Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
953/19.5T8PVZ.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ALEXANDRA PELAYO
Descritores: CONTRATO DE AGÊNCIA
ABUSO DE REPRESENTAÇÃO
RELAÇÕES INTERNAS
Nº do Documento: RP20210929953/19.5T8PVZ.P1
Data do Acordão: 09/29/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - No âmbito de um contrato de agência, o “agente” que atua sem poderes de representação do “principal”, apropriando-se de quantias que lhe foram entregues pela Autora, não as entregando àquele (principal), atua de forma ilícita, mas a ilicitude desse comportamento ocorre no âmbito das suas relações com a Ré, ou seja, no âmbito das relações internas e não no relacionamento daquela com o terceiro, a ora Autora.
II - O abuso de representação só tem relevância, em princípio, no relacionamento interno, entre representante e representado, e é irrelevante no relacionamento externo, entre o representado e terceiros a não ser que estes reconheçam ou não devam desconhecer o abuso.
III - O artigo 23º do DL 178/86 de 3.7 (lei do contrato de agencia) confere proteção ao terceiro, dependendo da prova dos seguintes requisitos: (1) Da existência de razões (objetivamente apreciadas, de acordo com as circunstâncias concretas) que justifiquem a confiança de terceiro;(2) Da boa fé do terceiro ( boa fé subjetiva, no sentido de que o terceiro não conhecia nem devia conhecer a falta de poderes de representação) e (3) Do facto do principal ter igualmente contribuído ( com o seu comportamento por ação ou omissão) para a confiança do terceiro na legitimidade do agente.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc.º 953/19.5T8PVZ.P1

Tribunal Judicial da Comarca do Porto-Juízo Central Cível da Póvoa de Varzim - Juiz 1

SUMÁRIO:
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Acordam os Juízes que compõem este Tribunal da Relação do Porto:

I - RELATÓRIO:
B…, SA intentou a presente ação comum contra C…, SPA e D… UNIPESSOAL, LDA, pedindo a condenação de ambas, solidariamente, no pagamento da quantia de 394.576,31 euros, acrescida de juros de mora contabilizados desde a data da resolução dos contratos, até integral pagamento.
Para tanto, alega que adquiriu à 2ª R. duas máquinas, existindo entre a 1ª e a 2ª R. uma relação de agência, sendo a 1ª R. a fabricante das máquinas, tendo pago à 2ª R. parte do preço acordado para a sua compra e recusando-se a 1ª R. a entrega-las por tal quantia não lhe ter sido entregue pela 2ª R..
Mais refere que, em face desta recusa da 1ª R., resolveu o contrato celebrado, exigindo a devolução da quantia paga a título de adiantamento do preço.
Requer a condenação solidária das Rs., invocando o regime da responsabilidade civil extracontratual (art. 65º da petição inicial) e a existência de uma relação de comissão entre as Rs. (art. 67º do mesmo articulado).
A 2ª R. não contestou mas, porque tal elemento constava já dos autos apensos de arresto intentados contra a 2ª R., a instância foi declarada extinta quanto à 2ª R., uma vez que a mesma havia sido declarada insolvente em data anterior à propositura da ação (fls. 183, despacho de 03/10/2019).
A 1ª R. veio apresentar a sua contestação, excecionando a incompetência absoluta, em razão da nacionalidade, deste Tribunal português, bem como a sua ilegitimidade ad causam no que se refere a uma das máquinas referidas, negando ter recebido qualquer encomenda da A, não existindo assim qualquer obrigação contratual que tenha sido incumprida.
Ainda que assim se não entenda, alega ainda que a A. não cumpriu os prazos de pagamento que acordou com a 2ª R. e não podia, por isso, resolver o contrato celebrado, sendo certo que peticiona IVA que não pagou e que, como tal, não pode ser dele reembolsada.
Foi proferido despacho a determinar a notificação da A. para se pronunciar sobre a matéria de exceção da contestação, o que esta fez por requerimento de 04/12/2019, pugnando pela sua improcedência, mantendo que as máquinas foram ambas negociadas com a R., sendo o Tribunal português competente por estar em causa o contrato de compra e venda de duas máquinas à 2ª R. que agia em representação da 1ª R., considerando que o lugar de cumprimento da obrigação se situava em Portugal.
Foi realizada audiência prévia, tendo sido proferido despacho saneador que afirmou a validade e regularidade da instância, julgando improcedente a exceção de incompetência absoluta arguida pela 1ª R., e relegando-se a apreciação da exceção de ilegitimidade ad causam para a decisão final, fixando-se o objeto do litígio e os temas da prova, após discussão dos termos propostos pelo Tribunal.
Realizou-se a audiência de julgamento, e no final, foi proferida sentença, com a seguinte parte decisória:
Pelo exposto, o Tribunal julga a presente ação improcedente e, em conformidade, absolve a R. C… SPA do pedido que contra si foi formulado pela A. B… SA.
Custas pela A., nos termos do art. 527º do C. Civil, dispensando o Tribunal o pagamento da taxa de justiça remanescente, atenta a postura que ambas as partes assumiram sempre nos autos - art. 6º, nº7, do Regulamento das Custas Processuais.
Registe e notifique.”
Inconformada, a Autora, B…, S.A., interpôs recurso de Apelação, tendo formulado as seguintes conclusões:
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O recurso foi admitido, como Apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.
Colhidos os vistos cumpre decidir.

II - OBJETO DO RECURSO
Na delimitação do objeto do recuso, esclarece-se que estando em causa nesta ação a compra e venda de duas máquinas, relativamente á máquina fabricada pela E…, empresa do grupo C1…, a seguir designada E…, por facilidade de exposição, e consequentemente á quantia entregue pela Autora à D… a titulo de adiantamento do preço desta máquina, a absolvição do pedido da Ré nessa parte ocorreu com fundamento na ilegitimidade substantiva relativamente á Ré C…, entendendo o tribunal a quo que “ (…) o Grupo C1… e a R. não são a mesma entidade, como o demonstra na sua alegação, sabe também bem que as empresas fabricantes que integram o primeiro são várias, tendo optado por demandar a R. quando, como resulta do art. 22º da sua petição inicial, apenas uma das máquinas pertencia à R. C… (não tendo qualquer significado fáctico ou jurídico apelidar a E… de “subsidiária” da R. C…). Existe de facto uma ilegitimidade substantiva da R: no que se reporta à máquina em questão.”
Não tendo o recurso interposto incidido sobre esta questão jurídica concreta, tem-se a mesma como estabilizada através do instituto do caso julgado (art. 619º do CPC).
Assim não se encontram abrangidas no objeto do recurso as questões relacionadas com a aquisição da máquina “… fabricada por E… – empresa do grupo C1….
Resulta do disposto no art.º 608.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, aqui aplicável ex vi do art.º 663.º, n.º 2, e 639.º, n.º 1 a 3, do mesmo Código, que, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, o Tribunal só pode conhecer das questões que constem nas conclusões que, assim, definem e delimitam o objeto do recurso.
As questões decidendas, delimitadas pelas conclusões do recurso, são as seguintes:
-modificabilidade da decisão de facto por reapreciação das provas produzidas relativamente aos pontos concretos da matéria de facto impugnada tendo em vista a alteração da decisão de mérito:
-saber se ocorreu erro de julgamento da matéria de direito, ao não ter sido aplicado o artigo 23º do DL 178786 de 3 de Julho (lei do contrato de agência).

III - DA MODIFICABILIDADE DA DECISÃO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO
Decorre do disposto no art.º 662.º, n.º 1, do Código de Processo Civil que "A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa." (sublinhado nosso).
A “Exposição de Motivos” que acompanhou a Proposta de Lei nº 113/XII salientou o intuito do legislador de reforçar os poderes da 2ª instância em sede de reapreciação da matéria de facto impugnada ao referir que “para além de manter os poderes cassatórios – que lhe permitem anular a decisão recorrida, se esta não se encontrar devidamente fundamentada ou se mostrar insuficiente, obscura ou contraditória – são substancialmente incrementados os poderes e deveres que lhe são conferidos quando procede á reapreciação da matéria de facto, com vista a permitir-lhe alcançar a verdade material”.
O Tribunal da Relação deve, pois, exercer um verdadeiro e efetivo segundo grau de jurisdição da matéria de facto, sindicando os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou de gravação nele realizada, que imponham decisão sobre os pontos impugnados diversa da recorrida, e referenciar a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
Porém, a possibilidade que o legislador conferiu ao Tribunal da Relação de alterar a matéria de facto não é absoluta pois tal só é admissível quando os meios de prova reanalisados não deixem outra alternativa, ou seja, em situações que, manifestamente, apontam em sentido contrário ao decidido pelo tribunal a quo, melhor dizendo, “imponham decisão diversa”.
O Tribunal da Relação usa do princípio da livre apreciação da prova com a mesma amplitude de poderes da 1ª instância, nos termos consagrados pelo n.º 5 do art.º 607.º do C.P. Civil, sem olvidar porém, o princípio da oralidade e da imediação.
Com efeito, há que ponderar que o tribunal de recurso não possui uma perceção tão próxima como a do tribunal de 1ª instância ao nível da oralidade e sobretudo da imediação com a prova produzida na audiência de julgamento. Na verdade, a atividade do julgador na valoração da prova pessoal deve atender a vários fatores, alguns dos quais – como a espontaneidade, a seriedade, as hesitações, a postura, a atitude, o à-vontade, a linguagem gestual dos depoentes – não são facilmente ou de todo apreensíveis pelo tribunal de recurso, mormente quando este está limitado a gravações meramente sonoras relativamente aos depoimentos prestados.
Assim sendo, se a decisão do julgador se mostrar devidamente fundamentada, segundo as regras da experiência e da lógica, não pode ser modificada, sob pena de inobservância do princípio da livre convicção.
Tendo em consideração o circunstancialismo assinalado, analisemos agora a situação em apreço.
Pretende a Apelante a modificação de dois factos julgados provados na sentença: os factos 22 e 61, relativamente aos quais defende dever ser dada resposta negativa.
O primeiro facto impugnado tem a seguinte redação:
“22. Por vezes, a D… negociava diretamente com a R. C…, adquirindo a esta as máquinas que eram pretendidas pelos seus clientes, que lhes revendia, apondo a sua margem de lucro.”
Alega a Apelante que a prova do ponto de facto n.º 22 resulta de uma errada apreciação da prova do tribunal a quo porquanto, dos depoimentos das testemunhas F… e G… [1] não resultou que a Ré D… Unipessoal Lda. (que a seguir será designada por D…, por facilidade de exposição), por vezes, negociava diretamente com a Ré C…, SPA (a seguir designada por C…, por facilidade de exposição) adquirindo-lhe máquinas que eram pretendidas pelos seus clientes, que lhes revendia, mas antes que, perante um negócio concreto, era ele quem decidia como é que o negócio era efetivado, o que era feito com o acordo do seu agente D… e do cliente.
Diz a Apelante que, contrariamente ao decidido, a prova testemunhal foi unânime ao referir que não havia qualquer relação comercial bipartida, mas, antes uma relação comercial tripartida, em que a própria decisão sobre o “modelo de negócio” era tomada pela Ré C…, com o acordo da Ré D… e do cliente final e que a Ré C… não provou - e não resultaram provadas – quaisquer aquisições da Ré D… à Ré C…, nem sequer esta juntou aos autos quaisquer faturas, recibos e/ou comprativos de pagamentos de quaisquer aquisições que lhe tenham feitas pelo seu agente em Portugal, D….
Que a alegada “aquisição” e “revenda” das máquinas pretendidas pelos clientes está em manifesta contradição com o facto de a propriedade das máquinas ser da fabricante (Ré C…) até à entrega ao cliente, o que decorre das suas características técnicas e o seu valor económico (facto provado n.º 9 e também factos provados 7 e 8);
Por maioria de razão e atentas as regras da experiência e do direito, se a “propriedade das máquinas pertence à fabricante do grupo C1… até à entrega ao cliente”, não há, não pode haver, aquisição das máquinas pelo agente D…, nem qualquer posterior revenda (facto provado n.º 22).
Insurgiu-se a Apelada quanto á impugnação efetuada alegando que que o facto impugnado é inócuo em face da decisão a proferir, até porque não se mostram impugnados os factos nos quais a sentença fundamentou a decisão, pelo que o tribunal não deverá apreciar a pretensão da Apelante.
Concordamos que, por força dos princípios da utilidade, da economia e da celeridade processual, o Tribunal ad quem não deve reapreciar a matéria de facto quando os factos concretos objeto da impugnação forem insuscetíveis de, face às circunstâncias próprias do caso em apreciação e às diversas soluções plausíveis de direito, terem relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma atividade processual que se sabe ser inútil.
Não basta que um facto seja alegado, é ainda mister que esse facto tenha, à luz do direito aplicável, relevância jurídica.
No caso em apreço, se é certo que o facto em causa possa aparentemente não ter relevância, porque se refere apenas ao que “por vezes” ocorria no relacionamento comercial entre as rés, ligadas entre si por um contrato de agência, mostra-se relevante apurar a sua veracidade em ordem a perceber se no caso em apreço a 2ª ré atuou na qualidade de intermediária da C…, ao abrigo do contrato de agência, ou havia por acordo entre ambas a possibilidade de se relacionarem de forma diversa, isto é, atuando a 2ª Ré como revendedora das máquinas da 1ª Ré.
Aliás, bastará ler a sentença[2] onde esta questão se mostra aflorada para perceber a relevância do facto impugnado.
Nesta perspetiva, a alteração pretendida não se mostra irrelevante para a solução jurídica da causa, pelo que passamos de seguida a apreciar a impugnação efetuada.
Para o efeito, procedemos á audição dos depoimentos prestados pelas testemunhas identificadas e podemos dizer com segurança, que não ocorre nenhum erro de julgamento, mostrando-se a decisão da matéria de facto irrepreensível, e feita com um cuidado e precisão louváveis, bastando para tal atentar no trabalho efetuado quanto á correspondência trocada entre a partes por e-mail, que foram analisados de forma cronológica, acompanhados do resumo do seu conteúdo, facilitando a todos a apreensão do seu conteúdo e fazer assim uma leitura devidamente situada no tempo do relacionamento entre as partes no decurso das negociações.
Senão, vejamos.
Para se aferir o relacionamento comercial entre as duas rés, mostra-se essencial ter presente o contrato que foi celebrado entre elas. Referimo-nos ao contrato de agência, que foi celebrado por escrito entre as duas rés, em 3.9.2013.
Este contrato que se encontra junto aos autos na versão original, redigido em língua italiana [3] mostra-se devidamente assinado pelas partes, os representantes das Rés, com aposição ainda do carimbo da firma respetiva.
As partes não impugnaram as respetivas assinaturas, pelo que se consideram as mesmas verdadeiras, nos termos do disposto no art.374º nº 1 do C.Civil
Este contrato escrito é que regia as relações comerciais entre as Rés, a primeira como principal, a segunda como agente daquela.
Nele não se mostra prevista a possibilidade do agente proceder á compra de máquinas diretamente ao principal para posterior revenda,
Porém, do depoimento prestado pelas testemunhas G… e F…, tal situação ocorria por vezes, no relacionamento comercial entre estas duas empresas.
Assim, G…, que na data dos factos era o responsável da área comercial da Ré C… no mercado europeu, (cuja assinatura é possível identificar no aludido contrato de agência) declarou que já não trabalha para aquela ré, tendo saído da empresa de forma amigável.
Trata-se assim de um depoimento de uma testemunha que nenhum interesse tem no desfecho do caso, já que se encontra afastado da Ré, sendo que teve um depoimento perfeitamente credível, tal como aliás o considerou o tribunal a quo.
O mesmo se diga da testemunha F…. Esta testemunha na data dos factos trabalhava para a 2ª Ré, a D…, como administrativa, tendo saído da empresa antes da insolvência daquela e de forma amigável, como referiu, não tendo igualmente nenhum interesse no desfecho da ação. Esta testemunha teve um depoimento muito preciso, muito ponderado, escusando-se a responder quando não tinha a certeza ou não se lembrava do que lhe era perguntado.
Estamos pois perante dois depoimentos credíveis, tal como foram considerados e valorados pelo tribunal a quo.
Isto posto, G… referiu no depoimento que prestou que a Ré D… era a agente da C… em Portugal, esclarecendo em que consistia essa colaboração entre as empresas, que grosso modo corresponde aos termos constantes do contrato escrito a que fizemos referência.
Depois referiu que “na maioria dos casos” a D… angariava os clientes, que faziam depois a encomenda á C…, que era quem faturava ao cliente e o cliente pagava diretamente á C…. Nesta situação o preço continha uma comissão que era comissão do agente.
Nos outros casos, a encomenda era feita pela D… e era esta quem comorava as máquinas à C…, revendo-as posteriormente aos seus clientes. Neste caso, esclareceu, depois da compra era a D... quem fixava o preço que o cliente ia pagar, sendo que podia nesses casos auferir valor superior ao da comissão que era previamente acordada com a C…. Esclareceu que nesta situação, a D... nunca comprava para revender no futuro, era quando já tinha o cliente pronto a adquirir-lhe a máquina.
Portanto, a D... numas situações atuava como intermediário (ao abrigo do contrato de agência) o que ocorria na maioria das situações e noutras, atuava como revendedor, adquirindo as máquinas previamente á fabricante.
Perguntado quem é que decidia por um ou outro modelo, referiu que tal se processava por acordo prévio entre a C…, a D... e o cliente. Se eles concordavam a venda podia ser feita dessa maneira, mas afirmou que ele é quem tinha a decisão final, porque “eu é que vendia a máquina”.
Referiu ainda que no caso da venda das máquinas em discussão, era uma situação que se encaixava na “maioria dos casos”.
Se lermos os termos do contrato de agência junto aos autos, esta ultima possibilidade, como já dissemos não se encontra expressamente prevista.
Porém, está expressamente aceite pelas partes no contrato o seguinte:
Clausula 2.2: “O agente deverá transmitir ao fabricante as propostas ou encomendas que lhe sejam apresentadas (cabendo o Fabricante o direito de aceitar ou recusar tais propostas), bem como informar os clientes sobre eventuais propostas apresentadas pelo fabricante. O Agente não poderá celebrar contratos em nome ou em representação do Fabricante, nem tomar qualquer decisão que vincule o Fabricante em relação a terceiros”.
Havendo acordo das partes envolvidas, nada impedia que a agente D... adquirisse as máquinas á C… e as revendesse ao cliente.
O interesse da Ré C… é o de vender as máquinas que fabrica e com isso obter lucro. O interesse da Ré D… era o de vender as máquinas fabricadas pela Ré C… e com isso obter lucro.
Por sua vez o depoimento da testemunha F..., funcionária da D... coincidiu com o depoimento do representante da C…, tendo referido que havia dois regimes de vendas: uma venda da C… ao cliente final em que era cobrada uma comissão para a D...; outra em que a venda era feita pela C… `D..., que revendia a máquina ao cliente.
Esclareceu que, se a venda era feita pela D..., esta estabelecia os preços iguais ou não aos preços da C…; se a venda era feita pela C…, esta fixava os preços e pedia opinião á D....
A primeira modalidade referida no depoimento das testemunhas que ocorria na maioria das vezes ocorre de acordo com o que se encontra acordado pelas partes no contrato de agência junto aos autos.
A “segunda modalidade”, ocorreria devido á confiança e cooperação entre as partes decorrente da “estabilidade” do vínculo decorrente do contrato de agência, estabilidade que é precisamente apontada como essencial á caracterização do contrato de agência, e não colide com o aí acordado, pressupondo, naturalmente a existência de prévio acordo das partes e a palavra final da empresa fornecedora das mesmas.
Também não se vê que a prova deste facto (22) “colida” com o facto 9 dos factos provados, com a seguinte redação: “Atenta a sua construção e o seu elevado custo, a propriedade delas pertence à fabricante do grupo C1… até à entrega ao cliente.”
É que na modalidade de compra pela D... e posterior revenda, o cliente da C… é a D..., sendo depois alheio ao que esta Ré possa fazer com a máquina que lhe adquiriu e ao contrato de revenda.
Improcede pelo exposto a pretensão da Apelante.
Quanto ao facto 61, também impugnado, o mesmo tem a seguinte redação:
61. A D... não entregou à 1ª R. qualquer quantia recebida da A..
Diz a Apelante que existe uma clara incoerência entre os factos dados como provados sob os pontos 47º e 61º, já que não é coerente resultar provado que não foi entregue qualquer quantia pela Ré D... à Ré C… e simultaneamente resultar provado que a Ré D... admitiu que não tinha enviado para a Ré C… pelo menos uma parte da quantia paga pela recorrente.
Entendemos que não existe nem incoerência nem qualquer contradição entre os factos 47 e 61.
Com efeito, o facto 47 tem a seguinte redação: “47. Nessa reunião, o gerente da D... admitiu que não tinha enviado para a R C… pelo menos parte da quantia paga pela A., reiterando a R. C… que não faria a entrega das máquinas.”
No facto 47 ficou apenas plasmado o que foi dito pelo gerente da D... numa reunião, onde admitiu que não tinha entregue á ré C… “pelo menos parte da quantia” que recebeu da autora.
No facto 61 afirma-se uma coisa diferente: está provado que a D... não entregou à 1ª R. qualquer quantia recebida da A. Isto é, provou-se que o gerente da D... não pagou mais do que aquilo que admitiu na reunião. Não deixou de pagar apenas parte da quantia, mas não pagou a sua totalidade.
Uma coisa é o que foi afirmado (no caso confessado parcialmente) e outra coisa é o que se provou relativamente á realidade objeto da declaração confessória.
Estes factos referem-se á quantia especificada no facto 16, nos termos do qual ficou provado que a Autora, ora Apelante pagou à D... a quantia de €394.576,31 (trezentos e noventa e quatro mil quinhentos e setenta e seis euros e trinta e um cêntimos).
A Apelante indica ainda que o não pagamento da aludida quantia é infirmado pela prova documental, nomeadamente os e-mails juntos aos autos de 27 e 28.09.2018, nomeadamente do e-mail de G... (C…) dirigido à testemunha F... com o seguinte teor:
“Enviei uma mensagem ao H…, mas ainda não respondeu. Há 3 semanas que não responde a sms, nem retribuiu chamadas e não voltei a falar com ele depois da nossa reunião do dia 21 de agosto, altura em que prometeu a realização dos pagamentos que até agora, não foram feitos.
A nossa parceria funcionou bem durante muitos anos e merecemos uma resposta.
O que está a acontecer?
Ele pretende continuar a trabalhar connosco?
Cumprimentos.
G...
Area manager.”
Retira a Apelante a conclusão que o e-mail revela que a Ré D... entregou á Ré C… parte das quantis que recebeu da Autora a título de adiantamento do preço.
Ora, parece-nos claro que a declaração do representante da C... no e-mail diz precisamente o contrário. Salvo o devido, respeito a conclusão da Apelante não tem qualquer suporte no documento acabado de transcrever, onde o legal representante da C... se queixa á funcionária da D... de até á data não terem sido feitos os pagamentos que o gerente tinha prometido realizar.
O e-mail é pois no sentido de que não foram efetuados os pagamentos.
Também não colhe a argumentação expendida pela Apelante sobre o conteúdo da carta de resolução do contrato de agência, pois daqueles documentos (documentos 32 e 33 juntos com a p.i e documento 3 da contestação), não resulta que a Ré C... tenha recebido a quantia em causa.
Inexiste qualquer documento que comprove o recebimento dessa quantia pela Ré C..., qualquer confissão da parte desta, tão-pouco qualquer testemunha que tivesse conhecimento, de tal situação.
Provou-se sim o oposto, quer com base no depoimento da testemunha G..., que declarou que soube apenas da existência do pagamento da autora á D... em 4 de Outubro de 2018 e não através daquela, mas através de um terceiro, que identificou, quer com base na análise da troca de correspondência (e-mails) entre as partes que o tribunal a quo teve o cuidado, na fundamentação de facto da sentença, de compilar por orem alfabética e de fazer um pequeno resumo do respetivo conteúdo, de molde a facilitar a sua compreensão.
Improcede assim também este fundamento do recurso, mantendo-se assim inalterada a matéria de facto julgada provada.
Entendemos apenas que urge fazer uma pequena alteração na matéria de facto, complementando o facto 4, no sentido de nela se fazer incluir na matéria de facto os termos do contrato celebrado por escrito entre as Rés, que se foi oportunamente junto aos autos, referenciado naquele facto.
Assim no facto onde se refere que a sociedade D… Unipessoal Ldª, foi de 03/09/2013 a 08/10/2018 o agente da R. C... SPA deverá ser feita remissão para o contrato junto a fls. 112 e ss, traduzido a fls. 192 e ss.
Passará por isso a ter a seguinte redação:
4. A sociedade D… Unipessoal Ldª, doravante D..., foi de 03/09/2013 a 08/10/2018 o agente da R. C... SPA, tendo celebrado para o efeito, entre si, o contrato junto por cópia a fls. 112 e ss, que aqui se dá por reproduzido (traduzido a fls. 192 e ss), promovendo e intermediando a comercialização de máquinas daquela empresa e de outras empesas do grupo C1…, intermediação que a partir do final do ano de 2018, passou a ser assegurada por outra firma de máquinas e ferramentas.
No demais mantem-se a factualidade julgada provada.

IV - FUNDAMENTAÇÃO:
Com interesse para a decisão, encontra-se provada a seguinte factualidade:
1. A A. dedica-se à indústria de construção de moldes metálicos, em especial para a produção de componentes e peças em plástico para a indústria automóvel.
2. Fabrica moldes em aço com peso até 40 toneladas, nomeadamente para a produção de peças injetadas em plástico para os sistemas de ar condicionado, faróis, painéis de porta, grelhas, cavas de rodas, para-choques, etc, estando para isso apetrechada, entre outros meios produtivos, com máquinas fresadoras de médio e grande porte.
3. A R. é uma empresa do grupo italiano C1…, que se dedica à indústria de fabricação de máquinas fresadoras de tamanho médio-grande, com tecnologias de ponta, e bem assim à comercialização das máquinas daquele grupo, considerando-se líder mundial deste mercado.
4. A sociedade D.. Unipessoal Ldª, doravante D..., foi de 03/09/2013 a 08/10/2018 o agente da R. C... SPA, tendo celebrado para o efeito, entre si, o contrato junto por cópia a fls. 112 e ss, que aqui se dá por reproduzido (traduzido a fls. 192 e ss), promovendo e intermediando a comercialização de máquinas daquela empresa e de outras empesas do grupo C1…, intermediação que a partir do final do ano de 2018, passou a ser assegurada por outra firma de máquinas e ferramentas.
5. É da exclusiva responsabilidade da R. C... e das demais empresas do grupo a nomeação dos seus agentes para a venda das máquinas produzidas pelas empresas do grupo C1….
6. A D... obrigou-se a informar e a transmitir à R. C... as propostas e encomendas que recebesse de potenciais clientes
7. As máquinas fabricadas e/ou comercializadas pelas empresas do Grupo C1… possuem elevado valor económico, e são vendidas por preços unitários que atingem entre centenas de milhares de euros até milhões de euros.
8. Em geral são fabricadas à medida, conforme as condições específicas do tipo de trabalho para que industrialmente se destinam.
9. Atenta a sua construção e o seu elevado custo, a propriedade delas pertence à fabricante do grupo C1… até à entrega ao cliente.
10. Os preços são estabelecidos pelo fabricante do grupo C1….
11. O transporte e entrega são da responsabilidade da empresa fabricante do grupo C1…, podendo a montagem, instalação e assistência sê-lo ou não.
12. O fabricante da máquina garante o bom funcionamento do equipamento.
13. A A. realiza um volume de negócios que não atinge os €3.000.000,00 por ano.
14. A compra de duas máquinas fresadoras pelo montante global de €1.425.000,00, acrescido de IVA, exige financiamento bancário e meios financeiros extraordinários, envolve a alteração da estrutura industrial instalada e dos produtos fabricados, tende a modificar o mercado alvo, produzindo evidentemente um enorme impacto na vida da empresa.
15. A A. inteirou-se da forma de funcionamento do grupo C1…, apurando as informações e factos seguintes:
a) O grupo C1… é fabricante líder mundial deste tipo de máquinas fresadoras;
b) Foram instaladas, nos últimos anos, em Portugal, máquinas de médio e grande porte e com preços de vários milhões de euros, fornecidas pelo grupo C1…;
c) O grupo C1… possui uma rede de vendas na Europa, sendo a D... a sua agente em Portugal.
16. A A. estabeleceu contactos com a D... para obter informações técnicas sobre as máquinas comercializadas pelo grupo C1…,
17. Recebendo catálogos e a divulgação das máquinas fabricadas pela R. C.... e por outra empresa do grupo C1… a E....
18. A D..., como agente das empresas do Grupo C1…, não dispunha de máquinas em armazém para exposição, não sendo antecipadamente possível observá-las nem submetê-las a testes, a não ser visitando as empresas fabricantes do grupo C1… ou empresas de moldes nacionais que tivessem adquirido máquinas iguais ou semelhantes.
19. Dada a extrema precisão que exige o fabrico de moldes metálicos para injeção de peças plásticas, essencialmente para a indústria automóvel, a A. necessita de estar permanentemente equipada com máquinas que incorporem tecnologias de ponta, altamente sofisticadas e de execução dimensionalmente rigorosa, com velocidades o mais rápidas possíveis e sistemas de CAM de última geração.
20. Por essas razões ao abrigo do Sistema de Incentivos em Inovação Produtiva do Programa Operacional Portugal 2020, a A. apresentou um projeto de investimento para aquisição, entre outros equipamentos, de duas fresadoras, uma projetada, desenvolvida e fabricada pela R. C..., denominada … … .., e outra denominada pela designação … fabricada por E..., ambas empresas do grupo C1…, pelo preço de €955.750,00 e €470.000,00, no montante global de €1.425.750,00, acrescido de IVA, somando o valor total de €1.753,672,50.
21. A D... dedicava-se, no que ao grupo C1… dizia respeito, à promoção e comercialização dos equipamentos fabricados pelas empresas do grupo, negociando os preços propostos e momentos de entrega, mediante proposta do fabricante e contraproposta dos clientes.
22. Por vezes, a D... negociava diretamente com a R. C..., adquirindo a esta as máquinas que eram pretendidas pelos seus clientes, que lhes revendia, apondo a sua margem de lucro.
23. A montagem, instalação e formação para a utilização dos equipamentos eram em regra fornecidos pela empresa fabricante mas a instalação e formação poderia ser responsabilidade da D....
24. Aprovado que foi o projeto pelo IAPMEI, a A. iniciou negociações com a D... para a aquisição das referidas máquinas.
25. Quando terminaram, a D... submeteu à A. as propostas finais com as características e preços dos equipamentos atrás identificados, nos termos que constam de fls. 17 e 25.
26. O preço da máquina … … foi dividido em duas partes, uma correspondendo à estrutura da máquina propriamente dita e outra referente ao sistema de ferramentas (periféricos), dando origem a duas propostas parciais para uma única máquina.
27. Aceites essas propostas da D... pela A., esta procedeu à formalização das encomendas, emitindo-as por escrito a favor da D....
28. Para pagamento do preço, a A. obrigou-se perante a D... a efetuar um adiantamento no valor de 22,5% sobre o preço das encomendas, de acordo com as faturas que foram emitidas e expedidas pela D..., no montante global de €394.576,31, sendo o restante a liquidar em outubro de 2018 (15%), em março de 2019 (30%) e maio de 2019 (32,5%).
29. O adiantamento foi realizado, em 13/03/2018, através da subscrição de uma letra de câmbio, na qualidade de aceitante, no valor global de €469.298,82 (€394.576,31 referente às duas máquinas referidas e o valor de €74.722,50 relativo a um outro equipamento), e entregue à D... como sacadora.
30. Em 09/08/2018, a A. procedeu ao pagamento deste aceite, domiciliado na I…, dando a D... a respetiva quitação.
31. A A. e a D... combinaram que as fresadoras seriam entregues até 31/12/2018, na sede da A..
32. Estas propostas não são as que a R. C... e a E... apresentaram à D..., em 21/02/2018, quando esta lhe pediu o melhor preço para as duas máquinas em questão tendo em vista o cliente B….
33. Em 09 de março, a D... apresentou à R. C... duas notas de encomenda, no seu próprio nome, ambas dirigidas à E... para encomenda das duas máquinas referidas.
34. A 1ª R. solicitou nesse mesmo dia que as notas de encomenda fossem apresentadas pelo cliente B….
35. A D... remeteu à R. C... apenas três notas de encomenda da A., em 16/03/2018, dirigidas à D... sem indicação de qualquer valor.
36. A D... não apresentou à R. C... qualquer pedido de encomenda efetuado pela A. à R. C..., apesar da R. C... lhe ter solicitado o envio das notas de encomenda efetuadas pela A..
37. A D... foi protelando o envio dessas notas e encomenda, insistindo a R. C... pela sua apresentação em nome do cliente.
38. A D... foi dizendo à R. C... que o atraso na realização da encomenda pela A. se prendia com a preparação do projeto de financiamento, não havendo dinheiro antes de julho.
39. Em 04/07/2018 a R. C... comunicou à D... que, não tendo recebido nota de encomenda, as máquinas não estavam a ser produzidas.
40. G..., responsável comercial da R. C... para esta parte da Europa, em visita efetuada a Portugal, em 21 de Agosto de 2018, acompanhado pelo gerente da D... confirmou que o grupo C1… tinha disponibilidade para a entrega das máquinas até àquela data.
41. Corria o dia 4 do mês de outubro quando o Sr. G..., encontrando-se em Portugal, telefonou à A. a sugerir uma reunião nas instalações desta, sendo recebido nesse dia pelo representante legal da A..
42. Nessa reunião, o diretor comercial da R. C... começou por confirmar estar disponível para entregar a máquina … … até ao final do ano, e que a … viria para a …, em Matosinhos, entre 21 e 24 de Novembro, ficando em exposição na EMAF – Feira Internacional de Máquinas, Equipamentos e Serviços para a Indústria, podendo no final da feira ser entregue à A..
43. Comunicou à A. que, apesar desta possibilidade, não havia sido recebida qualquer pedido da A. a encomendar as máquinas, nem qualquer quantia a título de adiantamento do preço.
44. Os projetos de investimento do Portugal 2020 estão sujeitos a prazos fixos, mostrando-se então impensável para a A. que as máquinas não fossem entregues nos prazos acordados.
45. No dia 8 de Outubro, a R. C... veio reiterar a sua posição, enviando à A. um email nos seguintes termos: “Bom dia, como hemos hablado la semana pasada te confirmo que no tenemos pedidos por … y …”, enfatizando que, sem o dinheiro, a R. não entregaria qualquer máquina
46. Em tal emergência, nos dias e semanas que se seguiram, foram efetuados vários contactos e reuniões com a D... numa das quais a R. C... esteve presente, por intermédio do Sr. G..., no dia 29/10/2018, na sede da A..
47. Nessa reunião, o gerente da D... admitiu que não tinha enviado para a R C... pelo menos parte da quantia paga pela A., reiterando a R. C... que não faria a entrega das máquinas.
48. A R. C... no dia 14 de novembro informou a A. não poder manter a reserva das máquinas por mais tempo, devendo colocá-las à disposição do mercado.
49. A D... remeteu-se ao silêncio.
50. Por carta datada de 26 de novembro a A. interpelou a R. C... a fim de cumprir o que fora acordado com a D..., transportando os equipamentos de Itália, para a sede da A., dando conhecimento à D....
51. A D... não deu qualquer resposta.
52. A A. insistiu com o envio de novos emails, em 05/12/2018 e 07/12/2018 enviados à R. C....
53. Face à posição da R. C... e da D..., no âmbito do projeto do Portugal 2020, a A. decidiu reportar este incumprimento ao IAPMEI.
54. Não dependia da disponibilidade da D... a entrega das máquinas pertencentes aos seus fabricantes do grupo C1....
55. A R. C... e a E... afirmaram não fazer a entrega das máquinas sem o pagamento do seu preço.
56. Por carta enviada à D... no dia 18 de Dezembro de 2018, a A. procedeu à resolução do contrato de aquisição das máquinas referidas, reclamando a devolução da quantia de €394.576,31, atinente ao valor entregue à D... como adiantamento do pagamento do preço das duas máquinas.
57. A D... não respondeu.
58. A A. comunicou à R. C... a resolução do mesmo contrato, considerando ser solidária a sua responsabilidade.
59. A R. C... respondeu à A. negando ter elaborado as propostas que foram apresentadas pela D....
60. O grupo C1… fez constar no seu site oficial a D... como a representante da C... para Portugal (“sales network”), nele indicando a firma, a sede, o telefone, fax e email da D..., tornando-a a entidade formalmente credenciada para a venda de máquinas da C….
61. A D... não entregou à 1ª R. qualquer quantia recebida da A..
E não se provaram os seguintes factos:
1 - As propostas apresentadas pela D... à A. tivessem sido elaboradas, nos precisos termos em que foram apresentadas, pela R. C....
2 - A A. tivesse encomendado à R. C... o fabrico das duas máquinas referidas nos autos.
3 - A R. C... tivesse aceite vender à A. as duas máquinas que a A. encomendou à D....
4 - A D... representasse a R. C....

V - APLICAÇÃO DO DIREITO AOS FACTOS
A Apelante discorda da sentença proferida que absolveu a Ré C... do pedido, pretendendo demonstrar no presente recurso que “Contrariamente ao decidido, os factos provados permitem concluir que a Autora e recorrente (enquanto terceira de boa-fé) confiou na atuação da Ré D… Unipessoal Lda. como agente com poderes de representação da Ré C... SPA, tendo esta, inequivocamente, por ação e omissão, contribuído para fundar essa confiança”.
Em face desta pretensão da Apelante impõe-se desde já proceder ao seguinte esclarecimento.
A Autora, ora Apelante na petição inicial alegou que adquiriu à 2ª R. duas máquinas, existindo entre a 1ª e a 2ª R. uma relação de agência, sendo a 1ª R. a fabricante das máquinas, tendo pago à 2ª R. parte do preço acordado para a sua compra e recusando-se a 1ª R. a entrega-las por tal quantia não lhe ter sido entregue pela 2ª R..
Mais refere que, em face desta recusa da 1ª R., resolveu o contrato celebrado, exigindo a devolução da quantia paga a título de adiantamento do preço.
Requer a condenação solidária das Rés, invocando o regime da responsabilidade civil extracontratual (art. 65º da petição inicial) e a existência de uma relação de comissão entre as Rés. (art. 67º do mesmo articulado).
Como se afirma na sentença, “Se é certo que foi invocada a existência, entre as Rés, de um contrato de agência, através do qual a D... representaria em Portugal a empresa italiana, não foi então alegado que a compra das máquinas tivesse sido efetuada pela A. à R. C..., antes surgindo esta demandada na qualidade de comitente, sendo a D... a comissária, no âmbito de uma relação que seria assim extracontratual entre A. e R. C... (citando-se o art. 500º do C. Civil, quando, no âmbito da responsabilidade contratual, existe norma expressa e que é o art. 800º do C. Civil).”
Vem agora a Autora, em sede de recurso invocar o art. 23º da Lei do contrato de agência, pretendendo ver reconhecido o seu direito á devolução das quantias pagas, alegando que enquanto terceira de boa-fé, confiou na atuação da Ré D… Unipessoal Lda. como agente com poderes de representação da Ré C... SPA, tendo esta, inequivocamente, por ação e omissão, contribuído para fundar essa confiança”.
Pretende assim a autora o reconhecimento do seu direito á luz dum enquadramento jurídico distinto daquele que fez na petição inicial.
Importará pelo exposto, antes do mais, apurar se a subsunção jurídica ora efetuada se mantem ou não dentro da complexidade factual alegada, para o que teremos de nos socorrer do conceito de “causa de pedir”.
Em processo civil declarativo, o pedido e causa de pedir delimitam o objeto da ação o qual, perante o princípio da estabilidade da instância, que ocorre com a citação (art. 260º do CPC), não é passível de alteração, salvas as exceções de modificação consignadas na lei.
Nos termos do disposto no artº 552º nº 1 als. d) e e) do CPC, deve o autor, na petição inicial expor os factos essenciais que constituem a causa de pedir e as razões de direito que servem de fundamento à ação e formular o pedido, exigências estas que constituem corolário necessário do princípio do dispositivo mitigado consagrado nos artºs. 3º, nº 1, 5º, nº 1 e 3 e 609º, nº 1, do CPC, nos termos dos quais e salvas as questões de natureza oficiosa, «o tribunal não pode resolver o conflito de interesses que a ação pressupõe sem que a resolução lhe seja pedida por uma das partes (…)» (artº 3º, nº 1), “às partes cabe invocar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aquelas em que se baseiam as exceções invocadas” (artº 5º, nº1), sendo certo que “o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito” (artº 5º, nº 3) e “a sentença não pode condenar em quantidade superior ou e objeto diverso do que se pedir” (artº 609º, nº 1), sob pena, aliás, de nulidade da mesma, atento o disposto no artº 615º, nº 1, al. d), 2ª parte, do CPC.
É aceite pela doutrina e jurisprudência que o nosso ordenamento jurídico abraçou a teoria da substanciação por contraponto á teoria da individuação.
Sintetizando tal orientação Abrantes Geraldes[4] escreve o seguinte:
«No art.º 498.º [atual art.º 581.º, n.º 4, do CPC] o legislador fez uma opção clara ente dois sistemas possíveis: o da individualização ou o da substanciação da causa de pedir. Ao primeiro bastaria a indicação do pedido, devendo a sentença esgotar todas as possíveis causas de pedir da situação jurídica enunciada pelo autor, impedindo-se, após a sentença, a alegação de factos anteriores e que, porventura, não tivessem sido alegados ou apreciados. Já a opção pela teoria da substanciação implica para o autor a necessidade de articular os factos de onde deriva a sua pretensão, formando-se o objeto do processo e, por arrastamento, o caso julgado, apenas relativamente aos factos integradores da causa de pedir invocada. Foi esta a opção a que aderiu o legislador (…)».
Elucidativo é também a afirmação de Teixeira de Sousa [5]:
«A causa de pedir é constituída pelos factos necessários para individualizar a pretensão material alegada. O critério para delimitar a causa de pedir é necessariamente jurídico. É a previsão de uma regra jurídica que fornece os elementos para a construção de uma causa de pedir.
(…) Os factos que constituem a causa de pedir devem preencher uma determinada previsão legal, isto é, devem ser subsumíveis a uma regra jurídica: eles não são factos “brutos”, mas factos “institucionais”, isto é, factos construídos como tal por uma regra jurídica. Isto demonstra que o recorte da causa de pedir é realizado pelo direito material: são as previsões das regras materiais que delimitam as causas de pedir, pelo que, em abstrato, há tantas causas de pedir quantas as previsões legais.»
Assim, embora a diferenciação de causas de pedir seja feita, em regra, por via da conjugação da concreta factualidade alegada com o aludido quadro normativo aplicável, casos há em que a mesma factualidade empírica é suscetível de preencher quadros normativos distintos com estatuição de modos de tutela jurídica qualitativamente diversos. Nestes casos, tal diferenciação será feita, basicamente, em função do vetor normativo da causa de pedir.
A par disso, tem-se entendido que, para delimitar determinada causa de pedir, não basta a mera identidade naturalística da factualidade alegada, havendo sempre que considerar a sua relevância em face do quadro normativo aplicável e em função da espécie de tutela jurídica pretendida.
A causa de pedir será assim um conjunto de factos naturais alegados à luz de uma certa e concreta perspetiva jurídica, que se invoca. Com efeito, a disposição legal do art.º 581.º, n.º 4, do CPC., na construção dos vários tipos de causas de pedir, apela simultaneamente para os factos e para as normas que se alegam como fundamento da ação respetiva.
Daí que, a nosso ver, no caso em apreço, os factos essenciais invocados pela Autora, tendo em vista, no plano do direito aplicável, a responsabilização solidaria da 1º Ré na obrigação de pagamento (devolução da quantia entregue para pagamento de máquinas que lhe não foram entregues),ocorrida no âmbito de uma compra e venda em que o fabricante e o vendedor se relacionavam através de um contrato de agência, (factos alegados na p.i) permitem que aos factos provadas seja dado um enquadramento jurídico diverso daquele que foi feito pala autora na p.i.
Isto porque nos encontramos ainda dentro do perímetro do art. 5º nº 3 do CPC, ou seja, em que o tribunal não esta sujeito á aplicação as regras de direito ao invocado pelas partes alegado pelas partes. Vigora aqui o princípio da oficiosidade no que respeita a indagação, interpretação e aplicação das regras de direito.
Como refere o Conselheiro Tomé Gomes no Acórdão do STJ de 19.01.2017,[6] “(…) a decisão judicial, enquanto prestação do dever de julgar, deve conter-se dentro do perímetro objetivo e subjetivo da pretensão deduzida pelo autor, em função do qual se afere também o exercício do contraditório por parte do réu, não sendo lícito ao tribunal desviar-se desse âmbito ou desvirtuá-lo. Incumbe sim ao tribunal proceder à qualificação jurídica que julgue adequada, nos termos do artigo 5.º, n.º 3, do CPC, mas dentro da fronteira da factualidade alegada e provada e nos limites do efeito prático-jurídico pretendido. É-lhe, pois, vedado enveredar pela decretação de uma medida de tutela que extravase aquele limite, o mesmo é dizer, não comportada na órbita do efeito prático-jurídico deduzido (…)”
Apenas não será legitimo conhecer de factos, que não foram oportunamente alegados pelas partes, fora do condicionalismo do citado art. 5º do CPC, porque quanto a eles, vigora o efeito preclusivo.
Conclui-se assim que a pretensão – qualificação jurídica diversa dos factos - tem de conter-se dentro da fronteira da factualidade alegada e provada e nos limites do efeito prático-jurídico pretendido.
Em face do exposto vejamos agora se tem cabimento o enquadramento jurídico feito pela Apelante, atenta a matéria de facto que foi julgada provada.
Defende a Apelante, em suma que a boa-fé da recorrente e a sua confiança na representação da Ré C..., em Portugal, pela Ré D... resultam, inequivocamente, da prova dos factos considerados como provados sob os n.ºs 15, 16, 17, 18, 24, 25, 26, 27, 28, 29, 30 e 31 da fundamentação de facto.
Que os referidos pressupostos decorrem, ainda, da extensa prova testemunhal produzida em tribunal, nomeadamente das testemunhas F..., J… (K…) e L… (M…), quando referem, expressa e inequivocamente, que “a Ré C... e a Ré D... em Portugal eram um só” e que, “em Portugal, se quisesse comprar C1…, tinha que ser pela D...”.
Que a Ré C... não cumpriu com a sua obrigação de registo por depósito do contrato de agência (art.º 10º alínea e) do Decreto-lei 403/86, de 3/12 (Código do Registo Comercial), pelo que pretende beneficiar da alegada inexistência de poderes de representação quando estava obrigada a dar publicidade aos poderes que conferiu ao seu agente em Portugal.
Relativamente a este facto ora invocado, dir-se-á desde já que o mesmo não pode ser atendido por este Tribunal superior, uma vez que não se mostra oportunamente alegado pela Autora, na petição inicial, como lhe competia, não tendo por isso sido sujeito a contraditório, ou a apreciação pelo tribunal a quo.
Diz ainda a Apelante que o depoimento da testemunha G... e os dois factos instrumentais supra (23 e 24) permitem concluir, claramente e sem margem para quaisquer dúvidas, que foi a Ré C... quem impôs à D..., em março de 2018, que a encomenda da recorrente lhe fosse colocada diretamente a si, o que consubstanciou uma mudança da sua política comercial que não foi transmitida à recorrente.
E ainda que a atitude omissiva da Ré C... não fosse contrária à boa-fé, esta, consciente de que a encomenda tinha sido efetivamente colocada à D..., transmitiu à recorrente, no 21 de agosto de 2018, que “estava disponível para entregar as máquinas encomendadas até ao final de 2018”.
Conclui a Apelante que resultaram, assim, provados em tribunal atos e omissões da Ré C..., enquanto principal, que são violadores dos deveres de diligência e de boa-fé que lhe eram exigidos e que foram aptos a justificar a confiança da recorrente nos poderes de representação da D... e que foram alegados e provados os requisitos legais da aparência de representação legalmente estabelecidos para a relação de agência, motivo pelo qual, ao julgar a ação improcedente, a sentença em crise violou o disposto no art.º 23º do Decreto-Lei n.º 178/86.
Em primeiro lugar cumpre dizê-lo, na sentença proferida mostra-se abordada a questão da eventual aplicação do art. 23º do DL 178/86 de 3.7, (Lei do Contrato de Agência), que foi suscitada no final do julgamento, em sede de alegações orais, como aí se dá conta, para se concluir que: “Ora, no que se refere à aplicação do art. 23º do mesmo diploma, nenhuma factualidade foi alegada que permita afirmar que a A. confiou no que quer que seja quanto à atuação da R., que legitime a proteção do terceiro de boa-fé a que a norma se reporta.”
Analisemos então agora a questão suscitada, para ver se é assim.
Pensamos que a presente ação não pode ser decidida á margem da relação contratual e agência que unia as Rés.
A nosso ver, a situação trazida a juízo, independentemente da qualificação jurídica dos factos feita na petição inicial pela Autora, não pode ser apreciada de forma desligada do contrato de agência celebrado entre as Rés que se encontra junto aos autos.
A compra e venda entre a autora e a Ré D... não pode ser apreciada ou valorada de forma autónoma, sem se atender á relação de agência entre a Rés.
Isto porque a Ré D... não era a proprietária das máquinas que a Autora pretendia comprar. A fornecedora das máquinas seria sempre a Ré C..., que é quem as fabrica, produz, isto é a sua proprietária.
Provou-se na verdade (facto supra 3) que a R. é uma empresa do grupo italiano C1…, que se dedica à indústria de fabricação de máquinas fresadoras de tamanho médio-grande, com tecnologias de ponta, e bem assim à comercialização das máquinas daquele grupo, considerando-se líder mundial deste mercado.
Ora a Autora estava interessada na compra de duas máquinas industriais, tendo-se provado que, para o efeito, que a A. inteirou-se da forma de funcionamento do grupo C1…, apurando as informações e factos seguintes:
a) O grupo C1… é fabricante líder mundial deste tipo de máquinas fresadoras;
b) Foram instaladas, nos últimos anos, em Portugal, máquinas de médio e grande porte e com preços de vários milhões de euros, fornecidas pelo grupo C1…;
c) O grupo C1… possui uma rede de vendas na Europa, sendo a D... a sua agente em Portugal) (facto supra nº 15).
Neste seguimento, isto é sabendo a Autora que a D... era agente da C… em Portugal, a A. estabeleceu contactos com a D... para obter informações técnicas sobre as máquinas comercializadas pelo grupo C1….
A D..., como agente das empresas do Grupo C1…, não dispunha sequer de máquinas em armazém para exposição.
Apurou-se ainda que, dado o elevado custo das máquinas, a Autora ao abrigo do Sistema de Incentivos em Inovação Produtiva do Programa Operacional Portugal 2020, apresentou um projeto de investimento para aquisição, entre outros equipamentos, de duas fresadoras, uma projetada, desenvolvida e fabricada pela R. C..., denominada … … .., e outra denominada pela designação … fabricada por E..., ambas empresas do grupo C1…, projeto esse que veio a ser aprovado pelo IAPMEI.
A Autora, uma vez aprovado o projeto, iniciou negociações com a D... para a aquisição das referidas máquinas.
Quando terminaram, a D... submeteu à A. as propostas finais com as características e preços dos equipamentos pretendidos e aceites essas propostas da D... pela A., esta procedeu à formalização das encomendas, emitindo-as por escrito a favor da D....
Para pagamento do preço, a A. obrigou-se perante a D... a efetuar um adiantamento no valor de 22,5% sobre o preço das encomendas, de acordo com as faturas que foram emitidas e expedidas pela D..., no montante global de €394.576,31, sendo o restante a liquidar em outubro de 2018 (15%), em março de 2019 (30%) e maio de 2019 (32,5%).
O adiantamento foi realizado, em 13/03/2018, através da subscrição de uma letra de câmbio, na qualidade de aceitante, no valor global de €469.298,82 (€394.576,31 referente às duas máquinas referidas e o valor de €74.722,50 relativo a um outro equipamento), e entregue à D... como sacadora.
Em 09/08/2018, a A. procedeu ao pagamento deste aceite, domiciliado na I…, dando a D... a respetiva quitação.
A A. e a D... combinaram que as fresadoras seriam entregues até 31/12/2018, na sede da A., o que, não veio a ocorrer, acabando a Autora por remeter á D... em 18.12.2018 uma carta resolutiva, reclamando a devolução do pagamento que lhe havia feito no valor global de €394.576,31euros.
A Autora, sabia, porque se havia previamente inteirado (facto supra nº 15) que as máquinas que estava a comprar não pertenciam á D.... As máquinas eram da Ré C... (do grupo C1…), sendo a D... sua agente em Portugal.
Provou-se que em 09 de março, a D... apresentou à R. C… duas notas de encomenda, no seu próprio nome, ambas dirigidas à E... para encomenda das duas máquinas referidas, sendo que as propostas aceites pela Autora refletidas na encomenda não são sequer as propostas que a R. C... e a E... (empresa do grupo C1…) apresentaram à D..., em 21/02/2018, quando esta lhe pediu o melhor preço para as duas máquinas em questão tendo em vista o cliente B…, a aqui Autora.
Desta factualidade resulta que terá sido intenção da D... vender diretamente as identificadas maquinas á Autora, o que se justificaria desde logo, porque nessa modalidade de “revenda” a D... podia praticar preço mais alto, não dependia da comissão acordada com a fabricante e porque no caso em apreço, havia segurança do pagamento das máquinas porque a compradora beneficiava do apoio do IAPMEI, que aprovara o projeto.
Só que a D... não era a proprietária das máquinas e para proceder dessa forma necessitava do acordo da fabricante.
A fabricante C… e a D... estavam ligadas por um contrato.
Provou-se que a D..., foi de 03/09/2013 a 08/10/2018 o agente da R. C..., tendo estas sociedades celebrado para o efeito, entre si, o contrato junto por cópia a fls. 112 e ss, que aqui se dá por reproduzido (traduzido a fls. 192 e ss).
Deste contrato resulta que a D... obrigou-se a promover e a intermediar a comercialização de máquinas daquela empresa e de outras empesas do grupo C1….
De relevante para a questão a decidir, ficou consignado no contrato o seguinte:
“Clausula 2
“2.1-O agente compromete-se a envidar todos os esforços para promover a venda dos produtos no Território, de acordo com as instruções do Fabricante e com as disposições enunciadas no anexo IV, bem como a proteger os interesses do fabricante agindo com a diligência devida a um empresário responsável.
2.2-O agente deverá transmitir ao fabricante as propostas ou encomendas que lhe seja apresentadas (cabendo o Fabricante o direito de aceitar ou recusar tais propostas, bem como informar os clientes sobre eventuais propostas apresentadas pelo fabricante. O Agente não poderá celebrar contratos em nome ou em representação do Fabricante, nem tomar qualquer decisão que vincule o Fabricante em relação a terceiros.
(…)
Cláusula 11.1 - O agente não poderá receber qualquer pagamento em nome do Fabricante a menos que este o tenha previamente autorizado por escrito a faze-lo.”
Do contrato resulta que a D... não estava autorizada a celebrar contratos em nome ou em representação do Fabricante, nem tomar qualquer decisão que vincule o Fabricante em relação a terceiros.
É certo que se provou, (conforma facto supra 22) que por vezes, a Ré C... vendia as máquinas à Ré D..., após o que esta procedia á revenda ao cliente final.
Fosse qual fosse a modalidade, o certo é que a D... carecia sempre da autorização do fabricante para fornecer á Autora as máquinas.
Ora se a Ré D... se “preparava” para comprar á C… as máquinas (tendo para isso lhe remetido a encomenda em seu nome), para depois recender á Autora, a Ré C... tomou desde o início uma posição muito clara, que é revelada nos factos 33 e 34:
-Em 09 de março, a D... apresentou à R. C... duas notas de encomenda, no seu próprio nome, ambas dirigidas à E... para encomenda das duas máquinas referidas.
-A 1ª R. solicitou nesse mesmo dia que as notas de encomenda fossem apresentadas pelo cliente B….
Ou seja, ao tomar conhecimento deste cliente angariado pela D..., a Ré C... não aceitou desde o inicio vender á D... as máquinas para posterior revenda. Exigiu que a encomenda lhe fosse feita diretamente pelo cliente, isto é que a compra e venda se processasse em conformidade com o contrato de agência.
Não obstante, a Ré D... prosseguiu com a venda, recebendo (sem ter poderes para tal) a quantia supra acordada com a Autora a título de sinal e princípio de pagamento das máquinas, não enviando a nota de encomenda á C... em nome da compradora, tão-pouco lhe remetendo a parte do preço das máquinas que lhe foi entregue.
Em consequência, a Autora ficou desembolsada do sinal que pretende recuperar através desta ação.
A Autora sabia que a Ré D... era agente da C... e foi nessa qualidade que a procurou e terá feito o negócio.
A solução não pode ser a de afastar a responsabilidade da Ré C..., como se fez na sentença por se entender que a Ré C... nada teve a ver com o negócio, isto é porque “ a A sabia que tinha encomendado as máquinas à D..., a quem pagou parte do preço, tendo esta dado quitação desse pagamento, não resultando da sua alegação que o negócio tivesse sido realizado pela D... em nome da R. C... ou sequer que a A. estivesse disso convencida.”
A compradora sabia, porque se tinha previamente inteirado dessa situação, que estava a celebrar um negócio com a agente da fabricante das máquinas.
O que aconteceu é que a D... exorbitou dos poderes que tinha enquanto agente da C… e mais, cobrou indevidamente á autora quantias que não estava autorizada a cobrar e fê-las sua propriedade, não as entregando sequer á fabricante.
Assim sendo a análise da questão, tem necessariamente de passar pela questão de saber quais os efeitos desta atuação ilícita da D... perante o cliente final, enquanto violadora das normas contratuais a que se obrigara, perante a C… por força do contrato de agência celebrado, e á margem dos poderes que lhe foram conferidos pela proprietária das máquinas.
No fundo é determinar de que forma o principal pode ser responsabilizado pelo comportamento ilícito do agente, perante o consumidor final.
O contrato de agência é regulado pelo Decreto-Lei n.º 178/86, de 3 de Julho, com as alterações entretanto introduzidas.
A lei expressa, por um lado, que a agência é o contrato pelo qual uma das partes se obriga a promover por conta da outra a celebração de contratos, de modo autónomo e estável e mediante retribuição, podendo ser-lhe atribuída certa zona ou determinado círculo de clientes (artigo 1º, n.º 1, do diploma citado).
E, por outro, que o agente só pode celebrar contratos em nome da outra parte se esta lhe tiver conferido, por escrito, os necessários poderes (artigo 2º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 178/86, de 3 de Julho).
São, pois, elementos essenciais do contrato de agência, a obrigação de o agente promover a realização de contratos por conta do principal, com estabilidade e autonomia, e de o segundo pagar ao primeiro determinada remuneração, designada comissão.
Dir-se-á que contrato de agência é o negócio oneroso em que uma das partes - o agente -, atuando por conta e em nome da outra - o proponente -, em regime de colaboração estável, não necessariamente exclusiva, desenvolve autonomamente em determinadas zonas ou no quadro de determinado círculo de clientes, uma atividade de prospeção do mercado, conquistando clientela, promovendo os produtos e celebrando eventualmente contratos quando para tal se sejam concedidos especiais poderes.[7]
O agente age em regra, em nome próprio e por conta do principal na angariação de contratos e na sua celebração se o último lhe concedeu poderes para os outorgar, traduzindo-se a remuneração do agente na retribuição pela atividade desenvolvida no interesse do principal.
No caso em apreço, resulta claramente do contrato que o agente D... não tinha poderes de representação necessários para celebrar contratos em nome do principal.
A cláusula 2.2 é expressa nesse sentido:
“O Agente não poderá celebrar contratos em nome ou em representação do Fabricante, nem tomar qualquer decisão que vincule o Fabricante em relação a terceiros.”
O agente só pode celebrar contratos em nome da outra parte se esta lhe tiver conferido, por escrito, os necessários poderes, o que no caso não ocorreu.
Estamos perante um caso de abuso de representação.
O art. 22º do DL 178/86 de 3.7, resolve a questão em principio nos termos gerais dos artigos 268º nº 1 e 770º do C.Civil.
Dispõe, na verdade, o art. 268º do C.C que o negócio que uma pessoa, sem poderes de representação celebre em nome de outrem é ineficaz em relação a este, se não for por ele ratificado.
Ao atuar ilicitamente, o representante age para além dos poderes de representação e os efeitos do seu ato não se projetam na esfera jurídica do representado (artº 268º nº 1 do C. Civ.)”
Ora, como explica Pedro Pais de Vasconcelos,[8] o abuso de representação só tem relevância, em princípio, no relacionamento interno, entre representante e representado, e é irrelevante no relacionamento externo, entre o representado e terceiros. Quer isto dizer que, havendo abuso de representação ou atuação representativa em desarmonia com os fins ou interesses que a regem, esta questão é interna e não ultrapassa o âmbito do relacionamento entre representante e representado. O abuso só pode ser oposto a terceiro, ou à outra parte quando este reconheça ou não deva desconhecer o abuso.
A ilicitude do comportamento da agente D... ocorre no âmbito das suas relações com a Ré, ou seja, no âmbito das relações internas e não no relacionamento daquela com o terceiro, a ora Autora.
Esta questão é interna e não ultrapassa o âmbito do relacionamento entre representante e representado.
O negócio concluído por um agente com falta de poderes é ineficaz relativamente ao principal, se não for por ele ratificado, como não foi no caso em apreço.
Porém, relativamente a terceiros, a tutela poderá ter de ir mais longe, havendo necessidade de tutelar a legitima confiança que terceiros tenham depositado no agente.
Sendo o problema da representação aparente um problema geral de direito, em sede de tutela da confiança de terceiros, o artigo 23º do DL 178/86 de 3.7, trata precisamente, no âmbito do contrato de agência do problema da representação sem poderes, perante terceiros.
Dispõe esta norma o seguinte:
“1 - O negócio celebrado por um agente sem poderes de representação é eficaz perante o principal se tiverem existido razões ponderosas, objetivamente apreciadas, tendo em conta as circunstâncias do caso, que justifiquem a confiança do terceiro de boa-fé na legitimidade do agente, desde que o principal tenha igualmente contribuído para fundar a confiança do terceiro.
2 - À cobrança de créditos por agente não autorizado aplica-se, com as necessárias adaptações, o disposto no número anterior.”
Trata-se de uma “cláusula geral” que o legislador estabeleceu em termos prudentes, com vista a tutelar a boa-fé de terceiros que contratam com o agente sem poderes de representação.
Como afirma Pinto Monteiro, [9] “o problema que o artigo 23º procura resolver consiste, fundamentalmente, em saber que atitude tomar quando o agente, sem poderes de representação, ou de cobrança de créditos, atua, no entanto como se os tivesse, criando no cliente a aparência de estar a contratar a um agente munido dos respetivos poderes.”
A proteção concedida pelo art. 23º, afirma o ilustre Professor, depende pois da ocorrência, cumulativa de requisitos objetivos (embora ponderados á luz do caso concreto e das circunstancias que o rodeiam) e de requisitos subjetivos, deixando-se ao tribunal a indispensável margem de liberdade na apreciação da conduta das partes e na decisão a tomar.”
Não tendo o agente poderes para obrigar o principal nem tendo este ratificado o negócio, a eficácia do negócio, nestes casos, depende assim da prova dos seguintes requisitos:
- Da existência de razões (objetivamente apreciadas, de acordo com as circunstâncias concretas) que justifiquem a confiança de terceiro;
- Da boa fé do terceiro (boa fé subjetiva, no sentido de que o terceiro não conhecia nem devia conhecer a falta de poderes de representação)
- Do facto do principal ter igualmente contribuído (com o seu comportamento por ação ou omissão) para a confiança do terceiro na legitimidade do agente.(ver neste sentido o acórdão do TRG de 19 de Dezembro de 2007 [10]).
Ora no caso em apreço, dos factos provados apenas se pode retirar, relativamente aos requisitos subjetivos, que a Autora contratou com a D..., sabendo que aquela era agente da C…, a fabricante das máquinas que pretendia comprar e que estava de boa-fé.
Porém, relativamente à exigência de verificação de “razões ponderosas, objetivamente apreciadas tendo em conta as circunstâncias do caso” que terão feito com que o terceiro confiasse na legitimidade do agente, nada ficou demonstrado, já que nada foi alegado nesta matéria.
Também não se colhe da matéria de facto que o principal tenha igualmente contribuído para fundar a confiança do terceiro.
Este desde o princípio até ao fim, na intervenção que teve no negócio, manteve a mesma posição. Primeiro perante a sua agente a D... exigindo que de acordo com os termos do contrato de agência a encomenda fosse apresentada em nome da Autora, isto é do cliente final e sem isso não venderia a máquina. Igual posição teve quando reuniu com o cliente final, em que disse ao gerente da Autora que sem encomenda feita por si e sem o pagamento de parte do preço, não venderia a máquina.
Repare-se que, de acordo com os factos 29 e 30, a Autora realizou o adiantamento do pagamento do preço á D... em 13.3.2018, através da subscrição de uma letra de câmbio, na qualidade de aceitante, letra que veio a pagar em 9.8.2018, isto é em data anterior á reunião que teve lugar entre o legal representante da Autora e o representante da C… G..., em 4 de Outubro desse ano (facto supra 41), em que aquele confirmou disponibilidade para entregar as máquinas, mas também lhe comunicou que não recebera nenhum pedido da autora a encomendar nem recebera qualquer adiantamento do preço.
Com efeito, relativamente às razões e circunstâncias que terão levado, no caso concreto, a Autora, cuja boa-fé não foi posta em causa, a confiar no agente e a entregar-lhe a diretamente parte do preço das máquinas, apesar daquele agente não estar autorizado para o receber, nada se apurou, porque na verdade, nada foi alegado pela autora na p.i. a este respeito.
Assim, temos forçosamente de concluir como na sentença, que não se encontra demonstrado o necessário circunstancialismo á proteção do terceiro de boa-fé, a aqui Autora, devendo por isso manter-se a decisão que absolver a Ré C…, SA do pedido contra si formulado.

VI - DECISÃO
Pelo exposto e em conclusão acordam os Juízes que compõem este Tribunal em julgar totalmente improcedente o recurso e em confirmar a sentença recorrida.

Custas pela Apelante.

Porto, 29 de setembro de 2021
Alexandra Pelayo
Fernando Vilares Ferreira
Maria Eiró
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[1] Tendo a Apelante, na respetiva motivação do recurso, indicado as passagens da gravação destas testemunhas e bem assim procedido á sua transcrição.
[2] Pode ler-se na fundamentação de direito da sentença o seguinte: “Como resulta claro até da alegação da própria A., esta encomendou as duas máquinas à D… que, sendo agente da R. C…, também adquiria a estas máquinas para revenda, tendo sido a D… que fixou o preço que apresentou à A. e as condições de pagamento, exigindo-lhe um adiantamento, sem que para tal tivesse apresentado tal proposta de aquisição à R. C…, não estando assim capaz de cumprir a obrigação de entrega das mesmas.”
[3] O contrato mostra-se junto por cópia a fls. 112 e a respetiva tradução está junta a fls. 192.
[4] nota 6: In Temas da Reforma de Processo Civil, Vol. I, Almedina, 2.ª Edição, Coimbra, 1998, pp. 192-193.
[5] Algumas questões sobre o ónus de alegação e de impugnação em processo civil, in Scientia Iuridica, Tomo LXII, n.º 332, 2013, pp. 395 e ss.
[6] acessível em www.dgsi,pt.
[7] MANUEL JANUÁRIO GOMES, "Da Qualidade de Comerciante do Agente Comercial", BMJ, n.º 313, pág. 47
[8] in Teoria Geral do Direito Civil”, 6ª ed., pág. 326.
[9] In Contrato de Agencia, Almedina, 7ª Edição, pg.115.
[10] Proferido no processo 138/07-2, sendo Relatora Rosa Tching. Acórdão disponível in www.dgsi.pt.