602/2013, de 20 de Setembro de 2013 (DR n.º 206, Série I, de 24-10-2013) declarou a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, de várias normas do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro, com a redacção dada pela Lei n.º 23/2012, de 25 de Junho, nas mesmas se incluindo os n.ºs 2 e 4 do respectivo artigo 368.º.
Não estabelecendo a declaração de inconstitucionalidade qualquer limitação de efeitos, por força dos n.ºs 2 e 4 do artigo 282.º da Constituição da República Portuguesa, a referida declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, por ele operada, acarretou a repristinação das normas constantes dos n.º s 2 e 4 do artigo 368.º, do Código do Trabalho de 2009 na sua primitiva redacção.
Entretanto, a Lei n.º 27/2014, de 08 de Maio, veio dar nova redacção aos n.ºs 2 e 4 do artigo 368.º do Código do Trabalho, passando novamente a consagrar, para efeitos de impossibilidade de subsistência da relação de trabalho, que tal se verifica quando o empregador não disponha de outro posto de trabalho compatível com a categoria profissional do trabalhador.
Isto é: para efeitos de despedimento por extinção do posto de trabalho para que se verifique a sua licitude é necessário, entre o mais, que o empregador não disponha de outro posto de trabalho compatível com a categoria profissional do trabalhador.
Ora, tal requisito não se detecta em relação ao despedimento colectivo.
Com efeito, das diversas normas inerentes ao despedimento colectivo, maxime do disposto no artigo 359.º do Código do Trabalho não se extrai que o mesmo só seja lícito, entre o mais, se o empregador não dispuser de outro posto de trabalho compatível: como afirma Pedro Romano Martinez (obra referida, pág. 780), «(…) o legislador é mais exigente no despedimento por extinção do posto de trabalho do que no despedimento colectivo».
Daí que verificando-se o fundamento objectivo para o despedimento – por encerramento de uma estrutura ou secção, ou redução do número de trabalhadores determinada por motivos de mercado, estruturais ou tecnológicos –, como se verificou no caso em presença, o empregador não se encontra vinculado a colocar o trabalhador noutro posto de trabalho disponível.
Da regra, geral, de transferência de local de trabalho consagrada no artigo 194.º do Código do Trabalho também não decorre a obrigatoriedade de, em tais situações, o empregador transferir o trabalhar.
Significa o que se deixa referido que a Ré/recorrente não se encontrava legalmente obrigada a transferir o Autor/recorrido para o Call Center do ….
Tal conclusão não parece, de resto, ser objecto de controvérsia das partes.
E como decorrência lógica, se a parte não se encontrava legalmente vinculada a transferir o trabalhador, não vislumbramos que ao não ter procedido a essa transferência possa ter agido com abuso de direito.
Afirmar-se que na situação em análise a empregadora agiu com abuso de direito equivalia a, por via oblíqua, atribuir-se uma obrigação legal àquela (transferência do trabalhador) que a lei lhe não atribuiu ao regular o despedimento colectivo: seria, permita-se-nos a expressão, «deixar entrar pela janela aquilo que não se quis deixar entrar pela porta».
Por isso, irreleva a argumentação de que constitui garantia do trabalhador a proibição de a entidade empregadora fazer cessar o seu contrato e readmiti-lo, mesmo com o seu acordo, com o objectivo de o prejudicar em direito ou garantia decorrente da antiguidade [cfr. artigo 1129.º, n.º 1, alínea j), do Código do Trabalho]: não se encontrando a Ré legalmente obrigada a transferir os trabalhadores, o que ela fez, de modo a minorar a situação de despedimento, foi criar a possibilidade de admitir 06 desses trabalhadores; no entanto essa «disponibilidade» da Ré, diríamos erigida por preocupações sociais, não pode converter-se ou subsumir-se a uma obrigação legal, obrigação essa que a lei não contempla.
Além disso, estando em causa uma mudança do Porto para Lisboa, haveria sempre a necessidade do acordo do trabalhador a transferir e até dos outros trabalhadores despedidos (pois apenas havia 06 postos de trabalho para 12 trabalhadores).
Assim, qualquer transferência não dependia apenas da empregadora, tendo ainda que envolver outros trabalhadores.
Para além disso, não poderá deixar de ter-se presente que embora se tenha provado que na fase das negociações com a estrutura representativa dos trabalhadores a recorrente propôs a admissão no Call Center de Lisboa de 06 dos 12 trabalhadores despedidos do Call Center do Porto, daí não parece legítimo poder concluir-se, a míngua de outros elementos, que o Autor fosse um desses 06 trabalhadores que iriam ocupar o posto de trabalho no Centro de Coordenação de Lisboa e, por consequência, que a Ré ao lhe dar a possibilidade de o contratar mas já não de o transferir para Lisboa está a agir em abuso de direito: é que se desconhece o que se passou com os outros trabalhadores (em relação a um deles a Ré afirma nos articulados que foi admitido em Lisboa na sequência da referida proposta por efectuada e da respectiva candidatura do trabalhador), inclusive se terá sido proposto individualmente a alguns deles a sua transferência para Lisboa, e que os mesmos não tenham aceite, pense-se, por exemplo, na hipótese de alguns trabalhadores se encontrarem próximo da idade da reforma e preferirem receber a compensação pelo despedimento colectivo e celebrar um novo contrato de trabalho.
Por isso, a Ré ao propor nas reuniões com a comissão de trabalhadores a admissão de 06 deles para Lisboa podia até estar a agir de acordo com o interesse manifestado por alguns dos trabalhadores; mas mesmo que a Ré fosse obrigada a transferir 06 trabalhadores para o Centro de Coordenação de Lisboa – e não era, como vimos – nenhuns elementos permitem afirmar que um desses trabalhadores a transferir fosse o Autor.
Tudo isto para afirmar que, ao contrário do que resulta do entendimento da 1.ª instância e do Autor/recorrido, não se pode afirmar que a Ré tenha excedido o fim económico que lhe é concedido em relação ao despedimento colectivo se, não se encontrando legalmente obrigada a transferir para o seu estabelecimento em Lisboa 06 dos 12 trabalhadores despedidos do estabelecimento do Porto, que encerrou, por sua livre iniciativa propõe a admissão de 06 desses trabalhadores em Lisboa, mediante a celebração de novos contratos de trabalho.
Não se pode olvidar que com o encerramento do estabelecimento do Porto, o que se visou foi a reestruturação e concentração dos serviços, naturalmente com redução de custos: se nesse estabelecimento que passa a concentrar os serviços da Ré, ela passa a dispor de alguns novos postos de trabalho, mas em número inferior aos existentes no estabelecimento que encerrou, isso, por um lado, não afecta os motivos que conduziram ao despedimento colectivo e, por outro, não obriga a que esses postos de trabalho sejam ocupados através da transferência de trabalhadores do estabelecimento que encerrou.
Daí que não possa subsistir a sentença recorrida, que julgou improcedentes os fundamentos invocados para o despedimento colectivo, nos termos do artigo 381.º, alínea b), do Código do Trabalho, devendo, em substituição daquela, declarar-se a procedência de fundamentos para o despedimento colectivo e a inexistência de abuso de direito por parte da Ré/recorrente.
Assim, à guisa de conclusão, tendo em vista o disposto no artigo 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil:
i. a existência de fundamentos para o despedimento colectivo há-de aferir-se de modo objectivo, perante as circunstâncias invocadas pela empregadora para esse despedimento;
ii. verifica-se o fundamento objectivo para o despedimento colectivo se a empregadora procede a reorganização dos serviços, encerra o seu Call Center no Porto para concentrar os serviços no Call Center de Lisboa, que dota de melhores condições de funcionamento, mostrando-se, por isso, adequado o despedimento colectivo dos trabalhadores que prestavam serviço naquele Call Center;
iii. em razão do encerramento do Call Center do Porto, a empregadora não se encontrava legalmente obrigada a transferir os trabalhadores para o Call Center de Lisboa;
iv. Da circunstância de nas negociações com a respectiva comissão de trabalhadores, a empregadora ter proposto a admissão de 06 dos 12 trabalhadores despedidos do estabelecimento do Porto, mediante a celebração de novos contratos de trabalho não decorre, por si só, que a mesma tenha agido com abuso de direito

Vencido no recurso, deverá, em ambas as instâncias, o Autor/recorrido suportar o pagamento das custas respectivas (artigo 527.º, do Código de Processo Civil).

V. Decisão
Face ao exposto, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação do Porto em julgar procedente o recurso interposto por C…, Lda., e, em consequência, revoga-se a sentença recorrida, que julgou improcedentes os fundamentos invocados para o despedimento colectivo do Autor/recorrido B…, declarando-se, em substituição daquela, a procedência dos fundamentos para o despedimento do referido Autor e a inexistência de abuso de direito por parte da Ré/recorrente.
Custas em ambas as instâncias pelo Autor/recorrido.

Porto, 26 de Maio de 2015
João Nunes
António José Ramos
Eduardo Petersen Silva