Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
318/15.8GCVFR-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: LÍGIA FIGUEIREDO
Descritores: ESCUSA
IMPARCIALIDADE
Nº do Documento: RP20171108318/15.8GCVFR-A.P1
Data do Acordão: 11/08/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: ESCUSA
Decisão: DEFERIDO
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º 54/2017, FLS.8-11)
Área Temática: .
Sumário: Deve ser deferido o pedido de escusa enquanto juiz de instrução do processo se existir o risco do não reconhecimento público da sua imparcialidade.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: 1ª secção criminal
Proc. nº 318/15.8GCVFR-A.P1
Acordam em conferência no Tribunal da Relação do Porto:
I – RELATÓRIO:
Nos autos de instrução n.º 318/15.8GCVR-A.P1, que correm termos no Juiz 2 do Juízo de Instrução Criminal de Santa Maria da Feira Comarca de Aveiro, a Exmª Sr.Juiz B… a exercer funções de juiz de instrução nesse tribunal no lugar de Juiz 2, veio ao abrigo do disposto no artº 43º nº4 do CPP, pedir escusa de intervenção no referido processo.
O pedido mostra-se fundamentado nos seguintes termos: (transcrição):
(…)
a subscritora conviveu pessoal e profissionalmente durante mais de 16 anos com o Dr. C…: trabalhou em processos de que era titular no extinto 2° Juízo Criminal de Santa Maria da Feira (anos de 1998 e 1999), compôs, como vogal, Tribunais Colectivos pelo mesmo também integrados, quando em funções no Círculo de Oliveira de Azeméis durante cerca de 6 anos (2008 a 2014), conviveu com o mesmo em almoços e jantares de colegas, realizados em restaurantes sitos na zona geográfica deste tribunal de Santa Maria da Feira (desde 1998).
Mais: como já acima referido, actualmente e desde Setembro de 2014, ocupa o lugar de Juiz 2 no Juízo de Instrução Criminal de Santa Maria da Feira, tendo o Dr. C… ocupado o lugar de Juiz 1, dele tendo sido substituta legal e sendo por aquele também substituída; os gabinetes de trabalho ocupados por cada um eram contíguos e a convivência era tendencialmente diária.
Por último, foi a subscritora ouvida na qualidade de testemunha abonatória indicada pelo Dr. C… no âmbito de processo disciplinar instaurado pelo CSM em que foi visado.
Neste quadro, muito embora a subscritora se sinta habilitada a tomar nestes autos uma decisão séria e imparcial, não pode deixar de antecipar que, aos olhos da comunidade jurídica e da comunidade em geral, seja posta em causa a sua isenção pelo facto de neles ser visado como arguido um ex-colega com o qual foi vista publicamente em convívio profissional e social
(…)
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Juntou certidões extraídas do processo - acusação e requerimento de instrução- e ainda acórdão anterior desta Relação em que lhe foi já concedida escusa noutro processo, motivada pela intervenção do então seu colega Drº C….

Também a Exmª Srª Drª na sequência, da conclusão que lhe foi aberta para esse efeito por ordem da requerente Srª Drª B… vem pedir escusa, antecipando que caso venha a ser deferido o pedido de escusa daquela titular dos autos Drª B… o processo lhe venha a ser atribuído na qualidade de substituta legal“
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Colhidos os vistos legais e não havendo necessidade de proceder a diligências de prova cumpre decidir:
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II - FUNDAMENTAÇÃO:
Pedido de escusa da Srª Juiz Drª B…
Nos termos do artº 43º nº1 do CPP a intervenção de um juiz no processo pode ser recusada quando ocorrer o risco de ser considerada suspeita, por existir motivo sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade.
Estabelecendo o nº4 do mesmo preceito, que o juiz não pode declarar-se voluntariamente suspeito, mas pode pedir ao tribunal competente que o escuse de intervir quando se verificarem as condições dos nºs 1 e 2.
Estabelece-se neste preceito um regime que tem como primeira finalidade prevenir e excluir as situações em que possa ser colocada em dúvida a imparcialidade do juiz.
As regras da independência e imparcialidade do tribunal são inerentes ao princípio constitucional do acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva [consagrado pelo artigo 20.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa] e uma dimensão importante das garantias de defesa do processo criminal [artigo 32.º, n.º 1] e do princípio do juiz natural [art. 32.º n.º 9].
A imparcialidade do tribunal constitui, assim, um dos elementos integrantes da garantia do processo equitativo, assegurado pelo artigo 6º, § 1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e pelo artigo 20.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa.
No entanto e tal como vem sendo afirmado pela jurisprudência, a imparcialidade deve ser avaliada sob duas perspectivas. Uma perspectiva subjectiva, atinente à posição pessoal do juiz e àquilo que ele, perante um certo dado ou circunstância, guarda em si e possa representar motivo para favorecer ou desfavorecer um interessado na decisão [factor condicionado à existência de indícios fortes que permitam demonstrar ou indiciar relevantemente uma tal predisposição – até prova em contrário presume-se a imparcialidade subjectiva]; e outra objectiva, relacionada com as aparências susceptíveis de serem avaliadas pelos destinatários da decisão, isto é saber se independentemente da atitude pessoal do juiz, certos factos verificáveis permitem suspeitar da sua imparcialidade, provocando o receio, objectivamente justificado, de risco da existência de algum prejuízo ou preconceito que possa ser negativamente considerado contra si.[1]
Conforme resulta do citado artº 43º do CPP para que o juiz possa pedir escusa nos termos do nº4 é assim, necessário que:
- a sua intervenção no processo corra risco de ser considerada suspeita;
- por se verificar motivo, sério e grave;
- adequado a gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade.
Como se escreveu no Ac. da Rel. de Évora, de 5/12/2000, Col. de Jur., ano XXV, tomo 5, pág. 284, traduzindo entendimento pacífico “ O motivo sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a imparcialidade do julgador, há-de resultar de objectiva justificação, avaliando as circunstancias invocadas pelo requerente, não pelo convencimento subjectivo deste, mas pela valoração objectiva das mesmas circunstancias, a partir do senso e experiência comuns, conforme juízo do cidadão de formação média da comunidade em que se insere o julgador; o que importa é, pois, determinar se um cidadão médio, representativo da comunidade, pode, fundadamente, suspeitar que o juiz, influenciado pelo facto invocado deixe de ser imparcial e injustamente o prejudique.».
Conforme ensina o Prof. Cavaleiro Ferreira in “ Curso de Processo Penal, vol. I, Lisboa, 1981, pág. 237-239 o que importa primacialmente é que, em relação ao processo, o juiz possa ser reputado imparcial, em razão dos fundamentos de suspeição verificados, sendo também o ponto de vista que o próprio juiz deve adoptar para pedir ao tribunal competente que o escuse de intervir. “ Não se trata de confessar uma fraqueza. a impossibilidade de vencer ou recalcar questões pessoais, ou de fazer justiça, contra eventuais interesses próprios; mas de admitir ou não admitir o risco do não reconhecimento público da sua imparcialidade pelos motivos que constituem fundamento da suspeição».
Tendo pois presentes estes critérios, vejamos então para efeitos de apreciação do pedido de escusa em apreço, se do ponto de vista de um cidadão médio, representativo da comunidade, este pode, fundadamente, suspeitar que, a Ex.ª Srª. Juíz requerente, dada a relação de proximidade profissional e pessoal que manteve com o arguido e ter sido ouvida na qualidade de testemunha abonatória indicada por este em processo disciplinar, deixará de ser imparcial na apreciação destes autos.
Dos autos resulta o seguinte:
No proc. nº318/15.8GCVFR-A.P1 foi deduzida acusação contra C….
Pelo arguido, foi requerida a instrução, a qual foi distribuído ao Juiz 2 do Juízo de Instrução Criminal de Santa Maria da Feira, ocupado desde 2014 pela Exm. Srª Juiz B…, ora requerente.
O ora arguido, enquanto Juiz de direito ocupou o lugar de Juiz 1 da 3ª secção da Instrução Criminal de Aveiro até à data da sua aposentação compulsiva.
Perante o circunstancialismo acabado de relatar, desde já se adianta entendermos estarem no caso verificados os requisitos enunciados relativos à imparcialidade objectiva.
Na verdade e sem pôr em causa a idoneidade da Exmª Juiz requerente, pensamos, e de acordo com o que a mesma expressa no requerimento formulado, existir o risco do não reconhecimento público da sua imparcialidade enquanto juiz de instrução do processo.
Afigura-se que a circunstância de entre a requerente e o arguido existir uma relação de convívio convivido pessoal e profissional há mais de 16 anos, e designadamente desde 2014, serem titulares de lugares Juiz no mesmo Juízo de Instrução Criminal, ocupando gabinetes de trabalho contíguos, sendo respectivamente substitutos legais, convivendo diariamente e alegando até já ter sido testemunha abonatória em processo disciplinar, é adequada a levar um cidadão médio, representativo da comunidade, a fundadamente, suspeitar que a Srº Juiz por razões pessoais, possa não manter uma posição de isenção na apreciação do requerimento de instrução formulado pelo arguido.
Por tudo o que ficou dito, existe pois fundamento para a escusa que vem pedida.
II- PEDIDO DE ESCUSA da Srª Juiz Drª D….
A Exmª Srª Juiz não era à data do pedido formulado a Magistrada titular dos autos em relação aos quais veio solicitar escusa.
Não se verifica pois um dos pressupostos processuais, daquele pedido, isto é a titularidade do processo.
Assim e inexistindo a figura processual de pedido de escusa por antecipação, não se conhece do pedido de escusa intempestivamente formulado.
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III – DISPOSITIVO:
Nestes termos, acordam os juízes desta Relação em:
I. Não conhecer do pedido de escusa apresentado pela ExMª Srª Juiz Drª D…;
II. Conceder à Exmª Srª Juiz requerente Drª B… escusa de intervir nos autos de instrução n.º 318/15.8GCVFR-A.P1, que correm termos no Juízo de Instrução Criminal de Santa Maria da Feira Juiz 2 Comarca de Aveiro em que é arguido C….

Sem tributação
Elaborado e revisto pela relatora

Porto, 8/11/2017
Lígia Figueiredo
Neto de Moura
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[1] cfr. ac. de 6/11/1996, do STJ, in Col.. de Jur.- acs do STJ, ano IV, tomo 3, pág.190.