Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
184/04.9TBALJ.P2
Nº Convencional: JTRP000
Relator: AUGUSTO DE CARVALHO
Descritores: EMPREITADA
DIREITO DE RETENÇÃO
Nº do Documento: RP20120604184/04.9TBALJ.P2
Data do Acordão: 06/04/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Legislação Nacional: ARTº 754º DO CÓDIGO CIVIL
Sumário: O empreiteiro, face ao não pagamento do preço da obra por parte do dono desta, goza de direito de retenção.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação nº 184/04.9TBALJ.P2

Acordam no Tribunal da Relação do Porto

B… intentou a presente acção declarativa, com processo ordinário, contra C…, pedindo a condenação deste a: a) a exibir documentos comprovativos da substituição das peças danificadas por peças novas, no que concerne aos trabalhos contratados “meia lança 10 mts nova”, “macaco hidráulico meio da lança”, “cornija” e “braço tubo 80*80 suporte torre, e documentos de garantia destas peças; b) exibir documentos comprovativos de que a reparação da “lança 10 m desempenar” foi efectuada na fábrica em Itália, conforme factura apresentada e, ainda, entregar documento de garantia dessa reparação pela fábrica; c) entregar documentos de garantia da reparação efectuada pelo réu nas suas instalações; d) reduzir o preço da reparação dos trabalhos contratados no montante de €704,48 e colocadas as peças originais na grua, conforme artigos 13º a 26º da petição inicial; e) a pagar-lhe, a título de indemnização pela mora na entrega da grua reparada – desde 09-02-2004 – o montante de €750,00 por cada mês de atraso até efectiva entrega; f) a pagar-lhe a quantia de € 13.243,75 a título de indemnização pelos prejuízos causados pela privação do uso da grua, e g) a pagar-lhe a quantia de € 2.500,00 a título de indemnização pelo uso abusivo da grua, nos termos do referido nos artigos 62º e 63º da petição inicial.
Mais peticionou, para o caso de o réu não cumprir o referido supra nas alíneas a) e b), que o mesmo seja condenado, cumulativamente com o peticionado nas alíneas c) a g), supra, a: h) substituir as peças usadas ou desempenadas por peças novas ou, no que concerne às peças desempenadas, à redução do preço ao preço da desempenagem; i) reduzir ao preço da factura o preço do transporte para Itália, no montante de €892,50.
O autor declarou, ainda, que os valores peticionados serão acrescidos de juros vincendos até efectivo pagamento.

A fundamentar aqueles pedidos, alegou, em síntese, que é construtor civil; em Janeiro de 2004, contratou com o réu a reparação de uma grua de marca “…” que havia caído numa obra, tendo este se comprometido a proceder a tal trabalho no prazo de 30 dias; o réu apenas montou a grua em meados de Abril de 2004; verificou que, na factura emitida pelo réu, estavam considerados e computados trabalhos não contratados, tendo o mesmo procedido à substituição das peças que não oferecem segurança à grua em questão; o réu procedeu à pintura da máquina em amarelo, o que também não lhe foi solicitado; tendo tomado conhecimento da factura referida, comunicou a sua discordância ao réu, tendo exigido que os trabalhos não contratados fossem descontados, no montante de €704,48; considera que algumas das peças que o réu diz terem sido substituídas por novas, foram apenas desempenadas, não lhe tendo sido exibidos documentos comprovativos da sua substituição, discordando, pois, do valor peticionado pelo réu, a título de pagamento pela reparação da grua em questão.

O réu apresentou contestação, na qual, além de pugnar pela sua absolvição do pedido, deduziu reconvenção, pedindo a condenação do autor a pagar-lhe quantia de €11.586,10, acrescida dos respectivos juros de mora vencidos até 25-10-2004, no montante de €613,27, e vincendos, até efectivo e integral pagamento.
Alegou, em síntese, que: apenas aceitou proceder à reparação da grua do autor, após ter sido efectuada peritagem pela companhia seguradora titular da apólice celebrada por via do contrato de leasing a que o autor recorreu para adquirir essa mesma grua; entre a data da comunicação do acidente, a peritagem e o transporte da grua para as suas instalações, decorreram cerca de 2 semanas; na altura da peritagem ficou decidido quais as peças que deveriam ser substituídas e quais poderiam ser reparadas e que a substituição da lança determinava a remessa dessa peça para a fábrica, em Itália, pelo que o orçamento incluiria o preço do transporte até à fábrica; elaborou um orçamento a 09/02/2004, com o preço global de €13.557,67; o perito da seguradora discordou da reparação integral da lança e impôs que apenas um dos elementos fosse substituído, sendo o restante reparado, pelo que o valor do orçamento passou para € 12.367,67, tendo este montante sido aceite pelo perito e determinada a reparação da grua neste modo; entregou uma cópia do orçamento ao autor e comunicou-lhe que a reparação demoraria cerca de 1 mês e meio, o que o autor aceitou; em 3 de Março de 2004, enviou a lança para reparar em Itália, que só regressou em 1 ou 2 de Abril de 2004; a grua ficou reparada em meados de Abril de 2004; o autor prontificou-se para proceder ao levantamento da mesma, a que se opôs sem que procedesse ao pagamento da respectiva reparação, dessa forma exercendo a faculdade consagrada no artigo 754º do CC, tendo-lhe entregue as respectivas facturas para que reclamasse o seu pagamento junto da companhia seguradora; sucede que, decorridos mais de 6 meses desde a data da aceitação da reparação por parte do autor, sem que tivesse sido apresentado qualquer defeito, ainda não recebeu o respectivo montante, pelo que peticiona o seu pagamento em sede de pedido reconvencional; o autor incorre em abuso de direito ao interpôr a presente acção, posto que aceitou a reparação por si efectuada.

O autor apresentou réplica, na qual concluiu pela improcedência do pedido reconvencional e pela procedência da acção.
No mesmo articulado, o autor requereu a ampliação do pedido, reclamando a condenação do réu a entregar-lhe todas as peças danificadas que diz ter substituído por peças novas, nomeadamente, a meia lança, a cornija, o braço tubo 80*80, os tubos hidráulicos, o cabo de aço montagem pedras e cabo aço P Torre.
Em síntese, alegou que: não corresponde à verdade que não tenha denunciado os defeitos da reparação levada a cabo pelo réu, pelo que a excepção de abuso de direito, invocada pelo demandado não pode colher; quanto ao pedido reconvencional, não corresponde à verdade que o réu lhe tenha enviado as facturas, cujo pagamento agora reclama; como nunca aceitou a reparação que lhe foi apresentada nem os defeitos apontados foram eliminados, considera que o valor agora peticionado não é devido, dada a excepção de não cumprimento do contrato.

Foi apresentada tréplica, na qual o réu pugnou pela procedência do pedido reconvencional e pela improcedência do pedido contra si deduzido.

Procedeu-se a julgamento e, a final, foi proferida sentença, na qual se decidiu: a) julgar o pedido formulado pelo autor improcedente e, em consequência, absolver o réu do mesmo; b) julgar o pedido reconvencional procedente e, em consequência, condenar-se o autor a pagar ao réu a quantia de €11.586,10 (onze mil quinhentos e oitenta e seis euros e dez cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa comercial, vencidos desde o dia 16.5.2004 até integral pagamento.

Inconformado, a autor recorreu para esta Relação, formulando as seguintes conclusões:
a) Conforme acima fundamentado, pela prova que foi produzida, impunha-se ao tribunal a quo decidir sobre a matéria de facto da seguinte forma:
1. Considerar provado o ponto n.º 15 da base instrutória, ou seja, “O réu não substituiu a cornija por uma nova, conforme orçamenta na factura proforma, tendo apenas procedido à sua desempenagem.”
2. Considerar provado o ponto n.º 24 da base instrutória, ou seja, “Essa peça foi igualmente desempenada, e não substituída por uma nova”, referindo-se à “meia lança 10 metros nova”.
3. Considerar provado, em relação ao ponto 32 da base instrutória que o “O autor exigiu ao Réu que lhe entregasse todas as peças originais da grua que afirma que substituiu por novas, fazendo-o por escrito em 05 de Abril e 24 de Maio de 2004, e verbalmente no dia 14 de Abril de 2004”.
4. Considerar provado o ponto 34 da base instrutória, ou seja, que “Apesar de interpelado por diversas vezes, o réu não procedeu à redução do preço dos trabalhos não contratados, com a consequente colocação das peças originais que não ficaram danificadas com a queda, nem tão pouco comprovou a veracidade da substituição das restantes peças.”
5. Considerar não provado o ponto 58 da base instrutória, ou seja, não provado “Acrescentando de seguida que no caso de se optar antes pela substituição de um dos elementos da grua com a reparação do outro, também a lança teria que ser transportada tal como se encontrava para aquela fábrica em Itália, onde este trabalhos de substituição e reparação seriam efectuados, na medida em que só ai é possível fazer o encaixe de ambas as peças nas melhores condições técnicas de segurança, pelo que incluiria no orçamento as despesas de transporte da lança de Portugal para Itália e vice-versa.”
6. Considerar parcialmente não provado o ponto 69 da base instrutória, em concreto, em relação à data, ou seja, “foi o réu contactado pelo perito, o qual manifestou concordância com o orçamento alterado e deu autorização para que fossem iniciados os trabalhos.”
7. Considerar não provado o ponto 81 da base instrutória, ou seja, não provado que “Durante o mês de Março de 2004 o autor deslocou-se por diversas vezes às instalações do réu no sentido de apurar se a grua se encontrava ou não reparada, e nos finais deste mês pôs em causa o conteúdo do orçamento, dizendo que, com excepção do macaco hidráulico do meio da lança, as demais peças não tinham ficado danificadas com a queda.
8. Considerar não provado na totalidade o ponto 82 da base instrutória, ou seja, não provado que “O réu, junto da grua e mostrando ao autor as peças danificadas, perguntou-lhe como é que podia reparar a grua em condições de segurança utilizando a cornija que tinha ficado partida, os cabos de aço que tinham ficado cortados ou prensados, o braço da torre empenado, mas que, entretanto já tinha reparado, as rodas e as cavilhas que tinham ficado torcidas.”
9. Considerar não provado o ponto 86 da base instrutória, ou seja, não provado que “O réu explicou-lhe que os parafusos oferecem o mesmo grau de resistência e segurança que as cavilhas dizendo-lhe que as gruas da mesma série da sua tanto são construídas com parafusos como cavilhas e que, relativamente ao preço, tanto custa um parafuso como uma cavilha.”
10. Considerar não provado na totalidade o ponto 92 da base instrutória, ou seja, não provado que “O autor logo se prontificou para proceder ao levantamento da grua, requerendo ao réu que a levasse para a obra em Alijó e que daí retirasse a grua que lhe havia alugado, por já não ser necessária.”
11. Considerar não provado o ponto 93 da base instrutória, ou seja, não provado que o “O réu porém não permitiu que o autor procedesse ao levantamento da grua sem que efectuasse primeiro o pagamento de preço acordado.”
12. Considerar não provado o ponto 94 da base instrutória, ou seja, não provado que “Como seria o autor a reclamar junto da seguradora o pagamento do valor (ou parte do valor) da reparação, comprometeu-se logo o réu a emitir a factura respeitante aos trabalhos e si efectuados e seguidamente a entregar-lha, bem como ainda a entregar-lhe as facturas respeitantes aos transportes da lança de Portugal para Itália e vice-versa, uma vez que já tinha o réu liquidado com a transportadora o respectivo valor.”
13. Considerar não provado o ponto 96 da base instrutória, ou seja, não provado que “No dia 16.04.2004, o réu, em cumprimento do que havia assumido com o autor, remeteu-lhe por correio as facturas indicadas, as quais ascendem à quantia de €11.586,10, a pagar no prazo máximo de 30 dias.”
14. Finalmente, considerar não provado o ponto 97 da resposta à matéria da base instrutória, ou seja, não provado que “O autor recebeu estas facturas e contactou o réu alguns dias depois, dizendo-lhe que não procedia ao pagamento da reparação da grua sem antes proceder a uma peritagem para aquilatar do “verdadeiro estado da grua”.
b) Após a conclusão da obra, o empreiteiro tem o dever acessório de a colocar à disposição do seu dono, de modo a permitir-lhe que este a possa examinar, com a finalidade de verificar se ela se encontra realizada sem quaisquer defeitos, conforme o impõe o n.º 1 do artigo 1218 do CC.
c) Logrou o autor provar que exigiu ao réu documentação que comprovasse que a reparação da lança foi realizada em Itália, nomeadamente as facturas da reparação da fábrica ali situada, garantia da reparação efectuada pela fábrica e guias de transporte internacional - ponto 13 dos factos provados.
d) Ficou provado, ainda, que o autor exigiu ao réu que lhe entregasse todas as peças originais da grua que diz terem sido substituídas, por escrito em 05 de Abril de 2004 e em 24 de Maio de 2004 – ponto 20 dos factos provados.
e) Nos termos do documento nº 3 junto com a petição inicial, no qual o tribunal a quo expressamente se apoiou para formular a sua convicção, o autor exigiu ao réu a documentação que a lança era nova, nomeadamente, as facturas da fábrica, o certificado de garantia da fábrica e, ainda, as guias de transporte internacional.
f) E exigiu, ainda, a emissão de um certificado de garantia da reparação pelo réu.
g) Em sede de contestação, nunca o réu afirmou que apresentou ao autor tais documentos, à excepção de duas supostas guias de transporte internacional, documentos que juntou com esse articulado, e dos quais adiante nos pronunciaremos.
h) Tal como nunca o afirmou, também, à excepção das ditas supostas guias de transporte, também o réu não juntou esses documentos aos presentes autos.
i) Daí que o pedido que o autor formulou na presente acção foi que o réu fosse condenado a exibir documentos comprovativos da substituição das peças danificadas por peças novas, no que concerne aos trabalhos contratados “Meia Lança 10 MTS nova”, “Macaco Hidráulico Meio da Lança”, “Cornija” e “Braço Tubo 80*80 suporte torre” e documentos de garantia destas peças, exibir comprovativos de que a reparação da “Lança 10 MTS desempenar” foi efectuada na fábrica em Itália conforme factura apresentada e, ainda, entregar documento de garantia dessa reparação pela fábrica, entregar documentos de garantia da reparação efectuada pelo réu nas suas instalações.
j) Não cumprindo o réu, o acima disposto, o autor pediu subsidiariamente a condenação do réu na substituição das peças usadas ou desempenadas por peças efectivamente novas, ou, no que concerne às peças desempenadas, à redução do preço ao preço da desempenagem.
k) Posteriormente, em articulado de réplica, o autor ampliou o pedido, desta vez, que o réu fosse condenado a entregar ao autor todas as peças danificadas que diz ter substituído por peças novas, nomeadamente, a meia lança, a cornija, o braço tubo 80*80, os tubos hidráulicos, o cabo aço montagem pedras e o cabo aço P Torre.
l) O réu não colocou sequer o autor em condições de verificar ao obra, conforme lhe é imposto pelo nº 2 do artigo 1218º do Código Civil.
m) Vedou-lhe esse direito ao não lhe fornecer quer as peças substituídas, quer os documentos que comprovavam a aplicação de peças novas na máquina.
n) Impossibilitando-o de inspeccionar a grua na posse dos documentos e das peças de forma a fazer uma análise comparativa dos mesmos.
o) Face à recusa do réu, o autor não aceitou a reparação e abandonou as instalações comerciais do réu.
p) Ainda assim, tornou a exigir novamente por escrito – fax de 21 de Maio de 2004 – as peças e os documentos ao réu.
q) Fê-lo, ainda, na presente acção.
r) Assim, e contrariamente ao vertido na sentença proferida pelo tribunal a quo, o recorrente sempre diligenciou no sentido de verificar se suas suspeitas, se eram fundadas ou não.
s) A acção judicial que interpôs, atento o pedido que formulou, foi mais uma prova disso mesmo. Repete-se aqui, mais uma vez, os pedidos por escrito consubstanciados na carta de 5 de Abril de 2004 e no fax de 21 de Maio de 2004.
t) E qual foi a resposta do réu? Silêncio, silêncio e silêncio!
u) Bastava ao réu entregar os documentos que demonstrassem a qualidade das peças e a entrega das peças para que o autor considerasse satisfeita a sua pretensão. Foi esse o pedido da acção judicial que interpôs contra o réu!
v) O réu não o fez, nem antes, nem no decurso da acção judicial.
w) Pelo contrário, o calibre dos documentos que juntou na contestação apenas fez aumentar as dúvidas do autor.
x) E infelizmente, as dúvidas do autor, que eram sérias, transformaram-se em certezas absolutas com o Relatório Pericial que foi elaborado nos presentes autos.
y) Esclarecendo o Sr. Perito que as peças “braço suporte de torre”, “cornija” e “meia lança 10 metros nova” foram afinal desempenadas, e não substituídas por peças novas, ao contrário do orçamento elaborado pelo réu, e do preço cobrado.
z) Finalmente, levantou-se o véu e confirmaram-se as verdadeiras razões das recusas do Réu em aceder às exigências legítimas do autor.
aa) E, claramente provados os defeitos, que consistem em vícios que diminuem as qualidades ou aptidões da grua.
bb) Por outro lado, não ficou minimamente demonstrado que o réu se comprometeu a emitir a factura respeitante aos trabalhos e si efectuados e seguidamente a entrega-la ao Autor, bem como ainda a entregar ao autor as facturas respeitantes aos transportes da lança de Portugal para Itália e vice-versa., nem que o réu tenha liquidado com a transportadora o respectivo valor.
cc) Não se entende como é que o réu vem, na presente acção, peticionar o pagamento de uma factura de transporte emitida por outra entidade.
dd) E, o pior, é que face à total ausência de prova, o tribunal a quo pode condenar o autor nesse pagamento.
ee) Os documentos nº 2 e nº 3, juntos com a contestação – guias de transporte – foram impugnados pelo autor na réplica, e o seu conteúdo é demasiado duvidoso (e estamos a ser brandos) para que se possam considerar como prova do que quer que seja.
ff) Em concreto, o Documento nº 2 não possuí a assinatura e o carimbo da fábrica italiana, que, segundo, o réu, recepcionou a mercadoria (campo 24 do documento) e o Documento n.º 3 possuí no campo 22, que deveria ter sido preenchido pela fábrica italiana, um simples rabisco, que não se percebe de quem, sem carimbo da entidade a acompanhar.
gg) Por seu lado, o documento nº 2 tem o número 1.251 e data de 3 de Março de 2004, e, o documento nº 3 tem o número logo a seguir, 1252, e data de quase um mês depois, 29.03.2004.
hh) O que claramente, significa que os documentos foram emitidos na mesma data, e sem a intervenção da fábrica italiana.
ii) Mais, a pressa foi tal, que no Documento nº 2 é discriminado na guia no campo referente ao material transportado “2 lanças”, quando na verdade, apenas uma lança teria de ir para Itália, pois a outra, estava acordado que seria substituída por uma nova.
jj) Acresce que o tribunal a quo, bem, considerou não provado o ponto 75 da base instrutória, ou seja, não provado que “Em 03 de Março de 2004, o réu enviou a lança para Itália?”
kk) Sendo essa a data que constava no Documento nº 2, ao considerar o facto como não provado, a quo, tal como o autor entendeu, e bem, que o documento não serve como meio de prova credível.
ll) Efectivamente, o réu não provou sequer que as lanças foram para Itália, atenta a total ausência de documentos credíveis juntos bem como de prova testemunhal.
mm) As facturas também não foram aceites pelo autor, e, conforme se verifica, foram emitidas sem causa justificativa, ou seja, a efectiva existência do transporte.
nn) Pergunta-se: A quem é que a empresa transportadora entregou as peças em Itália? Se a fábrica não assina nem carimba as guias de transporte? Tanto pode ter entregue em Itália, como em Alijó... como a ninguém!
oo) E já agora, o réu pagou o transporte, como alega (mas não prova) em dinheiro, em cheque?
pp) E o Sr. D…, sócio gerente da transportadora, que era testemunha indicada pelo réu, porque é que foi prescindido em sede de audiência de julgamento?
qq) Em conformidade, o tribunal a quo decidiu muito mal, ao condenar o autor no pagamento da quantia de €1.642,50 (mil, seiscentos e quarenta e dois euros e cinquenta cêntimos) a título desses alegados, mas não provados, transportes.
rr) Em relação à peritagem que é referida na douta sentença, para aferir do estado da grua, e que levou o tribunal a quo a concluir que o autor aceitou a reparação, não ficaram provados os facto constantes dos artigos 98º e 99º da Base Instrutória, ou seja, não ficou provado que o réu se mostrou receptivo a qualquer peritagem que o autor entendesse conveniente fazer, disponibilizando-se a prestar todo e qualquer esclarecimento ao perito ou peritos, nem ficou provado que advertiu o autor que não suportava qualquer tipo de despesas com a peritagem ou peritagens que se efectuassem.
ss) Embora não provada, a alegação do réu de que não suportava despesas da peritagem é, por si só, motivo para a mesma não se ter realizado, pois, as despesas do exame devem correr por conta do empreiteiro, excepto se houver acordo noutro sentido – (Vaz Serra, em Empreitada, no B.M.J. nº 145, pág. 155; Pires de Lima e Antunes Varela, em Código Civil Anotado, Volume II, pág. 890; Pedro Romano Martinez, em Direito das
Obrigações, pág. 436.
tt) E, alegando o réu que não paga, salvo o devido respeito, é mais que motivo para o autor não prosseguir com a peritagem e recorrer a vias alternativas, como o é o recurso à via judicial.
uu) E como efectivamente o fez.
vv) Deveria, pois, o réu ter sido condenado nas alíneas a), b) e c) do pedido, ou seja, exibir documentos comprovativos da substituição das peças danificadas por peças novas, no que concerne aos trabalhos contratados “Meia Lança 10 MTS nova”, “Macaco Hidráulico Meio da Lança”, “Cornija” e “Braço Tubo 80*80 suporte torre” e documentos de garantia destas peças, exibir comprovativos de que a reparação da “Lança 10 MTS desempenar” foi efectuada na fábrica em Itália conforme factura apresentada e, ainda, entregar documento de garantia dessa reparação pela fábrica e entregar documentos de garantia da reparação efectuada pelo réu nas suas instalações e, não cumprindo com estas obrigações, condenado na substituição das peças usadas ou desempenadas por peças efectivamente novas, ou, no que concerne às peças desempenadas, à redução do preço ao preço da desempenagem.
ww) Pelo desenrolar dos autos, atenta a prova (confissão do Réu e Relatório Pericial) de que as peças “braço tubo 80*80 suporte de torre”, “cornija” e “lança 10 metros – nova” foram desempenadas deveria o tribunal a quo ter condenado o réu na substituição das mesmas por peças novas, de encontro com a factura proforma e a factura final juntas aos autos.
xx) Deveria, ainda ter sido condenado a entregar ao autor todas as peças danificadas que diz ter substituído por peças novas, nomeadamente, a meia lança, a cornija, o braço tubo 80*80, os tubos hidráulicos, o cabo aço montagem pedras e o cabo aço P Torre.
yy) Ser julgada procedente a excepção de não cumprimento do contrato invocada em sede de tréplica, ou seja, absolver o autor do pagamento do pedido reconvencional enquanto o réu não cumprisse com o pedido formulado na acção.
yy) E, por último, ser o réu condenado a pagar ao autor a quantia de € 12.368,26 (doze mil trezentos e sessenta e oito euros e vinte e seis cêntimos) que este despendeu com o aluguer, transporte, montagem e desmontagem de gruas de substituição, a que o autor teve de recorrer em virtude de não poder dispor da sua grua.
Normas jurídicas violadas (artigo 690.º nº 2, A) C.P.C.):
a) Artigo 388.º DO C.C. – valoração do relatório pericial.
b) Artigos 563º nº 1 do C.P.C. e 355º e 356º nº 2 do C.C. – valoração do depoimento de parte.
c) Violação do disposto no nº 1 do artigo 661º do C.P.C. – condenação em quantidade superior ao pedido.
d) Violação do disposto no artigo 1218º nº 2 do C.C. – impossibilidade de verificação da obra por o empreiteiro não colocar o dono da obra em condições de o fazer.
e) Artigo 428º do C.C. – da excepção do não cumprimento do contrato.

O apelado apresentou contra-alegações, concluindo pela confirmação da sentença.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

A sentença recorrida considerou assentes os seguintes factos:
1. O autor é construtor civil (A);
2. O réu dedica-se ao comércio de máquinas e ferramentas para a construção civil, nomeadamente, à reparação, montagem e aluguer de escoramentos, gruas e betoneiras (B);
3. O autor contratou com o réu para que este procedesse à reparação de uma grua de marca “…”, modelo “…” que havia caído numa obra (C);
4. O réu substituiu 8 cavilhas da grua por 8 parafusos (D);
5. No dia 14.04.2004, o autor deslocou-se às instalações comerciais do réu e encontrou a grua reparada (F);
6. O referido em 3 supra ocorreu em Janeiro de 2004 (1º);
7. Antes de proceder a qualquer trabalho de reparação, as partes analisaram o estado da grua, juntamente com o perito da seguradora (2º);
8. Identificando em concreto quais as peças danificadas que com a queda teriam de ser substituídas por novas ou reparadas (3º);
9. O réu considerou a reparação pronta na Páscoa de 2004 (5º);
10. O réu emitiu a factura pró-forma em 09/02/2004, para a seguradora, na qual discriminava os trabalhos a realizar e exigia o preço de € 12.367,67 (/º);
11. O réu procedeu à pintura da caixa do motor, da base da grua e da cornija, na cor amarela (14º);
12. O autor reclamou do valor da reparação, após esta estar concluída (19º);
13. O autor exigiu ao réu a documentação que comprovasse que a reparação da lança foi realizada em Itália, nomeadamente as facturas da reparação da fábrica ali situada, garantia da reparação efectuada pela fábrica e guias de transporte internacional (21º);
14. O réu afirma que a “meia lança 10 metros nova” veio nova de Itália, cobrando-se do seu preço como nova e, bem assim, do seu transporte de Itália (23º);
15. O autor exigiu ao réu a documentação que comprovasse que essa peça era nova (25º);
16. Exigiu, ainda, que lhe fosse exibida e entregue a meia lança original que o réu afirma ter sido substituída por uma nova – “meia lança 10 mts nova”(26º);
17. O réu afirmou que a peça substituída vai para a reciclagem e ficou em Itália (27º);
18. No que concerne à “cornija”, o réu cobra o preço de uma cornija nova (28º);
19. No trabalho descriminado como “braço tubo 80*80 suporte torre” o réu cobra o preço dessa peça nova, mas admitiu ter tido apenas necessidade de a desempenar (30º);
20. O autor exigiu ao réu que lhe entregasse todas as peças originais da grua que diz terem sido substituídas, por escrito em 05/04 e em 24/05/2004 (32º);
21. O autor ainda não procedeu ao levantamento da grua (33º);
22. Por estar privado do uso da grua, o autor tem tido a necessidade de encontrar soluções alternativas (35º);
23. Em Janeiro de 2004, o autor contactou o réu dizendo-lhe que a grua tinha sofrido uma queda numa obra de construção civil em Alijó (38º);
24. E solicitou-lhe que se deslocasse ao local a fim de, caso tivesse interesse em proceder à sua reparação, proceder à remoção da mesma para as suas instalações em … (39º);
25. Tendo, nesse mesmo dia, o réu se deslocado ao local do acidente para aquilatar do estado da grua e caso fosse possível proceder à sua remoção, deparou-se, então, com o facto, que lhe foi transmitido pelo próprio autor, de que afinal, não era proprietário da mesma, mas sim seu locatário, pois que apenas tinha celebrado um contrato de leasing com o E…, S.A., agência de … - contrato n.º …… – tendo em vista a futura aquisição da mesma (40º);
26. Mais informou que, por força deste contrato de leasing, tinha também celebrado com a companhia de seguros “F…” um contrato de seguro-apólice nº ………, o qual garantia a reparação dos danos sofridos pela grua, porquanto estava incluído, no seguro, a cobertura de danos próprios (41º);
27. Acrescentou ainda que iria efectuar a participação do acidente à seguradora em questão (42º);
28. Em face deste cenário, o réu disse que não podia remover a grua e muito menos proceder à sua reparação (43º);
29. Uma vez que era preciso aguardar que a seguradora efectuasse a peritagem à grua e só depois da sua realização é que se poderia proceder à sua remoção (44º);
30. E quanto à reparação propriamente dita, esta só poderia ter lugar a partir do momento em que a seguradora aceitasse o orçamento que por ele seria apresentado (45º);
31. Permaneceu a grua no local do acidente e o réu ficou a aguardar a indicação do dia da peritagem (46º);
32. Algum tempo depois do acidente foi efectuada peritagem perante o perito da seguradora, o autor e o réu, anotando os danos sofridos e as peças danificadas (47º);
33. Uma vez no local, o perito da seguradora, o réu e o autor identificaram quais os danos sofridos pela grua, anotando o réu e o perito as peças danificadas (48º);
34. Concluída a peritagem, deu o perito autorização para que o réu transportasse a grua para as suas instalações, o que acabou por fazer na semana seguinte e solicitou-lhe que elaborasse e lhe apresentasse o orçamento para a reparação da mesma (49º);
35. Da peritagem resultou que a grua tinha sofrido os danos constantes do orçamento aprovado pela seguradora (50º);
36. Do indicado orçamento consta a substituição das peças por novas (51º);
37. Do indicado orçamento constam peças para desempanagem (52º);
38. No caso de haver a necessidade de se substituir toda a lança, a mesma teria de ser encomendada à fábrica que constrói estas gruas em Itália – fábrica de …, na cidade de …, pelo que se incluiria no orçamento o preço do transporte da lança de Itália para Portugal (57º);
39. Acrescentando de seguida que no caso de se optar antes pela substituição de um dos elementos da grua com a reparação do outro, também a lança teria que ser transportada tal como se encontrava para aquela fábrica em Itália, onde estes trabalhos de substituição e reparação seriam efectuados, na medida em que só aí é possível fazer o encaixe de ambas as peças nas melhores condições técnicas de segurança, pelo que incluiria no orçamento as despesas de transporte da lança de Portugal para Itália e vice-versa (58º);
40. O réu deu conhecimento ao perito que no orçamento incluiria os transportes da grua de Alijó para … e vice-versa (59º);
41. Deu conhecimento ao perito de que iria incluir a pintura do chassis da grua e da cornija à cor original e o valor da mão-de-obra (60º);
42. A seguradora aceitou o segundo orçamento elaborado pelo réu. (61º);
43. Em 09.02.2004, o réu elaborou o orçamento junto como documento nº 1 da contestação, cujo teor aqui se dá por reproduzido, apresentado um preço global de € 13.557,67 para a realização da empreitada, onde previa a substituição da totalidade da lança (62º);
44. Remetido o orçamento nesta data ao perito este veio dizer ao réu que não concordava com a substituição da lança na sua totalidade, mas apenas com a substituição de um dos elementos, devendo o outro ser reparado (63º);
45. Tendo solicitado ao réu que alterasse o orçamento em conformidade, descriminando uma verba para a reparação e outra para a substituição, com indicação do respectivo valor, bem como deveria ainda, relativamente ao valor dos transportes que apresentava, indicar qual o montante dos transportes de Portugal para Itália e vice-versa e o montante do transporte de Alijó para … e vice versa (64º);
46. Quanto ao demais indicado neste orçamento, não manifestou qualquer discordância (65º);
47. O réu procedeu à alteração do orçamento, como lhe tinha sido solicitado pelo perito e remeteu-lho novamente para apreciação (67º);
48. Em virtude da correcção efectuada, o valor previsto para a reparação era agora de € 12.367,67 (68º);
49. No dia 19/20 de Fevereiro de 2004, foi o réu contactado pelo perito, o qual manifestou concordância com o orçamento alterado e deu autorização para que fossem iniciados os trabalhos (69º);
50. O réu reparou nas suas instalações o braço de suporte da torre (76º);
51. Seguidamente, fez as ligações eléctricas e colocou os diversos cabos de aço e as rodas de nylon (77º);
52. O réu procedeu à pintura do chassis e da cornija à cor original-amarelo (79º);
53. Os trabalhos encontraram-se concluídos por alturas da Páscoa de 2004 (80º);
54. Durante o mês de Março de 2004, o autor deslocou-se por diversas vezes às instalações do réu, no sentido de apurar se a grua se encontrava ou não reparada, e nos finais deste mês pôs em causa o conteúdo do orçamento, dizendo que, com excepção do macaco hidráulico do meio da lança, as demais peças não tinham ficado danificadas com a queda (81º);
55. O réu sustentou a justeza e necessidade da reparação que havia efectuado (82º);
56. O seguro cobre apenas uma parte do valor do orçamento do réu (84º);
57. Nas circunstâncias mencionadas em 5 supra, o autor inspeccionou a grua e questionou o réu do porquê de ter substituído as cavilhas pelos parafusos (85º);
58. O réu explicou-lhe que os parafusos oferecem o mesmo grau de resistência e segurança que as cavilhas, dizendo-lhe que as gruas da mesma série da sua tanto são construídas com parafusos como cavilhas e que, relativamente ao preço, tanto custa um parafuso como uma cavilha (86º);
59. Como o autor tinha posto em causa o local da reparação da lança, o réu exibiu-lhe os documentos nºs 2 e 3 da contestação (89º);
60. O autor prontificou-se para proceder ao levantamento da grua (92º);
61. O réu, porém, não permitiu que o autor procedesse ao levantamento da grua sem que efectuasse primeiro o pagamento do preço acordado (93º);
62. Como seria o autor a reclamar junto da seguradora o pagamento do valor (ou parte do valor) da reparação, comprometeu-se logo o réu a emitir a factura respeitante aos trabalhos por si efectuados e seguidamente a entregar-lha, bem como ainda a entregar-lhe as facturas respeitantes aos transportes da lança de Portugal para Itália e vice-versa, uma vez que já tinha o réu liquidado com a transportadora o respectivo valor (94º);
63. No dia 16/04/2004, o réu, em cumprimento do que havia assumido com o autor, remeteu-lhe por correio as facturas indicadas, as quais ascendem à quantia de €11.586,10, a pagar no prazo máximo de 30 dias (96º);
64. O autor recebeu as facturas remetidas pelo réu. (97º);
65. O réu advertiu o autor de que não permitiria o levantamento da grua das suas instalações enquanto não fosse liquidado o valor da respectiva reparação (99º);
66. O autor não fez até ao presente qualquer peritagem à grua (100º);
67. Entre 20-09-2004 e 17-10-2007, em virtude do referido em 22, o autor despendeu €12 368,26 com o aluguer, transporte, montagem e desmontagem de gruas de substituição (101º - cfr. despacho de fls. 615).

São apenas as questões suscitadas pelos recorrentes e sumariadas nas respectivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar – artigos 684º, nº 3 e 690º, nº 1, do C.P.C.
As questões a decidir são as seguintes: impugnação da decisão relativa à matéria de facto, no que concerne aos números 15, 21, 23, 24, 25, 26, 28, 30, 32, 34, 58, 69, 75, 78, 81, 82, 86, 87, 88, 90, 91, 92, 93, 94, 96 e 97 da base instrutória; se o direito está conforme aos factos que se consideraram ou vierem a considerar provados.

I. Encontrando-se gravada a prova produzida em julgamento, nos termos do disposto nos artigos 522º-B e 522º-C, do C. P. Civil, pode alterar-se a decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto, se para tanto tiver sido observado o condicionalismo imposto pelo artigo 690º-A, como o permite o disposto no artigo 712º, nº 1, alínea a), ambos do mesmo diploma.
Igualmente, nos termos do citado artigo 712º, nº 1, alínea b), do C. P. Civil, a decisão do tribunal da 1ª instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pela Relação se os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas.
O registo dos depoimentos prestados em audiência de julgamento tem como objectivo facilitar a reparação de um eventual erro de julgamento. Esta tarefa – apreciação da prova – está cometida, em primeira linha e como regra geral, à primeira instância e em execução do princípio da imediação, que a reforma processual trazida pelo Decreto Lei nº 329-A/95, de 12/12, veio reforçar quanto à prova testemunhal.
Os casos em que, pela via do recurso, se há-de reapreciar a prova produzida em primeira instância, terão de ser, concretamente, evidenciados pelo recorrente, destacando-os dos demais, indicando os depoimentos em que se funda, por referência ao assinalado na acta, nos termos do nº 2 do citado artigo 522º-C (artigo 690º-A, nº 3, do C.P.C.).
Quando se impugna a matéria de facto, pretendendo ver alterada a decisão sobre uma concreta e precisa matéria de facto, reapreciando-a em sede de recurso, os artigos 712º e 690º-A do C.P.C. impõem determinadas regras a cumprir pelo impugnante, constituindo mesmo um ónus do recorrente. E, para facilitar e viabilizar tal ónus, concedeu-se àquele recorrente um prazo suplementar para produzir as suas alegações – artigo 698º, nº 6, do C.P.C.
O recorrente, mencionando os concretos meios probatórios, constantes do processo ou da gravação ou transcrição nele realizada que, em seu entender, impõem decisão diversa da recorrida, preenche, no essencial, estes requisitos legalmente impostos, para que se possa apreciar o alegado erro na apreciação da matéria de facto.
Os números da base instrutória que o apelante considera incorrectamente julgados são os seguintes: “o réu não substituiu a cornija por uma nova, conforme orçamenta na factura proforma, tendo apenas procedido à sua desempenagem?”; “O autor exigiu, então, ao réu documentação que comprovasse que a reparação da lança 10 metros desempenar foi realizada na fábrica em Itália, nomeadamente as facturas da reparação da fábrica … Itália, garantia da reparação efectuada pela fábrica e, ainda, as guias de transporte internacional, dado o réu afirmar que a mesma foi desempenada na fábrica em Itália, cobrando-se do seu preço como reparada nesse local e do preço do transporte para esse país?”; “O réu afirma que a meia lança 10 metros nova veio nova de Itália, cobrando-se do seu preço como nova e, bem assim, do seu transporte de Itália?”; “Essa peça apenas foi desempenada e não substituída por uma nova?”; “O autor exigiu de imediato ao réu documentação que comprovasse que essa peça era nova, nomeadamente, as facturas da fábrica …-Itália, o certificado de garantia da fábrica e, ainda, as guias de transporte internacional?”; “Exigiu, ainda, que lhe fosse exibida e entregue a meia lança original que o réu afirma ter sido substituída por uma nova? – meia lança 10 mts nova”; “No que concerne à cornija, o réu cobra o preço de uma cornija nova?”; “Também no trabalho descriminado como braço tubo 80*80 suporte torre, o réu cobra o preço dessa peça nova, quando confessou, de igual forma, que a havia desempenado?”; “O autor sempre exigiu ao réu que lhe entregasse todas as peças originais da grua que afirma que substituiu por novas, fazendo-o por escrito, em 5.04 e 24.5 de 2004?”; “Apesar de interpelado por diversas vezes, o réu não procedeu à redução do preço dos trabalhos não contratados, com a consequente colocação das peças originais que não forma danificadas com a queda, nem tão pouco comprovou a veracidade da substituição das restantes peças?”; “Acrescentando, de seguida, que, no caso de se optar antes pela substituição de um dos elementos da grua com a reparação do outro, também a lança teria de ser transportada tal como se encontrava para aquela fábrica em Itália, onde estes trabalhos de substituição e reparação seriam efectuados, na medida em que só é possível fazer o encaixe de ambas as peças nas melhores condições técnicas de segurança, pelo que incluiria no orçamento as despesas de transporte da lança de Portugal para Itália e vice-versa?”; “No dia 19/20 de Fevereiro de 2004, foi o réu contactado pelo perito, o qual manifestou concordância com o orçamento alterado e deu autorização para que fossem iniciados os trabalhos?”; “Em 3 de Março de 2004, o réu enviou a lança para Itália?”; “Os 8 parafusos aplicados oferecem igual resistência que 8 cavilhas?”; “Durante o mês de Março de 2004, o autor deslocou-se, por diversas vezes, às instalações do réu, no sentido de apurar se a grua se encontrava ou não reparada, e nos finais deste mês pôs em causa o conteúdo do orçamento, dizendo que, com excepção do macaco hidráulico do meio da lança, as demais peças não tinham ficado danificadas com a queda?”; “O réu, junto da grua e mostrando ao autor as peças danificadas, perguntou-lhe como é que podia reparar a grua em condições de segurança, utilizando a cornija que tinha ficado partida, os cabos de aço que tinham ficado cortados ou prensados, o braço da torre empenado, mas que, entretanto, já tinha reparado, as rodas e as cavilhas que tinham ficado torcidas?”; “O réu explicou-lhe que os parafusos oferecem o mesmo grau de resistência e segurança que as cavilhas, dizendo-lhe que as gruas da mesma série da sua tanto são construídas com parafusos como cavilhas e que, relativamente ao preço, tanto custa um parafuso como uma cavilha?”; “Mais lhe disse que se tinha interesse na colocação das cavilhas, no espaço de 1 hora procedia à substituição dos parafusos por cavilhas?”; “Ao que o autor respondeu que não havia necessidade, pois que assim estava bem?”; “E o autor, tendo-os examinado, não esboçou a mínima reacção?”; “O réu fez, na presença do autor, um teste à mesma, procedendo à descarga de diversos materiais de construção civil de um veículo de mercadorias?”; “O autor logo se prontificou para proceder ao levantamento da grua, requerendo ao réu que a levasse para a obra em Alijó e que daí retirasse a grua que lhe havia alugado, por já não ser necessária?”; “O réu, porém, não permitiu que o autor procedesse ao levantamento da grua sem que efectuasse primeiro o pagamento do preço acordado?”; “Como seria o autor a reclamar junto da seguradora o pagamento do valor (ou parte do valor) da reparação, comprometeu-se logo o réu a emitir a factura respeitante aos trabalhos por si efectuados e seguidamente a entregar-lha, bem como ainda a entregar-lhe as facturas respeitantes aos transportes da lança de Portugal para Itália e vice-versa, uma vez que já tinha o réu liquidado com a transportadora o respectivo valor?”; “No dia 16.4.2004, o réu, em cumprimento do que havia assumido com o autor, remeteu-lhe por correio as facturas indicadas, as quais ascendem à quantia de €11.586,10, a pagar no prazo máximo de 30 dias?”; “O autor recebeu as facturas e contactou o réu alguns dias depois, dizendo-lhe que não procedia ao pagamento da reparação sem antes proceder a uma peritagem para aquilatar do verdadeiro estado da grua?”.
Aos números 15, 24, 34, 75, 78, 87, 88, 90, 91 foi dada a resposta de não provado.
Aos números 23, 26, 28, 58, 69, 78, 81, 86, 93, 94 e 96 foi dada a resposta de provado.
Ao número 21 foi dada a resposta de “provado apenas que o autor exigiu ao réu a documentação que comprovasse que a reparação da lança foi realizada em Itália, nomeadamente as facturas da reparação da fábrica ali situada, garantia da reparação efectuada pela fábrica e guias de transporte internacional”.
Ao número 25 foi dada a resposta de “provado apenas que o autor exigiu ao réu a documentação que comprovasse que essa peça era nova”.
Ao número 30 foi dada a resposta de provado apenas que no trabalho descriminado como braço tubo 80*80 suporte torre, o réu cobra o preço dessa peça nova, mas admitiu ter tido apenas necessidade de a desempenar.
Ao número 32 foi dada a resposta de provado apenas que o autor exigiu ao réu que lhe entregasse todas as peças originais da grua que diz terem sido substituídas, por escrito em 5/04 e em 24/5/2004.
Ao número 82 foi dada a resposta de provado apenas que o réu sustentou a justeza e necessidade da reparação que havia efectuado.
Ao número 92 provado apenas que o autor se prontificou para proceder ao levantamento da grua.
Ao número 97 foi dada a resposta de provado apenas que o autor recebeu as facturas remetidas pelo réu.
Com base na reapreciação do relatório pericial de fls. 156 a 161, dos documentos de fls. 17 e 17 e 20 a 21 e do depoimento da testemunha G…, valorizando-os, exclusivamente; bem como na reapreciação do depoimento da testemunha H… e dos documentos de fls. 50 e 51 e 52 a 55, desvalorizando estes por completo, pretende o autor que se dê como provada a matéria dos números 15, 24, 32 e 34, e como não provada a dos números 58, 69, 81, 82, 86, 92, 93, 94, 96 e 97.
O autor/apelante, porém, não tem razão na apreciação que faz de tais elementos probatórios.
Da audição da respectiva gravação e até das transcrições parciais efectuadas pelo apelante, o que resulta é que a matéria de facto retrata com fidelidade e exactidão aquelas provas produzidas em audiência de julgamento.
É certo que a testemunha G…, pai do autor, referiu, além do mais, que: “Exigiu documentos e peças. Exigiu as peças, sim.
As peças, alguma vez foram entregues?
Disse que já tinha sido tudo destruído, que não havia peças, não havia nada. Já não havia peças, já estava tudo desaparecido. O réu negou-se a dar as facturas, negou-se a dar a guia de transporte. Portanto, o meu filho não podia pagar uma coisa que não usufruiu. Claro. Não foram entregues peças, nem documentos, não foi levantada a grua”.
Por sua vez, a testemunha H…, esposa do réu, referiu o seguinte:
“Sabe se ele chegou a enviar alguma parte da grua, se foi remetida, enviada para Itália?
Sim, consoante fizemos no orçamento. Estava determinado no orçamento, uma parte qualquer, não sei qual é, ir para Itália.
E quando é costume enviar gruas, peças de gruas, costumam enviar só uma peça ou vai mais que uma peça?
Não vai mais que uma. Quando é assim, pronto, tentamos que uma transportadora envie tudo, não é? Não vamos enviar só uma peça.
Quanto aos concretos trabalhos que foram executados, a senhora recorda-se de alguma coisa?
Não, isso não vou à oficina, não sei o que se passa, nem nada.
Recorda-se de nessas instalações ter havido a indicação de algum perito de alguma segurador?
Olhe isso já não me lembro. Eu sei que fizemos um orçamento, depois fizemos outro, ou não sei…
Durante o período em que esteve em reparação, recorda-se de ter visto por lá o senhor B…?
Sim, sim, que é o pai do Senhor…
Eu confundo…é o pai e o filho. Eu não sei os nomes deles, não é?
Pronto, era o pai do senhor B…, é assim que trato, senhor B…, que constantemente, pronto, sim, ia lá muitas vezes”.
Por sua vez, o relatório pericial de fls. 156 a 161, o perito que o subscreveu expressa dúvidas: «A questão posta no ponto 1, não pode ser confirmada, pois, durante a perícia, fui informado pelo senhor C… que a grua teria sido montada. Assim sendo as marcas presentes nas peças mencionadas teriam sido causadas por essa utilização. Assim sendo a questão de novas e sem uso não pode ser confirmado.
A desempenagem mencionada no ponto 2 verifica-se.
A questão posta no ponto 3, de um modo geral não se verifica, pois, se o diâmetro exterior do parafuso for igual ao diâmetro exterior do veio, então, o parafuso apresenta menor resistência mecânica. Contudo, para ter uma conclusão cabal, teriam que ser efectuados testes de resistência mecânica em laboratório do veio e do parafuso para assim e poder comparar.
A questão colocada no ponto 4 só poderá ser respondida cabalmente e com toda a responsabilidade pelas entidades certificadoras e reguladoras do equipamento em questão. Do meu ponto de vista, a grua aparentemente apresenta alguns pontos fragilizados…».
Por conseguinte, o autor/apelante não tem razão em valorizar exclusivamente, o relatório pericial de fls. 156 a 161, os documentos de fls. 17 e 17 e 20 a 21 e o depoimento da testemunha G…, pois, mostra-se correcta a forma como tais elementos foram apreciados pelo tribunal a quo: «O tribunal baseou a sua convicção, em primeiro lugar, na prova documental junta aos autos, designadamente, na factura de fls. 15, na carta dirigida pelo autor de fls. 16 e 17, solicitando a prova do transporte da grua para o local de reparação, carta de fls. 20 e 21, dirigida pelo autor ao réu, pedindo documentos inerentes à reparação em apreço e peças substituídas nas facturas de fls. 23, 49 e 53 e nos documentos de transporte internacional de fls. 50 e 54 a 55.
Além desta prova documental, atendeu-se ainda à prova pericial realizada no âmbito da presente lide e que se traduz no relatório de fls. 156 a 161; as dúvidas ali expressas pelo perito que o subscreveu e a sua impossibilidade em testar a grua, no sentido de verificar a sua cabal reparação e resistência, fundamentaram as respostas acima consignadas no que concerne à respectiva matéria de facto, por inexistência de quaisquer outros meios de prova que os pudessem confirmar.
(…) Atendeu-se, ainda, aos depoimentos prestados pelas seguintes testemunhas:
G…, pai do autor, declarou que o acidente em que a grua ficou danificada ocorreu em Janeiro de 2004 e que o réu se comprometeu a proceder à respectiva reparação no prazo de 30 dias; afirmou ainda que a grua não foi remetida para Itália e que o aqui demandado não lhe mostrou documentos que comprovassem esse transporte e que as peças que estão indicadas como tendo sido substituídas, foram apenas reparadas; além do mais, declarou também que quando pediram as peças substituídas ao réu, este declarou que as mesmas já haviam sido destruídas e que além de esta pagar esta grua se encontra ainda a pagar o aluguer de outra grua, desconhecendo, no entanto, os valores correspondentes aos prejuízos causados ao autor por via da não utilização da grua.
Este depoimento mostrou-se desprovido de isenção e de imparcialidade, visto demonstrar total defesa dos interesses do autor, quer por via da relação de parentesco existente entre o autor e a testemunha, quer por via da participação económica que a testemunha revelou ter na própria actividade profissional do ora demandante, de tal modo que a testemunha prestou declarações como sendo o principal interessado na reparação da grua em questão e daí o tribunal ter atribuído pouca credibilidade ao respectivo depoimento, sobretudo porque o mesmo é contraditado pelo teor do relatório pericial elaborado nos autos.
(…) H…, esposa do réu, declarou que costuma trabalhar com o seu cônjuge na fase administrativa e, nesse âmbito, elaborou o orçamento e emitiu a factura; disse ainda que o pai do autor ia muitas vezes à oficina do réu saber do estado da grua; mais afirmou ainda que quando é necessário remeter peças para reparação para Itália e de forma a rentabilizar o transporte são remetidas várias peças em conjunto; disse ainda que o pai do autor esteve na oficina a testar a grua e apenas não a levantou porque não procedeu ao respectivo pagamento».
Mas, o tribunal também valorou o depoimento de parte do réu, valoração que o autor diz violar o disposto no artigo 563º, nº 1, do C.P.C., e nos artigos 355º e 356º, nº 2, do C.C., mas sem razão.
O depoimento de parte do réu encontra-se integralmente transcrito, a fls. 317 a 407, e o tribunal a quo valorou-o, referindo, na motivação da decisão sobre a matéria de facto, o seguinte: «A estes meios de prova vieram acrescer, ainda, o depoimento de parte prestado pelo aqui réu que afirmou que acompanhou o perito da segurador para a determinação dos danos e valores da reparação, e que elaborou um orçamento que apresentou ao referido perito. Contudo, a seguradora não aceitou o primeiro orçamento, constante da factura proforma emitida pelo réu, pelo que o demandado apenas iniciou os trabalhos de reparação da grua após a seguradora aceitar a estimativa formulada pelo mesmo.
Negou, ainda, o réu que se tenha comprometido com qualquer prazo para a conclusão da reparação em questão e afirmou que os parafusos aplicados na dita grua são de qualidade superior às cavilhas originais; no que concerne à pintura da mesma peça de maquinaria, disse o réu que esta pintura se destinava a unificar a cor dessa peça e que constava do orçamento; tendo confirmado que todas as peças indicadas como tendo sido substituídas, foram-no efectivamente. Mais afirmou que o autor apenas apresentou reclamação quanto à reparação, depois desta estar concluída, sendo que confirmou que a lança foi remetida a Itália e que apresentou ao autor os documentos juntos aos autos, comprovativos desse transporte. Finalmente, declarou que quanto ao braço de suporte da torre, o mesmo não mostrou ter necessidade de ser substituído, tendo-se o réu comprometido para com o autor em suportar metade do valor constante da factura emitida, onde se previa a sua substituição; mais acrescentou que a seguradora liquidou ao autor o valor da reparação e que como este não o liquidou ao réu, não lhe permitiu que levantasse a grua das suas instalações, onde afirmou que esta grua apenas foi testada, nunca atendo utilizado ao seu serviço».
Ora, o tribunal não estava impedido de basear a sua convicção na prova documental, pericial, testemunhal e também no depoimento de parte do réu, estando este procedimento de acordo com o princípio da livre apreciação da prova previsto no artigo 655º, nº 1, do C.P.C.
Com efeito, o depoimento de parte deve ser admitido como meio de prova, mesmo em relação a factos que não sejam desfavoráveis ao depoente, devendo tal depoimento ser livremente apreciado.
Como se refere no Acórdão do STJ, de 7.12.2002, «confissão e depoimento de parte são realidades jurídicas distintas, sendo este mais abrangente do que aquela, pois que é um meio de prova admissível mesmo relativamente a factos que não sejam desfavoráveis ao depoente». in www.dgsi.pt.
O apelante, no fundo, pretendia que esta Relação fizesse uma nova valoração dos meios de prova, de forma a concluir que os factos que discrimina foram julgados erradamente e que, por consequência, eles deveriam ser alterados. Tal valoração foi feita e, como se referiu, a decisão sobre a matéria de facto retrata com fidelidade e exactidão as provas produzidas em audiência de julgamento.
No caso concreto, tendo em atenção a prova documental, pericial, testemunhal e também o depoimento de parte do réu, a convicção desta Relação é a de que as dúvidas levantadas pelo apelante não tinham fundamento, considerando-se, por isso, correcta a forma como o tribunal a quo decidiu a matéria de facto questionada.

II. O autor contratou com o réu, para que este procedesse à reparação de uma grua de marca …, modelo …, que havia caído numa obra.
Em Janeiro de 2004, o autor contactou o réu, dizendo-lhe que a grua tinha sofrido uma queda numa obra de construção civil, em Alijó. E solicitou-lhe que se deslocasse ao local a fim de, caso tivesse interesse em proceder a sua reparação, proceder à remoção da mesma para as suas instalações, em ….
Algum tempo depois do acidente foi efectuada peritagem perante o perito da seguradora da grua, o autor e o réu, anotando os danos sofridos e as peças danificadas.
Concluída a peritagem, deu o perito autorização para que o réu transportasse a grua para as suas instalações, o que acabou por fazer na semana seguinte e solicitou-lhe que elaborasse e lhe apresentasse o orçamento para a reparação da mesma. Da peritagem resultou que a grua tinha sofrido os danos constantes do orçamento aprovado pela seguradora.
Em 09.02.2004, o réu elaborou o orçamento, apresentando um preço global de € 13.557,67 para a realização da empreitada, onde previa a substituição da totalidade da lança.
Remetido o orçamento nesta data ao perito, este veio dizer ao réu que não concordava com a substituição da lança na sua totalidade, mas apenas com a substituição de um dos elementos, devendo o outro ser reparado. Tendo solicitado ao réu que alterasse o orçamento em conformidade, descriminando uma verba para a reparação e outra para a substituição, com indicação do respectivo valor, bem como deveria ainda, relativamente ao valor dos transportes que apresentava, indicar qual o montante dos transportes de Portugal para Itália e vice-versa e o montante do transporte de Alijó para … e vice versa.
O réu procedeu à alteração do orçamento, como lhe tinha sido solicitado pelo perito e remeteu-lho novamente para apreciação. Em virtude da correcção efectuada, o valor previsto para a reparação era agora de € 12.367,67 (68º);
No dia 19/20 de Fevereiro de 2004, foi o réu contactado pelo perito, o qual manifestou concordância com o orçamento alterado e deu autorização para que fossem iniciados os trabalhos.
Face a esta matéria de facto, autor e réu celebraram um contrato de empreitada, contrato que o artigo 1207º do C.C. define como aquele em que «uma das partes se obriga em relação à outra a realizar certa obra, mediante um preço».
É requisito essencial do negócio, a realização duma obra (prestação dum serviço) e não a prestação do trabalho. cfr. artigos 1152º e 1155º, do C. Civil. Não há um vínculo de subordinação do empreiteiro em relação ao dono da obra, como há no contrato de trabalho, em que o trabalhador põe às ordens ou sob a direcção da entidade patronal a sua energia ou capacidade de criação, independentemente do resultado que se venha a alcançar. O empreiteiro age sob a sua própria direcção, com autonomia, não sob as ordens ou instruções do comitente, estando apenas sujeito à fiscalização do dono da obra. cfr. Pires de Lima e A. Varela, C. Civil Anotado, Volume II, pág. 787.
Essencial para que haja empreitada é que o contrato tenha por objecto a realização duma obra (a construção de um edifício, de um barco ou de um simples andar) e não um serviço pessoal. Se se trata de um serviço pessoal, o contrato continua a ser de prestação de serviço, como a empreitada, mas não é um contrato de empreitada, estando sujeito às regras do mandato, nos termos do artigo 1156º, do C. Civil.
São três os elementos caracterizadores da empreitada: os sujeitos, ou seja, o empreiteiro e o dono da obra; a realização ou execução de uma obra; o pagamento do respectivo preço.
A empreitada é também um contrato bilateral ou sinalagmático, oneroso, consensual e de execução continuada.
Oneroso, porque o esforço económico é suportado pelas duas partes, havendo vantagens cumulativas para cada uma delas. De entre os contratos onerosos, será classificado como comutativo (por oposição a aleatório), na medida em que as vantagens patrimoniais dele emergentes são conhecidas das partes logo no momento em que é ajustado.
Consensual, porque, não tendo sido estabelecido nenhuma norma cominadora de forma especial para a sua celebração, a validade das declarações depende de mero consenso, nos termos do artigo 219º, do C. Civil.
De execução continuada, porque se destina a instituir uma relação duradoura pela sua própria natureza. O cumprimento das prestações será, pois, ininterrupto. Cfr. Pires de Lima e A. Varela, ob. cit., Volume III, pág. 787; Vaz Serra, Empreitada, BMJ 145, pág. 21 e 22; Galvão Telles, Direito das Obrigações, 6ª edição, pág. 77; Menezes Cordeiro, Direito das Obrigações, 1º volume pág. 423; Almeida Costa, Direito das Obrigações, pág. 251.
O autor sustenta a sua pretensão na desconformidade da reparação efectuada com a acordada, o que se reconduz a uma situação de cumprimento defeituoso do contrato por parte do réu.
No contrato de empreitada, o principal dever do empreiteiro é a realização de uma certa obra, em conformidade com o convencionado e sem vícios (artigos 1207º e 1208º, do C. Civil), devendo cumprir pontualmente (artigo 406º, do mesmo diploma legal) e proceder à entrega da obra no prazo estabelecido, quando assim tiver sido acordado.
Estabelece o artigo 1208.º do Código Civil, que o empreiteiro deve executar a obra em conformidade com o que foi convencionado e sem vícios que reduzam ou excluam o valor dela, ou a sua aptidão para o uso ordinário ou previsto no contrato.
O cumprimento defeituoso, em sentido amplo, “corresponde a uma desconformidade entre a prestação devida e a que foi realizada. É, portanto, sinónimo de cumprimento inexacto ou imperfeito”. Pedro Romano Martinez, Cumprimento Defeituoso, Em especial na Compra e Venda e na Empreitada, p. 129.
Por cumprimento inexacto deve entender-se todo aquele em que a prestação efectuada não tem requisitos idóneos a fazê-la com o conteúdo obrigacional, tal como este resulta do contrato e do princípio geral da correcção e da boa fé, podendo a inexactidão “ser quantitativa (prestação parcial a que se seguem os efeitos do não cumprimento no que respeita apenas à parte da prestação não executada; a mora ou incumprimento definitivo) e qualitativa (traduzida numa diversidade da prestação, como uma deformidade, num vício ou falta de qualidade da mesma ou na existência de direitos de terceiros sobre o objecto” Baptista Machado, Obra Dispersa, Volume I, pág. 169.
No caso de defeituosa execução da obra, ao contraente lesado assiste o direito de se ressarcir dos respectivos prejuízos, de acordo com o regime estabelecido nos artigos 1221.º, 1222.º e 1223.º do Código Civil, estando vinculado a observar a prioridade dos direitos consagrados nos referidos preceitos legais, pela ordem neles prevista.
De facto, como se refere na sentença recorrida, não se vislumbra que da matéria de facto provada resulte demonstrado que «o réu procedeu à reparação da grua em desconformidade com o acordado com o autor, com intervenção e concordância da seguradora, ou com o fim a que o mesmo objecto se destina».
O autor não fez, até ao presente, qualquer peritagem à grua – resposta ao número 100 da base instrutória.
De resto, o autor prontificou-se para proceder ao levantamento da grua. Porém, o réu não permitiu que o autor procedesse a tal levantamento, sem que efectuasse primeiro o pagamento do preço acordado. O réu advertiu o autor de que não permitiria o levantamento da grua das suas instalações enquanto não fosse liquidado o valor da respectiva reparação – respostas aos números 92, 93 e 99 da base instrutória.
Ou seja, não estão provados defeitos na reparação efectuada na grua; não está provada qualquer recusa do réu em que o autor verificasse, fiscalizasse ou efectuasse qualquer peritagem à mesma reparação e, portanto, ao invés do alegado, não há qualquer violação do disposto no artigo 1218º, nº 2, do C.C; e, pelo contrário, o que se demonstra é que o autor até se prontificou a proceder ao levantamento da grua, o que só não aconteceu porque o réu a tal se opôs, sem que aquele, previa ou simultaneamente, efectuasse o pagamento do preço.
Esta recusa do levantamento da grua por parte do réu conduz-nos à questão do direito de retenção no contrato empreitada.
O direito de retenção, configurando um direito real de garantia, permite ao retentor a não entrega da coisa a quem, em princípio, lha podia exigir, enquanto este não cumprir a obrigação a que se encontra adstrito.
O direito de retenção não tem, no entanto, carácter geral, pois, é necessário que o crédito do retentor resulte de despesas com a coisa a entregar ou de danos por ela causados.
Para que exista direito de retenção, nos termos do artigo 754º, «é necessário, em primeiro lugar, que o respectivo titular detenha (licitamente: cfr. artigo 756º, alínea a)) uma coisa que deva entregar a outrem; em segundo lugar, que, simultaneamente, seja credor daquele a quem deve a restituição; por último, que entre os dois créditos haja uma relação de conexão (debitum cum re junctum), nas condições definidas naquele artigo – despesas feitas por causa da coisa ou danos por ela causados». Pires de Lima e A. Varela, Código Civil Anotado, Volume I, pág. 773.
Na doutrina e na jurisprudência, debatem-se duas correntes: para uns, o preço da obra realizada pelo empreiteiro não dá lugar a direito de retenção; para outros, o empreiteiro goza do direito de retenção relativamente ao preço de construção da coisa retida.
Defendendo a primeira tese, referem Pires de Lima e A. Varela que, «por um lado, o direito de retenção constitui uma garantia excepcional do credor, só aplicável nos casos previstos na lei. E o crédito do empreiteiro não figura em nenhuma das situações especialmente contempladas nas diversas alíneas do nº 1 do artigo 755º.
Por outro lado, pode também dar-se como certo que o crédito do empreiteiro não cabe no perímetro da disposição (artigo 754º) que, em termos genéricos, define o campo de aplicação do direito de retenção.
O direito de retentionis é atribuído nesta disposição legal (artigo 754º) ao devedor de coisa certa que disponha de um crédito sobre o seu credor, desde que o crédito resulte de despesas feitas por causa da coisa ou de danos causados pela coisa. O crédito do empreiteiro tem, no entanto, por objecto o preço da empreitada. E uma coisa é o preço da obra e outra são as despesas feitas com o imóvel ou o móvel ou os danos por estes causados. E não há perfeita analogia entre estes núcleos de situações, no aspecto que interessa à concessão (de jure constituendo) do direito de retenção». Ob. cit., págs. 875 e 876. Neste sentido, acórdão da Relação de Lisboa, de 5.6.1984, CJ, Ano IX, Tomo 3, pág. 137.
Pensamos, no entanto, que não é esta a solução que o nosso Supremo Tribunal de Justiça, nem a doutrina maioritária, vêm adoptando.
De facto, entendem que o empreiteiro, resultado da obra que realizou, está sempre obrigado a entregar uma coisa e o seu crédito do preço resulta de despesas feitas por causa dessa coisa.
Como referem Ferrer Correia e Joaquim de Sousa Ribeiro, «a obrigação complexiva assumida pelo empreiteiro é, assim, integrada por duas prestações, funcionalmente interligadas, mas que se apresentam com autonomia, sendo evidente a sua diferenciação estrutural; uma traduz-se numa prestação de facto, a outra numa prestação de coisa, numa obrigação de dar ou de restituir.
Ora, é precisamente sobre este último tipo de obrigações – obrigação de entregar certa coisa – que pode incidir o direito de retenção, desde que, concomitantemente, estejam satisfeitos os restantes requisitos do artigo 754º. O que, no caso da empreitada, não pode sofrer contestação: por causa da execução da obra, que representa o cumprimento da obrigação de facere, o empreiteiro teve que suportar despesas. A situação corresponde inteiramente à primeira variante de conexão material prevista naquele artigo – crédito resultante de despesas feitas por causa da coisa – pelo que o empreiteiro pode recusar-se a entregar a obra, retendo-a em garantia do pagamento dessas despesas». CJ, Ano XIII, Tomo I, pág. 19.
E também Galvão Telles diz que «o empreiteiro goza de direito de retenção, nos termos gerais do artigo 754º do C.C., porque o seu crédito resulta de despesas feitas por causa da coisa. (…) Não faria, aliás, sentido que se reconhecesse direito de retenção a quem se limita a realizar dispêndios para conservar ou melhorar coisa já existente e se negasse tal direito a quem realiza gastos, em princípio muito mais elevados, para a criar, tutelando-se as meras despesas de benfeitorização e negando-se protecção às de construção ou fabrico, decisivas para o desenvolvimento do país e por conseguinte com muito maior relevância económica e social». Direito de retenção no contrato de empreitada, em O Direito, 106º – 119º, 1974/1987. No mesmo sentido, Calvão da Silva, Cumprimento e sanção Pecuniária Compulsória, pág. 339 e seguintes; Romano Martinez, Direito das Obrigações (Parte especial), págs. 375 e seguintes e Menezes Leitão, Garantia das Obrigações, págs. 243 e seguintes. Acórdãos do STJ, de 26.4.1994 e de 3.6.2008, ambos, in www.dgsi.pt.
Por conseguinte, o réu, na qualidade de empreiteiro, face ao não pagamento do preço pelo autor, goza do direito de retenção.
O autor também invoca a excepção do não cumprimento do contrato, mas sem fundamento.
A excepção do não cumprimento do contrato traduz-se na faculdade de que goza cada um dos devedores de recusar a prestação, enquanto o outro não cumprir a que lhe cabe.
No artigo 428º, nº 1, do C.C., estabelece-se: «Se nos contratos bilaterais não houver prazos diferentes para o cumprimento das prestações, cada um dos contraentes tem a faculdade de recusar a sua prestação enquanto o outro não efectuar a que lhe cabe ou não oferecer o seu cumprimento simultâneo».
Exige-se a verificação de dois requisitos: a existência de prazos idênticos para ambas as prestações; e o não cumprimento duma delas ou a não oferta de cumprimento.
No caso, não se verifica, face à matéria provada, a intenção do autor em usar esta excepção de direito material, visto que se prontifica a proceder ao levantamento da grua, mas sem que, prévia ou simultaneamente, se disponibilize a efectuar o pagamento do preço acordado.
De facto, o vínculo de correspectividade que une as duas prestações impõe o seu cumprimento simultâneo e, no caso, é o autor que se recusa a efectuar o pagamento, na mesma ocasião da entrega da grua.
Finalmente, não há violação do disposto no nº 1 do artigo 661º do C.P.C. – condenação em quantidade superior ao pedido.
Como se refere na sentença recorrida, o autor foi interpelado pelo réu para proceder ao pagamento de tal quantia (€11.586,10), a pagar até ao dia 16.5.2004 (cfr. pontos 63 e 64 da matéria provada), o que não cumpriu, como o mesmo reconhece.
A partir de tal data, o réu constituiu-se em mora – artigo 805º, nº 1, do C.C.
O autor acabou por ser condenado a pagar ao réu a quantia de €11.586,10 (onze mil quinhentos e oitenta e seis euros e dez cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa comercial, vencidos desde o dia 16.5.2004, até integral pagamento.
Analisando o que está alegado nos artigos 103º a 107º da contestação/reconvenção, verifica-se que é, precisamente isso o que o réu pede, com a única diferença de que este liquida os juros vencidos (€613,27) entre 16.5.2004 e 26 de Outubro do mesmo ano.
Improcedem, assim, as conclusões das alegações e o recurso do autor.

Decisão:
Pelos fundamentos expostos, acordam os Juízes desta secção cível em julgar improcedente a apelação e, consequentemente, confirmar a sentença recorrida.

Custas pelo apelante.

Sumário:
I. O direito de retenção, configurando um direito real de garantia, permite ao retentor a não entrega da coisa a quem, em princípio, lha podia exigir, enquanto este não cumprir a obrigação a que se encontra adstrito.
II. O direito de retenção não tem carácter geral, pois, é necessário que o crédito do retentor resulte de despesas com a coisa a entregar ou de danos por ela causados.
III. O empreiteiro goza do direito de retenção relativamente ao preço de construção da coisa retida.
IV. O empreiteiro, resultado da obra que realizou, está sempre obrigado a entregar uma coisa e o seu crédito do preço resulta de despesas feitas por causa dessa coisa.
V. A excepção do não cumprimento do contrato traduz-se na faculdade de que goza cada um dos devedores de recusar a prestação, enquanto o outro não cumprir a que lhe cabe.

Porto, 4.6.2012
António Augusto de Carvalho
Anabela Figueiredo Luna de Carvalho
Rui António Correia Moura