Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
500/20.6T8ALB.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JOSÉ IGREJA MATOS
Descritores: INEPTIDÃO DA PETIÇÃO INICIAL
ACÇÃO DE REIVINDICAÇÃO
ACÇÃO DE DEMARCAÇÃO
CUMULAÇÃO DE PEDIDOS
PEDIDOS INCOMPATÍVEIS
Nº do Documento: RP20210713500/20.6T8ALB.P1
Data do Acordão: 07/13/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - A ineptidão da petição inicial existe quando ocorre uma ausência de alegação de factos essenciais para a causa de pedir que se revelem insuscetíveis de ser concretizados ou complementados por força de um convite ao aperfeiçoamento feito pelo tribunal.
II - Na ação de reivindicação, o autor tem o ónus de alegar os factos constitutivos do direito de propriedade sobre a coisa de que se arroga titular; donde já sabe bem o que é seu e, por isso, impõe-se que defina, delimite, aquilo que lhe pertence para além de descrever a concreta ofensa feita a esse direito por quem foi demandado.
III - Na ação de demarcação, o autor, de forma bem distinta, requer junto do tribunal que este demarque (delimite) o seu prédio no confronto com aquele que lhe é adjacente; nesta ação será o tribunal, não o autor, que virá finalmente a elucidar a área e os limites do prédio que o autor possui. Aqui visa-se pôr fim a um estado de incerteza sobre a localização da linha divisória entre dois (ou mais) prédios, dúvida essa que o autor também partilha.
IV – Este tipo de ações e decorrentes pedidos formulados resultam incompatíveis entre si e, como tal, desembocam na ineptidão da petição inicial que os tenha cumulado por igual.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 500/20.6T8ALB.P1
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Acórdão
I – Relatório
B… e mulher C… e D… propuseram a presente ação declarativa de processo comum contra E…, Lda. com sede em …, Zona Industrial de …, na qual termina peticionando que:
a) se reconheça o direito de propriedade dos Autores sobre o prédio urbano identificado no artigo 1º desta petição;
b) se ordene a demarcação dos limites entre o prédio dos Autores acima mencionados e o prédio da R ;
c) se condene a R. a desocupar a área do prédio pertencente aos A.A. e de que ilicitamente se apropriou, demolindo as construções  efetuadas e repondo a área em causa nas condições em que se encontrava antes dos trabalhos de construção civil por si efetuados;
d) se condene a R. a pagar aos Autores, a título de indemnização pelos danos causados na sua propriedade com a destruição de vedações, destruição de culturas e privação do uso parcial da mesma e com a sua consequente desvalorização, a quantia de €15.000,00 (Quinze mil euros), acrescida dos juros de mora à taxa legal que se vencerem desde a citação e até integral pagamento.
Alegam, em síntese breve, serem co-proprietários de um prédio e que a ré o invadiu e ocupa ilicitamente, causando prejuízos cuja indemnização igualmente se peticiona.
A ré contestou impugnando os factos alegados pelos AA. e alegando estarem as áreas dos prédios em causa demarcadas, não tendo ocorrido qualquer invasão.
Após a mesma, o tribunal “a quo” veio entender que “analisada a petição inicial apresentada, constata-se que a mesma suscita uma questão do conhecimento oficioso do tribunal que acarreta uma nulidade, nos termos dos arts. 186.  e 196.  CPC, afigurando tratar-se de um caso de ineptidão da petição inicial”.
Deste modo, proferiu a sentença que se transcreve na respetiva parte dispositiva:
Face ao exposto e dada a manifesta ineptidão  da petição inicial, declaro assim a nulidade de todo o processo, não conhecendo do pedido, e em consequência absolvo a R da instância (art. (art.186 /2 a) e c) e art. 278 /1 b) e CPC).
Custas a cargo do AA. (art.527 /1 CPC).
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Inconformado, F…, cessionário dos autores, deduziu o presente recurso apresentando as seguintes conclusões:
A) – É interposto recurso de apelação da sentença proferida pela Mma. Juíza “a quo” que pôs termo ao processo, por entender ser manifesta a ineptidão da petição inicial declarando assim a nulidade de todo o processo, não conhecendo do pedido e em consequência absolveu a Ré da instância, decisão com a qual o ora Apelante, não se conforma;
B) – No entender do Apelante, a Mma.  Juíz “a quo” fez uma incorreta interpretação da lei aplicável ao caso “sub judice” ao decidir pôr termo ao processo após os articulados das partes e antes da audiência prévia;
C) – Os A.A. na sua petição inicial pedem o reconhecimento do seu direito de propriedade sobre o prédio urbano identificado no art. 1 deste articulado, tal como por ele configurado no art. 1311 do Código Civil;
D) Os A.A., na presente ação não se limitam a pedir a colocação de marcos nas estremas do seu prédio e do da R. por os seus limites não estarem definidos;
E) A Ré em lugar nenhum da sua contestação, alega a ineptidão da petição inicial ou qualquer outra exceção, limitando-se a impugnar os factos articulados pelos A.A.;
F) Nos termos do art. 6º, nº 2 do Código de Processo Civil, a Mma. Juíza “a quo” devia providenciar oficiosamente pelo suprimento da falta de pressupostos processuais suscetíveis de sanação, com a preocupação de contribuir para a realização efetiva da função processual mediante a emanação da decisão de mérito, o que não fez.
G) Se a M.  Juíza “a quo” entendia que os A.A. na P.I., não identificaram suficientemente a parcela de terreno do seu prédio ocupada ilegalmente pela R , deveria tê-los convidado a faze-lo em obediência à norma legal atrás citada e de acordo com o poder/dever estatuído no art  590, nºs 2 a 4 inclusive, do Código de Processo Civil;
H) Por economia processual e na sequência lógica do seu primeiro pedido, os A.A. pediram que fosse restabelecida a linha divisória até à existente entre os dois prédios e que se encontrava delimitada por esteios e rede de vedação, fixando-se definitivamente e de forma clara, os limites de ambas as propriedades, não vendo aqui qualquer incompatibilidade entre o primeiro pedido e este;
I) Como ensina a melhor doutrina processual e de acordo com os princípios de celeridade e economia processual que subjazem ao CPC em vigor, deve cada processo resolver o máximo possível de litígios;
J) Com a revisão do Código de Processo Civil operada pelo Dec.-Lei n  329-A/95 de 12/12, foi extinto o processo especial de arbitramento, passando a ação de demarcação tal como a ação de reivindicação a seguir a mesma forma de processo, ou seja, a de processo comum de declaração, pelo que mesmo que os A.A. configurem a cumulação de dois tipos de ações distintas, estas, face ao atual quadro legislativo são perfeitamente compatíveis e podem até ser complementares;
K) Apesar da jurisprudência citada pela M.  Juíza “a quo” com a qual fundamentou a sua decisão, também existe jurisprudência em sentido contrário ao do Acórdão do Tribunal de Guimarães por esta citada, nomeadamente o Acórdão da Relação de Coimbra de 10/02/2009 (Processo 554/06.8TBAND.C1), onde se escreve que nada obsta a que se cumulem pedidos típicos da ação de reivindicação com a pretensão deduzida com vista  à demarcação dos dois prédios confinantes ou contíguos;
L) No entendimento do Apelante, não há qualquer motivo substancial ou processual que obste a que numa ação declarativa de condenação sobre a forma de processo comum, sejam apreciados os pedidos que formula na sua petição inicial, pois não são incompatíveis entre si, nem contraditórios e nem correspondem a formas processuais distintas;
M) A M  Juíza “a quo” ao julgar a petição inicial inepta, declarando a nulidade de todo o processo, não conhecendo do pedido e em consequência absolvendo a R  da instância (art. 186 /2 a) e c) e art  278 /1 b) do C.P.C.), pelos motivos expostos na sentença, violou o disposto nos artigos 6, n. 2, 555, 590, nº 2 a 4 inclusive, todos do C.P.C.
Termina peticionando que seja dado provimento ao presente recurso, revogando-se a decisão recorrida e substituindo-a por outra que ordene o prosseguimento dos presentes autos, convidando-se eventualmente o Apelante a corrigir e completar a petição, se assim for entendido por necessário, com vista à realização da audiência final e obtenção de uma decisão de mérito.
II – Delimitação do objecto do recurso; questões a apreciar.
O objecto do recurso é delimitado, no essencial, pelas conclusões das alegações do recorrente. Assim, temos em causa nos autos, a questão de apurar da eventual ineptidão da petição inicial.
III -Fundamentação de Direito
O tribunal apelado entendeu acionar, após cumprir o contraditório, a exceção dilatória de ineptidão da petição inicial com a consequente absolvição da instância da demandada.
Fê-lo assente em duas causas que, no seu entendimento, implicam tal consequência insuscetível de refazimento.
Deste modo, entende que os AA. em momento algum identificam ou descrevem as concretas áreas que estariam a ser ilicitamente ocupadas pela R, “limitando-se a dizer, sem mais, que a Ré ocupou áreas do terreno dos AA.”. Além disso, entendem ainda verificado um outro vício insanável: o da cumulação de pedidos substancialmente incompatíveis, um pedido de demarcação concomitante com um pedido de reivindicação.
Já vimos como o apelante, por sua vez, defende que, caso o tribunal recorrido tivesse entendido existir uma carência de identificação da área em litígio, deveria, nos termos do art. 6º, nº 2 do Código de Processo Civil, ter providenciado oficiosamente pelo suprimento dessa falta, convidando os autores nesse sentido; quanto ao segundo item, argumenta que os pedidos formulados não são incompatíveis entre si, não são contraditórios e não correspondem a formas processuais distintas.
No que concerne à questão de dever, ou não, convidar-se o autor a corrigir a petição formulada, importa, a nosso ver, proceder a uma clarificação conceptual. É que a ineptidão da petição inicial determina, de acordo com o art. 186º, nº1, do Código do Processo Civil (CPC), a nulidade de todo o processo, vício esse de conhecimento oficioso (art. 196º), até à prolação do despacho saneador (art. 200º, nº 2, do CPC), o qual constituiu uma excepção dilatória (artigo 577. alínea b) do CPC); daqui decorre que a ineptidão é insuprível e não pode ser ultrapassada, em termos gerais, por força de um despacho de correção a ser proferido pelo tribunal.
Apenas a petição deficiente pode (deve) ser objeto de correção.
Ponto será apurar, desde logo, se a petição enferma de mera deficiência ou é simplesmente inepta.
Miguel Teixeira de Sousa, em Estudos sobre o novo Processo Civil, pg. 304, diz-nos que “o articulado é deficiente quando contenha insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto (cf. art.º 508.º, n.º3), isto é, quando nele não se encontrem articulados todos os factos principais ou a sua alegação seja ambígua ou obscura”.
Como se elenca na distinção contida no art. 5º do Código do Processo Civil (CPC) os factos podem ser classificados como essenciais e como instrumentais ou complementares.
Deste modo apenas a omissão de factos essenciais conduz à ineptidão da petição e ainda que essa omissão ocorra sempre se deverá aproveitar aquela quando o facto constitutivo da causa de pedir possa ainda ser “complementado ou concretizado” (art. 5º, nº3, do CPC) – vide, desenvolvidamente, no mesmo sentido, o Ac. desta Relação de 21.11.2019, processo nº 20935/18.3T8PRT.P1, em dgsi.pt.
Pois bem. A efetiva localização da faixa de terreno ocupada indevidamente em parte do logradouro ainda pode ser, a nosso ver, materializada através da concretização dessa parcela a partir do que consta da planta topográfica junta aos autos como Doc. nº 13 e na parte que confina com a Ré.
Donde, tendo sido devidamente alegada a aquisição originária e resultando possível a definição da área do prédio reivindicado a partir do alegado no petitório em conjunto com o teor dos documentos juntos, não se vislumbra estar perante um vício fulminante como o decretado.
Repare-se que esta definição da parcela de logradouro apropriada resulta igualmente discernível pela circunstância de estar em causa a reposição de uma situação anterior que se encontrava bem definida; assim, no artigo 18º da p.i. explica-se que se pretende a reposição do prédio dos A.A. nos limites e condições existentes antes do início do início dos referidos trabalhos de construção civil com a decorrente ocupação do espaço em causa.
A planta identificada em 229/233 explicita quais os limites do prédio reivindicado a partir da alegação objetiva e completa de que o mesmo tem uma área total de 1281 m2.
Finalmente, temos que a própria ré terá discriminado, na sua perceção, o que está em causa quanto à dita ocupação que não aceita. Assim, leia-se como a mesma explica que o prédio surge, designadamente nos documentos juntos pelos autores, como tendo uma área retificada de 1.281 m2 quando “sempre teve a área de 570 m2”. Ou seja, estaria em litígio uma área de 711 m2 que, na versão da requerida, os autores arrogam pertencer ao seu prédio quando assim não seria.
Uma outra vez, conclui-se que está devidamente alegado o essencial que permitiria prosseguir com a presente ação ainda que com um convite clarificador por parte do tribunal no sentido de explicitar com rigor a parcela do logradouro em litígio que os mesmos entendem ser sua. Naturalmente que essa definição resultará da cuidada descrição dessa área – possivelmente os tais 711 m2 em confronto – a qual estaria alegadamente demarcada e sinalizada antes do derrube dos esteios e rede por parte da Ré.
Perante a alegação que entendemos como suficiente, plasmada no petitório e devidamente complementada com as plantas e fotografias juntas, considerando estar em causa uma ocupação que terá implicado a destruição de redes e esteios presentes no local, delimitando-o objetivamente, e finalmente tendo em conta a posição assumida pela ré a qual, claramente, afirma ter o prédio dos requerentes uma área total não superior a 570 m2 contra os pretendidos 1281 m2 reivindicados, concluímos, neste segmento, estar perante uma petição possivelmente deficiente mas não passível de ser qualificada como inepta.
Todavia, importa ainda analisar um segundo fundamento invocado na douta sentença que remete para uma cumulação incompatível de pedidos: um pedido de demarcação e um pedido de reivindicação.
Ora, neste segmento, partilhamos da apreciação do tribunal da primeira instância: a nosso ver, resultam manifestamente incompatíveis os pedidos formulados nas alíneas a) e b).
Na verdade, na ação de reivindicação o autor tem o ónus de alegar os factos constitutivos do direito de propriedade sobre a coisa, no caso, imóvel, de que se arroga titular; por isso, sabe o que é seu e deve, naturalmente, definir, delimitar aquilo que lhe pertence para além de descrever a concreta ofensa a esse direito.
Na demarcação, o autor, de forma diversa, requer junto do tribunal que seja demarcado (delimitado) o seu prédio no confronto com aqueles que lhe é adjacente; nesta ação será o tribunal, não o autor, que virá a definir a área e os limites do prédio que possui.
A norma do art.º 1353º do Código Civil consagra o direito potestativo do dono de um prédio obter o concurso dos donos dos prédios vizinhos para a demarcação das estremas entre o seu prédio e o deles. Como resulta do artº 1354º, nº 2, do Código Civil, o direito a demarcar prédios não depende da invocação de uma linha de demarcação decorrente dos títulos na medida em que estes podem não lograr determinar os limites do prédio ou a área pertencente a cada proprietário. Na verdade, desde que se verifique a confinância de prédios pertencentes a proprietários diferentes e inexista linha divisória entre eles, ocorre imediatamente o direito de demarcação, podendo a divisão da área conflituante ser resolvida pelos títulos de cada um ou, sucessivamente, pela posse ou por outros meios de prova; no limite, não podendo ser resolvida por nenhum desses meios, será equitativamente dividida pelos proprietários confinantes.
Deste modo, conclui-se que “das duas, uma: ou o reivindicante está certo de que o terreno que reivindica é, todo ele, parte integrante do seu prédio, ou afirma que são incertos ou desconhecidos os seus limites e então já não é a acção de reivindicação que deve propor.” (citamos Acórdão desta Relação de 25 de Janeiro de 2021, processo nº 4029/18.4T8STS.P1, também acessível em dgsi.pt).
Neste segundo caso, em que existe uma dúvida sobre a configuração do prédio, é que se perfila a ação de demarcação.
Ora, no caso em apreço, os autores, como se lê no relatório acima, peticionam, ao mesmo tempo e de modo inconciliável, que se reconheça o direito de propriedade dos Autores sobre o prédio urbano identificado no artigo 1º desta petição mas também que se ordene a demarcação dos limites entre o prédio dos Autores acima mencionado e o prédio da Ré.
Porém, não basta afirmarmos esta incompatibilidade.
Torna-se necessário apurar do contexto em que a mesma foi articulada pela parte no âmbito do princípio de gestão processual hoje imposto ao tribunal, designadamente quando a lei estabelece o dever de o juiz providenciar “oficiosamente pelo suprimento da falta de pressupostos processuais suscetíveis de sanação, determinando a realização dos atos necessários à regularização da instância ou, quando a sanação dependa de ato que deva ser praticado pelas partes, convidando estas a praticá-lo” (artigo 6º, nº 2).
Vejamos se tal resulta possível, como pretende o recorrente, a partir do modo como surge configurada esta ação.
Alegam os autores que, por si e pelos seus antecessores, estão, há muitos anos, ininterruptamente, na posse, em toda a sua extensão e área, enquanto comproprietários de um prédio composto de casa da habitação de dois andares, quatro dependências e logradouro sito na Rua …, no …, freguesia de …, inscrita na matriz predial urbana desta freguesia sob o artigo 338, conforme descrição da Conservatória do Registo Predial de … sob o n  6376/20040830.
Essa posse reuniria as características de uma posse usucapível, pelo que teriam adquirido, conforme invocam, o direito de propriedade sobre esse prédio.
Após alegam que em meados de Março de 2019, a R. iniciou, no seu prédio, trabalhos de construção civil neles se incluindo trabalhos de terraplanagem para a implantação de edifícios destinados a armazéns, parqueamento de viaturas e muro de vedação. Só que, alegadamente, ao faze-lo, invadiu a propriedade dos autores, identificada no art. 1º da petição inicial, ocupando ilegalmente parte do seu logradouro, com a colocação de materiais de construção e o denominado estaleiro da obra, destruindo a vedação em rede existente e arrancando os esteios de cimento que delimitavam ambas as propriedades.
Por isso, os autores pedem que se reconheça o direito de propriedade sobre o prédio urbano identificado no artigo 1º desta petição e, como decorrência desse direito, pedem, na alínea c), que se condene a ré a desocupar a área do prédio pertencente aos A.A. e de que ilicitamente se apropriou, demolindo as construções efetuadas e repondo a área em causa nas condições em que se encontrava antes dos trabalhos de construção civil por si efetuados.
Daqui decorre que, para os autores, o prédio com logradouro incluído é propriedade sua, concluindo-se não existir incerteza ou indefinição quanto aos limites dos dois prédios. Aliás, isso mesmo é reafirmado nas doutas alegações de recurso do cessionário onde se pode ler expressamente que “no entender do Apelante, ele não tem dúvidas sobre quais são os limites da sua propriedade” (sublinhado nosso).
Como procuramos explicar acima também a ré compreendeu bem o que está em causa e também ela está segura sobre quais as áreas de cada um dos prédios em litígio. Por isso, articula que são os autores que pretendem usurpar um terreno que é parte integrante do seu prédio. Deste modo, alega mesmo existir um conluio entre os autores e outro proprietário confinante para se apoderarem em conjunto de mais de 2.000 m2 de terreno pertencente à ré.
Dir-se-á, portanto, que para todos os litigantes o que está em apreço é uma disputa sobre uma faixa de terreno, localizada, que ambos invocam como sua; não se discutem os limites prediais mas sim a titularidade do direito de propriedade sobre uma definida faixa de terreno.
Todavia no que constitui, a nosso ver, uma contradição com o que foi peticionado, os mesmos autores acabam por acolher a tese de ser controvertida a linha de demarcação entre os dois prédios.
Neste sentido, escrevem no petitório ser “necessário definir claramente uma linha de demarcação entre os prédios dos A.A. e da R., que são confinantes” e, mesmo já em sede de alegações recursivas, reitera o apelante pretender que “fique claramente definido o limite da sua propriedade”.
Dir-se-á que, à luz do que representa o pedido de demarcação e com as implicações decorrentes, o recorrente admite que, diferentemente do que começou por afirmar, pode não ser proprietário daquela parcela de terreno na sua totalidade; só assim se poderá entender o pedido de que sejam fixadas as estremas dos prédios pelo próprio tribunal.
O recorrente, alertado pela decisão absolutória da 1ª instância, alega que, “de acordo com o princípio da economia de processos e de litígios, podia formular nesta ação os pedidos que peticionou” sendo que “se se entendesse que o terreno (logradouro) em causa não era dos A.A., teríamos a situação absurda destes terem que propor uma ação de reivindicação para posteriormente proporem nova ação de demarcação se tivessem ganho de causa na primeira”.
Só que, no caso concreto, a procedência de reconhecimento do direito de propriedade com a consequente restituição da parcela de terreno reivindicada excluiria a necessidade de demarcação a qual, repita-se, se tornaria incompatível por existir uma certeza apurada quanto à delimitação dos dois prédios confinantes, pressuposto para intentar uma qualquer ação de demarcação.
Aliás, a mesma conclusão ocorreria caso se viesse a determinar que a parcela disputada é parte integrante do prédio do réu e não do prédio da autora nomeadamente porque a área do prédio dos autores tinha 570 m2, ou outra área que se viesse a determinar, em lugar dos 1.281 m2 reivindicados (vide nomeadamente a planta topográfica junta pelos autores acima recenseada).
Assim se evidencia a incompatibilidade substancial, não só dos pedidos formulados, mas também das causas de pedir em que se sustentam; estamos perante dois pedidos que, inelutavelmente, implicam efeitos jurídicos que mutuamente se repelem.
Não cabe ao tribunal substituir-se à parte e escolher apenas um deles, em detrimento do outro; igualmente, não se vislumbra como um convite para aperfeiçoamento poderá obstruir a tal inconciliabilidade presente na petição formulada.
E com este desfecho julgamos, em síntese final, dever partilhar a decisão do tribunal “a quo”, quanto a este segundo fundamento, julgando procedente a exceção de nulidade de todo o processo por ineptidão da petição inicial.
IV – Decisão
Pelo exposto, decide-se julgar improcedente o recurso deduzido, confirmando-se a sentença em apreço.
Custas pelo recorrente.

Porto, 13 de Julho de 2021
José Igreja Matos
Rui Moreira
João Diogo Rodrigues