Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1183/15.0JAPRT-D.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JOSÉ CARRETO
Descritores: DESPACHO JUDICIAL
VÍCIOS DA DECISÃO
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
FALTA DE PAGAMENTO
VOLUNTÁRIO DA MULTA
CULPA DO ARGUIDO
ARGUIDO EM CUMPRIMENTO DA PENA DE PRISÃO
PRISÃO SUBSIDIÁRIA
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO
Nº do Documento: RP201806131183/15.0JAPRT-D.P1
Data do Acordão: 06/13/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º28/2018, FLS.31-37)
Área Temática: .
Sumário: I - Estando em causa um despacho judicial não é admissível recurso com fundamento, quer, nos vícios do artigo 410.º/2 C P Penal, quer, na impugnação da matéria de facto, prevista no artigo 412.º/ C P Penal – expedientes, ambos, restritos aos recursos da sentença.
II - Encontrando-se o arguido preso em cumprimento de pena e sem meios económicos livres de modo a pagar a multa ou modo de angariar meios de pagamento em face dessa situação, é-lhe imputável a falta de pagamento da multa.
IV - A previsão da suspensão da execução da prisão subsidiária, condicionada, sempre, à aposição de deveres ou regras de conduta, pressupõe que o arguido esteja em liberdade.
V - Por outro lado, estando previsto o termo da pena de prisão para 2040, deve ter-se presente a possibilidade de o arguido poder efectivamente exercer uma profissão ou efectuar um trabalho que lhe gere retribuição não negligenciável, quer, no âmbito de acções viradas para o exterior, quer, no EP - cujo destino se mostra regulado no artigo 46.º do CEPMPL - e, assim, sendo de ponderar o recurso a tal património e, por essa via poder vir a pagar a multa, antes de a prisão subsidiária vir a ser executada, desde logo, em face da longa duração da pena de prisão que está a cumprir.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Rec nº 1183/15.0JAPRT-D.P1
TRP 1ª Secção Criminal

Acordam em conferência os juízes no Tribunal da Relação do Porto

No Proc. C. S. nº 1183/11 5.OJAPRT do Tribunal Judicial da Comarca do Porto - Juízo Central Criminal de Vila do Conde -Juiz 3 em que é arguido

B…
Foi em 22/2/2018 por despacho, decidido:
“Desta feita, e sem necessidade de outras considerações, e por não verificada a circunstância prevista no artigo 49º, n.º 3 do CP, antes resultando provado e comprovado o seu contrário, se indefere a pretensão do arguido”

Recorre o arguido o qual no final da sua motivação apresenta as seguintes e extensas conclusões:
“1. Entende o recorrente, que, face á factualidade dada como provada nos presentes autos, e ao Direito aplicável, a decisão do douto despacho em considerar não verificada a circunstância prevista no artigo 49.°, n°3, do Código Penal, violou normas jurídicas e fez uma incompleta e incorrecta interpretação, assim como padece de erro a fundamentação;
2. Salvo o devido respeito, entende o recorrente que a decisão recorrida padece de erro na livre apreciação da prova, na parte em que o douto despacho refere que í() o arguido deixou de ter fonte do rendimento desde a morte da sua ex-companheira e do filho desta, pois que em vida dos mesmos as rendas de exploração de armazéns e estufas que lhe eram devidas eram efectivamente pagas por aqueles (...)“e (...) o próprio requerente matou “a galinha dos ovos de ouroí..7;
3. A decisão do douto despacho extravassa a matéria discutida nos presentes autos, assim como a matéria que foi dada como provada;
4. Contrariamente ao alegado no douto despacho recorrido nunca a ex-companheira e o filho desta em vida dos mesmos, pagaram as rendas da exploração dos armazéns e estufas ao arguido, não se compreende a origem deste erro notório;
5. Para além da incongruência com o suporte probatório existente, com o devido respeito o Julgador a quo não fundamentou corretamente as provas existentes, no qual o douto despacho tem assente factos incorrectos, nos termos do artigo 412, n.° 3, do CPP, que justifica o presente recurso;
6. Os rendimentos do arguido nunca provieram da vítima C…, nem do filho desta muito pelo contrário, foi sempre o arguido a ajudá-los monetariamente;
7. É claro que a fundamentação do douto despacho tem assente uma ligeireza a partir de uma mera premissa ou possibilidade e nunca na certeza da factualidade assente, discutida e dada como provada;
*
8. O Tribunal não anali5ou nem valorou correctamente toda a factualidade e circunstancialismo do caso concreto que os próprios autos revelam, não tendo aplicado uma análise com base nas regras ditadas pela experiência e senso comum, as quais, necessariamente, impunham decisão diferente da recorrida;
9. Em razão do que antecede a fundamentação do douto despacho recorrido padece de erro, sendo aliás contraditório com o que foi analisado e dado como provado nos presentes autos, quando mencionado que “(..) o arguido deixou de ter fonte do rendimento desde a morte da sua ex-companheira e do filho desta, pois que em vida dos mesmos as rendas de exploração de armazéns e estufas que lhe eram devidas eram efectivamente pagas por aqueles (..j” e (...) o próprio requerente matou “ a galinha dos ovos de ouro..)”;
10. Com a devida vénia por diferente entendimento deve alterar-se a fundamentação do douto despacho recorrido deixando de constar o erro supra mencionado;
11. Porém, para além do exposto em termos de matéria de facto, o Tribunal a quo violou também normas jurídicas e fez uma interpretação incompleta e incorrecta do direito que igualmente justificam o presente recurso, nos termos do artigo 412°, n,° 2 das alíneas a) e b) do CPP;
12. O douto despacho recorrido teve em linha de consideração a alegada imputabilidade do arguido pela falta de pagamento da multa, considerando não se encontrar preenchido o pressuposta para a suspensão da execução do cumprimento da prisão subsidiária;
13. Como pode a decisão do douto despacho estar assente numa fundamentação sem qualquer nexo de verdade afirmando que «o próprio requerente matou “ a galinha dos ovos de ouro”»?
14. Em nenhum momento, o aqui recorrente afirmou ou foi dado como provado que a fonte exclusiva de rendimento seriam as rendas que deixou de ter “como fonte de rendimento as rendas e exploração de armazéns e estufas desde a morte da sua ex-companheira e do filho desta, pois em vida dos mesmos as rendas de exploração de armazéns e estufas lhe eram devidas que eram pagas por aqueles”;
15. Repare-se que nos presentes autos, nada da factualidade supra mencionada resulta como provada, assim como tal referência é um claro erro crasso e um atentado à verdade;
16. A fundamentação do douto despacho recorrido padece de erro na livre apreciação da prova, na justa medida que apresenta um juízo conclusivo, sem lógica à luz de uma fundamentação emotiva da factualidade do quadrúplo homicídio em discussão nos presentes autos;
17. In casu nada no processo existe, assim como nenhuma prova sustenta as circunstâncias e os factualismos das rendas dos armazéns, uma vez que o que se discutia nos presente autos eram os ilícitos penais;
18. O recorrente não se conforma, nem entende que o Tribunal aprecie e valore com base em “prognoses” assentes em analogismos em detrimento de provas carreadas no processo, tendo apenas um único resultado, exclusivamente prejudicar o recorrente;
19. O princípio contemplado no artigo 127.° do Código de Processo Penal, confere que “(...) a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convição da entidade competente’, assenta como diz a lei, nas regras da experiência e em critérios lógicos, de modo que a convicção de quem aprecia livremente a prova se apresente racional, não arbitrária nem meramente subjectiva;
20. A decisão recorrida tinha elementos objectivos que permitiam fazer uma análise racional no respeito pelo princípio da livre apreciação da prova, em detrimento de uma convicção subjectiva, emotiva e errónea do carácter da imputabilidade das razões do arguido pela falta de pagamento da multa penal;
21. No douto despacho recorrido a fundamentação assente resulta uma flagrante violação ao princípio da livre apreciação da prova, que constitui um vício na decisão recorrida, na justa medida que existe um erro notório na apreciação da prova, nos termos do n.° 2, alínea c), do artigo 410.°, do CPP;
22. Com efeito, o douto despacho recorrido é nulo, por violação do princípio da livre apreciação da prova e também porque na decisão conheceu questões de que não podia tomar conhecimento, nos termos da alínea c) (‘in fine’), n.° 1, do artigo 379°, do CPP, que expressamente se arguiu;
23. Por outro lado, o arguido não possui bens penhoráveis viáveis à cobrança coerciva da multa e, desde o trânsito em julgado do acórdão proferido nestes autos, o arguido não auferia qualquer rendimento, concretamente desde 28/041201 5;
24. No caso sub judice não procede o argumento (de algum modo aflorado no despacho recorrido) de que a prisão que neste momento o arguido sofre lhe é imputável, uma vez que tal não invalida a precária situação económica em que o mesmo se encontra;
25. O artigo 49°, n.° 3 do Código Penal apenas impõe como pressuposto da suspensão da execução da prisão subsidiária que o condenado prove que a razão do não pagamento lhe não é imputável”;
26. A lei penal refere-se à razão do não pagamento da multa (inimputabilidade do não pagamento), sem qualquer referência à culpa do condenado para essa situação;
27. Não é concludente o argumento do despacho recorrido, apelando à analogia que «o próprio requerente matou “a galinha dos ovos de ouro”», para dai chegar à conclusão “não verificada circunstância prevista no artigo 49°, n.° 3, do C antes resultando provado e comprovado o seu contrário (.7’;
28. Face ao que antecede, esta situação económica e financeira do arguido é, sem dúvida, a causa (“a razão”) do não pagamento da multa, na justa medida que não tem qualquer capacidade económica para pagar a multa, ou seja, não tem possibilidade de agir de outra maneira;
29. Com efeito, dai que se impunha a conclusão de que “a razão do não pagamento da multa lhe não é imputável’, ao abrigo do disposto no n.° 3, do artigo 49.° do Código Penal;
30. De salientar que, ope legis, in casu a decisão do douto despacho não andou bem, na justa medida que fundamentou perante a única circunstância qualitativa, a culpa do ilícito penal e não a mesma de acordo com a falta do pagamento da multa;
31. A decisão do despacho recorrido fundamentou a imputabilidade da falta de pagamento assente na culpa do ilícito penal (quádruplo homicídio), incorrendo em violação do principio da proibição da dupla valoração da culpa, e consequente violação do principio in bis in idem;
32. A proibição tem de ser perspectivada numa natureza “logicamente inimpugnável, dizendo que “a proibição do duplo aproveitamento constitui uma verdade jurídicopenal banal e um princípio cuja violação é considerado um erro crasso”;
33. Ou seja, o ne bis in idem, como exigência da liberdade do individuo, o que impede é que os mesmos factos sejam julgados repetidamente, sendo indiferente que estes possam ser contemplados de distintos ângulos penais, formais e tecnicamente distintos;
34. Com efeito, foi violado o princípio da dupla valoração, que constitui clara violação do princípio “non bis in idem” e da igualdade consignados nos artigos 29.° e 13°, ambos da Constituição da República Portuguesa, sendo aliás inconstitucional por violação dos preceitos mencionados, inconstitucionalidade esta que expressamente se invocou;
35. Por outro lado, a culpa pressupõe a normalidade da motivação do agente pelas normas do sistema jurídico-penal, mas o grau concreto de exigibilidade imposto pela lei resulta da relação entre as necessidades preventivas e os princípios utilitaristas da intervenção mínima e garantísticos, sendo, por isso, como o de normalidade, conceito normativo;
36. Só alguém com capacidade de se motivar pelas normas pode ser culpável e por outro lado atua como limite de exigibilidade;
37. Na situação concreta em que se encontra o arguido, sem bens ou rendimentos, e em situação de cumprimento de pena, desde 26/04/2015, não será exigível que atue em conformidade com os imperativos juridicos contidos na norma, efetuando o pagamento da multa;
38. No caso sub judice o aqui recorrente não tem possibilidade de proceder ao pagamento da pena de multa, não sendo a falta de pagamento da pena de multa culposa;
39. In casu não existem bens próprios, susceptiveis da originar rendimentos, ou susceptiveis de serem vendidos e assim recebido um preço, ou outros meios usuais de obtenção de liquidez pecuniária;
40. A culpa será aquela que directamente causa o incumprimento da pena e não a culpa que gerou a censura e a reacção penal e determinou a fixação da pena;
41. Ao contrário do que é defendido no douto despacho recorrido, que entende ser a culpa do comportamento ilícito que determinou a fixação da pena e a imputabilidade pela falta do pagamento não podem ser as duas confundíveís;
42. No caso dos autos, o condenado está em cumprimento de pena efectiva, estando-lhe vedado o recurso à celebração de contrato de trabalho que lhe permita a obtenção de rendimentos suficientes para o pagamento da multa;
43. O normativo legal disposto no artigo 49, n.° 3, do Código Penal é interpretado no sentido de configurar “uma válvula de escape que visa impedir que, no limite, as pessoas cumpram pena de prisão unicamente por serem involuntariamente pobres ou estarem impedidas de auferir ou dispor de qualquer rendimento”;
44. Em súmula, a finalidade de prevenção a capacidade de o arguido se motivar pela norma, não deve o mesmo ser considerado culpado porque, estando detido e não dispondo de bens ou rendimentos, não pode optar por agir em conformidade com a lei;
45. Pelo que, a falta de pagamento da multa, aplicada ao arguido, nos presentes autos, não deverá ser-lhe imputada como resultante de um ato culposo, porque, na situação concreta em que o arguido se encontra, não lhe é exigível que atue em conformidade com a lei, efetuando o pagamento da multa, face à manifesta incapacidade económica do arguido e à sua situação de reclusão desde 28/04/2015, que terminará em 2040, não sendo credível que se possa exigir que atue em conformidade com os imperativos jurídicos contidos na norma, efetuando o pagamento da multa;
46. A finalidade das penas está definida na artigo 40.° da Código Penal, como sendo a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade;
47. Na verdade, tais finalidades não deixam de ser prosseguidas no caso sub judice, também, em todas as decisões que impõem penas de prisão, mas suspensas na sua execução, nos termos e de acordo com o disposto no artigo 50.0 do Código Penal;
48. Face à concreta situação do arguido, considerando, designadamente, as razões do não pagamento da multa, em que se verificam em razão da situação de reclusão, diferentes condições poderão ser ímpostas ao arguido como condição da suspensão de execução da pena de prisão subsidiária satisfaz não só a previsão do artigo 49°, n.° 3, como também, a previsão do artigo 50.°, n.° 1, ambos, do Código Penal;
49. Pelo exposto deverá ser revogada a douta decisão ora recorrida, por outra que decida deferir a suspensão da execução da pena de prisão subsidiária, em substituição da pena de multa não paga, que deverá ser substituida por outra, pelo prazo de 1 a 3 anos, com a condição de o arguido, durante o período da suspensão, frequentar e desenvolver no Estabelecimento Prisional cursos e atividades, de acordo com as suas habilitações, aptidões e disponibilidade, ou, outras medidas que se julguem mais convenientes;
50. Não pode haver justiça com tantas incongruências e a decisão sub judice terá necessariamente que ser reapreciada.
TERMOS EM QUE, e nos mais que vossas Excelências superiormente suprirão, deve o presente recurso ser julgado procedente e, consequentemente, revogar-se a decisão recorrida por violar o disposto no artigo 49°, n,° 3, do Código Penal, sendo a mesma substituída por outra que suspenda a execução de qualquer pena subsidiária, mediante a imposição de deveres ou regras de conduta de conteúdo não económico ou financeiro e julgue verificadas as arguidas, nulidade e inconstitucionalidade, tudo conforme melhor exposto nas conclusões supra e nos termos aí expostos.

O Mº Pº respondeu defendendo a improcedência do recurso
Nesta Relação o ilustre PGA emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
Foi cumprido o artº 417º2 CPP
O arguido respondeu defendendo o seu recurso

Cumpridas as formalidades legais, procedeu-se à conferência.
Cumpre apreciar.
Consta do despacho recorrido (transcrição):
“Fls. 2703 e ss.: Se bem alcançámos os fundamentos da pretensão do arguido, nomeadamente o que vertido se encontra nos artigos 4º e 5º do requerimento em apreço, o arguido deixou de ter fonte do rendimento desde a morte da sua ex-companheira e do filho desta, pois que em vida dos mesmos as rendas de exploração de armazéns e estufas que lhe eram devidas lhe eram efectivamente pagas por aqueles.
Ora, se bem temos presente o objecto do processo, o arguido encontra-se a cumprir pena de prisão pelo cometimento de quatro crimes de homicídio qualificado, dois deles precisamente nas pessoas da sua ex-companheira e do filho desta.
Não se nos afigura causa mais imputável ao arguido da impossibilidade de cumprimento da pena de multa do que esta: o próprio requerente matou “a galinha dos ovos de ouro” (se nos é permitido o analogismo), no caso as duas apontadas pessoas, as quais lhes permitiam o seu sustento.
Desta feita, e sem necessidade de outras considerações, e por não verificada a circunstância prevista no artigo 49º, n.º 3 do CP, antes resultando provado e comprovado o seu contrário, se indefere a pretensão do arguido.
*
São as seguintes as questões a apreciar:
- impugnação da matéria de facto e erro notório na apreciação da prova
- se a falta de pagamento da multa lhe é imputável e se deve a execução da pene de prisão subsidiária ser suspensa
*
O recurso é delimitado pelas conclusões extraídas da motivação que constituem as questões suscitadas pelo recorrente e que o tribunal de recurso tem de apreciar (artºs 412º, nº1, e 424º, nº2 CPP, Ac. do STJ de 19/6/1996, in BMJ n.º 458, pág. 98 e Prof. Germano Marques da Silva, in “Curso de Processo Penal” III, 2.ª Ed., pág. 335), mas há que ponderar também os vícios e nulidades de conhecimento oficioso ainda que não invocados pelos sujeitos processuais – artºs, 410º, 412º1 e 403º1 CPP e Jurisprudência dos Acs STJ 1/94 de 2/12 in DR I-A de 11/12/94 e 7/95 de 19/10 in DR. I-A de 28/12

Conhecendo:
O arguido começa por impugnar a matéria de facto em que o tribunal se baseou para decidir, quer fazendo apelo à impugnação ampla da matéria de facto do artº 412º 3 CPP quer por apelo ao vicio do erro notório na apreciação da prova pondo ainda em causa o principio da livre apreciação.
Como do próprio texto legal se vê, o erro notório é vício da própria decisão que o deve revelar sem recurso a qualquer elemento que lhe seja externo ( artº 410º2 CPP “desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum” e tal como a impugnação ampla da matéria de facto( traduzida na reapreciação da prova em conformidade com o ónus que é imposto no artº 412º 3, 4e 6 CPP), são restritos aos recursos da sentença.
Estando em causa um despacho judicial não é admissível o recurso com tais fundamentos, que no caso concretos nem estariam sequer verificados, pois o invocado erro notório não se extrai da decisão e não é cumprido o ónus de especificação que o artº 412º CPP impõe, sem o que nunca é possível conhecer do seu teor.

No que respeita à questão central dos autos, traduzida em saber se a pena subsidiária pelo não pagamento da multa lhe é imputável ou não, cumpre apreciar.
Alegara o arguido na essência que não pode pagar a multa, por estar preso em cumprimento da pena e não tem possibilidade económica para o fazer, e por isso lhe deve ser suspensa a execução da prisão com subordinação a deveres de conduta de conteúdo não económico financeiro.
Sobre esta matéria dispõe o artº 49º CP:
“1 - Se a multa, que não tenha sido substituída por trabalho, não for paga voluntária ou coercivamente, é cumprida prisão subsidiária pelo tempo correspondente reduzido a dois terços, ainda que o crime não fosse punível com prisão, não se aplicando, para o efeito, o limite mínimo dos dias de prisão constante do n.º 1 do artigo 41.º
2 - O condenado pode a todo o tempo evitar, total ou parcialmente, a execução da prisão subsidiária, pagando, no todo ou em parte, a multa a que foi condenado.
3 - Se o condenado provar que a razão do não pagamento da multa lhe não é imputável, pode a execução da prisão subsidiária ser suspensa, por um período de 1 a 3 anos, desde que a suspensão seja subordinada ao cumprimento de deveres ou regras de conduta de conteúdo não económico ou financeiro. Se os deveres ou as regras de conduta não forem cumpridos, executa-se a prisão subsidiária; se o forem, a pena é declarada extinta.
4 - O disposto nos n.os 1 e 2 é correspondentemente aplicável ao caso em que o condenado culposamente não cumpra os dias de trabalho pelos quais, a seu pedido, a multa foi substituída. Se o incumprimento lhe não for imputável, é correspondentemente aplicável o disposto no número anterior” pelo que está em causa o nº3 deste normativo.
Importa por isso saber em face do que alega se se encontra impossibilitado sem culpa sua de pagar a multa decorrente do facto de estar preso em cumprimento da pena e se pode ser suspensa a execução da prisão subsidiária nestes termos.
Como decorre do normativo transcrito e incumbe ao arguido condenado provar que a impossibilidade de pagamento da multa não decorre de culpa sua “condenado provar que a razão do não pagamento da multa lhe não é imputável” e assim os acs. RP 24/2/2016 www.dgsi.pt “Cabe ao arguido condenado para obter a suspensão da execução da prisão subsidiária em que a multa não paga foi convertida, demonstrar que a falta de pagamento da multa não lhe é imputável” e de 14/3/2018 www.dgsi.pt “II - Mas para que se faça actuar o n.º 3 do artigo 49.º C Penal cumpre ao condenado a prova de que o não pagamento não se ficou a dever a culpa sua”
A norma citada impõe, pois, que se apure se o não pagamento da multa por banda do arguido aconteceu em virtude de uma conduta voluntária e consciente do mesmo, ou seja por facto que lhe diga respeito, e deste modo se pode asseverar que o não pagamento lhe é imputável.
Ora o arguido encontra-se preso em cumprimento da pena e não tem meios económicos livres de modo a pagar a multa, ou modo de angariar meios de pagamento em face dessa detenção.
Esta questão não é nova e a Relação já decidiu no sentido que sendo a detenção fruto de acto voluntário seu o não pagamento da multa é-lhe imputável, tendo a Relação do Porto no ac. 14/9/2016 www.dgsi.pt “O não pagamento da multa aplicada em substituição da prisão, por o arguido se encontrar preso por outro crime, é-lhe imputável por esta reclusão ter na sua origem a prática de uma conduta delituosa que emerge de culpa sua, o que fundamenta a não suspensa da execução e o cumprimento da pena de prisão substituída” e do mesmo modo a Relação de Évora no ac. 9/9/2014 www.dgsi.pt “É imputável ao arguido a falta de pagamento de multa de substituição quando invoca não ter outros rendimentos em virtude de se encontrar a cumprir pena de prisão em estabelecimento prisional” neles expressando que a norma em causa, pretendendo evitar a prisão, pressupõe que o condenado esteja em liberdade (tal qualmente se expressa numa situação de substituição por trabalho a favor da comunidade o ac RP 26/10/2017 www.dgsi.pt) pois só nesse caso faz sentido a suspensão da execução da prisão, o que não acontece se o arguido está preso em cumprimento de pena, fazendo sentido o descrito no ac de 14/9/2016 “é-lhe ainda imputável, uma vez que a reclusão tem origem na prática de uma conduta delituosa que pressupõe a culpa do arguido, ou seja, a situação de reclusão em que se encontra decorre de um comportamento voluntário e ilícito do arguido; diferente seria o arguido não dispor de rendimentos por não poder trabalhar em virtude de doença ou ter sido despedido, o que vale por dizer não dispor de rendimentos por força de um circunstancialismo a que fosse alheio. Ora, o arguido não é alheio à sua situação de reclusão, sendo por força do seu comportamento que se encontra privado da liberdade e consequentemente não pode auferir rendimentos para proceder ao pagamento a multa
Por outro lado, «o regime exigente da multa de substituição, que não contempla sequer o respetivo pagamento coercivo, justifica-se em boa medida pela necessidade de assegurar a credibilidade daquela pena como alternativa efetiva às penas curtas de prisão (até um ano) - art. 43º do C.Penal -, o que seria posto em causa se o cumprimento de pena de prisão implicasse a exclusão da responsabilidade do condenado por aquele mesmo pagamento» - Ac.R.Évora de 9/9/2014, processo n.º295/09.4GDSTB-A.E1, relatado pelo Desembargador António João Latas, in www.dgsi.pt
Por outro lado, como decorre do disposto o artº 49º 3 CPP, transcrito, a suspensão tem de ser condicionada a deveres ou regras de conduta pois ali se dispõe que pode ser suspensa “desde que a suspensão seja subordinada ao cumprimento de deveres ou regras de conduta de conteúdo não económico ou financeiro” ora estando o arguido preso não se vê que deveres pode o tribunal impor ao condenado, que pressupõem a sua situação de liberdade, nem que deveres possam ser impostos que não conflituam com o regime daquela detenção e o regime prisional, como acentua no acórdão em causa de 9/9/2014 ao expressar que “ não é possível sujeitar a suspensão da prisão a verdadeiras condições, como imposto pelo nº3 do art. 49º do C.Penal, dado o regime prisional a que está sujeito” e muito menos é possível executar ou dar execução ao mesmo tempo duas penas (pois a suspensão da execução da prisão de substituição com subordinação a deveres do artº 49º CP é também meio de cumprimento de pena).
Por outro lado tais considerações de modo algum constituem uma situação de dupla valoração do mesmo facto, traduzido na condenação que o arguido cumpre mas apenas uma situação fáctica real em que o arguido se encontra causada por si mesmo, com os crimes que praticou de que resultou a sua situação de reclusão prisional.
Acresce por fim que dispondo o artº 49º 2 CP que “O condenado pode a todo o tempo evitar, total ou parcialmente, a execução da prisão subsidiária, pagando, no todo ou em parte, a multa a que foi condenado” e que como escrevemos no nosso “A Suspensão Parcial da Pena de Prisão e a Reparação do Dano”, 2017, Almedina, pág. 177, há … que ter presente, que o condenado pode efectivamente exercer uma profissão ou efectuar um trabalho que lhe gera uma remuneração não negligenciável, quer no âmbito de acções viradas para o exterior quer no estabelecimento prisional, remuneração essa cujo destino se mostra regulado no artº 46º CEPMPL[1] no qual se inclui a na al. c) do nº 1 o “Pagamento, por esta ordem, de indemnizações, multas, custas e outras obrigações emergentes da condenação” e portanto é sempre de ponderar o recurso a tal património[2]” e por essa via o condenado poder pagar a multa antes de vir a ser executada a prisão, tanto mais em face da longa duração da pena de prisão que cumpre.
Decorre do exposto que a decisão é de manter improcedendo o recurso
*
Pelo exposto, o Tribunal da Relação do Porto, decide:
Julgar improcedente o recurso interposto pelo arguido e em consequência mantém o despacho recorrido.
Condena o arguido no pagamento da taxa de justiça de 3 Uc e nas demais custas.
Notifique.
Dn
*
Porto, 13/06/2018
José Carreto
Paula Guerreiro
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[1] Código de Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade (CEP) – Lei 115/2009 de 12 /10 (ultima alteração Lei 21/2013 de 15/2)
[2] que não é negligenciável e antes é objecto de atenção e estudo, e ao contrário de outros ordenamentos jurídicos, possível no nosso;“ La posibilidad, propuesta por GAROFALO, de que el penado insolvente satisfaga a su victima com el importe de su trabajo, carece de viabilidade ante una situación como la española, en la que el trabajo penitenciário, desgraciadamente, es inexistente. Por eso, en los casos de insolvência, los derechos de la victima quedan frustrados, sin que el ordenamento se preocupe de hacer un seguimiento del condenado por se viniere a mejor fortuna.” - Bueno Arus, Francisco, La Posicion de la victima en el Moderno Sistema Penal, (BFDUC), vol LXX, Coimbra 1994, pág. 383;