Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
3108/14.1T8VNG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ALBERTO RUÇO
Descritores: CONTRATO PROMESSA
RESOLUÇÃO
SINAL ENTREGUE A TERCEIRO
INTERVENÇÃO DO CHAMADO
Nº do Documento: RP201705223108/14.1T8VNG.P1
Data do Acordão: 05/22/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA PARCIALMENTE
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º 651, FLS.356-370)
Área Temática: .
Sumário: I - A quantia relativa ao sinal – artigo 441.º do Código Civil – pode ser entregue a terceiro a título de fiel depositário.
II - Nos termos do n.º 2 do artigo 321.º do Código de Processo Civil, a intervenção do chamado circunscreve-se à discussão das questões que tenham repercussão na acção de regresso invocada como fundamento do chamamento, pelo que o interveniente não pode ser condenado no que quer que seja quanto ao pedido do Autor.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Tribunal da Relação do Porto – 5.ª Secção.
Recurso de Apelação.
Processo n.º 3108/14.1T8VNG do Tribunal Judicial da Comarca do Porto – Vila Nova de Gaia – Instância Local – Secção Cível – J2
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Juiz relator………….Alberto Augusto Vicente Ruço
1.º Juiz-adjunto……Joaquim Manuel de Almeida Correia Pinto
2.º Juiz-adjunto…….Ana Paula Pereira de Amorim
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Sumário:
I - A quantia relativa ao sinal – artigo 441.º do Código Civil – pode ser entregue a terceiro a título de fiel depositário.
II - Nos termos do n.º 2 do artigo 321.º do Código de Processo Civil, a intervenção do chamado circunscreve-se à discussão das questões que tenham repercussão na acção de regresso invocada como fundamento do chamamento, pelo que o interveniente não pode ser condenado no que quer que seja quanto ao pedido do Autor.
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Recorrentes/Réus……………………B… e esposa C…, residentes em Rua …, n.º …, …. - .. ….
Recorrente/Interveniente ………….D…, Lda., com domicílio em Av. …, …, ….-… Vila Nova de Gaia.
Recorrido/Autor……………………...E…, com residência em Rua …, n.º…, …. - … ….
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I. Relatório
a) O autor E…, instaurou a presente acção declarativa, com processo comum, contra os réus B… e esposa C…, com o fim de obter a condenação destes a pagarem-lhe a quantia de EUR 10.000,00, correspondente ao pagamento do sinal em dobro resultante do incumprimento de um contrato-promessa celebrado entre eles, acrescida de juros de mora desde a citação até integral pagamento.
Os Réus contestaram referindo que o sinal foi pago à imobiliária e não ao Autor, argumentando que não houve da sua parte incumprimento do contrato-promessa.
Deduziram reconvenção pedindo a restituição dos EUR 5.000,00 e juros legais desde a notificação do pedido reconvencional até pagamento efectivo.
Os réus pediram ainda a intervenção principal de D…, Lda., a qual foi admitida a intervir como parte acessória, por ter sido entregue a ela a quantia do sinal e mantém na sua posse, escusando-se a devolvê-la.
A interveniente contestou invocando a compensação dos créditos que tem sobre os réus correspondente à remuneração com eles contratada.
No final foi proferida a seguinte decisão:
«Assim, de acordo com tudo o que retro fica dito, julgo a presente acção procedente e, consequentemente, por aplicação do previsto na 2.ª parte do n.º 2 do artigo 442.º do Código Civil, condeno os réus a entregar ao autor o valor do sinal em dobro, no montante de €10.000,00 – dez mil euros –, quantia a que acrescem os juros vencidos e os vincendos, desde a citação e até efectivo e integral pagamento.
Mais, reconhece-se aos réus B… e esposa C… o direito de regresso contra a interveniente acessória destes autos D…, LDA.
Tendo em conta a ausência de prova não se reconhece à interveniente acessória destes autos D…, LDA., o direito à compensação invocado, absolvendo, nesta parte os réus do pedido.
Julga-se improcedente o pedido de condenação do autor como litigante de má fé, sendo este absolvido do pedido que contra si foi formulado.
Julgando-se que ante os factos provados os réus também não litigaram nos autos com má fé.
Custas pelos réus. Registe e notifique».
b) É desta decisão que recorrem os Réus, tendo formulado as seguintes conclusões:
«1. – Autor e Réus outorgaram um contrato promessa de compra e venda a 15-05-2014, relativo a um imóvel dos Réus pelo preço de €50.000,00.
2. – No referido contrato ficou a constar como sinal: “€5.000,00 (cinco mil euros), na data da celebração e assinatura deste Contrato-Promessa a titulo de sinal e principio de pagamento, da qual e pela presente via e forma se lhe dá a respectiva quitação, que fica entregue à mediadora imobiliária, na qualidade de fiel depositaria até estarem reunidas todas as condições para a realização da escritura de compra e venda;”
3. – O cheque, no valor do sinal de €5.000,00, foi emitido pelo Autor a favor da Interveniente acessória D…, sem conhecimento dos Réus, e a interveniente alegou deter o mesmo como fiel depositária, depositando tal cheque na sua conta em 22-05-2014 (inf. Da F… em 17-06-2016, junta aos autos).
4. – Por carta datada de 18-08-2014, O Autor comunicou aos Réus a resolução do contrato promessa de compra e venda com o seguinte conteúdo: “Atendendo que todos os prazos previstos
estão totalmente esgotados, e que não há qualquer perspectiva de ainda este mês se celebrar a escritura de compra e venda, e que a responsabilidade por esta situação é integralmente de V. Exas, e que tal situação é completamente inadmissível, face aos prejuízos que me está a causar, não estou pois disponível para protelar mais este impasse.
Pelo que venho que considero o contrato promessa de compra e venda entre nós celebrado resolvido com todas as consequências daí decorrentes, nomeadamente a devolução do sinal em dobro”.
5. – Nem no contrato promessa, nem na carta resolutiva, foi invocado qualquer motivo que justificasse a improrrogabilidade do prazo na outorga da escritura pública de compra e venda.
6. – Por carta datada de 17/07/2014, o autor instou os réus para procederem à marcação da escritura até ao dia 31/07/2014, sob pena de resolver o contrato promessa de compra e venda celebrado entre as partes.
7. – Os Réus responderam por carta datada de 25/07/2014, a confirmar que não conseguiriam marcar a escritura até 31/07/2014.
8. – O Autor estava a par das dificuldades dos Réus em conseguirem a documentação necessária para a outorga da escritura é que esta, conforme consta do aditamento ao contrato promessa, “será outorgada logo que se encontre reunida toda a documentação para o efeito necessária”.
9. – Ao momento da resolução do contrato, 18-08-2014, ainda não estava reunida toda a documentação do contrato, não obstante todas as diligências feitas pelos Réus para conseguirem.
10. – Quem ficou com a obrigação de diligenciar para que a escritura fosse feita dentro do prazo acordado, foi a Dra. G…, que presta serviços na interveniente mediadora, que elaborou o contrato promessa, o seu aditamento, recebeu do Autor o cheque de €5.000,00, emitido a favor da D… e informou o Autor das dificuldade sem obter a documentação necessária para a escritura.
11. – Os Réus nunca tiveram a possibilidade de obter o valor de €5.000,00, referido no contrato promessa de compra e venda, nem após a sua resolução, por causa imputável ao Autor, que emitiu o cheque a favor da mediadora, e esta ficou com o mesmo, não como fiel depositaria, mas como beneficiaria, propondo-se devolver o mesmo exclusivamente ao Autor.
12. – Os Réus por carta datada de 02-09-2014, interpelou a D… para devolver o cheque de €5.000,00 mas esta respondeu que não tinha que devolver o cheque aos Réus mas que a haver devolução tal implicaria a entrega ao promitente comprador e não aos Réus.
13. – A interveniente D…, propõe-se restituir o cheque a quem o prestou, ou seja ao Autor, e logo que para tal solicitado, (art.º 28º da sua contestação).
14. – A D…, é fiel depositária do cheque, no valor de €5.000,00, não em nome dos Réus, mas do Autor. E este bem sabe desse facto, ao emitir o cheque, não em nome dos Réus promitentes vendedores, mas em nome da mediadora.
Assim,
15. – Deverá alterar-se a matéria de facto como não provada, passando a constar como facto provado: “ O Autor não pagou qualquer quantia aos Réus a título de sinal e princípio de pagamento”.
16. – Não tendo o Réu pago qualquer quantia a título de sinal, não tem direito a receber qualquer quantia, em dobro, do sinal, ainda que o Autor tivesse resolvido validamente o contrato promessa – o que não se aceita.
17. – Os Réus não tiveram qualquer culpa no incumprimento dos prazos para a feitura da escritura definitiva.
18. – Conforme resulta do depoimento supra transcrito, da testemunha Dra. G…, arrolada por todas as partes, não obstante se ter fixado contratualmente um prazo para a escritura definitiva, o Autor sabia que ainda era necessário fazer-se algumas diligências para ter toda a documentação para a outorga da escritura. Razão pela qual, tanto no contrato promessa, como no seu aditamento se referir: “ A escritura de compra e venda será outorgada logo que se encontre reunida toda a documentação para o efeito necessária”.
19. – Os Réus, sempre estiveram empenhados na manutenção e cumprimento no contrato-promessa de compra e venda. Fizeram as diligências que deviam fazer, através da Dra. G…, que, como resulta do seu depoimento, informavam o Autor das dificuldades que estava a ter para obter a documentação necessária para a escritura.
20. – Tendo o Autor, por carta datada de 17-07-2014, instado os Réus para procederem à marcação da escritura até ao dia 31-07-2014, sob pena de resolver o contrato promessa de compra e venda e tendo os Réus respondido a essa carta a 25-07-2014, a confirmar que não conseguiam marcar a escritura até 31-07-2014, só podendo fazer em Setembro de 2014, deveria o Autor esperar até esta data, e não resolver o contrato por carta de18-08-2014, reclamando, naturalmente, aos Réus indemnização pelos danos que tivesse por esse atraso na escritura. Tanto mais que não constava do contrato promessa, nem invocou na carta resolutiva, qualquer razão para a improrrogabilidade do prazo fixado.
21. – Não foram invocados factos na carta resolutiva, além do prazo, que justifique objectivamente a perda do interesse por banda do Autor na celebração do contrato prometido.
22. – Tendo o Autor, resolvido o contrato, sem culpas dos Réus, e sem invocar uma causa objectiva que justificasse a perda de interesse, têm os Réus direito a fazer seu o valor do sinal que o Autor entregou à mediadora, e que esta o possui em nome do Autor.
Assim,
23. – Deverá a douta sentença ser revogada e substituída por outra que considere a acção improcedente e procedente a reconvenção, reconhecendo aos Réus/Reconvintes o direito de fazer seu o valor do sinal que o Autor entregou à interveniente D… e que esta possui em nome do Autor.
De qualquer modo,
24. – Nunca poderão os Réus ser condenados a devolver o sinal em dobro, uma vez que nunca o detiveram, nem nunca tiveram possibilidades em deter, a quantia do valor do cheque/sinal, por o Autor, sem conhecimento dos Réus, ter emitido o cheque de €5.000,00 a favor da interveniente D…, que alega só entregar tal quantia ao Autor.
25. – Por último, qualquer que seja a decisão, a não ser reconhecido o direito aos Réus, a fazer seu, o valor do cheque na posse da mediadora D…, deverá ser reconhecido ao Autor o direito a reaver o cheque no valor de €5.000,00 que emitiu a favor da D…, e não serem os Réus condenados a devolver uma quantia que nunca possuíram e que a detentora alega devolver ao Autor, logo que ele reclame.
26. – Entre outras, a sentença recorrida violou o disposto nos artigos 808.º, e 801.º, n.º 2; 442.º, n.º 2 do Código Civil.
Pelo exposto, deve o presente recurso interposto da sentença de que se vem falando merecer provimento, julgando-se improcedente o pedido do Autor e procedente o pedido reconvencional, pois, assim, se fará Justiça».
c) A interveniente D… também recorreu.
Finalizou as alegações da seguinte forma:
«1. No que concerne à impugnação da matéria considerada provada e não provada deverão ser, desde logo, esclarecido o conteúdos das alíneas J) e S) que se repetem quase na integra,
2. Bem assim como deverá ser colmatada a transcrição da matéria que terá resultado provada na alínea T) cuja omissão deverá ser colmatada previamente à subida do presente recurso.
3. Relativamente à matéria considerada como provada, na alínea A) dos Factos Provados, deverá ser considerada como não provado que «…tendo o autor passado aos Réus como sinal e princípio de pagamento a quantia de €5.000,00, como consta na clausula 3.ª do contrato…» passando a considerar-se que «O Autor não pagou qualquer quantia aos Réus a título de sinal e princípio de pagamento» face ao teor da clausula contratual aí citada, na medida em que em bom rigor a quantia de €5.000 não chegou a ser “passada” aos promitentes vendedores, nem teria que ser entregue até «Estarem reunidas as condições para a realização da escritura de compra e venda», o que não chegou a acontecer.
4. A matéria constate na alínea L) dos Factos Provados, também não deverá ser considerada como provada atendendo ao seu depoimento e ao facto de a realização da escritura depender de condições pessoais dos Réus que esta não poderia tratar.
5. Perante o teor da clausula 5.ª do contrato de mediação junto aos autos e atendendo ao valor do imóvel no contrato-promessa, deverá considerar-se provado que «A remuneração contratada entre os Réus e a interveniente acessória é de 5.500 mais IVA».
6. Mais deveria ter sido considerado provado que «o objecto do contrato de mediação foi cumprido através da celebração do contrato-promessa de compra e venda» conforme alegado no artigo 27.º da contestação apresentada pela ora recorrente, na medida em que tal resulta do confronto do contrato de mediação e do contrato-promessa que constam nos autos e possivelmente corresponderá ao teor da alínea T dos factos provados
7. No que respeita ao recurso sobre matéria de direito, atendendo ao clausulado no contrato-promessa objecto dos presentes autos, ao disposto no artigo 441.º do C.C., e à entrega da quantia em questão a um terceiro não outorgante do contrato não poderá concluir-se ter havido a constituição de sinal.
8. Pelo exposto, quando a sentença recorrida referiu a existência de uma condição deveria ter considerado que perante a falta de verificação de tal condição, a fiel depositária, por força do disposto no artigo 1185.º e seguintes do C.C. e do disposto no regime da mediação imobiliária, teria que devolver a quantia em questão á pessoa que lha tinha entregado, ou seja, ao promitente comprador.
9. Sobre o direito de regresso, de acordo com o disposto no artigo 524.º do C.C., deveria a parte decisória da sentença indicar que tal direito de regresso apenas se refere ao valor do sinal de que a ora recorrente foi fiel depositária, conforme teve o cuidado de referir no primeiro parágrafo de fls. 15, como não poderia deixar de ser dado que a ora recorrente não outorgou o contrato-promessa em questão, pelo que não poderia ser condenada na devolução de qualquer sinal em dobro, muito menos nos presentes autos em que não se pode considerar que tenha havido constituição de sinal.
10. Seja tal direito de regresso não deveria ter sido reconhecido, por um lado, porque o mesmo viola o disposto no artigo 18.º da Lei 15/2013, que determina que se algumas quantias forem entregues a uma mediadora no âmbito de um contrato de mediação esta deve «restituí-las a quem as prestou, logo que para tal solicitada».
11. Por outro lado, não deveria ser reconhecido aos réus qualquer direito de regresso sobre a ora recorrente dado que tendo esta invocado, no artigo 27.º da sua defesa, e na expectativa de que o recurso interpostos sobre a decisão de facto, proceda no que respeita a esta matéria que foi considerada como não provada, a compensação a que neste caso teria direito em virtude da remuneração que lhe era devida por aqueles, por força do cumprimento do contrato de mediação que se comprova pela celebração do contrato-promessa objecto dos presentes autos.
V- NORMAS VIOLADAS:
A sentença recorrida violou o disposto no artigo 442.º, 524.º, 1185.º e ss, do Código Civil e o artigo 18.º do DL 15/2013
Pelo exposto, deve ser dado provimento ao presente recurso considerando-se, em consequência:
Não provada a matéria da alínea L) dos Factos provados, que deverão ser completados com os factos provados em T) que aí não foram indicados, Bem assim como se deverá considerar como provado que o Autor não pagou aos Réus qualquer quantia a titulo de sinal e principio de pagamento, bem como deverá, também, resultar provado que a remuneração contratada entre os Réus e a interveniente acessória é de €5.500,00 mais IVA.
Devendo, considerar-se inexistente qualquer sinal ou improcedendo, caso assim se não entenda, o direito de retenção dos réus, como consequência do pedido de compensação de créditos invocado pela ora recorrente.
Fazendo-se, assim, INTEIRA JUSTIÇA!».
II. Objecto dos recursos
De acordo com a sequência lógica das matérias, cumpre começar pelas questões processuais, prosseguindo depois com as questões relativas à matéria de facto e por fim com as atinentes ao mérito da causa.
Tendo em consideração que o âmbito objectivo dos recursos é balizado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes (artigos 639.º, n.º 1, e 635.º, n.º 4, ambos do Código de Processo Civil), as questões que este recurso coloca são as seguintes [1]:
A - Recurso dos Réus.
1 - Em primeiro lugar, colocam-se as questões relativas à impugnação da matéria de facto.
Os réus pretendem a alteração da matéria de facto não provada, passando a constar como facto provado: «O Autor não pagou qualquer quantia aos Réus a título de sinal e princípio de pagamento».
2 - Em segundo lugar, cumpre verificar se existiu resolução justificada do contrato-promessa por parte do Autor, uma vez que constava do contrato promessa que a escritura seria outorgada logo que se encontrasse «…reunida toda a documentação para o efeito necessária», sendo certo que o Autor não invocou na carta resolutiva, qualquer razão para a improrrogabilidade do prazo fixado que justificasse objectivamente a perda do seu interesse na celebração do contrato prometido.
3 – Em terceiro lugar, cumpre verificar se os Réus têm direito a fazer seu o valor do sinal que o Autor entregou à mediadora.
4 - Em quarto lugar, se se justificar, cumpre saber se é inviável a condenação dos Réus a devolver o sinal em dobro, uma vez que nunca o detiveram, nem nunca tiveram possibilidades de deter, a quantia inscrita no cheque/sinal, por o Autor, sem conhecimento dos Réus, ter emitido o cheque de €5.000,00 a favor da interveniente D…, que alega só entregar tal quantia ao Autor.
5 - Em quinto lugar, caso não seja reconhecido o direito aos Réus fazerem seu a valor do cheque, que está na posse da mediadora D…, cumpre verificar se deverá ser reconhecido ao Autor o direito a reaver o cheque no valor de €5.000,00 que emitiu a favor da D…, em vez de serem os réus condenados a devolver uma quantia que nunca possuíram e que a detentora alega devolver ao Autor, logo que ele a reclame.
B - Recurso da interveniente
Quanto à impugnação da matéria de facto declarada provada e não provada pretende o seguinte:
a) Ver esclarecido o conteúdos das alíneas J) e S) com fundamento na circunstância de se repetirem quase na íntegra;
b) Seja preenchida com factos a alínea «T» previamente à subida do presente recurso, por não conter quaisquer factos.
c) Quanto à matéria da «alínea A) dos Factos Provados», deverá ser considerada como não provado que «…tendo o autor passado aos Réus como sinal e princípio de pagamento a quantia de €5.000,00, como consta na clausula 3.ª do contrato…» passando a considerar-se que «O Autor não pagou qualquer quantia aos Réus a título de sinal e princípio de pagamento»
d) A matéria da «alínea L) dos Factos Provados», também não deverá ser considerada como provada atendendo ao depoimento da testemunha G… e ao facto de a realização da escritura depender de condições pessoais dos Réus que a imobiliária esta não poderia tratar.
e) Deverá considerar-se provado que «A remuneração contratada entre os Réus e a interveniente acessória é de 5.500 mais IVA», como resulta do teor da clausula 5.ª do contrato de mediação junto aos autos e atendendo ao valor do imóvel no contrato-promessa.
f) Deverá considerar-se provado que «o objecto do contrato de mediação foi cumprido através da celebração do contrato-promessa de compra e venda» porque isso mesmo resulta do teor conjugado do contrato-promessa com o contrato de mediação imobiliária.
2 - Quanto à matéria de direito.
a) A interveniente argumenta que atendendo à entrega da quantia em questão a um terceiro, que não foi outorgante do contrato, tal facto implica a não existência de sinal, ou seja, não foi constituído validamente o sinal, pelo que a fiel depositária, por força do disposto no artigo 1185.º e seguintes do Código Civil e do disposto no regime da mediação imobiliária, teria que devolver a quantia em questão à pessoa que lha entregou, ou seja, ao promitente comprador (artigo 18.º da Lei 15/2013, que determina que se algumas quantias forem entregues a uma mediadora no âmbito de um contrato de mediação esta deve «restituí-las a quem as prestou, logo que para tal solicitada»).
b) Quanto ao direito de regresso, cumpre verificar se a sentença deve ser revogada nesta parte devido ao facto dos Réus não terem formulado tal pedido e se, mantendo-se este segmento da decisão, deverá ser explicitado que tal direito de regresso apenas se refere ao valor do sinal de que a ora recorrente foi fiel depositária, e não à devolução de qualquer sinal em dobro.
c) Por último cumpre verificar se é operante no confronto com o referido direito de regresso a compensação invocada pela Interveniente, resultante do direito à remuneração que lhe é devida pelos Réus no âmbito do contrato de mediação.
III. Fundamentação
a) Impugnação da mataria de facto
1 - Recurso dos Réus e da Interveniente
Os Réus pretendem a alteração da matéria de facto não provada, passando a constar como facto provado: «O Autor não pagou qualquer quantia aos Réus a título de sinal e princípio de pagamento».
A Interveniente também impugna a «alínea A) dos Factos Provados», sustentando que deverá ser considerada como não provado que «…tendo o autor passado aos Réus como sinal e princípio de pagamento a quantia de €5.000,00, como consta na clausula 3.ª do contrato…» passando a considerar-se que «O Autor não pagou qualquer quantia aos Réus a título de sinal e princípio de pagamento».
Vejamos então.
Não pode ser satisfeita a pretensão dos Réus e da Interveniente, pois neste caso concreto o deferimento de tais pretensões implicaria colocar matéria de direito na matéria de facto.
Saber neste caso concreto se «O Autor não pagou qualquer quantia aos Réus a título de sinal e princípio de pagamento» é uma questão jurídica e, por isso, não tem lugar na matéria de facto provada uma afirmação com tal conteúdo.
Mas afigura-se conveniente, para conseguir uma boa compreensão da matéria de facto, reunir na al. A) dos factos provados a matéria das alíneas I) e O), atinentes à emissão do cheque e respectivo levantamento, corrigindo-se também o termo «passado» que consta do segmento «…tendo o autor passado aos Réus como sinal e princípio de pagamento a quantia de €5.000,00, como consta na clausula 3.ª do contrato…».
Em vez de «passado» deve ficar a constar aquilo que na realidade ocorreu que foi a entrega de um cheque à interveniente como modo de prestar o sinal convencionado.
Assim, a al. A) dos factos provados fica com esta redacção:
«A) Autor e réus celebraram um contrato-promessa de compra e venda, no dia 15/05/2014, no âmbito do qual os réus prometeram vender ao autor o prédio urbano, composto de casa de rés-do-chão e andar com logradouro, sito na Rua …, n.º …, da …, inscrito na respectiva matriz da freguesia de … sob o artigo urbano 2349, pelo preço de EUR 50.000,00.
Pelas partes foi declarado na cláusula 3.ª do contrato-promessa o seguinte:
«1. O preço global referido na cláusula anterior será pago (…) da seguinte forma:
a) €:5.000,00 (cinco mil euros), na data da celebração e assinatura deste Contrato-Promessa a título de sinal e princípio de pagamento, da qual e pela presente via e forma se lhe dá a respectiva quitação, que fica entregue à mediadora imobiliária, na qualidade de fiel depositária, até estarem reunidas todas as condições para a realização da escritura de compra e venda (…)», sendo o preço remanescente, no valor de 45.000,00€, pago na data da escritura.
Este sinal foi prestado através de um cheque passado pelo autor à ordem de D…, Lda., entidade que os réus incumbiram da venda do identificado imóvel, quantia que a imobiliária levantou e depositou em conta sua.
2 - Restante matéria impugnada pela Interveniente
(I) A interveniente pretende ver esclarecido o conteúdos das alíneas J) e S) com fundamento na circunstância de se repetirem quase na íntegra.
Nesta parte nada há a alterar, pois a repetição da mesma matéria provada em números ou alíneas diferentes não constitui fundamento de impugnação.
Por conseguinte, mantém-se o teor de ambas as alíneas tal como está.
(II) Deverá ser preenchida com factos a alínea «T» previamente à subida do presente recurso, por não conter quaisquer factos.
Esta questão vem dirigida ao tribunal recorrido, mas como nada foi aí referido, cumpre analisar a questão para verificar se é caso de remeter ou não o processo à 1.ª instância para preencher essa alínea.
Sobre esta questão nada há a alterar.
Se o juiz, no final da matéria de facto que declarou provada, acrescentar mais uma alínea, como ocorreu no caso dos autos, onde a seguir ao texto da alínea «S)», escreveu «T)», mas depois nada mais escreveu, a parte não tem fundamento para concluir que o juiz quis declarar outro ou outros factos provados mas esqueceu-se de o fazer.
Por que razão se há-de considerar que o juiz se esqueceu de outros factos ao invés de se concluir que se tratou de um lapso de escrita ou que se esqueceu de suprimir tal letra?
Por conseguinte, só mostrando que se tratou de um esquecimento é que poderia proceder esta questão, mas tal demonstração não está feita.
Improcede, por isso esta questão.
(III) A interveniente pretende a supressão da «alínea L) dos Factos Provados» onde se afirma que «Quem ficou com a obrigação de diligenciar para que a escritura fosse feita dentro do prazo acordado foi a Dra. G… que presta serviços para a mediadora».
Assiste razão à interveniente se se interpretar este texto no sentido literal e essa é uma possibilidade, embora se afigure que no contexto dos restantes factos não seja esta a interpretação a fazer.
Da prova produzida não resulta que tal pessoa tenha assumido a obrigação de diligenciar para que a escritura fosse feita dentro do prazo acordado.
A pessoa em questão foi ouvida (testemunha G…) e do teor do seu depoimento resulta (Cfr. depoimento, minutos 09:20 a 11:30) que promoveu a realização de diligências necessárias ao registo do imóvel na Conservatória do Registo Predial, mas havia questões prévias a resolver na Câmara Municipal (minuto 18:36) que desconhecia e que impediram o registo a tempo de ser feita a escritura no prazo marcado.
Ora, promover ou diligenciar a favor de um resultado é situação diversa da de assumir a obrigação de conseguir esse resultado num certo prazo.
Do depoimento da testemunha não resulta, efectivamente, que tenha assumido um tal compromisso e também não se afigura provável que um terceiro assuma a obrigação de conseguir a celebração de uma escritura em certo prazo, quando não é titular do imóvel e não tem o domínio factual e jurídico sobre o prédio objecto do negócio.
Por isso, principalmente por esta última razão, não se pode formar a convicção de que esta pessoa assumiu a obrigação de conseguir realizar a escritura no prazo acordado.
Por conseguinte, a alínea será retocada ficando com este teor: «G…, que prestava serviços para a mediadora, ficou com a obrigação de realizar diligências destinadas a possibilitar que a escritura fosse feita».
(IV) Vejamos agora as questões relativas aos factos que a interveniente pretende ver declarados provados, ou seja:
«A remuneração contratada entre os Réus e a interveniente acessória é de 5.500 mais IVA»; e
«O objecto do contrato de mediação foi cumprido através da celebração do contrato-promessa de compra e venda».
Sobre esta matéria cumpre ter em consideração que a interveniente é parte acessória.
Nos termos do artigo 321.º do Código de Processo Civil, «1 - O réu que tenha ação de regresso contra terceiro para ser indemnizado do prejuízo que lhe cause a perda da demanda pode chamá-lo a intervir como auxiliar na defesa, sempre que o terceiro careça de legitimidade para intervir como parte principal.
2 - A intervenção do chamado circunscreve-se à discussão das questões que tenham repercussão na ação de regresso invocada como fundamento do chamamento».
Como se dispõe no n.º 2, a intervenção do chamado circunscreve-se à discussão das questões que tenham repercussão na ação de regresso invocada como fundamento do chamamento.
Ou seja, no caso concreto, a imobiliária só se pode pronunciar acerca das questões que o Autor e Réus estão a discutir entre si e, entre estas, apenas aquelas questões cuja decisão pode acarretar para si responsabilidade no caso dos Réus, mais tarde, dirigirem contra si alguma acção invocando um direito de regresso.
Ora, na acção o Autor pediu o seguinte:
«…deve a presente acção ser julgada procedente e provada e, por via dela, serem os Réus condenados a pagar ao Autor a quantia de €10.000,00, resultante do sinal em dobro, pelo incumprimento do contrato; e Àquela importância indemnizatória devem acrescer os juros à mais alta taxa legal, contados desde a data da citação até integral pagamento e, ainda, as custas e condigna procuradoria».
Os Réus deduziram reconvenção e pediram o seguinte:
«A) – Deverá considerar-se procedente a excepção invocada e os Réus absolvidos do pedido.
De qualquer modo,
B) – Deverá a acção considerar-se improcedente por não provada, com a absolvição dos Réus do pedido.
C) – Deverá considerar-se provado e procedente o pedido reconvencional e o Autor/Reconvindo condenado a pagar os Réus/Reconvintes a quantia de €5.000,00 (cinco mil euros) acrescida de juros legais desde a notificação do pedido reconvencional até pagamento efetivo, a título de pagamento do sinal do contrato promessa, nunca entregue aos Réus/ reconvintes.
D) - Deverá ainda o Autor ser condenado como litigante de má fé em multa e numa indemnização aos Réus pelas despesas com o processo no montante de €3.000,00».
Por conseguinte, a Interveniente só se podia pronunciar relativamente a questões atinentes a estes pedidos.
Os factos «A remuneração contratada entre os Réus e a interveniente acessória é de 5.500 mais IVA» e «O objecto do contrato de mediação foi cumprido através da celebração do contrato-promessa de compra e venda» são factos que não interessam à decisão destes pedidos.
Por conseguinte, não interessando à resolução do mérito da causa não há necessidade de os declarar «provados», pelo que, por esta razão, não se conhece da impugnação da matéria de facto nesta parte, por inutilidade (artigo 130.º do Código de Processo Civil).
Passa-se à exposição da matéria de facto de acordo com o que ficou decidido.
b) Matéria de facto provada
A) Autor e réus celebraram um contrato-promessa de compra e venda, no dia 15/05/2014, no âmbito do qual os réus prometeram vender ao autor o prédio urbano, composto de casa de rés-do-chão e andar com logradouro, sito na Rua …, n.º …, da Freguesia de …, inscrito na respectiva matriz da freguesia de … sob o artigo urbano 2349, pelo preço de EUR 50.000,00.
Pelas partes foi declarado na cláusula 3.ª do contrato-promessa o seguinte:
«1. O preço global referido na cláusula anterior será pago (…) da seguinte forma:
a) €:5.000,00 (cinco mil euros), na data da celebração e assinatura deste Contrato-Promessa a título de sinal e princípio de pagamento, da qual e pela presente via e forma se lhe dá a respectiva quitação, que fica entregue à mediadora imobiliária, na qualidade de fiel depositária, até estarem reunidas todas as condições para a realização da escritura de compra e venda (…)», sendo o preço remanescente, no valor de 45.000,00€, pago na data da escritura.
Este sinal foi prestado através de um cheque passado pelo autor à ordem de D…, Lda., entidade que os réus incumbiram da venda do identificado imóvel, quantia que a imobiliária levantou e depositou em conta sua.
B) A escritura de compra e venda teria de ser realizada no prazo máximo de 30 dias, por acordo, ou na falta do mesmo pelo promitente comprador.
C) No dia 13/06/2014, autor e réus celebraram um aditamento ao contrato promessa de compra e venda, em que alteraram a clausula quarta do contrato, passando a escritura a ser outorgada «até ao dia 30 de Junho de 2014, em dia, hora e local a acordar pelas partes ou, na falta de acordo, em dia, hora e local a indicar pelo promitente comprador».
D) Por carta datada de 17/07/2014, o autor instou os réus para procederem à marcação da escritura até ao dia 31/07/2014, sob pena de resolver o contrato promessa de compra e venda celebrado entre as partes.
E) Os réus responderam por carta datada de 25/07/2014, a confirmar que não conseguiriam marcar a escritura até 31/07/2014, só o podendo fazer em Setembro de 2014.
F) O autor, por carta datada de 18/08/2014, comunicou aos réus a resolução do contrato-promessa entre eles celebrado, fundamentando essa resolução nos prazos previstos para celebrarem a escritura estarem completamente ultrapassados e à manutenção da impossibilidade dos réus de celebrarem a escritura, sem qualquer perspectiva de uma previsão para a celebração da mesma, e face aos prejuízos que essa situação estava a causar ao autor.
G) A escritura também não foi realizada durante o mês de Setembro de 2014.
H) O autor perdeu o interesse no negócio, pois que o autor pretendia adquirir o prédio para restaurar e revender, a ocorrer nos meses de Verão, enquanto existiam as condições ideais para tal, uma vez que o prédio se situa junto à estação do caminho de ferro … e perto da zona balnear da …, o que os réus sabiam.
I) (A matéria desta alínea passou a constar da alínea A))
J) O mandatário dos réus, por carta datada de 02-09-2014 e recepcionada a 04 -09-2014 interpelou a D…, Lda., para que esta devolvesse o cheque do autor aos réus, já que o detinha apenas como fiel depositário, tendo em resposta à carta do mandatário dos réus responde a D…. “Mais se esclarece que, de acordo com o claramente estipulado na alínea a) da clausula terceira do contrato promessa de compra e venda celebrado em 15.05.2014, os 5.000€ então pagos pelo promitente-comprador como sinal e principio de pagamento, foram entregues à mediadora imobiliária, «na qualidade de fiel depositária até estarem reunidas todas as condições para a realização da escritura de compra e venda», designadamente as referidas no ponto 3 da clausula primeira do referido contrato promessa, o que, como os s/ constituintes bem ainda não se verifica. Pelo exposto, não tem, a minha constituinte, qualquer obrigação de restituir o referido cheque, até porque, de acordo com a inerente definição linguística, tal implicaria a entrega ao promitente-comprador e não aos s/constituintes.”
K) Ao momento da celebração do contrato, e seu aditamento, o autor sabia que o imóvel, objecto do contrato, não possuía toda a documentação necessária para o efeito, nomeadamente que «Os
Promitentes Vendedores comprometem-se a obter o consentimento dos proprietários da casa atrás do imóvel objecto do presente contrato até ao fim do mês de Maio de 2014 quanto:
a) – delimitação do terreno, com os marcos, conforme planta que se anexa;
b) – eliminação do acesso pedonal à casa atrás do imóvel objecto do presente contrato e correspondente n.º de policia e caixa de correio, cedendo o Promitente Comprador 1 metro do terreno que faz parte do imóvel, passando a medir a frente do terreno, a contar do fim da casa».
L) G…, que prestava serviços para a mediadora, ficou com a obrigação de realizar diligências destinadas a possibilitar que a escritura fosse feita.
M) Pela AP. 1127 de 2014/10/07 os réus registaram a seu favor a aquisição do imóvel objecto do contrato-promessa
N) No aditamento ao contrato-promessa de compra e venda, outorgado a 13 de Junho de 2014, ficou expresso que a «escritura de compra e venda será outorgada logo que se encontre reunida toda a documentação» para o efeito necessária até ao dia 30.06.2014.
O) (A matéria desta alínea passou a constar da alínea A))
P) Nas finanças o imóvel estava inscrito em nome dos vendedores, na conservatória o imóvel ainda constava numa só descrição que incluía outro imóvel, tudo registado a favor da anterior proprietária, pelo que, no contrato-promessa, se acordou que a escritura só se realizaria após a obtenção de toda a documentação necessária para o efeito.
Q) Depois de obtida informação sobre todos os documentos, declarações e assinaturas para a inscrição dos registos pretendidos, a requisição de registo foi apresentada na conservatória. Posteriormente, a conservatória do registo predial entendeu que não era possível proceder ao registo definitivo, alegando ser necessária uma certidão da câmara a autorizar o destaque ou a indicar que o prédio que foi objecto de descriminação matricial era fisicamente autónomo anteriormente a 1973, tendo a D… apresentado pedido de desistência das apresentações e requereu a da necessária certidão na Gaiurb.
R) Em 30.06.2014 ainda não se encontravam reunidas todas as condições necessárias à realização da escritura de compra e venda, o imóvel a transaccionar ainda não se encontrava registado a favor dos vendedores, facto que os réus conheciam.
S) Em 02.09.2014, o Ilustre Mandatário dos promitentes-vendedores enviou uma carta à D… na qual, invocando a resolução do contrato por parte do comprador, exigiam a «devolução» do sinal entregue na data da celebração do contrato promessa de compra e venda, a que a interveniente respondeu, respondeu, através da sua mandatária, esclarecendo, jamais utilizar em proveito próprio quantias de que é fiel depositária, concluía que ainda não se verificavam as condições previstas contratualmente para a entrega do montante de que a ora exponente ficara fiel depositária dado que tudo indicava que ainda não estavam reunidas todas as condições para a realização da escritura de compra e venda conforme contratualmente estipulado.
FACTOS NÃO PROVADOS
- O Autor não pagou qualquer quantia aos Réus a título de sinal e princípio de pagamento.
- O Autor e a mediadora conluiaram-se para que os Réus nunca pudessem dispor do valor do sinal.
- O Autor bem sabia que ainda era necessário obter junto da Câmara Municipal uma autorização.
- Os Réus não tinham quaisquer conhecimentos para obter a documentação necessária para a escritura.
- Os Réus só não conseguiram a documentação necessária em Setembro por causa do técnico da Câmara estar de férias.
- Só na altura em que o negócio ia ser formalizado, é que os clientes informaram, a mediadora, de que o registo do imóvel em seu nome não estava feito dado que não quiseram proceder à sua inscrição no registo predial enquanto não arranjassem interessado em adquiri-lo.
- Posteriormente os co-Réus transmitiram que na Gaiurb lhe tinham garantido que a questão ficaria resolvida com uma certidão de destaque e informaram que, logo a obtivessem tratariam do registo com a ajuda de um solicitador seu conhecido, sem que, até 22.10.2014, nada mais comunicassem, à D…, sobre o estado do requerimento apresentado na Gairb ou do registo.
- A remuneração contratada com os réus e a interveniente acessória é de €5.500,00 mais IVA.
c) Apreciação das restantes questões objecto do recurso.
1 - Do recurso da interveniente
Cumpre iniciar a análise das questões de direito com a questão suscitada pela Interveniente quando argumenta que o sinal não foi constituído validamente.
A Interveniente argumenta que atendendo à entrega da quantia em questão a um terceiro (a ela própria), não outorgante do contrato, tal facto implica a não existência de sinal, ou seja, não foi constituído validamente o sinal.
Não havendo sinal e sendo ela fiel depositária, então por força do disposto no artigo 1185.º e seguintes do Código Civil e do disposto no regime da mediação imobiliária, só tem de devolver a quantia em questão à pessoa que lha entregou, ou seja, ao promitente comprador, pois o artigo 18.º da Lei n.º 15/2013 determina quanto, às quantias entregues a uma mediadora no âmbito de um contrato de mediação, que esta deve «restituí-las a quem as prestou, logo que para tal solicitada».
Não assiste razão à Recorrente.
O sinal foi validamente constituído.
Nos termos do artigo 441.º do Código Civil,
«No contrato promessa de compra e venda presume-se que tem carácter de sinal toda a quantia entregue pelo promitente-comprador, ainda que a título de antecipação ou princípio de pagamento do preço».
Ora, a quantia entregue não tem de ser entregue ao promitente-vendedor, podendo sê-lo a terceiro.
Fundamental é que haja essa entrega [2].
Com efeito, nos termos do n.º 1 do artigo 405.º do Código Civil,
«Dentro dos limites da lei, as partes têm a faculdade de fixar livremente o conteúdo dos contratos, celebrar contratos diferentes dos previstos neste código ou incluir nestes as cláusulas que lhes aprouver».
Por conseguinte, no caso concreto, é válida a parte da cláusula 3.ª do contrato-promessa onde Autor e Réus estipularam que o preço seria pago com a prestação de «€ 5.000,00 (cinco mil euros), na data da celebração e assinatura deste Contrato-Promessa a título de sinal e princípio de pagamento, da qual e pela presente via e forma se lhe dá a respectiva quitação, que fica entregue à mediadora imobiliária, na qualidade de fiel depositária…».
Concluindo-se, como se conclui, no sentido do sinal ter sido validamente prestado, não se coloca a questão suscitada pelo artigo 18.º da Lei n.º 15/2013, que determina que se algumas quantias forem entregues a uma mediadora no âmbito de um contrato de mediação esta deve «restituí-las a quem as prestou, logo que para tal solicitada».
Não se coloca porque quem juridicamente fez o depósito foram os Réus, já que o montante do sinal lhes pertence (ver infra, ponto «(II)» do «Recurso dos réus»), fazendo parte, aliás, do preço.
2 - Recurso dos Réus
(I) Vejamos se existiu resolução justificada do contrato-promessa por parte do Autor, uma vez que constava do contrato promessa que a escritura seria outorgada logo que se encontrasse «…reunida toda a documentação para o efeito necessária», sendo certo que o Autor não invocou na carta resolutiva, qualquer razão para a improrrogabilidade do prazo fixado que justificasse objectivamente a perda do seu interesse na celebração do contrato prometido.
A resposta é positiva pelas seguintes razões:
Em primeiro lugar, cumpre analisar o teor literal do contrato quanto a esta matéria.
Na primeira formulação, cláusula 4.ª do contrato-promessa, relativa ao prazo para celebrar a escritura, teve o seguinte teor:
«A escritura de compra e venda será outorgada logo que se encontre reunida toda a documentação para o efeito necessária no prazo máximo de 30 dias, em dia, hora…».
Mais tarde, em 13 de Junho de 2014, as partes alteraram esta cláusula que foi substituída por esta:
«A escritura de compra e venda será outorgada logo que se encontre reunida toda a documentação para o efeito necessária até ao dia 30 de Junho de 2014, em dia, hora…».
Verifica-se que o segmento «se encontre reunida toda a documentação para o efeito necessária» está subordinada ao «prazo máximo de 30 dias» e «até ao dia 30 de Junho de 2014».
Ou seja, a documentação devia ser reunida no «prazo máximo de 30 dias» e, mais tarde, «até ao dia 30 de Junho de 2014».
O prazo fixado foi um prazo peremptório, essencial.
Em segundo lugar, se não se tratasse de um prazo peremptório as partes teriam dito apenas «A escritura de compra e venda será outorgada logo que se encontre reunida toda a documentação para o efeito necessária».
Não fixavam para a celebração da escritura o prazo máximo de 30 dias, nem, posteriormente, o dia 30 de Junho de 2014.
Por fim, se o prazo máximo inicialmente fixado de 30 dias não fosse um prazo peremptório, as partes não teriam tido a necessidade de alterar o contrato quanto ao prazo, passando o termo do prazo a ser o dia 30 de Junho de 2014.
Ou seja, como as partes verificaram que não era possível cumprir naqueles 30 dias, estabeleceram um novo prazo até 30 de Junho de 2014.
Esta actuação das partes só é compreensível na hipótese das partes considerarem o prazo como peremptório, pois se não fosse peremptório não havia necessidade de dilatar o prazo.
Tendo sido ultrapassado o prazo e sendo o mesmo peremptório ou essencial, o autor, nos termos do n.º 1 do artigo 808.º do Código Civil, estava autorizado a fixar um prazo razoável aos réus para cumprirem, sob pena de se considerar para todos os efeitos não cumprida a obrigação.
E foi isto que o Autor fez através da carta datada de 17 de Julho de 2014, através da qual ele conferiu aos Réus prazo para marcar a escritura até ao dia 31 de Julho de 2014, sob pena do Autor considerar resolvido o contrato-promessa e, como lhes declarou, exigir o sinal em dobro.
Como a escritura não foi marcada, o contrato foi validamente resolvido.
Cumpre apenas referir que nada obrigava o Autor a invocar na carta qualquer razão para a não prorrogar o prazo fixado; nem estava obrigado a justificar a perda do seu interesse na celebração do contrato prometido.
Como referiu o Prof. Antunes Varela, «Se, porém, uma prestação, seja qual for a duração do seu interesse para o credor, se inserir num contrato bilateral, não seria justo manter qualquer das partes indefinidamente vinculada à sua contraprestação, com o fundamento de que a a prestação prometida pela outra continua a ter interesse para ela.
Essa a principal razão pela qual o artigo 808.º, 1, inclui ainda na rubrica do não cumprimento (inadimplemento ou inadimplência) definitivo os casos em que a prestação, apesar de objectivamente continuar a ter interesse, não seja realizada dentro do prazo que, razoavelmente, for fixado pelo credor.
Este prazo, eventualmente sujeito a apreciação jurisdicional no caso de desacordo entre as partes, é um prazo-limite, que o credor terá de fixar sob a cominação de considerar a obrigação como não cumprida. É um prazo especial, que tanto vale para as obrigações puras, como para aquelas a que, ab initio, ou a posteriori, foi fixado um termo, conquanto nada impeça que ele seja estipulado logo no momento constitutivo da obrigação (a casa editora declara-se logo desinteressada da edição da obra, se o original desta lhe não for entregue até certa data; o promitente comprador declara-se desvinculado do contrato, se o promitente vendedor não se aprontar a outorgar na escritura de venda até ao fim de certo mês)» [3].
Improcede, por conseguinte, a argumentação dos recorrentes.
Passando à questão seguinte.
(II) Vejamos agora se os Réus têm direito a fazer seu o valor do sinal que o Autor entregou à mediadora.
A resposta a esta questão é a seguinte:
O montante do sinal encontra-se juridicamente na titularidade dos Réus.
Com efeito, o sinal prestado, como resulta do contrato, foi prestado pelo autor aos réus, pois integrou o preço a pagar.
Sucedeu apenas que as partes acordaram que a imobiliária ficaria a ser fiel depositária do sinal.
Ou seja, tendo sido prestado sinal a favor dos Réus e sendo o sinal juridicamente propriedade dos Réus, o seu depósito foi feito por estes e não pelo Autor.
Por conseguinte, são os Réus quem têm a qualidade de depositantes, para efeitos do disposto no artigo 1185.º do Código Civil (contrato de depósito).
Portanto, a resposta à questão colocada consiste, de acordo com o que fica dito, é no sentido de que os Réus têm direito a exigir da imobiliária o montante do sinal e não propriamente a fazer seu o montante do sinal porque o sinal já lhes pertence.
Se o sinal não pertencesse aos Réus então teria de se concluir que não existia sinal, nem obrigação de o restituir em dobro.
(III) Vejamos agora se é inviável condenar os Réus a devolver o sinal em dobro, uma vez que nunca detiveram eles mesmos a quantia relativa ao cheque/sinal.
Esta questão já se encontra resolvida com a resposta dada à questão anterior.
O sinal sempre pertenceu aos Réus e como eles não cumpriram o contrato-promessa têm de devolver o sinal em dobro, como lhes impõe o artigo 442.º, n.º 2, do Código Civil.
(IV) Quanto à questão de saber se, caso não seja reconhecido aos Réus o direito de fazerem seu a valor do cheque que está na posse da mediadora D…, cumpre verificar se deverá ser reconhecido ao Autor o direito a reaver o cheque no valor de €5.000,00 que emitiu a favor da D…, em vez de serem os Réus condenados a devolver uma quantia que nunca possuíram e que a detentora alega devolver ao Autor, logo que ele a reclame.
Esta questão já se encontra resolvida.
O sinal sempre esteve na esfera jurídica dos Réus e é a estes que a Imobiliária deve entregar o respectivo montante.
Do recurso da interveniente
(I) Quanto ao direito de regresso, cumpre verificar se a sentença deve ser revogada nesta parte, devido ao facto dos Réus não terem formulado tal pedido e se, mantendo-se este segmento da decisão, deverá ser explicitado que tal direito de regresso apenas se refere ao valor do sinal de que a ora recorrente foi fiel depositária, e não à devolução de qualquer sinal em dobro.
Assiste razão à interveniente.
A sentença deve ser revogada na parte em que reconheceu «…aos réus B… e esposa C… o direito de regresso contra a interveniente acessória destes autos D…, Lda.».
Como já se referiu, a imobiliária D… é apenas parte acessória.
Nos termos do artigo 321.º do Código de Processo Civil, «1 - O réu que tenha ação de regresso contra terceiro para ser indemnizado do prejuízo que lhe cause a perda da demanda pode chamá-lo a intervir como auxiliar na defesa, sempre que o terceiro careça de legitimidade para intervir como parte principal.
2 - A intervenção do chamado circunscreve-se à discussão das questões que tenham repercussão na ação de regresso invocada como fundamento do chamamento».
Como se dispõe no n.º 2, a intervenção do chamado circunscreve-se à discussão das questões que tenham repercussão na ação de regresso invocada como fundamento do chamamento.
Por conseguinte, a interveniente não pode ser condenada no que quer que seja [4] quanto ao pedido.
(II) Por último, cumpre verificar se é operante, no confronto com o referido direito de regresso, a compensação invocada pela Interveniente, resultante do direito à remuneração que lhe é devida pelos Réus no âmbito do contrato de mediação.
Vale aqui a mesma observação acabada de expor.
A interveniente acessória não pode ser condenada nesta acção, nem pode fazer pedidos contra as partes principais.
Por isso, não se coloca a questão da compensação por parte da interveniente, com fundamento no pagamento do preço que os Réus lhe deverão no âmbito do contrato de mediação imobiliária.
d) Resumo
De acordo com o que fica referido, deve manter-se a sentença na parte em que condenou os Réus a pagar o sinal em dobro.
E deve ser revogada no restante, ou seja, nesta parte:
«Mais, reconhece-se aos réus B… e esposa C… o direito de regresso contra a interveniente acessória destes autos D…, Lda.
Tendo em conta a ausência de prova não se reconhece à interveniente acessória destes autos D…, Lda., o direito à compensação invocado, absolvendo, nesta parte os réus do pedido».
e) Custas. Como o autor obteve ganho de causa, as custas da acção são a cargo dos Réus e da Interveniente.
Quanto ao recurso, os Réus decaíram no recurso, pelo que as custas do seu recurso são-lhe imputáveis.
Quanto ao recurso interposto pela interveniente, esta obteve ganho quanto a uma das questões e improcedência quanto às demais questões, pelo que as custas ficam a cargo dos Réus e desta última, na proporção de 1/3 para os Réus e 2/3 para a Interveniente.
A parte relativa à impugnação da matéria de facto só tem relevância se a mesma implicar a alguma alteração ao nível da decisão de direito, o que nãos e verificou no caso dos autos.
IV. Decisão
Considerando o exposto, julga-se o recurso interposto pelos Réus improcedente e parcialmente procedente o recurso interposto pelo interveniente, pelo que se revoga a decisão nesta parte:
Deve ser revogada no restante, ou seja, nesta parte:
«Mais, reconhece-se aos réus B… e esposa C… o direito de regresso contra a interveniente acessória destes autos D…, Lda.
Tendo em conta a ausência de prova não se reconhece à interveniente acessória destes autos D…, Lda., o direito à compensação invocado, absolvendo, nesta parte os réus do pedido».
Custas da acção pelos Réus. Custas do recurso interposto pelos réus a cargo dos réus e o interposto pela interveniente a cargo dos Réus e desta última na proporção de 1/3 para os Réus e 1/3 para a Interveniente.
*
Porto, 22 de Maio de 2017
Alberto Ruço
Correia Pinto
Ana Paula Amorim
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[1] A sequência das questões pressupõe que cada uma delas, ao ser resolvida, não irá prejudicar o conhecimento das seguintes.
[2] Acerca da possibilidade de ser entregue um cheque a título de sinal ver Abel Delgado, Do Contrato-Promessa, 3.ª edição. Livraria Petrony, 1985, pág. 175.
[3] Das Obrigações em Geral, Vol. II, 7.ª edição. Coimbra, Almedina, 1999, pág. 114-115.
[4] Neste sentido, ver, por exemplo, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21-03-2006 (in http://www.gdsi.pt, processo n.º 06A298), «O fundamento básico da intervenção acessória provocada é a acção de regresso da titularidade do R. contra terceiro, destinada a permitir-lhe a obtenção da indemnização pelo prejuízo que eventualmente lhe advenha da perda da demanda.
O chamado não influencia a relação jurídica processual desenvolvida entre o A. e o chamante e, daí que nela não pode haver sentença de condenação.
Como assim, tendo uma seguradora intervindo nos autos apenas e só na qualidade de interveniente acessória, nunca poderia ter sido condenada» (sumário).