Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1289/20.4T8BGC-B.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: NELSON FERNANDES
Descritores: INCAPACIDADE PARA O TRABALHO
DETERMINAÇÃO OFICIOSA DE EXAMES OU PARECERES
Nº do Documento: RP202303201289/20.4T8BGC-B.P1
Data do Acordão: 03/20/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: RECURSO PROCEDENTE; REVOGADA A DECISÃO
Indicações Eventuais: 4. ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: I - A possibilidade de determinação oficiosa de exames e pareceres complementares ou de requisição pareceres técnicos a que alude o n.º 7 do artigo 139.º do CPT, tendo em vista a prolação da decisão a que se alude no artigo 140.º do mesmo Código, deve ocorrer antes da prolação nesta decisão.
II - Dispondo-se expressamente no artigo 135.º do CPT que “na sentença final o juiz considera definitivamente assentes as questões que não tenham sido discutidas na fase contenciosa, integra as decisões proferidas no processo principal e no apenso, cuja parte decisória deve reproduzir (…)”, não pode em princípio ser designadamente alterada a decisão a que se alude no artigo 140.º do mesmo Código.
III - A decisão que venha a ser proferida, depois de o ter sido já a decisão prevista no artigo 140.º do CPT, que venha a determinar posteriormente, oficiosamente, a emissão de parecer, traduz-se na prática de um ato inútil, uma vez que aquela decisão já foi proferida, não podendo essa deixar de ser integrada e considerada na sentença final, por já se ter esgotado quanto à mesma o poder jurisdicional do juiz, em face do disposto nos artigos 135.º do CPT e, quanto a estre sem prejuízo do que se dispõe no seu n.º 2, 613.º do CPC.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação 1289/20.4TBBGC-B.P1
Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este, Juízo do Trabalho de Penafiel

Autor: AA
Ré: A..., S.A.
_______

Nélson Fernandes (relator)
Teresa Sá Lopes
António Luís Carvalhão



Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto

I - Relatório

1. Na presente ação especial por acidente de trabalho, em que é Autor AA e Ré A..., S.A., no decurso da fase contenciosa, saneados os autos, foi proferido despacho com o teor seguinte:
“Determino que, uma vez juntos aos autos os elementos que irão ser juntos na sequência do acima determinado, a secretaria organize um apenso para fixação da incapacidade para o trabalho com certidão do presente despacho, devendo os peritos que irão constituir a junta médica da especialidade de ortopedia (que, se assim o entenderem, solicitarão junta(s) de outra(s) especialidade(s)) responder aos seguintes quesitos:
1º- Qual(is) a(s) lesão(ões) que resultou(aram) do acidente?
2º- Da(s) lesão(ões) que resultou(aram) do acidente resultou(aram) alguma(s) sequela(s)?
3º- No caso de resposta afirmativa ao quesito 2º, qual(is), qual(is) o(s) artigo(s) da TNI que integra(m) e como se objetiva(m)?
4º- No caso de resposta afirmativa ao quesito 2º, o A. necessita de cuidados médicos e/ou medicamentosos e/ou de ajudas técnicas, para minimizar as sequelas?
5º- No caso de resposta afirmativa ao quesito 4º, quais e com que regularidade?
6º- Em consequência direta e necessária do acidente, resultou para o A. uma incapacidade permanente parcial (IPP)?
7º- No caso de resposta afirmativa ao quesito 6º, qual o grau da incapacidade permanente parcial (IPP) considerando as incapacidades permanentes parciais (IPPs) resultantes dos acidentes anteriores? Com incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual (IPATH) de servente de trolha?
8º- O A. apresenta limitações lesionais bilaterais nos cotovelos?
9º- E sendo bilaterais e simétricas têm relação causal com o acidente?”

1.1. Aberto o apenso de fixação de incapacidade, reunida a junta médica, os Peritos responderam, por unanimidade, aos quesitos que haviam sido formulados, nos termos seguintes:
1º - Fratura de Dl 1 e apófise transversa de 1.4, fratura da diáfise do úmero esquerdo e rotura do supra-espinhoso e instabilidade da LPB (Longa porção do bicípite) no ombro esquerdo + fratura de dois arcos costais;
2º - Sim;
3º - Raquialgia residual e rigidez do ombro esquerdo que permite levar a mão esquerda à nuca, ao ombro oposto e à região lombar, embora com dificuldade. Ver quadro anexo. Objetivam-se pelo exame clínico efetuado hoje e pelos elementos clínicos constantes dos autos.
4º - De momento não.
5º - Prejudicado
6º - Sim.
7º - IPP de 13,9395% (9,293 x 1,5). Sem IPATH para o trabalho habitual de servente de trolha, uma vez que o sinistrado apresenta um arco de movimento que permite levar a mão à nuca, ao ombro oposto e à região lombar, embora com dificuldade, e a raquialgia que apresenta é esporádica, não apresentando atrofias musculares da cintura escapular, o que permite ao sinistrado exercer a sua profissão de servente de trolha no grau da incapacidade atribuída.
8º - Não.
9º - Prejudicado.”

1.1.1. No mesmo apenso foi depois proferida, com data de 12 de setembro de 2022, após ter sido indeferida reclamação apresentada pelo Autor, a decisão a que se alude no n.º 2 do artigo 140.º, do Código do Processo do Trabalho (CPT), nos termos seguintes:
“Foi efetuada a perícia por junta médica a que alude o artº 139º, nº 1, do C.P.T..
Por força do disposto no artº 140º, nº 2, do C.P.T., cabe proferir decisão.
Ora, os peritos que intervieram na perícia por junta médica a que alude o artº 139º, nº 1, do C.P.T., concluíram, por unanimidade, que o A. está afetado de uma IPP de 13,9395% (com a consideração do fator 1.5 pela idade).
Considerando que a conclusão dos peritos que intervieram na perícia por junta médica a que alude o artº 139º, nº 1, do C.P.T., foi unânime e se mostra consentânea com os elementos, designadamente clínicos, existentes nos autos e com as disposições legais aplicáveis e uma vez que não há razões para discordar de tal conclusão, decido que o A. está afetado de uma IPP de 13,9395% (com a consideração do fator 1.5 pela idade).
Notifique e, oportunamente, arquive.”

1.2. Posteriormente, nos autos principais, com data de 11 de outubro de 2022, foi proferido despacho com o teor seguinte:
“Fls. 91 verso a 97: Considerando o relatório pericial de fls. 7 a 8, todas do processo apenso, afigura-se-me necessário oficiar ao Centro de Reabilitação ... para que o mesmo emita parecer sobre se o A. se encontra afetado de incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual (IPATH) de servente de trolha.
Como tal e ao abrigo do artº 139º, nº 7, do C.P.T., determino que, com cópia de fls. 1 a 8 verso, 31 a 38 e 87 a 88, todas do processo principal, e 2 a 8, todas do processo apenso, se oficie ao Centro de Reabilitação ... solicitando que o mesmo, no prazo de 60 dias, após avaliação do A., emita parecer sobre se o A. se encontra afetado de incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual (IPATH) de servente de trolha.”

2. Dizendo-se inconformada, apresente a Ré requerimento de interposição de recurso, tendo rematado as suas alegações com as seguintes conclusões:
“1) Andou mal a Mmª Juiz a quo com a prolação do despacho do qual se recorre, pelo qual ordenou, oficiosamente, que se solicitasse um parecer ao Centro de Reabilitação ... para aferir da eventual IPATH do Autor, matéria da competência dos peritos já exercida;
2) Atendendo a que a Mmª Juiz a quo proferiu em 12/09/2022, sentença pela qual decidiu do apenso de fixação de incapacidade (Refª 89711394) pela qual: decidiu “que o A. está afetado de uma IPP de 13,9395% (com a consideração do fator 1.5 pela idade)” sem IPAPH, o despacho do qual se recorre, por ordenar a produção de meio de prova oficiosa, intempestiva, processualmente desadequada e manifestamente desnecessário, deve ser anulado e, consequentemente, destruídos os seus efeitos, por consubstanciar aquele ato, um ato inútil e, portanto, proibido, nos termos do art.º 130.º do CPC;
3) Proferida a sentença no apenso de incapacidade esgotou-se o poder jurisdicional do Juiz, não podendo este reapreciar, revogar ou alterar a decisão proferida que não reconheceu IPAPH, o que confirma essa inutilidade;
4) O CRP... não tem a qualidade de entidade pericial médico-legal, para proferir pareceres sobre questões de determinação do grau de incapacidade permanente, não podendo substituir-se ao laudo já proferido pela junta médica;

5) Com a prolação do despacho do qual se recorre, a Mmª Juiz a quo violou as normas constantes dos artigos 130.º, 410.º, 411.º, 432.º, 436.º, 613.º, n.º 1 do CPC, artigos 132.º, n.º 1 e 139.º, n.º 7 do CPT, artigos 294.º e 295.º do Código Civil, artigos 2.º, n.º 1 e 21.º, n.º 1 da Lei n.º 45/2004, de 19/8 e art.º 3.º do DL n.º 166/2012, de 31/7.
NESTES TERMOS E MAIS FUNDAMENTOS DE DIREITO, DEVE SER CONCEDIDA PROCEDÊNCIA AO PRESENTE RECURSO DE APELAÇÃO E, CONSEQUENTEMENTE, SER O DESPACHO PROFERIDO REVOGADO E, BEM ASSIM, DESTRUÍDOS OS EFEITOS DO MESMO, DESIGNADAMENTE, O OFÍCIO POR AQUELE ORDENADO, PORQUE ILÍCITO E PROIBIDO, SEGUINDO-SE OS ULTERIORES TRÂMITES LEGAIS, POR SER DE INTEIRA JUSTIÇA!”

2.1. Não constam dos autos contra-alegações.

2.2 O recurso foi admitido em 1.ª instância como apelação, com subida imediata, em separado e efeito meramente devolutivo.

3. Nesta Relação, apresentados os autos ao Exmo. Procurador-Geral Adjunto, foi emitido parecer no sentido da procedência do recurso.
***
Cumpre decidir:

II – Questões a resolver
Sendo pelas conclusões que se delimita o objeto do recurso (artigos 635º/4 e 639º/1/2 do Código de Processo Civil / CPC – aplicável “ex vi” do art. 87º/1 do Código de Processo do Trabalho / CPT), integrado também pelas que são de conhecimento oficioso e que ainda não tenham sido decididas com trânsito em julgado, é a seguinte a única questão a decidir: saber se, depois de ter sido proferida a decisão a que se alude no n.º 2 do artigo 140.º do CPT, em que se decidiu que o sinistrado está “está afetado de uma IPP de 13,9395% (com a consideração do fator 1.5 pela idade)”, tem adequado suporte legal uma decisão posterior que, invocando o disposto no artigo 139.º, n.º 7, do mesmo Código, determine oficiosamente que se oficie a um Centro de Reabilitação ... a emissão de parecer sobre se o sinistrado se encontra afetado de incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual (IPATH).
*
III – Fundamentação
A) Fundamentação de facto
Os factos relevantes para a decisão do recurso resultam do relatório que se elaborou anteriormente.
*
B) Discussão
A única questão objeto do presente recurso, em face das conclusões apresentadas, centra-se em saber se é conforme o regime legal a prolação da decisão recorrida que determinou oficiosamente que se oficiasse ao Centro de Reabilitação ... a emissão de parecer sobre se o sinistrado se encontra afetado de incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual (IPATH), quando, anteriormente, o tribunal já havia proferido a decisão a que alude no n.º 2 do artigo 140.º do CPT.
Nas conclusões do recurso de apelação que apresentou e que agora conhecemos, dizendo que foram violadas “as normas constantes dos artigos 130.º, 410.º, 411.º, 432.º, 436.º, 613.º, n.º 1 do CPC, artigos 132.º, n.º 1 e 139.º, n.º 7 do CPT, artigos 294.º e 295.º do Código Civil, artigos 2.º, n.º 1 e 21.º, n.º 1 da Lei n.º 45/2004, de 19/8 e art.º 3.º do DL n.º 166/2012, de 31/7”, a Recorrente sustenta: é desconforme, intempestiva e processualmente inadequada ao ter sido proferida já depois da decisão que havia sido proferida no apenso de incapacidade – em que apenas se decidiu “que o A. está afetado de uma IPP de 13,9395% (com a consideração do fator 1.5 pela idade)” –, pois que, diz, com esta decisão “esgotou-se o poder jurisdicional do Juiz, não podendo este reapreciar, revogar ou alterar a decisão proferida que não reconheceu IPAPH, o que confirma essa inutilidade; o CRP... não tem a qualidade de entidade pericial médico-legal, para proferir pareceres sobre questões de determinação do grau de incapacidade permanente, não podendo substituir-se ao laudo já proferido pela junta médica.
Não constando dos autos contra-alegações, no parecer que emitiu o Ministério Público pronuncia-se pela procedência do recurso.
Apreciando, desde já diremos que o presente recurso terá na nossa ótica de proceder, para o que relevarão, com salvaguarda do respeito que seja devido pela posição assumida em 1.ª instância – que aliás para determinar a solicitação do parecer em causa se limitou a mencionar o n.º 7 do artigo 139.º do CPT dizendo que aquele seria necessário –, os argumentos avançados pela Recorrente e ainda pelo Ministério Público junto desta Relação.
Na verdade, como bem o refere o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, sendo verdade que o Sinistrado havia requerido na petição inicial para além da Junta Médica a realização de um parecer complementar para avaliar o impacto das sequelas de que é portador no seu trabalho em concreto (indicando o referido Centro de Reabilitação ... – CRP...), o que seria possível atento o disposto no n.º 7 do artigo 139.º do CPT (quer porque solicitado, quer ainda oficiosamente pelo Juiz), no entanto, porque depois de realizados os exames referidos nesse artigo o Juiz profere decisão sobre o mérito, nos termos do disposto no artigo 140.º do mesmo Código, decisão essa que já havia sido proferida no caso, resulta então do disposto no artigo 135.º que “na sentença final o juiz considera definitivamente assentes as questões que não tenham sido discutidas na fase contenciosa, integra as decisões proferidas no processo principal e no apenso, cuja parte decisória deve reproduzir (…)”.
Ora, como mais uma vez o Refere o Ministério Público, no caso, tendo já sido proferida, como o foi, a decisão a que alude o artigo 140.º, resultando expressamente daquele artigo 135.º que essa deverá ser integrada (e mesmo reproduzida) na sentença final, não pode então, sob pena de violação deste normativo, ser alterada, razão pela qual o pedido de realização do referido parecer, apresentando-se já aqui como extemporâneo, se traduz na prática de um ato inútil – se esse parecer tinha em vista ser considerado na decisão a proferir sobre a incapacidade do Autor/sinistrado, uma vez que essa decisão já foi proferida, não poderá já ser para essa decisão considerado, por se ter já esgotado, quanto à mesma, o poder jurisdicional do juiz – mencionado artigo 135.º do CPT e, ainda, artigo 613.º do CPC, sem prejuízo, quanto a este último do que resulta do seu n.º 2, mas que aqui não estará em causa, bem como, naturalmente, até porque a decisão a que alude o artigo 140.º do CPT, como resulta do seu n.º 2, apenas pode ser impugnada no recurso que venha a interpor-se da sentença final, de, caso vier a ser interposto esse recurso, do que possa porventura resultar da apreciação que venha a realizar-se nessa sede recursiva.
Em face das indicadas razões, obtendo sustentação nesta parte as conclusões da Recorrente, o presente recurso terá de proceder em conformidade, com a consequente revogação da decisão recorrida, devendo ser atendido, nos termos antes expostos, ao regime que se encontra estabelecido no artigo 135.º do CPT.

As custas do recurso deverão ser consideradas na proporção de vencimento/decaimento que venha a ser afirmada na sentença final (artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil).

Nos termos do artigo 663.º, n.º 7, do CPC, segue-se o sumário do presente acórdão, da responsabilidade exclusiva do relator:
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IV - DECISÃO
Nos termos expostos, acordam os juízes que integram a Secção Social do Tribunal da Relação do Porto, na procedência do presente recurso, em revogar a decisão recorrida, nos termos do presente acórdão.

Custas na proporção de vencimento/decaimento que venha a ser afirmada na sentença final.



Porto, 20 de março de 2023
(acórdão assinado digitalmente)
Nelson Fernandes
Rita Romeira
Teresa Sá Lopes