Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1117/15.2T8VNG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: CARLOS PORTELA
Descritores: LIQUIDAÇÃO DA HERANÇA VAGA EM BENEFÍCIO DO ESTADO
SATISFAÇÃO DO PASSIVO
RECLAMAÇÃO DE CRÉDITOS
Nº do Documento: RP201710121117/15.2T8VNG.P1
Data do Acordão: 10/12/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO (LIVRO DE REGISTOS Nº 106, FLS 197-201)
Área Temática: .
Sumário: I - O processo especial de liquidação da herança vaga em benefício do Estado está desdobrado em duas fases distintas e subsequentes: uma, primeira, de natureza declarativa e outra, segunda, de natureza executiva.
II - Assim, na primeira delas estão previstos procedimentos processuais que têm por objectivo a declaração da herança vaga para o Estado, com vista à sucessão deste, na sua qualidade de herdeiro legítimo, já na segunda, estão definidas as operações da liquidação da herança já declarada vaga a favor do Estado – operações essas traduzidas, essencialmente, na cobrança dos créditos (dívidas activas), na venda judicial dos bens e na satisfação do passivo, de modo que ao Estado possa ser adjudicado o remanescente dos bens.
III - É consabido que a venda judicial dos bens e a satisfação do passivo são incumbência do tribunal o qual e para o efeito, se socorrerá, supletivamente, das regras próprias do processo de execução.
IV - Por outro lado e no que toca à satisfação do passivo, tal operação exige necessariamente, a reclamação e verificação dos créditos (dívidas passivas), sendo a tramitação correspondente a que está prevista no art.º 940º, do C.P.C. e, por expressa remissão do nº2 deste artigo, nos artigos 789º a 791º, do mesmo diploma.
V - Não estando em causa qualquer das nulidades previstas nos artigos 186º a 194º do C.P. Civil, ou qualquer outra de conhecimento oficioso, a mesma só poderia ser objecto de conhecimento pelo Tribunal “a quo”, após reclamação das partes.
VI - No caso e porque os apelantes não vieram arguir a nulidade apontada em nenhum dos momentos processualmente previstos e em primeira instância, é extemporânea a invocação ou reclamação de mesma nas alegações de recurso.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação nº1117/15.2T8VNG.P1
Tribunal recorrido: Comarca do Porto
V.N. de Gaia – Instância Local – Secção Cível
Relator: Carlos Portela (802)
Adjuntos: Des. José Manuel Araújo Barros
Des. Filipe Caroço

Acordam na 3ª Secção do Tribunal da Relação do Porto

I.Relatório:
A Digna Magistrada do Ministério Público veio instaurar Processo Especial de Liquidação de Herança Vaga em Benefício do Estado, no qual e em síntese, alegou o seguinte:
No dia 19.09.2013, faleceu B..., nascido a 20.08.1956, filho de C... e de D..., o qual teve a sua última residência conhecida na Rua ..., nº.., 2º, Direito, ..., V. N. de Gaia.
O mesmo faleceu no estado de solteiro, sem descendentes e ascendentes vivos, deixando como únicos herdeiros legais a sua irmã E... e a sua sobrinha F..., filha daquela.
As antes referidas herdeiras renunciaram à herança deixada por óbito do seu identificado irmão e tio, respectivamente.
Em 13.08.1999, o referido B... outorgou testamento no qual instituiu único herdeiro da sua quota disponível o seu afilhado G..., solteiro, maior, filho de H... e, no caso dos seus pais falecerem antes dele testador, instituiu seu único herdeiro o mesmo afilhado G....
Os pais do falecido B... faleceram antes deste em 5.02.2000 e em 10.10.2005.
Por escritura pública celebrada em 17.11.2014 no Cartório Notarial da Notária I..., o referido G... e a esposa repudiaram a herança deixada por óbito do referido B....
O supra referido G... não tem descendentes.
Resulta, assim, que à herança aberta por óbito de B... é chamado o Estado Português, como sucessor legítimo, nos termos do disposto nos artigos 2062º, 2066º, 2133º, nº1, alínea e), 2152º, 2154º e 2155º do Código Civil.
A seguir descreveu o bem móvel e as contas bancárias que constituem, a herança do falecido B..., acabando a requerer o seguinte:
Que deve a herança em apreço ser declarada vaga para o Estado Português, procedendo-se à sua liquidação, nos termos dos artigos 1132º e 1133º do Código de Processo Civil.
Mais pediu que seja decretado o arrolamento dos bens mencionados e ordenada a citação por éditos dos incertos, nos termos do art.º1132º, nº1 do Código de Processo Civil.
Requereu ainda a citação pessoal dos credores conhecidos da herança, nos termos do disposto no art.º940º, nº1 do C. P. Civil.
Foi proferido despacho liminar onde se determinou que se procedesse ao arrolamento dos bens relacionados na petição inicial e após, às legais citações nos termos do disposto nos artigos 938º, nº1 e 940º, nº1 do CPC.
Tendo vista dos autos o Ministério Público promoveu que a herança por óbito de B..., seja declarada vaga para o Estado, nos termos do disposto no art.º939º, nº1 do CPC.
Foi então proferida sentença que julgou procedente a acção e declarou a herança de B..., vaga a favor do Estado Português.
Posteriormente foi emitido o seguinte despacho:
No processo especial do jaez deste podem surpreender-se duas fases distintas e sequenciais: uma, primeira, de natureza declarativa e outra, segunda, de natureza executiva.
Na primeira, a que respeitam os três números do artigo 931º e o nº 1 do artigo 939º, do Código de Processo Civil, prevêem-se os actos e diligências processuais atinentes à declaração da herança vaga para o Estado, com vista à sucessão deste, na sua qualidade de herdeiro legítimo [cfr. artºs 2132º, 2133º, nº 1, al. e) e 2152º a 2155º, todos do Código Civil].
Na segunda, consubstanciada nos artigos 939º, nºs 2 a 4 e 940º, do Código de Processo Civil, regulam-se as operações da liquidação da herança já declarada vaga a favor do Estado – essencialmente traduzidas na cobrança dos créditos (dívidas activas), na venda judicial dos bens e na satisfação do passivo1 - por forma a que ao Estado seja adjudicado o remanescente. A cobrança dos créditos é uma operação da responsabilidade do Ministério Público, a quem incumbe propor no tribunal competente as acções necessárias a tal objectivo (artigo 1133º, nº 3, do Código de Processo Civil). A venda judicial dos bens e a satisfação do passivo são feitos pelo tribunal que, para o efeito, se socorrerá, supletivamente, das regras próprias do processo de execução. No que tange à satisfação do passivo, tal operação implica necessariamente a reclamação e verificação dos créditos (dívidas passivas), cujos trâmites estão previstos no artigo 940º, do Código de Processo Civil.
Como do que fica dito se depreende, as duas fases – acima classificadas de declarativa e executiva – não se interpenetram ou sobrepõem, só fazendo sentido entrar na fase executiva depois de encerrada a fase declarativa.
Nestes autos, com a referência 356404896, foi declarada vaga para o Estado a herança deixada por de B....
Decisão que transitou em julgado.
Assim, decido a adjudicação ao Estado dos bens arrolados nestes autos (art. 939º, nº. 2, do CPC).
Custas pelo requerente, sem embargo da isenção legal.
Registe e notifique.”.
*
Inconformados com o teor desta decisão, dela vieram recorrer J..., mulher K... e M... e mulher N..., já antes intervenientes nos autos como promitente compradores do imóvel que faz parte da herança em apreço nos autos, apresentando desde logo e nos termos legalmente previstos as suas alegações.
A Digna Magistrada do Mº Pº apresentou contra alegações.
Foi proferido despacho onde se considerou o recurso tempestivo e legal e se admitiu o mesmo como sendo de apelação, com subida imediata, nos auto e efeito meramente devolutivo.
Recebido o processo nesta Relação emitiu-se despacho onde se teve o recurso por próprio, tempestivamente interposto e admitido com efeito e modo de subida adequados.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II. Enquadramento de facto e de direito:
Ao presente recurso são aplicáveis as regras processuais previstas na Lei nº 41/2013 de 26 de Junho.
Como é consabido, o objecto do presente recurso e sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso obrigatório, está definido pelo conteúdo das conclusões vertidas pelos apelantes nas suas alegações (cf. os artigos 608º, nº2, 635º, nº4 e 639º, nº1 do CPC).
E é o seguinte o teor das mesmas:
1ª – A presente acção é de liquidação da herança vaga em benefício do Estado.
2ª – O seu regime está definido no artigo 938º e seguintes do Código de Processo Civil.
3ª – Segundo este regime este tipo de acções, são conformadas por duas fases: 1ª, de natureza declarativa, com o desiderato da declaração da herança vaga em favor do Estado; segunda, consistente na realização das operações tendentes à liquidação da herança.
4ª – O artigo 939º, n.º2, do Código mencionado estatui a adjudicação ao Estado do remanescente, após satisfação do passivo.
5ª – Por sua vez, o artigo 940º, n.º1, do mesmo diploma impõe a citação pessoal dos credores conhecidos e a edital dos desconhecidos.
6ª – Acresce que a herança indivisa é um património autónomo de afectação especial, cujo fim primeiro consiste no pagamento das dívidas e outros encargos do seu autor, ut resultam do artigo 2068º, do Código Civil.
7ª – Neste contexto, a herança há-de responder por toda as obrigações assumidas pelo decesso, sob pena de se criar um inqualificável benefício em favor do Estado, carecido de tutela jurídica.
8ª – Por tal razão, os promitentes-compradores fizeram dar entrada em juízo a uma acção com o pedido “prima facie”, de execução do contrato-promessa, que pende e corre termos.
9ª – Todavia, ainda que lhes fosse denegado tal direito, sempre aos recorrentes terá de ser assegurada a faculdade de reclamarem os seus créditos resultantes dos sinais passados nos contratos-promessa, bem como do valor das benfeitorias Realizadas no imóvel enquanto arrendatários.
10ª – Além disso, existem outros credores, que poderão, oportunamente, reclamar os seus créditos.
11ª – A sentença recorrida faz uma errada subsunção logico-jurídica dos factos ao regime legal aplicável, porquanto, sem qualquer razão, eliminou a 2ª fase do processo, destinada à realização das operações da liquidação, retirando aos credores o direito de reclamar os seus créditos e adjudicando ao Estado todo o activo, em violação da lei, que só permite a adjudicação do remanescente, após a satisfação de todos os encargos.
Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado, e por via disso:
1.Revogar-se a douta sentença recorrida;
2.Ordenar-se o prosseguimento dos autos, com vista ao cumprimento da lei (939, nº. 2 e seguintes do C.P.C.), traduzido na efectivação das operações de liquidação da herança.
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Já o Mº Pº conclui as suas contra alegações, pugnando pela improcedência do recurso e pela confirmação da decisão recorrida.
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Face ao exposto, resulta claro que é a seguinte questão colocada no âmbito deste recurso:
A de saber se nos autos foi indevidamente eliminada a segunda fase do processo, destinada à realização das operações de liquidação, retirando aos credores o direito de reclamar os seus créditos e adjudicando ao estado todo o activo.
Os elementos a ter em conta para a decisão aqui a proferir são os que constam dos autos e que já ficaram melhor descritos no ponto I. deste acórdão.
Ora como todos já vimos, o presente recurso tem por base o despacho proferido a fls.92, com data de 27.09.2016 ed no qual o Tribunal “a quo” adjudicou ao Estado os bens arrolados na acção em apreço.
Na tese dos apelantes, o mesmo despacho deve ser revogado porque ao decidir-se como se decidiu, eliminou-se sem qualquer fundamento a fase da Acção Especial de Liquidação de Herança a favor do Estado, pela qual se proceda à realização das operações tendentes à liquidação da herança.
E isto porque não teve lugar a citação pessoal dos credores conhecidos e à edital dos credores desconhecidos, retirando-se por isso aos credores o direito de reclamarem os seus créditos e adjudicando-se ao Estado todo o activo da herança.
Tudo em clara violação da Lei, a qual só permite a adjudicação do remanescente após a satisfação de todos os encargos.
Perante tal argumentação, importa salientar o seguinte:
O processo especial de liquidação da herança vaga em benefício do Estado encontra-se regulado nos artigos 938º a 940º, do Código de Processo Civil.
Segundo o art.º938º (Citação dos interessados incertos no caso de herança jacente):
1 – No caso de herança jacente, por não serem conhecidos os sucessores, por o Ministério Público pretender contestar a legitimidade dos que se apresentarem, ou por os sucessores conhecidos haverem repudiado a herança, tomar-se-ão as providências necessárias para assegurar a conservação dos bens e em seguida são citados, por éditos, quaisquer interessados incertos para deduzir a sua habilitação como sucessores dentro de 30 dias depois de findar o prazo dos éditos.
2 – Qualquer habilitação pode ser contestada não só pelo Ministério Público, mas também pelos outros habilitandos nos 15 dias seguintes ao prazo marcado para o oferecimento dos artigos de habilitação.
3 – À contestação seguem-se os termos do processo ordinário ou sumário, conforme o valor.”
Já de acordo como o art.º939º (Liquidação no caso de herança vaga):
1 – A herança é declarada vaga para o Estado se ninguém aparecer a habilitar-se ou se decaírem todos os que se apresentem como sucessores.
2 – Feita a declaração do direito do Estado, proceder-se-á à liquidação da herança, cobrando-se as dívidas activas, vendendo-se judicialmente os bens, satisfazendo-se o passivo e adjudicando-se ao Estado o remanescente.
3 – O Ministério Público proporá, no tribunal competente, as acções necessárias à cobrança coerciva de dívidas activas da herança.
4 – Os fundos públicos e os bens imóveis só são vendidos quando o produto dos outros bens não chegue para pagamento das dívidas; pode ainda o Ministério Público, relativamente a quaisquer outros bens, cujo valor não seja necessário para pagar dívidas da herança, requerer que sejam adjudicados em espécie ao Estado.”
Por fim, no art.º940º (Processo para a reclamação e verificação dos créditos):
1 – Os credores da herança, que sejam conhecidos, são citados pessoalmente para reclamar os seus créditos, no prazo de 15 dias, procedendo-se ainda à citação edital dos credores desconhecidos.
2 – As reclamações formam um apenso, observando-se depois o disposto nos artigos 866.º a 868.º. Podem também ser impugnadas pelo Ministério Público, que é notificado do despacho que as receber.
3 – Se, porém, o tribunal for incompetente, em razão da matéria, para conhecer de algum crédito, será este exigido, pelos meios próprios, no tribunal competente.
4 – Se algum credor tiver pendente acção declarativa contra a herança ou contra os herdeiros incertos da pessoa falecida, esta prosseguirá no tribunal competente, habilitando-se o Ministério Público para com ele seguirem os termos da causa, mas suspendendo-se a graduação global dos créditos no processo principal até haver decisão final.
5 – Se estiver pendente acção executiva, suspendem-se as diligências destinadas à realização do pagamento, relativamente aos bens que o Ministério Público haja relacionado, sendo a execução apensada ao processo de liquidação, se não houver outros executados e logo que se mostrem julgados os embargos eventualmente deduzidos, aos quais se aplicará o disposto no número anterior.
6 – O requerimento executivo vale, no caso da apensação prevista no número anterior, como reclamação do crédito exigido.
7 – É admitido a reclamar o seu crédito, mesmo depois de findo o prazo das reclamações, qualquer credor que não tenha sido notificado pessoalmente, uma vez que ainda esteja pendente a liquidação. Se esta já estiver finda, o credor só tem acção contra o Estado até à importância do remanescente que lhe tenha sido adjudicado.”
Ora como decorre destas três normas, o processo especial em causa nos autos está desdobrado em duas fases distintas e subsequentes: uma, primeira, de natureza declarativa e outra, segunda, de natureza executiva.
Assim, na primeira delas à qual correspondem os três números do art.º 938º e o nº1 do art.º 939º, estão previstos procedimentos processuais que têm por objectivo a declaração da herança vaga para o Estado, com vista à sucessão deste, na sua qualidade de herdeiro legítimo (cf. os artigos 2132º, 2133º, nº1, al. e) e 2152º a 2155º, todos do Cód. Civil).
Na segunda, espelhada nos artigos 939º, nºs 2 a 4 e 940º, estão definidas as operações da liquidação da herança já declarada vaga a favor do Estado – operações essas traduzidas, essencialmente, na cobrança dos créditos (dívidas activas), na venda judicial dos bens e na satisfação do passivo, de modo que ao Estado possa ser adjudicado o remanescente dos bens.
É consabido que a venda judicial dos bens e a satisfação do passivo são incumbência do tribunal o qual e para o efeito, se socorrerá, supletivamente, das regras próprias do processo de execução.
Por outro lado e agora no que toca à satisfação do passivo, tal operação exige necessariamente a reclamação e verificação dos créditos (dívidas passivas), sendo a tramitação correspondente a que está prevista no art.º 940º, do C.P.C. e, por expressa remissão do nº2 deste artigo, nos artigos 789º a 791º, do mesmo diploma.
Aplicando tais regras à situação dos autos, o que temos é o seguinte:
A liquidação de herança em benefício do Estado, no caso concreto da herança aberta por óbito de B..., pressupõe que esta esteja vaga, sendo seu herdeiro o Estado.
Tal pressuposto está já preenchido através da declaração proferida na sentença proferida a fls.44, datada de 10.09.2015 e já transitada em julgado.
Assim sendo, também aqui se impõe proceder à liquidação do património hereditário, adjudicando-se ao Estado o remanescente da liquidação, ou seja, os bens que restarem depois de satisfeito o passivo.
Já todos sabemos que neste seu recurso, os apelantes criticam o despacho recorrido pelo facto de no mesmo terem sido adjudicados ao Estado os bens arrolados na presente acção especial de liquidação de herança vaga a favor do Estado, sem que que tivesse havido lugar à citação pessoal dos credores conhecidos e à citação edital dos credores desconhecidos, o que na sua tese retirou aos credores o direito de reclamarem os seus créditos.
Não têm no entanto razão, como já a seguir veremos melhor.
Assim e contrariamente ao que os mesmos defendem, por força do despacho proferido em 13.02.2015 procedeu-se à citação, por carta registada, dos credores conhecidos e à citação por via edital, dos credores desconhecidos da herança que está em causa nos autos.
Também se pode comprovar do processo que na sequência de tal citação, os apelantes não deduziram qualquer reclamação de créditos.
Por outro lado, é igualmente inquestionável que por ora nada comprova que os apelantes sejam credores conhecidos da herança aberta por óbito de B....
Por isso não foram como não tinha, de ser, citados pessoalmente para virem reclamar os seus créditos.
Tudo isto porque continua por demonstrar que os contratos-promessa de compra e venda em que justificam os seus alegados créditos, tenham sido efectivamente celebrados nos termos e sob as condições que agora indicam, questão que ainda se discute na acção judicial nº 8584/15.2T8VNG, que aqueles instauraram para o efeito e que corre termos sem decisão final na Instância Central, Secção Cível de Vila Nova de Gaia.

Ora é verdade que a citação dos credores conhecidos e dos credores desconhecidos da herança aberta por óbito de B... teve lugar antes da prolação da sentença que declarou tal herança vaga para o Estado ou seja, a mesma não foi realizada no momento processualmente oportuno que era a fase executiva do processo especial de liquidação de herança a favor do Estado, a qual como já todos vimos, só se inicia depois da prolação da decisão judicial que decretou vaga para o Estado a herança em apreço.
De todo o modo, o certo é que a citação dos credores conhecidos e desconhecidas da referida herança em momento processual inadequado ou a preterição de tal formalidade legal, só pode quando muito, traduzir uma nulidade processual secundária, como está previsto no art.º195º, nº1, do CPC.
Assim sendo e não estando em causa qualquer das nulidades previstas nos artigos 186º a 194º do mesmo código, ou qualquer outra de conhecimento oficioso, a mesma só poderia ser objecto de conhecimento pelo Tribunal “a quo”, após reclamação dos aqui apelantes (cf. os artigos 196º e 197º, nº1 do CPC).
Perante tal circunstancialismo, é para nós evidente que depois da mesma ser cometida, impunha-se aos apelantes que a viessem arguir dentro do prazo de 10 dias, contados a partir da data em que intervieram neste processo ou, pelo menos, a partir da notificação do despacho objecto do presente recurso (cf. o art.º199º, nº 2).
Está comprovado que a primeira intervenção dos apelantes ocorreu em 8.10.2015, altura em que vieram requerer a suspensão da instância até que seja proferida decisão, com trânsito em julgado, no supra citado processo nº8584/15.2T8VNG.
Por outro lado, verifica-se que a notificação do despacho que adjudicou ao Estado os bens arrolados nestes autos, do qual vem interposto o presente recurso, foi efectuada aos apelantes na pessoa da respectiva mandatária, por data certificada pelo sistema citius em 27.09.2016, pelo que se presumem notificados desse despacho no 3º dia posterior ao da elaboração dessa notificação, ou seja, em 30.09.2016 (cf. o art.º 248º, do C.P.C.).
O certo é que os apelantes não arguiram a nulidade apontada em nenhum dos referidos momentos, nem nos dez dias que se lhes seguiram.
A ser deste modo, impõe-se, pois, concluir pela extemporaneidade da invocação ou reclamação de tal nulidade nas alegações do presente recurso.
Em suma, apenas as nulidades insanáveis e as nulidades da sentença podem ser arguidas em sede de recurso da decisão final.
A nulidade em apreço, cabendo na previsão do art.º195º, do CPC, teria que ser arguida junto do Tribunal “a quo” e não já como o foi, no âmbito deste recurso.
Por isso e pelas razões que acabamos de enumerar, nenhum fundamento existe para revogar o despacho proferido.
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Sumário (cf. art.º663º, nº7 do CPC):
1. O processo especial de liquidação da herança vaga em benefício do Estado está desdobrado em duas fases distintas e subsequentes: uma, primeira, de natureza declarativa e outra, segunda, de natureza executiva.
2. Assim, na primeira delas estão previstos procedimentos processuais que têm por objectivo a declaração da herança vaga para o Estado, com vista à sucessão deste, na sua qualidade de herdeiro legítimo, já na segunda, estão definidas as operações da liquidação da herança já declarada vaga a favor do Estado – operações essas traduzidas, essencialmente, na cobrança dos créditos (dívidas activas), na venda judicial dos bens e na satisfação do passivo, de modo que ao Estado possa ser adjudicado o remanescente dos bens.
3. É consabido que a venda judicial dos bens e a satisfação do passivo são incumbência do tribunal o qual e para o efeito, se socorrerá, supletivamente, das regras próprias do processo de execução.
4. Por outro lado e no que toca à satisfação do passivo, tal operação exige necessariamente, a reclamação e verificação dos créditos (dívidas passivas), sendo a tramitação correspondente a que está prevista no art.º 940º, do C.P.C. e, por expressa remissão do nº2 deste artigo, nos artigos 789º a 791º, do mesmo diploma.
5. Não estando em causa qualquer das nulidades previstas nos artigos 186º a 194º do C.P. Civil, ou qualquer outra de conhecimento oficioso, a mesma só poderia ser objecto de conhecimento pelo Tribunal “a quo”, após reclamação das partes.
6. No caso e porque os apelantes não vieram arguir a nulidade apontada em nenhum dos momentos processualmente previstos e em primeira instância, é extemporânea a invocação ou reclamação de mesma nas alegações de recurso.
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III. Decisão:
Pelo exposto, julga-se improcedente o presente recurso de apelação e confirma-se o despacho recorrido.
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Custas a cargo dos apelantes (cf. art.º527º, nºs 1 e 2 do CPC).
*
Notifique.

Porto, 12 de Outubro de 2017
Carlos Portela
José Manuel de Araújo Barros
Filipe Caroço