Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1356/18.4T8VLG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JERÓNIMO FREITAS
Descritores: PROCESSO EMERGENTE DE ACIDENTE DE TRABALHO
DISCORDÂNCIA QUANTO À INCAPACIDADE
JUNTA MÉDICA
SENTENÇA
FUNDAMENTAÇÃO
Nº do Documento: RP202012171356/18.4T8VLG.P1
Data do Acordão: 12/17/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: RECURSO IMPROCEDENTE; CONFIRMADA A DECISÃO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: I - Nas situações em que apenas está em causa determinar a incapacidade, o processo emergente de acidente de trabalho segue uma tramitação simplificada que apenas prevê a realização da perícia por junta médica - e eventuais diligências relacionadas com a finalidade deste acto, tendo em vista obter elementos complementares para a emissão do laudo -, a que se seguirá a decisão sobre o mérito, fixando a natureza e grau de incapacidade e o valor da causa, observando-se o disposto no n.º 3 do artigo 73.º, por remissão do art.º 140.º n.º 1 do CPT.
II - As exigências de fundamentação da sentença que decide a fixação da incapacidade, a proferir após a realização do exame por junta médica, são reduzidas ao essencial, quer de facto quer de direito (art.ºs 140. /1 e 73.º /3, do CPT). O facto de apenas se exigir uma fundamentação sucinta, não pode ser interpretado de tal modo que ponha em causa o dever de fundamentação da sentença, imposto pelo art.º 154º do CPC, mas a fundamentação será bastante desde que justifique a decisão.
III - As respostas aos quesitos dadas pelos Senhores peritos médicos e a respectiva fundamentação, são a expressão necessária da sua intervenção nesse meio de prova, isto é, o resultado da avaliação feita com base nos seus especiais conhecimentos médico-científicos, exigindo-se, para que cumpram o seu propósito, que sejam claras, suficientes e lógicas.
IV - Verificando-se que o Tribunal a quo dispunha de um laudo devidamente fundamentado, objectivo e claro, para fazer a ponderação necessária à formulação do juízo crítico conducente à decisão, bem assim que a Senhora Juíza cuidou de justificar a decisão final com meticulosa, exaustiva, criteriosa e clara fundamentação, não deixando margem para qualquer dúvida, quer para perceber o que levou os senhores peritos, em laudo unânime, a considerar o sinistrado clinicamente curado sem qualquer desvalorização, quer para se saber quais as razões que determinaram o acolhimento desse laudo, não existe qualquer fundamento para sustentar a arguida nulidade da sentença por falta de fundamentação.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: APELAÇÃO n.º 1356/18.4T8VLG.P1
SECÇÃO SOCIAL

ACORDAM NA SECÇÃO SOCIAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO

I.RELATÓRIO
I.1 Na presente acção especial emergente de acidente de trabalho, em que é sinistrado B… e entidade responsável C…-Companhia de Seguros, SA realizada a tentativa de conciliação a que alude o art.º 108.º do CPT, a mesma frustrou-se em virtude da discordância do sinistrado quanto ao resultado do exame médico efectuado pelo INML, não aceitando a IPP de 7,5% - incluindo a aplicação do factor 1.5 em razão da idade - com IPATH, atribuída nessa perícia médica, por considerar estar afectado por uma incapacidade superior.
O acidente de trabalho consistiu no facto do sinistrado, no dia 18-12-2018, pelas 15:40 horas, em Gondomar, quando sob as ordens, direção e fiscalização da entidade empregadora “D…, Lda”., desempenhava as funções de distribuidor, ter sofrido um acidente de viação do qual lhe resultaram lesões corporais.
Na tentativa de conciliação, a seguradora aceitou a existência e caracterização do acidente de trabalho, o nexo causal entre as lesões e o acidente e a transferência da responsabilidade infortunística, pelo que se conciliaria.
O sinistrado requereu exame por junta médica, tendo apresentado quesitos para o efeito, dando-se assim início à fase litigiosa. Subsequentemente apresentou dois relatórios médicos que protestara juntar naquele requerimento.
A seguradora, notificada para o efeito, não apresentou quesitos.
Foi designado dia para o exame por junta médica.
Reunida a junta médica com vista à realização do exame, os senhores peritos médicos examinaram o sinistrado, mas entenderam necessário para emitir o seu laudo que fossem juntos aos autos a informação clínica do episódio de urgência e internamento do sinistrado no CHUP, entre 2 e 5 de Maio, bem assim que realizasse um exame complementar de diagnóstico, nomeadamente, um RMN da região sacrococcígea e elaboração do respectivo relatório.
Realizado esse exame complementar de diagnóstico e junto o respectivo relatório, a perícia por junta médica prosseguiu, tendo os senhores peritos respondido aos quesitos por unanimidade e considerado o sinistrado clinicamente curado sem incapacidade.
Notificado esse auto de exame às partes, pelo sinistrado foi apresentado requerimento pedindo que os senhores peritos fossem convocados de novo para prestarem esclarecimentos e fundamentação adicional a determinados quesitos que indicou.
O Tribunal a quo pronunciou-se sobre esse requerimento, acolhendo a pretensão do sinistrado e tendo convocado os senhores peritos médicos para, em continuação da junta, se pronunciarem quanto às questões e nos termos concretamente delimitados no despacho.
Os Senhores Peritos prestaram os esclarecimentos pretendidos e confirmaram o laudo unânime no sentido de considerarem o sinistrado curado sem qualquer incapacidade.
I.2 Subsequentemente, o tribunal a quo proferiu sentença, concluída com o dispositivo seguinte:
Destarte, aplicando os citados normativos à matéria de facto apurada, nos termos do disposto no art. 140º do C.P.T, decide-se:
a) Que o(a) sinistrado(a) B…, no dia 2-03-2018, sofreu um acidente de trabalho, do qual se encontra sem qualquer incapacidade permanente para o trabalho decorrente desse acidente.
b) Condena-se a seguradora C…-Companhia de Seguros, SA, a pagar ao(à) sinistrado(a) o seguinte:
b.1. A quantia de € 15,00 a título de despesas com deslocações, acrescida de juros de mora à taxa legal desde 18-12-2018 até integral e efetivo pagamento.
b. 2. A quantia de € 105,25 a título de indemnização pelos períodos de incapacidade temporária sofridos, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde o fim do mês em que cada uma das parcelas deveria ter sido liquidada e até efetivo e integral pagamento.
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Fixa-se à causa o valor de € 120,25 (artigo 120, nº 1, do CPT).
(..)».
I.3 Inconformado com esta decisão o sinistrado apresentou recurso de apelação, o qual foi admitido com o modo de subida e efeito adequados. As alegações foram sintetizadas nas conclusões seguintes:
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Ao decidir-se como se decidiu, a douta decisão em crise violou, as disposições legais dos artigos 140.º, n.º1 “in fine” e 73.º, ambos do C.P.T; 607.º, n.º 4 do C.P.C e 615.º, n.º 1, alínea b) ambos do CPT e 139.º, n.º 7 do CPT, por remissão da alínea a) do n.º 2 do artigo 1do C.P.C; artigo 11.º, n.º 1 e 2 da L.A.T
Nestes termos, e nos demais que Vas Exas doutamente suprirão, deve o presente recurso ser julgado provado e procedente e, em consequência, deve proferir-se acórdão que revogue a decisão ora em crise, substituindo-se por outra que:
- declare nula a sentença proferida pela primeira instância dado não ter emitido uma decisão formal em que considerasse todos os factos provados e mencionasse sequer quais os factos dados como não provados, como deveria, face ao que estabelecem as disposições conjugadas dos artigos 140.º, n.º 1 “in fine” e 73.º, n.º 3 do Código de Processo do Trabalho, no concerne aos factos não provados, a douta sentença, nada fez constar como já supra se afirmou, violando igualmente o disposto n.º 4 do artigo 607.º do CPC por remissão da alínea a) do número 2 do artigo 1.º do CPT.
- declare nulo, por falta de fundamentação, o juízo pericial que se limita a afirmar que “o sinistrado não apresenta sequelas resultantes do acidente dos autos pelo que não lhe atribuem qualquer IPP”, sem que aduza qualquer razão ou justificação para tal juízo, nomeadamente porque não descreve as lesões resultantes do sinistro nem o estado das mesmas, assim como não esclarece as razões porque tais lesões não devem ser atribuídas ao acidente ou se este não foi causa do seu agravamento caso sejam preexistentes;
- declare nula por ilegal a sentença que se funda em juízo que não tem qualquer fundamentação, assim assentando em premissas erradas;
- ordene nova junta médica colegial para valoração das sequelas: fractura do esterno; coccidinia; cervical e lombar atribuindo a cada uma delas um coeficiente expresso em percentagem, que traduza a proporção da perda de capacidade de trabalho resultante da disfunção de acordo com o consignado na TNI;
- alternativamente, deverá o Tribunal atender ao juízo pericial fundamentado no relatório-legal elaborado pelo Instituto de Medicina legal que atribuiu ao sinistrado e aqui recorrente 7,5% de incapacidade permanente, devendo a sentença fixar pensão em consonância.
I.4 Não foram apresentadas contra-alegações pela é seguradora.
I.5 O Digno magistrado do Ministério Público junto desta Relação emitiu parecer nos termos do art.º 87.º 3, do CPT, aderindo ao teor do despacho a que alude o art. 617º, n.º 1 do CPC, em que a Mm.ª Juíza se pronuncia quanto à arguida nulidade, afirmando ter dado cabal cumprimento do disposto no art.º 73º, n.º 3 e 140º, n.º 1 do CPT. Refere, ainda, quanto à alegada divergência entre o resultado do exame singular e colegial, encontrar-se devidamente fundamentada na decisão recorrida, a qual explana de forma cabal e exaustiva os motivos por que aderiu ao teor da perícia colegial em detrimento da perícia singular.
Conclui, pronunciando-se no sentido da improcedência do recurso, por manifestamente infundado.
I.6 Foi dado cumprimento ao disposto no art.º 657.º n.º2, CPC e determinou-se que o processo fosse inscrito para ser submetido a julgamento em conferência.
I.7 Delimitação do objecto do recurso
Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações apresentadas, salvo questões do conhecimento oficioso [artigo 87.º do Código do Processo do Trabalho e artigos 639.º, 635.º n.º 4 e 608.º n.º2, do CPC, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho] as questões para apreciação consistem em saber o seguinte:
i) Se a sentença é nula nos termos dos artigos 607.º, n.º4, e 615.º, n.º1, alínea b) do Código de Processo Civil conjugados com a alínea a) do número 2 do artigo 1.º do CPT [Conclusões b) a g)].
ii) Se o auto de exame por junta médica é nulo por falta de fundamentação e, por consequência, ao acolher o laudos dos senhores peritos médicos, a sentença é nula [Conclusões h) a v)].
II. FUNDAMENTAÇÃO
II.1. MOTIVAÇÃO DE FACTO
O Tribunal a quo fixou a matéria de facto seguinte:
1- O(A) sinistrado(a) nasceu em 21-03-1966.
2 - No dia 18-12-2018, pelas 15:40 horas, em Gondomar, quando sob as ordens, direção e fiscalização da entidade empregadora “D…, Lda., desempenhava as funções de distribuidor, B… sofreu um acidente de viação do qual lhe resultaram lesões corporais.
3 - O acidente ocorreu quando se encontrava no exercício das suas funções, a fazer distribuição.
4 – O (A) sinistrado(a) auferia o salário anual de € 11.014,96 (€ 650,00x14 meses +€ 114,18x12 meses+€ 45,40x12 meses).
5 - A responsabilidade infortunística-laboral encontrava-se transferida para a seguradora C…, mediante contrato de seguro titulado pela apólice dos autos quanto ao(à) trabalhador(a) aqui sinistrado(a).
6 – O sinistrado sofreu em consequência do acidente os seguintes períodos de incapacidade temporária: ITA de 3-03-2018 até 15-05-2018 (74 dias), ITP de 40% de 16-05-2018 a 24-05-2018 (9 dias) e ITP de 20% de 25-05-2018 a 21-06-2018 (28 dias).
7 - Pelos períodos de incapacidades temporárias o sinistrado recebeu da seguradora a quantia de € 1.652,32.
8 - O(A) sinistrado(a) teve alta em 21-06-2018.
9 - O(A) sinistrado(a) despendeu a importância de € 15,00 em deslocações para comparecer neste Tribunal e ao INML.
II.2 Nulidade da sentença
O recorrente arguiu a nulidade da sentença, alegando, numa primeira linha de argumentação, que o Tribunal a quo “ não emitiu uma decisão formal em que considerasse todos os factos provados e mencionasse (..) quais os factos dados como não provados, como deveria”, violando o disposto nos artigos 607.º, n.º4, e 615.º, n.º1, alínea b) do Código de Processo Civil.
Defende que deveria constar dos factos provados:
- “Doente que recorreu ao SU do CHP a 02/03 na sequência de acidente de viação a alta velocidade, com embate latero-frontal e traumatismo torácico. Rx-tórax e esterno com evidencia do corpo esternal …Internado aos cuidados da cirurgia 2 para vigilância clínica e hemodinâmica… Diagnósticos – 8072 – Fractura do esterno, fechada;”
-“Pelo sinistrado foi pedida a palavra e no uso da mesma requereu o patrocínio do Ministério Público para a fase contenciosa, com vista a requerer Junta Médica, por não aceitar a IPP de 7,5% e incompreensão do relatório médico do INML”,
- “Pela representante da Companhia de Seguros foi dito que a sua representada aceita a existência e caracterização do acidente como de trabalho, aceita o nexo de causalidade entre as lesões e o acidente.”
- não se encontra junto aos respectivos autos o histórico clínico do Sinistrado;
- fractura do esterno consolidada, com deformação, conforme exame e relatório clínico emitido em 19/02/2019.
- IPP 4% atribuída pelo Dr. E… ao sinistrado no Boletim de exame, por fractura do esterno;
- Coccigodinia traumática (profissão que utiliza moto), conforme Boletim de Alta subscrita pelo Dr. F… em 21/06/2018;
- IPP 7,5% atribuída pelo Dr. F… ao Sinistrado no Boletim de Alta, por Coccigodinia traumática;
- IPP 7,5% atribuída pelo Dr. G… ao Sinistrado no Exame Singular, pela Coluna Vertebral (Ráquis).
E, que deveriam consta como factos não provados:
- Fractura do esterno consolidada, sem deformação;
- Quais as doenças degenerativas das quais o sinistrado padece;
Conclui, defendendo que “(..) deverá concluir-se pela nulidade da douta sentença recorrida na parte em que não contém toda a matéria provada e é omissa quanto aos factos não provados”.
O Tribunal a quo, antes de admitir o recurso, pronunciou-se quanto à arguida nulidade, constando desse despacho o seguinte:
-«Nos termos do artigo 77º do Código de Processo do Trabalho, o recorrente veio arguir em primeira linha a nulidade da sentença proferida com a fundamentação constante da refª citius 35740227, que aqui se tem por reproduzida por uma questão de economia processual, sustentando que a sentença recorrida não contém toda a matéria provada e é omissa quanto aos factos não provados.
Dispõe o invocado artigo 77º que à arguição de nulidades da sentença é aplicável o regime previsto nos artigos 615º e 617º do Código de Processo Civil.
Tendo em conta que a questão da nulidade da sentença foi suscitada no âmbito do recurso dela interposto, nos termos do nº 1 do artigo 617º do Código de Processo Civil, compete ao juiz apreciá-la no próprio despacho em que se pronuncia sobre a admissibilidade do recurso.
Cumpre, pois, apreciar a questão em referência.
No âmbito do presente processo, não tendo havido conciliação na fase conciliatória, os autos prosseguiram para a fase contenciosa com apresentação de requerimento de junta médica pelo sinistrado, por discordância quanto à questão da incapacidade.
Foi realizada a competente perícia por junta médica.
Nessa sequência, foi proferida decisão sobre o mérito.
Ora, salvo o devido respeito por opinião divergente, a decisão proferida observou os formalismos legalmente previstos, tendo sido observado o disposto no artigo 73º, nº 3, do Código de Processo do Trabalho, tal como prescreve o artigo 140º, nº 1, do mesmo diploma.
Na verdade, ao contrário do sustentado pelo requerente, a decisão proferida contém a necessária fundamentação sucinta de facto e de direito do julgado.
Em termos de fundamentação de facto foram considerados os factos relativamente aos quais houve acordo no âmbito da tentativa de conciliação.
Do mesmo passo, o tribunal fundamentou a respetiva decisão sobre a questão da determinação do grau de incapacidade, apelando à prova pericial produzida e aos exames complementares realizados.
A decisão contém igualmente a fundamentação jurídica das questões relevantes.
Termos em que se considera, ressalvando sempre o devido respeito por opinião diversa, não se verificar a nulidade invocada».
Diremos, desde já, concordarmos com o Tribunal a quo, o que vale por dizer que não se reconhece fundamento ao recorrente para arguir a nulidade da sentença com este fundamento.
Justificando esta asserção, começamos por deixar as notas essenciais para melhor compreensão do percurso a seguir na apreciação da questão.
O processo para efectivação de direitos resultantes de acidente de trabalho, regulado nos artigos 99.º a 150.º do CPT, compreende duas fases distintas: uma primeira, chamada fase conciliatória, de realização obrigatória e sob a direcção do Ministério Público; e, uma segunda, a fase contenciosa, de realização eventual e sob a direcção do Juiz.
Através da primeira, como a sua própria denominação o indica, procura-se alcançar a satisfação dos direitos emergentes do acidente de trabalho para o sinistrado através da composição amigável, embora necessariamente sujeita a regras legais imperativas (direitos indisponíveis), atendendo aos interesses de ordem pública envolvidos. Para possibilitar aquele objectivo, a tramitação desta fase compreende, por sua vez, três fases, uma primeira, de instrução, que tem em vista a recolha e fixação de todos os elementos essenciais à definição do litígio, de modo a indagar sobre a“(..) veracidade dos elementos constantes do processo e das declarações das partes”, habilitando o Ministério Público a promover um acordo susceptível de ser homologado (art.ºs 104.º 1, 109.º e 114.º); uma segunda, que consiste na realização do exame médico singular, devendo este no relatório “deve indicar o resultado da sua observação clínica, incluindo o relato do evento fornecido pelo sinistrado e a apreciação circunstanciada dos elementos constantes do processo, a natureza das lesões sofridas, a data de cura ou consolidação, as sequelas e as incapacidades correspondentes, ainda que sob reserva de confirmação ou alteração do seu parecer após obtenção de outros elementos clínicos ou auxiliares de diagnóstico” (art.ºs 105.º e 106.º); e, finalmente, a tentativa de conciliação presidida pelo Ministério Público, com a finalidade primordial de obtenção de acordo susceptível de ser homologado pelo Juiz (art.º 109.º) [Cfr. João Monteiro, Fase conciliatória do processo para a efectivação do direito resultante de acidente de trabalho – enquadramento e tramitação, Prontuário do Direito do Trabalho, n.º 87, CEJ, Coimbra Editora, pp. 135 e sgts.].
Conforme estabelece o art.º 112.º 1, do CPT, não se obtendo o acordo, no auto da tentativa “(..) são consignados os factos sobre os quais tenha havido acordo, referindo-se expressamente se houve ou não acordo acerca da existência e caracterização do acidente, do nexo causal entre a lesão e o acidente, da retribuição do sinistrado, da entidade responsável e da natureza e grau da incapacidade atribuída”.
E, como decorre do art.º 117.º, do CPT, o início da fase contenciosa depende da apresentação de petição inicial ou o requerimento a que se refere o n.º2, do art.º 138.º do CPT.
A apresentação de requerimento é o meio processual próprio quando o interessado “se não conformar com o resultado da perícia médica realizada na fase conciliatória do processo, para efeitos de fixação da incapacidade para o trabalho” [art.º 138.º2 do CPT], o qual deve ser fundamentado ou vir acompanhado de quesitos [art.º 117.º n.º2, CPT], a fim de serem respondidos pelos senhores peritos médicos no exame por junta médica previsto no art.º 139.º/1 do CPT, perícia que é de realização obrigatória.
É justamente o caso, uma vez que apenas está em causa a discordância quanto à incapacidade.
Importa também reter que, nos termos do art.º 131.º n.º1, al. c), o juiz deve “[C]onsiderar assentes os factos sobre que tenha havido acordo na tentativa de conciliação e nos articulados”. Embora a norma se reporte ao despacho saneador e, logo, às situações em que o processo prosseguiu para a fase contenciosa mediante a apresentação de petição inicial, a que se seguirá a contestação da parte contrária e eventual resposta, isto é, em que há uma fase de articulados, por identidade de razões o princípio aplica-se também aos casos em que o desacordo teve apenas por objecto a questão da incapacidade.
Nestas situações, em que apenas está em causa determinar a incapacidade, o processo segue uma tramitação simplificada que apenas prevê a realização da perícia por junta médica - e eventuais diligências relacionadas com a finalidade deste acto, tendo em vista obter elementos complementares para a emissão do laudo -, a que se seguirá a decisão sobre o mérito, fixando a natureza e grau de incapacidade e o valor da causa, observando-se o disposto no n.º 3 do artigo 73.º, por remissão do art.º 140.º n.º 1 do CPT, dispondo o seguinte:
- [1] “Se a fixação da incapacidade tiver lugar no processo principal, o juiz profere decisão sobre o mérito, realizadas as perícias referidas no artigo anterior, fixando a natureza e grau de incapacidade e o valor da causa, observando-se o disposto no n.º 3 do artigo 73.º”.
Aplicando-se o n.º3, do art.º 73º, tal significa que “(..) a sentença pode limitar-se à parte decisória, precedida da identificação das partes e da sucinta fundamentação de facto e de direito do julgado”.
Vale isto por dizer, que as exigências de fundamentação da sentença que decide a fixação da incapacidade, a proferir após a realização do exame por junta médica, são reduzidas ao essencial, quer de facto quer de direito.
É certo que o facto de apenas se exigir uma fundamentação sucinta, não pode ser interpretado de tal modo que ponha em causa o dever de fundamentação da sentença, imposto pelo art.º 154º do CPC, aplicável ex vi art.º 1.º n.º2. al. a) do CPC., onde se dispõe o seguinte:
1 - As decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas.
2 - A justificação não pode consistir na simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição, salvo quando, tratando-se de despacho interlocutório, a contraparte não tenha apresentado oposição ao pedido e o caso seja de manifesta simplicidade.
Para se aferir o âmbito da exigência de fundamentação cumprirá atender depois ao art.º 615.º, onde estão previstas as causas de nulidade da sentença, entre elas contando-se a falta de fundamentação, que se verifica quando “[N]ão especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão” [al. b)] do n.º1].
Num parêntesis, em consonância com o entendimento pacífico da doutrina e jurisprudência, assinala-se que as causas de nulidade constantes do elenco do n.º1, do art.º 615.º, não incluem o “chamado erro de julgamento, a injustiça da decisão, a não conformidade dela com o direito substantivo aplicável, o erro na construção do silogismo judiciário” [Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2.ª Edição revista e Actualizada, Coimbra Editora, Almedina, 1985, pp. 686].
A falta de fundamentação é uma das causas de nulidade substancial ou de conteúdo da decisão e verifica-se quando o tribunal julgar procedente ou improcedente um pedido e não especifique quais os fundamentos de facto ou de direito com base nos quais formou essa convicção e decidiu.
A nulidade decorre da violação do dever de motivação ou fundamentação de decisões judiciais (art.º 208.º n.º1 da CRP e 154.º n.º1 e 607.º n.ºs 3 e 4 do CPC).
Porém, essa nulidade só ocorre se existe falta absoluta de motivação. A não ser assim, a existência de motivação ainda que deficiente, medíocre ou errada é o suficiente para excluir a nulidade, apenas ficando a sentença sujeita ao risco de revogação ou alteração em sede de apreciação de recurso.
A propósito do sentido e alcance desta norma, provinda do CPC de 1939 e mantendo o mesmo conteúdo, o Professor Alberto dos Reis, elucidava “Há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade. Por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto” [Código de Processo Civil Anotado, Vol. V, Coimbra Editora, Reimpressão, 1984, pp. 140].
A falta de fundamentação pode referir-se só aos fundamentos de direito ou só aos fundamentos de facto.
No caso, é esta última vertente que o recorrente põe em causa.
É certo que dos n.º3 e 4, do art.º 607.º do CPC, impõe ao juiz o dever de na fundamentação da sentença tomar em conta os factos que devam considerar-se provados, bem como os que julga não provados, fazendo o exame crítico das provas respectivas.
Contudo, como elucidam Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, “(..) não é a falta de tal exame que basta para preencher a nulidade prevista na alínea b) do art.º 668.º. Para que haja falta de fundamentação, como causa de nulidade da sentença, torna-se necessário que o juiz não concretize os factos que considera provados e coloca na base da decisão”[op. cit., pp. 688].
Ora, no caso vertente a mera leitura da sentença é quanto basta para se poder afirmar, sem hesitação ou dúvida, que não se verifica o alegado vício. Há fundamentação bastante, nomeadamente factual, para justificar a decisão recorrida.
No que respeita aos factos provados apenas se admite que seria mais correcto constar deles a menção à aceitação pela seguradora do nexo causal entre as lesões e o acidente de trabalho. Porém, sendo facto assente por acordo na tentativa de conciliação e, logo, não sendo fundamento para o prosseguimento para a fase litigiosa, ou seja, não sendo um ponto controvertido com relevo para a decisão, a sua menção não era indispensável.
Quanto aos demais factos apontados pelo recorrente, ou são absolutamente irrelevantes para a decisão, ou o seu relevo resulta de serem meios de prova para a questão fulcral de determinar a incapacidade do sinistrado, designadamente, meios de diagnóstico ou relatórios médicos, por isso não sendo, em rigor técnico jurídico, factos essenciais que devam integrar o elenco dos factos que justificam a decisão.
No primeiro caso enquadra-se:
- O facto – expresso no auto de tentativa de conciliação – do sinistrado ter pedido a palavra naquele acto para pedir “o patrocínio do Ministério Público para a fase contenciosa, com vista a requerer Junta Médica, por não aceitar a IPP de 7,5% e incompreensão do relatório médico do INML”; aliás, se tal tivesse algum interesse, então em contraponto também o teria mencionar que decorridos alguns dias apresentou requerimento constituindo a ilustre mandatária que o passou a representar e mencionando desistir daquele requerimento.
- E, ainda, pretender-se que deveria estar mencionado nos factos provados que “não se encontra junto aos respectivos autos o histórico clínico do Sinistrado”, sendo certo que tal nem corresponde à realidade, pois como não pode ignorar o sinistrado, visto ter sido notificado em 07-08-2019, na sequência de solicitação do Tribunal a quo dirigida ao Centro Hospitalar do Porto, Hospital de Santo António, pedindo o envio da “informação clínica relativa ao episódio de urgência e internamento, entre 2 e 5 de Maio […]”, o SNS – Centro Hospitalar do Norte, apresentou nos autos, em 19-07-2019, ”o Processo Clínico do Sinistrado, com o n.º ……., constituído por 12 páginas”, em suporte electrónico.
No segundo caso enquadram-se todos os demais que o recorrente entende que deveriam estar mencionados nos facos provados.
Por último, é certo que não estão mencionados factos não provados, mas tal explica-se pelas especificidades da tramitação processual acima explicada, simplificada em razão de apenas estar em causa a determinação da incapacidade, não havendo alegação de factos para serem sujeitos a prova, nem julgamento para produção de prova, dependendo essencialmente das perícias médicas e bastando-se a sentença com os factos essenciais para o Tribunal justificar a decisão.
Portanto, no rigor das coisas não havia factos não provados que devessem ter sido elencados.
Mas ainda que assim não se entendesse, como ficou elucidado, a nulidade só ocorreria se existe falta absoluta de motivação, o que vale por dizer da fixação dos factos essenciais para suportarem a decisão.
Concluindo, improcede a arguida nulidade da sentença por alegada falta de fundamentação de facto.
II.2.1 Numa segunda linha de argumentação, a recorrente vem defender que o auto de exame por junta médica é nulo por falta de fundamentação e, por consequência, nula é também a sentença.
Defende o recorrente, no essencial, que no exame médico singular “(..) o coeficiente global de Incapacidade Permanente Parcial (I.P.P.) foi fixado em 7,5%, em resultado das sequelas que sofreu na sequência de acidente de trabalho”, mas a perícia colegial atribuiu-lhe atribuiu 0% de incapacidade, “(..) sendo certo que os Senhores Peritos limitaram-se a concluir que as lesões documentadas nos exames ao nível da cervical e lombar são de caráter degenerativo, não sendo consequência do acidente dos autos nem tendo sido agravadas pelo evento traumático, omitindo, deste modo, a legal e exigível fundamentação”.
No seu entender, “[N]ão consta qualquer esclarecimento, a razão de ser da alteração da IPP anteriormente fixada”, apresentando o auto de exame por junta médica “(..) manifesta ausência de isenção na peritagem realizada e resposta aos quesitos”.
Defende que atendendo aos valores discrepantes entre a IPP fixada no exame médico singular e a fixada no exame por Junta Médica “não podia/devia a douta sentença ter considerado provado, sem mais, que o sinistrado se encontra clinicamente curado”, argumentando que [O] julgador não se encontra vinculado aos resultados da Junta Médica e dado que a Junta médica não fundamentou a discrepância entre o resultado do Perito Médico do INML e a sua avaliação não deveria subscrever tal parecer clínico da respectiva Junta Médica”.
Conclui pedindo o seguinte:
- declare nulo, por falta de fundamentação, o juízo pericial que se limita a afirmar que “o sinistrado não apresenta sequelas resultantes do acidente dos autos pelo que não lhe atribuem qualquer IPP”, sem que aduza qualquer razão ou justificação para tal juízo, nomeadamente porque não descreve as lesões resultantes do sinistro nem o estado das mesmas, assim como não esclarece as razões porque tais lesões não devem ser atribuídas ao acidente ou se este não foi causa do seu agravamento caso sejam preexistentes;
- declare nula por ilegal a sentença que se funda em juízo que não tem qualquer fundamentação, assim assentando em premissas erradas;
- ordene nova junta médica colegial para valoração das sequelas: fractura do esterno; coccidinia; cervical e lombar atribuindo a cada uma delas um coeficiente expresso em percentagem, que traduza a proporção da perda de capacidade de trabalho resultante da disfunção de acordo com o consignado na TNI;
- alternativamente, deverá o Tribunal atender ao juízo pericial fundamentado no relatório-legal elaborado pelo Instituto de Medicina legal que atribuiu ao sinistrado e aqui recorrente 7,5% de incapacidade permanente, devendo a sentença fixar pensão em consonância.
Deixámos acima as considerações essenciais a propósito da nulidade da sentença por falta de fundamentação, prevista no art.º 615.º n.º1 al. b), do CPC, que aqui têm inteira aplicação.
No que concerne especificamente à falta de fundamentação de direito, em linha com o acima afirmado através das palavras do professor Alberto dos Reis, bem assim em consonância com o entendimento há muito acolhido, unânime e pacificamente pela doutrina e jurisprudência, o Professor Antunes Varela, apoiando-se em Acórdão no Supremo Tribunal de Justiça, de 5-1-1984 [BMJ 333, 398], escreve o seguinte:
- “Para que a sentença careça de fundamentação, não basta que a justificação da decisão seja deficiente, incompleta, não convincente; é preciso que haja falta absoluta, embora esta se possa referir só aos fundamentos de facto ou só aos fundamentos de direito.
(..)
Relativamente aos fundamentos de direito, dois pontos importa salientar.
Por um lado, o julgador não tem que analisar todas as questões jurídicas que cada uma das partes invoque em abono das suas posições, embora lhe incumba resolver todas as questões suscitadas pelas partes; a fundamentação da sentença contenta-se com a indicação das razões jurídicas que servem de apoio à solução adoptada pelo julgador.
Por outro lado, não é indispensável, conquanto seja de toda a conveniência, que na sentença se especifiquem as disposições legais que fundamentam a decisão: essencial é que se mencionem os princípios, as regras, as normas em que a sentença se apoia” [Manual de Processo Civil, 2.ª Edição, Coimbra Editora, 1985, pp. 667 a 669].
II.2.1.1 Partindo o recorrente do pressuposto da nulidade da sentença decorrer do facto do laudo médico não estar fundamentado, importa, ainda, deixar algumas considerações a propósito das perícias médico legais no âmbito do processo emergente de acidente de trabalho.
O exame por junta médica, que será sempre de realização obrigatória quando a questão da incapacidade esteja em discussão, quer seja a única ou uma das questões controvertidas, inscreve-se no âmbito da denominada prova pericial, regendo-se para além do disposto naquela norma, também pelas que no Código de Processo Civil disciplinam este meio de prova (artigos 467.º e seguintes do CPC).
A prova pericial tem por objecto, conforme estatuído no art.º 388.º do CC “(..) a percepção ou apreciação de factos por meio de peritos, quando sejam necessário conhecimentos especiais que os julgadores não possuem” ou quando os factos “relativos a pessoas, não devam ser objecto de inspecção judicial”.
Recorrendo à lição do Professor Alberto dos Reis, elucida este que “O verdadeiro papel do perito é captar e recolher o facto para o apreciar como técnico, para emitir sobre ele o juízo de valor que a sua cultura especial e a sua experiência qualificada lhe ditarem” [Código do Processo Civil Anotado Vol. IV, Coimbra Editora, Reimpressão, 1987, pp. 171].
A sua função é a de “auxiliar do tribunal no julgamento da causa, facilitando a aplicação do direito aos factos”, não impedindo tal que seja “um agente de prova e que a perícia constitua um verdadeiro meio de prova” [Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2.ª Edição, Coimbra Editora, 1985, pp. 578].
Por conseguinte, as respostas aos quesitos dadas pelos senhores peritos médicos e a respectiva fundamentação, são a expressão necessária da sua intervenção nesse meio de prova, isto é, o resultado da avaliação feita com base nos seus especiais conhecimentos médico-científicos, exigindo-se, para que cumpram o seu propósito, que sejam claras, suficientes e lógicas. Justamente por isso, importa não esquecer, o n.º8, do Anexo I, da TNI, estabelece o seguinte: “O resultado dos exames é expresso em ficha apropriada, devendo os peritos fundamentar todas as suas conclusões”.
Pese embora a função preponderante deste meio de prova, tal não significa que o julgador esteja vinculado ao parecer dos senhores peritos, já que o princípio da livre apreciação da prova permite-lhe que se desvie do parecer daqueles, seja ele maioritário ou unânime. Como a esse propósito elucida o Professor Alberto dos Reis, “(..) É dever do juiz tomar em consideração o laudo dos peritos; mas é poder do juiz apreciar livremente esse laudo e portanto atribuir-lhe o valor que entenda dever dar-lhe em atenção à análise critica dele e à coordenação com as restantes provas produzidas. Pode realmente, num ou noutro caso concreto, o laudo dos peritos ser absorvente e decisivo (..); mas isso significa normalmente que as conclusões dos peritos se apresentam bem fundamentadas e não podem invocar-se contra elas quaisquer outras provas; pode significar, também que a questão de facto reveste feição essencialmente técnica, pelo que é perfeitamente compreensível que a prova pericial exerça influência dominante.” [Op. cit. pp. 185/186].
Porém, quer adira ou quer se desvie, precisamente por caber ao Juiz decidir na sua livre convicção, é-lhe sempre exigido que deixe expressa a sua motivação, isto é, os fundamentos ou razões por que o faz, ainda que com diferentes níveis de exigência, dependentes, desde logo, quer da natureza da questão de facto objecto da perícia quer da clareza e suficiência da fundamentação do relatório pericial.
E, para assim poder proceder, certo é, também, que em qualquer caso é sempre necessário que o Juiz conte com um resultado do exame pericial devidamente fundamentado, pois é a partir daí que se desenvolverá toda a apreciação com vista à formulação do juízo crítico subjacente à formação da convicção do julgador. Por outras palavras, o laudo, seja ele obtido por unanimidade dos peritos ou apenas por maioria, deve convencer pela sua fundamentação, pois só assim cumpre o propósito de facultar ao juiz os elementos necessários para fixar a natureza e o grau de incapacidade.
Importa é que em face das questões que se colocam em cada caso concreto, o resultado do exame por junta médica se apresente perante o Juiz com a clareza necessária para o habilitar a decidir.
Mas se assim não acontecer, a lei processual proporciona meios para as partes reagirem.
O primeiro deles consiste na faculdade que assiste às partes de reclamarem do relatório pericial, se “entenderem que há qualquer deficiência, obscuridade ou contradição no relatório pericial, ou que as conclusões não se mostram devidamente fundamentadas” [art.º 485.º 1 e 2, CPC]. O segundo respeita ao direito de arguirem a nulidade do exame médico por falta de fundamentação do resultado, que se verificará quando tal se verifique e seja susceptível de “influir no exame ou na decisão da causa” (art.º 195.º 1 do CPC).
Para além disso, cabe também ter presente que igualmente é atribuído ao Juiz, quando se aperceba que não encontra no relatório do exame médico o apoio suficiente e necessário para proferir a sentença, o poder de fazer uso do disposto no n.º4, do artigo 485.º d CPC, que lhe permite “mesmo na falta de reclamações, determinar oficiosamente a prestação dos esclarecimentos ou aditamentos previstos nos números anteriores”, isto é, quando exista “(..) qualquer deficiência, obscuridade ou contradição no relatório pericial, ou que as conclusões não se mostram devidamente fundamentadas».
Por outro lado, não deve também esquecer-se que nos termos do art.º 139.º do CPT, o juiz não só pode formular quesitos se a dificuldade ou a complexidade da perícia o justificarem [n.º6], como para além disso, “(..) se o considerar necessário, pode determinar a realização de exames e pareceres complementares ou requisitar pareceres técnicos” [n.º7].
II.2.1.2 Revertendo ao caso e parafraseando o Digno magistrado do Ministério Público, por ser a expressão apropriada, afirma-se já que o recurso é manifestamente infundado. A divergência entre o resultado do exame singular e colegial encontra-se devidamente fundamentada, quer nas respostas aos quesitos e esclarecimentos prestados pelos Senhores Peritos médicos, quer na fundamentação da sentença recorrida, que explana de forma cabal, exaustiva e com pertinente argumentação crítica, os motivos por que aderiu ao teor da perícia colegial em detrimento da perícia singular.
Senão vejamos.
Conforme se retira do relatório do exame singular realizado ao sinistrado, o Senhor Perito Médico emitiu o seu laudo com base na observação directa daquele e tendo em consideração a documentação clínica junta pela seguradora aos autos, nomeadamente, os registos respeitantes ao acompanhamento médico prestado ao sinistrado. Não foram realizados exames de diagnóstico.
Tendo discordado com a IPP atribuída nesse laudo, o sinistrado ao requerer o exame por junta médica apresentou 18 quesitos (repetiu a numeração, havendo dois quesitos com o n.º 10 e outros 2 com o n.º11) e juntou 2 relatórios médicos.
Reunida a junta médica com vista à realização do exame, os senhores peritos médicos examinaram o sinistrado, mas entenderam necessário para emitir o seu laudo que fossem juntos aos autos a informação clínica do episódio de urgência e internamento do sinistrado no CHUP, entre 2 e 5 de Maio, bem assim que realizasse um exame complementar de diagnóstico, nomeadamente, um RMN da região sacrococcígea e elaboração do respectivo relatório.
Após terem sido juntos aqueles elementos clínicos, bem assim o RMN e respectivo relatório, a perícia colegial prosseguiu, tendo os Senhores peritos médicos respondido por unanimidade aos quesitos e concluído que o mesmo está clinicamente curado, ou seja, não apresentando qualquer incapacidade decorrente das lesões provocadas pelo acidente de trabalho.
Importa realçar as respostas as quesitos seguintes:
1. O examinado sofreu fractura do externo, que consolidou sem deformação, IPP 0%.
2. O examinando realizou um RM da coluna sacrococcígea, cujo valor de diagnóstico é muito superior ao RX.
10. O examinando sofreu uma fractura do externo, confirmada imagiologicamente. Em relação ao cóccix, não se confirma a existência de fractura ou de consequências locais do acidente, cf.fls.158. As suas queixas da coccidínia, não tem a necessária correspondência imagiológica.
12. Não há lugar a atribuição de IPP, por coccidínia, tendo em atenção a RM negativa, de fls. 158.
13.Não se observam sequelas valorizáveis.
16. Sem IPP. Ao exame clínico hoje efectuado não se observaram limitações funcionais da coluna vertebral e testes para coccidínia negativos. Os exames objectivos, de diagnóstico observado, são negativos ou revelam doenças degenerativas.
Notificado desse laudo, o sinistrado apresentou requerimento pedindo que os senhores peritos médicos prestassem esclarecimentos e melhor fundamentassem as respostas a determinados quesitos, o qual foi atendido pelo Tribunal a quo, fazendo-se questão de sublinhar, desde já, a profundidade da fundamentação e o cuidado que foi tido em identificar com precisão os pontos a merecerem esclarecimento e quais as razões, conforme se retira da decisão que se passa a transcrever:
-“Veio o sinistrado requerer que a junta médica preste os esclarecimentos/fundamentação que enuncia no identificado requerimento, mais precisamente nos artigos 10º, 11º, 17º, 18º e 21º.
Notificada do requerimento apresentado pela contraparte, a seguradora nada disse.
Analisados os autos, verifica-se que no boletim de alta da seguradora foi atribuído ao sinistrado uma IPP de 7,5%, com desvalorização pelo capítulo I, 9.2.2. Cóccix - b) da Tabela Nacional de Incapacidades [que prevê um intervalo entre 0,05-0,10 para fraturas ou luxações dolorosas que impeçam a permanência na posição de sentado, na posição de cócoras ou que se traduzam na impossibilidade de utilizar o selim de velocípedes ou equiparáveis] e atribuição do coeficiente de desvalorização 0,05 multiplicado pelo fator 1,5 em razão da idade, pelo que assim se chega à IPP de 7.5% [cfr. boletim de alta de fls. 3 e 4 dos autos]. Ou seja, a avaliação dos serviços clínicos da seguradora, vertida no respetivo boletim de alta, parte da existência de sequelas ao nível do cóccix e desvaloriza as mesmas nos termos descritos, não sendo afirmada a existência de quaisquer outras sequelas do acidente.
Já no exame singular do INML realizado na fase conciliatória não é afirmada a existência de quaisquer sequelas ao nível do cóccix, sendo que as sequelas afirmadas e desvalorizadas foram ao nível do ráquis (coluna vertebral), pelo capítulo I 1.1.1.c) da Tabela Nacional de Incapacidades [coluna vertebral, traumatismos raquidianos sem fratura, ou com fraturas consolidadas sem deformação ou com deformação insignificante - c) Com rigidez por espasmo muscular ou resultante de fixação cirúrgica, de acordo com o número de corpos vertebrais envolvidos e conforme objectivação da dor com o intervalo de desvalorização previsto na TNI entre 0,05-0,15], tendo sido atribuído o coeficiente de desvalorização 0,05 multiplicado pelo fator 1,5 em razão da idade, pelo que assim se chega à IPP de 7.5% [cfr. exame do INML de fls. 83 a 85]. Ou seja, a avaliação do INML, vertida no respetivo relatório, parte da existência de sequelas ao nível da coluna vertebral e desvaloriza as mesmas nos termos descritos, não sendo afirmada a existência de quaisquer outras sequelas do acidente.
Por sua vez, os senhores peritos médicos em junta médica depois de solicitarem a informação clínica do episódio do serviço de urgência de internamento do CHUP e a realização de uma RMN da região sacrococcígea – informação e exame que constam dos autos a fls. 147 a 154 e a fls. 158 (relatório da RMN), respetivamente -, concluíram que:
- A fratura do esterno consolidou sem deformação e não atribuíram qualquer grau de desvalorização no que respeita a tal fratura, à semelhança, aliás, da avaliação que já havia sido feita no boletim de alta da seguradora e no exame do INML (que também não atribuíram nenhum coeficiente de desvalorização no que respeita a tal fratura do esterno). Aliás, se atentarmos na TNI verificamos que no capítulo I, 2.2. a) na fratura do esterno consolidada a desvalorização correspondente é 0,00;
- Não se confirma a existência de fratura do cóccix remetendo para fls. 158 (que é o relatório da ressonância magnética da coluna sacrococcígea que o sinistrado realizou no dia 11-07-2019 e que foi solicitada pela junta médica para emitir o respetivo parecer). Nesta matéria a junta médica não diverge do parecer emitido no exame do INML que nenhuma desvalorização atribuiu nesta matéria, divergindo sim do boletim de alta da ré seguradora, mas remetendo a junta para tanto para o exame complementar de ressonância magnética da coluna sacroccígea que previamente determinou que o sinistrado efetuasse;
- Ao exame clínico efetuado não se observam limitações funcionais da coluna vertebral e os testes para a coccidinia negativos, sendo que os exames objetivos e de diagnósticos observados são negativos ou revelam doenças degenerativas. Nesta matéria a junta médica diverge do parecer emitido no exame do INML quanto à inexistência de sequelas da coluna vertebral (que são afirmadas no parecer do INML).
Isto posto, e ponderando o conjunto das respostas dadas pelos senhores peritos, entende o tribunal que se justifica a prestação dos pretendidos esclarecimentos e fundamentação adicional, até porque o respetivo parecer foi divergente daquele que foi emitido pelo exame singular do INML e que se mostra vertido a fls. 83 e seguintes, nomeadamente no que respeita à questão das sequelas da coluna vertebral, e tendo por referência o que vem sendo as decisões proferidas pelos nossos tribunais superiores nessas situações.
Consigna-se que nos esclarecimentos e fundamentação adicional pretendidos, deverá também ser desenvolvida e concretizada a questão abordada na resposta ao quesito 16º constante do auto de junta médica de fls. 161-162, também na parte em que refere que os exames objetivos e de diagnóstico observados são negativos ou revelam doenças degenerativas, tudo de molde desde logo a que fique clara também por esta via a divergência de pareceres ocorrida no que respeita à questão das sequelas e respetivo nexo de causalidade com o acidente dos autos.
[…]».
No cumprimento dessa decisão, os Senhores peritos médicos voltaram a reunir, vindo a pronunciar-se como segue:
Os peritos respondem aos pedidos de esclarecimento de fls. 166 v da seguinte forma:
10.º O exame radiográfico de fls 132, não evidencia sequelas valoráveis face à TNI (Rx efectuado em 19/2/2019).
11.º A atribuição de 0% face ao estado de consolidação do esterno é a adequada de acordo com a TNI.
12- RM realizada em 10/7/2019 (fls 158).
16- Quesito 7- Não. O quadro de sequelas não justifica qualquer dependência de apoio técnico ou medicamentosa.
Quesito 8- A não previsão de dano futuro, fundamenta-se na estabilidade [das] sequelas actual.
Quesito 9 – Não. Não existe qualquer relação, em razão da experiência médico-legal, e [conhecimento] de casos clínicos relacionados.
Quesito 10 – As lesões documentadas, são de carácter degenerativo, e não agravadas pelo evento traumático.
Quesito 11 – Prejudicado pela resposta anterior.
21. Os peritos tem por obrigação, o exame directo dos examinandos.
Face ao solicitado em fls. 171 e ss, os peritos atribuíram 0%, divergindo da atribuição do IML, fundamentando nos exames auxiliares de diagnóstico já mencionados (fls 132 e fls.158) e ainda nos exames radiológicos de fls 115 a 116, que revelam apenas lesões degenerativas, não agravadas pelo acidente.
Aqui chegados, cremos ter ficado claramente evidenciado que os Senhores peritos médicos não só responderam com a clareza e fundamentação necessária e suficiente para justificar devidamente a posição assumida, como para além disso tiveram por base um conjunto de elementos auxiliares de diagnóstico, aos quais fazem a devida referência, que lhes possibilitaram emitir um laudo qualificado e objectivo. Mais, deve sublinhar-se que logo por sua iniciativa, com esse propósito, cuidaram de solicitar a informação clínica do episódio de urgência e internamento do sinistrado no CHUP, entre 2 e 5 de Maio, bem assim que este realizasse um exame complementar de diagnóstico, nomeadamente, um RMN da região sacrococcígea e elaboração do respectivo relatório.
Para além disso, importa também destacar que o sinistrado exerceu o direito a pedir esclarecimentos aos senhores peritos, sendo de realçar, mais uma vez, que a Senhora Juíza interveio activamente e com pertinência, no despacho que deferiu o requerido delimitando objectivamente as questões que importava serem clarificadas e indicando quais as razões que assim o exigiam.
Nesse quadro, podemos afirmar com toda a segurança que é de todo descabido vir o recorrente, sem qualquer base minimamente sustentável, ao arrepio de dados objectivos e até de princípios lógicos, insinuar que “[N]ão consta qualquer esclarecimento, a razão de ser da alteração da IPP anteriormente fixada”, apresentando o auto de exame por junta médica “(..) manifesta ausência de isenção na peritagem realizada e resposta aos quesitos”.
O recorrente pode discordar do laudo, mas não fazendo tábua rasa de uma realidade concreta e devidamente objectivada no processo, chegando ao ponto de colocar em causa a isenção da perícia médica colegial, manifestamente para arranjar argumentos sem olhar aos meios.
Assim, como primeira conclusão, verifica-se que o resultado do exame por junta médica está devidamente fundamentado, é claro, objectivo e não apresenta qualquer contradição, cumprindo integralmente a sua finalidade de habilitar o juiz a decidir, não assistindo de todo razão ao recorrente.
Foi nessa consideração que o Tribunal a quo passou a proferir a decisão recorrida, constando da respectiva fundamentação, na parte que agora interessa, o seguinte:
«Apreciando e decidindo.
Falta decidir a questão da determinação do grau de incapacidade que afeta o(a) sinistrado(a).
Os Srs. Peritos médicos em junta médica concluíram, por unanimidade, que o(a) sinistrado(a) em consequência do acidente de trabalho em referência não ficou a padecer de incapacidade permanente para o trabalho, sendo a IPP de 0% (fls. 161-163).
Como dispõe o artigo 388º do Código Civil, “a prova pericial tem por fim a perceção ou apreciação de factos por meio de peritos, quando sejam necessários conhecimentos especiais que os julgadores não possuem, ou quando os factos, relativos a pessoas, não devem ser objeto de inspeção judicial”.
No acidente de trabalho, visto estar em causa a perceção das lesões sofridas pelo sinistrado em consequência do acidente e o apuramento do grau de incapacidade que essas lesões e respetivas sequelas lhe acarretam, a lei prevê a realização obrigatória de exames médicos (cfr. artigos 101º, 105, 117º, 138º e 139º do Código de Processo de Trabalho). Ou seja, a lei determina que o tribunal recorra a peritos, dado que a perceção das lesões sofridas pelo sinistrado e a incapacidade delas decorrente pressupõe conhecimentos médicos que o julgador não possui.
Como vimos supra, no caso dos autos, os Srs. Peritos médicos, na junta médica realizada, concluíram, por unanimidade, que o sinistrado em consequência do acidente dos presentes autos não ficou afetado de um grau de incapacidade permanente para o trabalho, sendo que sofreu fratura do esterno que consolidou sem deformações, pelo que a IPP é de 0% (fls. 161 a 163).
Importa realçar que foram realizadas duas reuniões da junta médica, sendo que a segunda reunião o foi depois do pedido de esclarecimentos do sinistrado e nos termos e para os efeitos consignados no despacho com a refª citius 410459135.
A nova reunião da junta teve lugar conforme auto de junta médica de fls. 202 e ss., na qual os senhores peritos prestaram os esclarecimentos e fundamentação adicional solicitados.
Acresce que o sinistrado havia sido já avaliado pelos mesmos senhores peritos aquando do primeiro auto de exame por junta médica, na qual tiveram oportunidade de examinar o sinistrado.
A subscritora, juíza de direito titular do J2 do Juízo de Trabalho da Maia, esteve presente em ambas os exames/reuniões de junta médica, sendo que tiveram intervenção os mesmos senhores peritos, que fizeram a avaliação do sinistrado com o correspondente exame médico e analisaram os elementos documentais constantes dos autos, onde se incluem os registos clínicos do sinistrado e exames complementares efetuados ao mesmo. Saliente-se que os senhores peritos, antes de emitirem o respetivo parecer e de responderem aos quesitos apresentados, tiveram o cuidado de solicitar que o sinistrado fosse submetido a uma RMN, ressonância magnética da coluna sacrococcígea constante a fls. 158, sendo certo que no que respeita ao cóccix os senhores peritos médicos valoraram esse exame explicando que as queixas de coccidínia não têm a necessária correspondência imagiológica nesse exame de RMN realizado ao sinistrado em julho de 2019. No relatório da RMN consta especificamente o seguinte: «Não há curvatura do ráquis sacrococcígeo. Não há desalinhamentos vertebrais significativos. Sem alterações da morfologia ou do sinal vertebral, nomeadamente sugestivas de fratura ou de contusão óssea. O disco L5-S1, ainda observado, encontra-se desidratado, de altura diminuída; ultrapassa ligeiramente as plataformas vertebrais, fazendo procidência circunferencial, associando-se ligeira osteofitose marginal. Os buracos de conjugação estão diminuídos, mais acentuadamente o direito; está reduzido o espaço para a emergência radicular L5, sobretudo à direita, ainda que na posição de decúbito dorsal em que o estudo é efetuado não possa afirmar-se a sua compressão. Não há compromisso radicular S1. O canal raquidiano tem dimensões normais, não havendo imagem de lesão neoformativa no seu interior. Alterações degenerativas das articulações interapofisárias L5-L1. Sem alterações valorizáveis das articulações sacroilíacas. Os espaços paravertebrais são normais.” (negrito nosso).
Os senhores peritos realçaram também que o valor de diagnóstico da RMN é muito superior ao RX. De todo modo, não podemos deixar também de registar que no próprio relatório do RX transcrito no relatório clínico da médica de família de 4-03-2019 consta: “rx do cóccix – 2 incidências NORMAL: sem outras assinaláveis alterações vertebro-discais dos segmentos focados”.
Os senhores peritos médicos, como se disse, não se bastaram com esta transcrição e submeteram o sinistrado a exame mais complexo e preciso, RMN, no qual basearam o seu parecer unânime de inexistência de fratura ou consequências locais (v.g. luxação) ao nível do cóccix e, bem assim, de não existirem sequelas ao nível do cóccix decorrentes do acidente dos autos, referindo não ser de atribuir IPP por coccidínia tendo em atenção a RMN negativa e o facto de os testes para a coccidínia serem negativos. Neste particular, importa salientar que já na perícia singular realizada na fase conciliatória não havia sido reconhecida qualquer sequela ao nível do cóccix. Por outro lado, e no que se refere à fratura do esterno, não há dúvidas que todos os senhores peritos médicos das perícias realizadas nos presentes autos – singular e colegial – consideraram que o sinistrado sofreu fratura do esterno como consequência do acidente dos autos (esse facto não se mostra controvertido). Essa fratura existiu, conforme os senhores peritos médicos da junta médica mencionam inequivocamente, ao referirem que o sinistrado sofreu fratura do esterno, confirmada imagiologicamente, mas que consolidou sem deformação, razão pela qual não atribuíram qualquer grau de desvalorização no que respeita a essa fratura (IPP 0%), à semelhança do que tinha sido o parecer da perícia singular do INML da fase conciliatória. Os senhores peritos para fundamentarem este seu parecer de consolidação sem deformação, tiveram em conta o exame radiográfico de RX realizado em 19-02-2019 ao sinistrado cujas imagens constam a fls. 131 e 132 e respetivo relatório a fls. 130 verso (“Nos clichés obtidos em incidências de perfil e oblíquas, registamos relativa angulação da transição do terço superior com o terço médio do esterno, de vértice internos e que resultará de antiga lesão fraturaria local. Ausência de outras significativas alterações morfo-estruturais, ósseas ou articulares detetáveis por este método de imagem”. Partindo desse exame os senhores peritos médicos concluíram por unanimidade que o referido exame não evidencia sequelas valorizáveis face à TNI e que a atribuição de 0º face ao estado de consolidação do esterno é a adequada de acordo com a TNI. Nesta sede, se atentarmos na TNI, verificamos que no capítulo I, 2.2. a) na fratura do esterno consolidada a desvalorização correspondente é de 0,00. Relativamente à coluna lombar é que existiu uma divergência entre o parecer unânime emitido ao nível da perícia por junta médica da fase contenciosa e o parecer singular constante do exame médico do INML da fase conciliatória. Assim, o parecer singular desvalorizou sequelas ao nível da ráquis (coluna vertebral), pelo capítulo I 1.1.1. c) da TNI [coluna vertebral, traumatismos raquidianos sem fratura, ou com fraturas consolidadas sem deformação ou com deformação insignificante – c) com rigidez por espasmo muscular ou resultante de fixação cirúrgica, de acordo com o número de corpos vertebrais envolvidos e conforme objetivação da dor com o intervalo previsto na TNI entre 0,05-0,15], tendo sido atribuído o coeficiente de desvalorização de 0,05 multiplicado pelo fator 1.5 em razão da idade, ou seja 7,5%. Já no parecer unânime emitido pela junta médica realizada, na qual intervieram peritos médicos da especialidade de ortopedia, foi considerado que ao exame clínico objetivo realizado não se observaram limitações funcionais, sendo que os exames objetivos, de diagnóstico observados, são negativos ou revelam doenças degenerativas. Os senhores peritos emitiram ainda parecer unânime no sentido de que não existe qualquer relação de causalidade entre a fratura do esterno e as lesões evidenciadas na cervical e lombar nos exames complementares realizados ao sinistrado, em razão da experiência médico-legal e conhecimento de casos clínicos relacionados. Do mesmo passo, emitiram parecer unânime no sentido de que as lesões documentadas nesses exames ao nível da cervical e lombar são de caráter degenerativo, não sendo consequência do acidente dos autos nem tendo sido agravadas pelo evento traumático. Nesta matéria os senhores peritos apelaram em sede de fundamentação, para além da experiência médico-legal e conhecimento de casos clínicos relacionados, aos exames radiológicos de fls. 115 e 116, referindo inequivocamente que os mesmos revelam apenas lesões degenerativas, não agravadas pelo acidente. O exame radiológico mencionado pelos senhores peritos constitui o RX da coluna cervical, lombar e sacrococcígea, face e perfil realizado ao sinistrado em 18-06-2018, constando do respetivo relatório o seguinte: “No segmento cervical nota-se ligeira retrolistese de C5 e diminuição da amplitude do espaço intersomático C5-C6, indiciando discopatia a este nível, onde também se registam ligeiras manifestações de uncartrose. Ligeiros sinais de espondilose em L5. Sem outras assinaláveis alterações vertebro-discais dos segmentos focados” (negrito nosso). Importa salientar que este exame complementar foi junto aos autos pelo próprio sinistrado aquando do requerimento de realização de junta médica, sendo certo que o mesmo não se encontrava presente nos autos aquando da realização da perícia singular da fase conciliatória. O relatório do referido exame menciona discopatia, que, como é consabido, é geralmente provocada por deterioração ou desgaste progressivo de um ou mais discos intervertebrais ligada à artrose. Aí se registam também sinais de uncartrose, que é uma condição que resulta de alterações causadas por uma artrose na coluna cervical, em que os discos intervertebrais vão perdendo a sua elasticidade devido à perda de água e nutrientes, tornando-se cada vez mais finos e menos resistentes aos movimentos, o que facilita a sua rutura. São também mencionados ligeiros sinais de espondilose que é o resultado de um conjunto de alterações provenientes da artrose, sendo uma doença degenerativa de caráter crónico e progressivo, que se carateriza por haver uma degenerescência do disco intervertebral (ou seja, é um problema causado pelo desgaste dos discos da coluna vertebral que leva a uma diminuição do espaço entre as vértebras).
No caso dos autos, como já se mencionou em anterior despacho, perante a prova pericial produzida e os exames complementares realizados, entende este tribunal não ser necessária a requisição de quaisquer pareceres técnicos. Em matéria de apreciação da situação clínica do sinistrado, para efeitos de fixação da IPP ao mesmo, está em causa um juízo médico legal pericial a efetuar pelos senhores peritos médicos, que tiveram oportunidade de o fazer, com apelo aos registos clínicos e exames complementares efetuados ao sinistrado, sendo certo que o respetivo parecer pericial foi unânime, claro e inequívoco.
Assim, tendo em conta o sobredito parecer unânime da junta médica, as informações clínicas constantes dos autos sobre a natureza das lesões, a gravidade destas, o estado geral, a idade e a profissão do(a) sinistrado(a), sendo certo que inexiste fundamento que permita um entendimento diverso do expendido por unanimidade pelos Srs. Peritos médicos em junta médica, nos termos do disposto no artigo 140º do Código de Processo do Trabalho, considera-se que o(a) sinistrado(a) em consequência do acidente de trabalho em referência se encontra sem qualquer incapacidade permanente para o trabalho, não tendo consequentemente direito a receber qualquer pensão».
Como se começou por enunciar, o recorrente pretende que se declare nula a sentença por se fundar num laudo “que não tem qualquer fundamentação, assim assentando em premissas erradas”.
Não é de todo assim, já o deixámos afirmado acima. Contrariamente ao defendido pelo recorrente, o Tribunal a quo dispunha de um laudo devidamente fundamentado, objectivo e claro, para fazer a ponderação necessária à formulação do juízo crítico conducente à decisão.
Acresce dizer que a Senhora Juíza cuidou de justificar a decisão final com meticulosa, exaustiva, criteriosa e clara fundamentação, não deixando margem para qualquer dúvida, quer para perceber o que levou os senhores peritos, em laudo unânime, a considerar o sinistrado clinicamente curado sem qualquer desvalorização, quer para se saber quais as razões que determinaram o acolhimento desse laudo.
Para além do mais, atente-se na pormenorizada referência aos laudos singular e colegial, para se explicar com rigor as razões que justificam os diferentes resultados; no cuidado em deixar devidamente elucidado que “já na perícia singular realizada na fase conciliatória não havia sido reconhecida qualquer sequela ao nível do cóccix”; na referência feita a todos os exames complementares de diagnóstico que relevaram quer para o laudo singular quer para a perícia colegial; no enquadramento das lesões e demais explicações face aos pontos da TNI relevantes para o caso; e, em particular, pela exaustiva análise critica sobre a fundamentação do laudo colegial e do resultado afirmado pelos senhores peritos médicos, estabelecendo sempre a devida conexão com os exames de diagnóstico que o sustentam e justificam ter-se concluído que o sinistrado está curado clinicamente curado sem qualquer desvalorização.
Concluindo, não assiste qualquer fundamento que suporte a alegada nulidade da sentença arguida pelo recorrente e, por consequência, improcede o recurso.
III. DECISÃO
- Em face do exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar o recurso improcedente, em consequência confirmando-se a sentença.
- Custas do recurso a cargo do recorrente, atento o decaimento (art.º 527.º CPC).

Porto, 17 de Dezembro de 2020
Jerónimo Freitas
Nelson Fernandes
Teresa Sá Lopes