Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
4920/17.5T8VNG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ARISTIDES RODRIGUES DE ALMEIDA
Descritores: PROCURAÇÃO
REPRESENTAÇÃO SEM PODERES
RATIFICAÇÃO
MORTE DO REPRESENTADO
Nº do Documento: RP202304204920/17.5T8VNG.P1
Data do Acordão: 04/20/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 3. ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - No caso da procuração simples ou não conferida também no interesse do procurador, se o procurador não demonstra que apesar da morte do representado a relação que serve de base à procuração subsiste ou que a vontade deste era que a procuração subsistisse, a procuração extingue-se com a morte do representado.
II - A ineficácia decorrente da representação sem poderes é sanável, com efeitos retroactivos, por ratificação do representado.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: RECURSO DE APELAÇÃO
ECLI:PT:TRP:2023:4920.17.5T8VNG.P1
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SUMÁRIO:
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ACORDAM OS JUÍZES DA 3.ª SECÇÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO:

I. Relatório:
AA, contribuinte fiscal n.º ..., residente em ..., Albergaria-a-Velha, na qualidade de única herdeira e sucessora de BB, instaurou acção judicial contra CC, contribuinte fiscal n.º ..., advogado, com escritório em Aveiro, DD, contribuinte fiscal n.º ..., e mulher, EE, contribuinte fiscal n.º ..., e filho FF, contribuinte fiscal n.º ..., estes residentes em ..., Aveiro, formulando contra estes os seguintes pedidos:
«“Em consequência, e em razão da ineficácia” face à autora do negócio celebrado em 5 de Junho de 2009 e referido nos arts 31º e 32º da petição inicial e “em razão da simulação (ou subsidiariamente da ineficácia” face à autora) do negócio celebrado em 25 de Março de 2011 e referido no art. 73º da petição inicial (reportado à escritura pública de compra e venda e mútuo com hipoteca e fiança e à escritura pública de mútuo com hipoteca e fiança junta a 23 de Setembro de 2020):
a) se declare que o imóvel inscrito na matriz sob o artigo ...46 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia sob o nº ...10, o imóvel inscrito na matriz sob o artigo ...47 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia sob o nº ...09 e o imóvel inscrito na matriz sob o artigo ...48 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia sob o nº ...78, pertencem à herança ilíquida e indivisa deixada por morte de BB e, por essa razão, à autora, única e universal herdeira daquele;
b) se ordene o cancelamento: - da inscrição efectuada por intermédio da Ap. ...36 de 2009/06/16, e das que eventualmente lhe sucedam, na descrição predial nº ...22 …; - das inscrições efectuadas por intermédio das Ap. ...36 de 2009/06/16, Ap. ...54 de 2011/03/25, Ap. ...55 de 2011/03/25 e Ap. ...56 de 2011/03/25 e seus averbamentos, e das que eventualmente lhes sucedam, na descrição predial nº ...22 …; - da inscrição efectuada por intermédio da Ap. ...36 de 2009/06/16, e das que eventualmente lhe sucedam, na descrição predial nº ...06 ….»
Para o efeito, alegou, em sumula, que os imóveis em questão foram adquiridos entre 1980 e 1983 pelo seu pai, BB, que deles usufruiu até ao seu falecimento, ocorrido em 30 de Maio de 2009, pelo que sempre os teria adquirido, também, por usucapião, tendo a autora passado a administrar os bens da herança após a morte daquele, nomeadamente procedendo à manutenção dos referidos imóveis. Porém, em Setembro de 2011, a autora tomou conhecimento de uma escritura de compra e venda outorgada no dia 5 de Junho de 2009, 6 dias após o falecimento do seu pai – facto conhecido dos 1º e 2ºs réus -, na qual o 1º réu, invocando a qualidade de procurador do pai da autora, vendeu aos 2ºs RR, pelo preço global de € 345.000,00 os três imóveis em questão, aí constando que o vendedor já “recebeu a quantia de trezentos e trinta e seis mil e quinhentos euros, sendo o restante a pagar em dezassete prestações mensais de quinhentos euros, cada uma, a primeira com o vencimento no dia oito de Julho de dois mil e nove e as restantes no mesmo dia dos meses seguintes, até integral pagamento, ou seja a última prestação no dia oito de Novembro de dois mil e dez”; e que as rendas pagas pela arrendatária do rés-do-chão do prédio com o número ...2 de polícia, descrito na verba dois da escritura serão recebidas pelo vendedor até à data do integral pagamento do preço total dos bens. A procuração de que o 1º réu se serviu para outorgar a escritura tem data de 20/02/2004, sendo que nessa ocasião o pai da autora apresentava já um quadro clínico de demência e não se encontrava em condições de outorgar a procuração, facto que era do conhecimento dos 1º e 2ºs réus.
Alegou ainda que no ano de 2011, para obterem um financiamento de forma vantajosa, os 2ºs réus combinaram com o 3º réu, seu filho, outorgar uma escritura de compra e venda do imóvel inscrito na matriz sob o artigo ...47, declarando aqueles vender o imóvel a este, mas sem terem qualquer intenção de vender e comprar, e sem que tenha sido pago qualquer preço, apenas pretendendo obter empréstimo no âmbito do regime geral do crédito à habitação por parte do Banco Interveniente, relativamente ao qual foi constituída hipoteca, e gozar de um regime fiscal de excepção, sendo o 3º réu conhecedor da morte do pai da autora e das condições de celebração da escritura de 05/06/2009.
Os réus CC e DD contestaram, pugnando pela improcedência da acção. Para o efeito, arguiram a excepção de ilegitimidade passiva, por não se encontrarem nos autos o Banco a favor do qual está registada hipoteca sobre um dos imóveis em causa e a esposa do 3º réu; mais impugnaram os factos alegados pela autora sustentando que esta actua em abuso de direito e litiga de má fé porque teve conhecimento dos negócios realizados e recebeu desde Junho de 2008 as prestações do preço em dívida até ao seu integral pagamento, tendo até em 2011 subscrito um documento a renunciar a invocar qualquer vício que pudesse pôr em causa a transmissão dos prédios, com o que criou naqueles réus a convicção de que a venda era válida e a autora assim a considerava, tendo tido ainda conhecimento da venda ao 3º réu e da comunicação à inquilina do nº 32 para passar a pagar as rendas ao réu DD.
A ré EE não contestou. Não foi admitida a contestação do réu FF.
Foi chamado à acção a título de parte principal passiva o Banco 1..., S.A., o qual apresentou articulado próprio, impugnando os factos alegados na petição inicial e invocando ser terceiro de boa fé, desconhecendo as circunstâncias dos negócios realizados pelos réus, não lhe podendo ser oposta qualquer nulidade do negócio celebrado entre os 2ºs e o 3º réus, devendo manter-se a hipoteca constituída e registada.
Realizado julgamento foi proferida sentença, tendo a acção sido julgada improcedente e os réus e o interveniente principal absolvidos dos pedidos.
Do assim decidido, a autora interpôs recurso de apelação, terminando as respectivas alegações com as seguintes conclusões:
1- Perante a factualidade provada [factos 1), 15) e 16)] não restam dúvidas que a escritura de compra e venda outorgada pelo réu CC, na qualidade de procurador de BB, foi celebrada 5 dias após a morte deste.
2- A procuração, cuja cópia certificada consta de fls. 70 a 72, é uma procuração geral, típica, sem qualquer especificidade quanto aos interesses a salvaguardar e sem visar assegurar, complementarmente aos interesses do subscritor, quaisquer interesses de terceiro ou do próprio procurador, não decorrendo do seu conteúdo qualquer irrevogabilidade natural ou convencional.
3- Era uma procuração com atribuição ao procurador de poderes gerais e cujo texto não reflecte qualquer interesse específico que importasse salvaguardar, a não ser o do próprio subscritor de se fazer representar em actos jurídicos relativamente aos imóveis referidos nos factos provados 3 a 5.
4- Os arestos do Supremo Tribunal de Justiça em que se afirma a persistência de efeitos da procuração depois do óbito do seu subscritor têm sempre subjacentes procurações de natureza irrevogável ou estabelecidas no interesse declarado do procurador ou de terceiros, espécies bem diversas daquela com que agora nos defrontamos nos autos e na qual não foi aposta qualquer salvaguarda especial.
5- O Tribunal “a quo” baseia a sua perspectiva no acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 07/01/2016, processo n.º 111/13.2TBVNC-G1, esquecendo-se, contudo, que esse acórdão foi alvo de recurso de revista, tendo o Supremo Tribunal de Justiça (acórdão de 14/07/2016) revogado tal decisão, precisamente por considerar, numa situação em tudo semelhante com a dos presentes autos, que só nos casos em que as procuração visam assegurar complementarmente interesses de terceiro ou mesmo do próprio procurador é que se pode defender a persistência dos seus efeitos para além da morte do subscritor.
6- Uma vez que o procurador, aquando da escritura pública de venda daqueles imóveis, já não detinha poderes que legitimassem a sua intervenção na venda dos imóveis, em representação do falecido, tudo se passa como se tivesse existido alienação de bens alheios.
7- Em resultado dessa situação, depara-se-nos a ineficácia da venda em relação à autora, na qualidade de sucessora do falecido (arts. 892º, 1408º e 1404º do CC), o que determina para os réus a restituição dos imóveis à herança do de cujus.
8- Mesmo que a morte do dominus não tivesse determinado a extinção da presente procuração, não se poderia dizer que houve transmissão da posição do dominus para a autora, na qualidade de sua sucessora, na medida em que só a 23/09/2011 é que a autora tomou conhecimento da venda referida nos factos provados 16 a 18, sendo que na P.I. (artigo 38.º) refere que foi pela consulta da escritura que veio a tomar conhecimento da utilização dessa procuração (facto que não se encontra nem na factualidade provada nem não provada), pelo que não é defensável que a autora pudesse exercer todos os direitos da titularidade do dominus nos mesmos moldes em que este o pudesse fazer.
9- Embora a invalidade da primeira venda afecte os negócios subsequentes, o certo é que os factos não provados i), j), l), m), n), o) encontram-se mal julgados.
10- Nos termos do artigo 874.º do Código Civil, para existir uma compra e venda é elemento essencial o preço; acontece que nos presentes autos, os réus DD e esposa não provaram o pagamento dos €345.000,00.
11- Veja-se que o réu CC declarou ter já recebido €336.500,00, sendo que os restantes €8.500,00 seriam pagos em prestações de €500,00. Contudo, as rendas que estavam a ser pagas pela inquilina continuavam a ser recebidas pela autora (tendo sido declaradas no seu IRS) – factos provados 17), 18) e 21).
12- A alegação de que os pagamentos foram “essencialmente em numerário” não é crível uma vez que tal montante certamente deixaria marcas nas contas bancárias de um e/ou de outro dos contratantes, sendo certo que nada na conta bancária que foi do finado pai da autora revela tal possibilidade.
13- Analisadas as declarações de IRS dos réus DD e esposa (que se encontram nos autos) conclui-se que os mesmos não têm rendimentos que totalizem sequer o montante de €10.000,00 anuais, e não tendo feito os mesmos qualquer outra prova dos meios alegadamente utilizados para o pagamento do montante da compra, sempre teria o Tribunal “a quo” que concluir pela inexistência de um elemento essencial do contrato de compra e venda: o pagamento do preço.
14- Quanto ao primeiro negócio de compra e venda (facto provado 16), para além da ausência de poderes por parte do réu CC para alienar os prédios em causa; para além da ausência de pagamento do preço, ter-se-á de levar em conta o estado de demência no qual o falecido BB se encontrava quando outorgou a procuração àquele réu CC.
15- Quanto ao segundo negócio de compra e venda, previsto no facto 25), também o mesmo está manchado de invalidade.
16- Inicialmente, os 2.ºs réus/recorridos DD e esposa declararam vender o imóvel, inscrito na matriz sob o artigo ...47, ao 3.º réu/recorrido FF, seu filho, pelo montante de €162.000,00, que aqueles afirmaram já ter recebido [facto provado 26)]. No entanto, na sua contestação (nomeadamente artigos 48 e 49), vêm os 2.os réus dizer que o 3.º réu lhes pagou, do preço acordado (€162.000,00), apenas a parte correspondente e obtida com a hipoteca celebrada na mesma escritura (no valor de €37.000,00).
17- Analisando os documentos juntos pelo Banco 2..., percebe-se que €19.181,00 dos €37.000,00 emprestados pelo Banco foram destinados à liquidação de um crédito prévio, o que demonstra que este negócio foi uma mera aparência formal de compra e venda, em que os 2.º réus nada receberam do 3.º réu, procurando-se, apenas, a obtenção de um empréstimo mais vantajoso e a liquidação de um crédito anterior.
18- Apesar de ter pedido, inicialmente, 2 empréstimos [factos provados 27) e 31)], o 3.º réu não chegou sequer a usufruir de qualquer montante do segundo empréstimo (no valor de €59.000,00, que se destinava a obras de beneficiação da sua habitação), como resulta da própria confissão dos 2.os réus no artigo 50 da sua contestação e do depoimento de GG (gravado através do sistema digital conforme acta da audiência de Julgamento de 15/02/2022, com início às 16:42:07 e fim às 16:50:12, com relevância para aqui dos minutos 05:45 aos 06:10).
19- Não se produziu qualquer prova que demonstrasse que, efectivamente, o pagamento do preço de €162.000,00 havia sido feito pelo recorrido FF aos recorridos DD e EE sendo que, consequentemente, não se verifica o pagamento do preço.
20- Para além de do contrato previsto no facto 25) na sua génese ter um outro contrato de compra e venda nulo (por venda de coisa alheia), também ele padece do mesmo vício por simulado, já que não passou de um esquema por parte dos recorridos, com vista a criar uma aparência da existência de um terceiro de boa-fé, para se impossibilitar a invalidação do mesmo.
21- O recorrido FF, efectivamente, nunca teve intenções de adquirir o prédio para si e, muito menos, para a sua habitação própria permanente, o que é reforçado pelo facto de ter «alterado o seu projecto de vida» e de não ter sequer procedido às obras e transformações do local.
22- A consciência da invalidade de todos estes negócios está espelhada na declaração que o réu DD (pai do réu FF) obrigou a autora a assinar no dia 23 de Setembro de 2011 (facto 34).
23- O contrato promessa de compra e venda, quando está em causa a transmissão de um direito real, nos termos do artigo 410º, n.ºs 2 e 3 do Código Civil, está obrigado a respeitar os requisitos formais, nomeadamente, ser realizado por escrito, com reconhecimento presencial das assinaturas do promitente ou promitentes, a par da certificação, pela entidade que realiza aquele reconhecimento, da existência da respectiva licença de utilização ou de construção.
24- Só após ordem do Tribunal é que os recorridos vieram juntar aos autos o dito contrato promessa, alegadamente, assinado pelo pai da recorrente que, de forma conveniente, na sua cláusula 6.ª, prescinde do reconhecimento presencial das assinaturas.
25- Foi requerido o exame pericial à letra e à assinatura, dadas as manifestas dúvidas que as mesmas levantaram à autora, profunda conhecedora da assinatura do seu pai, que deu apenas como “provável” que tenha sido o pai da Recorrente a assinar tal documento, conclusão que não é passível de retirar qualquer certeza.
26- Esta incerteza conjugada com a junção tardia do documento (apenas aquando da solicitação do Tribunal); com a referência feita no mesmo de que “os outorgantes declaram prescindir mutuamente do reconhecimento presencial das suas assinaturas, pelo que renunciam à faculdade de invocar a invalidade deste contrato”; e com o modus de vida que o réu DD confessadamente afirmou ter (dono de um bordel ilegal), parece levantar sérias suspeições sobre a autenticidade de tal documento.
27- Segundo a cláusula 2.ª do contrato de promessa, a vigésima quarta (e última) prestação de 500€ seria paga a 8 do mês de Novembro de 2010, pelo que só a partir dessa data seria celebrado o contrato de compra e venda. O certo é que, antes daquela data e logo após a morte do pai da recorrente, os réus sentiram a necessidade de antecipar a formalização da compra e venda.
28- Por outro lado, de 2006 até 2008 não sentiram as partes necessidade de ser assinada qualquer declaração de quitação dos montantes alegadamente entregues, passando apenas a exigir à autora tal formalidade a partir de 2008, sob falsos pretextos e desculpas [ver neste sentido o depoimento de HH (que se encontra gravado, através do sistema digital conforme acta da audiência de Julgamento de 15/02/2022, com início às 14:35:33 e fim às 15:40:21, em concreto dos minutos 11:39 aos 12:44, 13:40 aos 16:19) e as declarações da autora (gravadas, através do sistema digital conforme acta da audiência de Julgamento de 21/03/2022, com início às 10:47:56 e fim às 12:43:06, em concreto para o que agora se discute minutos 53:45 aos 56:15)].
29- O facto provado 20), conjugado com as declarações da autora (dos minutos 03:09 aos 05:20) e os depoimentos das testemunhas II (cujo depoimento se encontra gravado, através do sistema digital conforme acta da audiência de julgamento de 15/02/2022, com início às 10:03:45 e fim às 10:50:44, em concreto minutos 08:30 aos 11:06, 15:02 aos 15:48), JJ (cujo depoimento se encontra gravado, através do sistema digital conforme acta da audiência de Julgamento de 15/02/2022, com início às 10:52:27 e fim às 11:02:34, em concreto minutos 03:01 aos 08:22) e HH (dos minutos 12:46 aos 13:39), demonstram que a autora, à data de 2009, estava certa que aqueles prédios (descritos de 3 a 5 da sentença) pertenciam à herança do falecido BB, cuja única herdeira era a mesma, razão pela qual mandou proceder a tais trabalhos (facturando-os no NIF da herança), agindo como uma verdadeira proprietária (o que efectivamente era) e no convencimento que não ofendia direito ou interesse legítimo alheio, sem qualquer oposição, nem mesmo dos aqui recorridos.
30- Decorre dos depoimentos das testemunhas KK (cujo depoimento se encontra gravado, através do sistema digital conforme acta da audiência de julgamento de 15/02/2022, com início às 11:03:33 e fim às 11:55:23, dos minutos 17:38 aos 18:13); II (dos minutos 22:24 aos 22:36) e das declarações da autora (minutos 32:10 aos 33:20, 46:26 aos minutos 47:54, 41:39 aos minutos 43:10) que sempre foi intenção do finado BB que os prédios passassem para a propriedade da sua filha.
31- Das declarações da autora (minutos 11:25 aos minutos 12:05; 13:12 aos minutos 13:32; 01:06:40 aos minutos 01:07:35) e do depoimento II (minutos 16:11 aos 19:05, 23:45 aos 24:54, 36:50 aos 37:29) resulta que, para além do medo que aquela tinha relativamente aos réus, a recorrente, em consequência das quezílias do divórcio pelo qual tinha passado, vinha a ser pressionada pelo seu ex-sogro para proceder ao pagamento da dívida que tinha para com ele e cujo prazo para pagamento era o final do mês de Setembro de 2011.
32- À data da assinatura da declaração mencionada no facto provado 34), a autora encontrava-se numa situação frágil, com uma «certa limitação do discernimento», sendo que vinha a sofrer de uma depressão profunda, agravada pela morte do seu pai, pelo divórcio conflituoso e pela situação de aperto financeiro que vivia (cf. documento 11 junto com a P.I.), do qual resulta que a autora já vinha sendo acompanhada pelo Dr. LL desde 2008, que verificou um agravamento da sua situação de depressão em 2009, com o falecimento do seu pai e com o processo de separação conflituoso em 2011, tendo sido apenas nos anos de 2016/2017 que começou a mostrar algumas melhorias no quadro clínico [declarações da autora minutos 14:23 aos minutos 15:35 e 16:15 aos minutos 17:15; depoimento da testemunha Dr. LL, gravado através do sistema digital conforme acta da audiência de Julgamento de 21/03/2022, com início às 10:00:09 e fim às 10:09:06, minutos 02:58 aos minutos 04:40, 06:39 aos minutos 07:00 e depoimento de KK, minutos 27:25 aos 31:51).
33- A recorrente nunca tinha tido conhecimento da venda do réu CC (em nome do seu pai) aos réus DD e esposa até ao dia em que se viu forçada a assinar a dita «declaração de compromisso» sendo que, mesmo aí, não ficou inteiramente a perceber o que se tinha passado, nunca tenho reconhecido o alegado negócio como válido (ver declarações da autora, dos minutos 20:10 aos minutos 23:20; 24:05 aos minutos 26:20; 59:15 aos minutos 01:00:00; 01:02:55 aos minutos 01:04:30 e depoimento de HH, dos minutos 06:10 aos 10:27, 30:34 aos 30:56).
34- Decorre ainda daquelas declarações e depoimento que, tanto a recorrente como o seu marido (à data) recebiam as rendas dos prédios em discussão convictos de que os mesmos faziam parte da herança, da qual a autora era a única beneficiária, e que aquele montante mensal servia para pagamento de uma renda derivada de um arrendamento e não de um qualquer contrato de promessa de compra e venda ou contrato de compra e venda.
35- Do documento 14 junto à Petição Inicial, e dos depoimentos das testemunhas KK (minutos 10:08 aos 10:57), Dr. MM (cujo depoimento se encontra gravado através do sistema digital conforme acta da audiência de Julgamento de 15/02/2022, com início às 12:13:33 e fim às 12:46:04, com destaque para os minutos 04:16 aos 18:41, 19:33 aos 31:26) e HH (minutos 19:38 aos 21:36), que o pai da autora estava incapacitado de forma total e definitiva para a administração da sua pessoa e bens desde, pelo menos 2002.
36- Retira-se do depoimento daquele médico psiquiatra que o pai da Recorrida padecia de uma demência que atingia a região fronto-temporal, pelo que era uma «demência que incapacita a pessoa rapidamente».
37- Mais, fica claro que este médico admite que oito anos antes do relatório por si elaborado (fls. 73 e 74) o falecido BB já deveria estar absolutamente incapaz, mas que seis anos antes daquele, «não há dúvidas, que já devia estar absolutamente incapaz. Aqui não há milagres».
38- Datando o relatório de fls. 73 e 74 do ano de 2008, significa que desde pelo menos 2002 o pai da recorrida se encontrava absolutamente incapaz de gerir a sua pessoa e património, pelo que nunca poderia de forma consciente ter outorgado a procuração ao réu CC em 2004.
39- As ditas “janelas de lucidez” nas quais a sentença se apoia para retirar a conclusão (errada) de que não é possível afirmar a incapacidade do pai da autora aquando da outorga da escritura não são colocadas como hipótese pelo Senhor Psiquiatra nos 6 anos anteriores ao exame que fez ao pai da recorrente, mas sim nos 8 anos antes.
40- Dos depoimentos de KK (minutos 13:29 aos 14:10), HH (minutos 18:22 aos 18:44), II (minutos 29:22 aos 29:41) e das declarações da autora (minutos 57:00 aos minutos 57:55 e minutos 01:48:28 aos minutos 01:49:10), embora não se retire a presença dos RR no funeral, decorre o conhecimento dos mesmos do falecimento do pai da autora, já que, para além dos papéis que publicitavam o falecimento terem sido afixados no estabelecimento do réu DD e EE, aquele deu os seus sentimentos à autora e à testemunha HH.
41- Não se compreende que o réu CC, na qualidade de procurador do falecido BB (e sendo Advogado), não tivesse, antes de celebrar o contrato de compra e venda, tentado entrar em contacto com o mesmo para lhe informar que iria ser celebrada a escritura e, principalmente, para saber se os pagamentos tinham sido todos efectuados.
42- Analisada toda a prova testemunhal e documental, podemos concluir que, nos termos da al. c), do n.º 1, do art. 640.º do Código de Processo Civil, a decisão que deveria ser proferida sobre os factos não provados d), f), g), h), i), j), l), m), n), o) e p) é a seguinte:
Factos provados:
d) No dia 23/09/2011 a autora tomou conhecimento da venda referida nos pontos 16 a 18;
f) O pai da autora havia sofrido um traumatismo crânio-encefálico antigo e encontrava-se num quadro clínico de demência, que o impossibilitava de administrar a sua pessoa e bens já pelo menos desde 2002, situação que era do conhecimento dos réus;
g) Em 2008 a autora viu-se obrigada a ponderar a interdição do seu pai, tendo mesmo dado os primeiros passos nesse sentido;
h) Aquando da celebração da escritura 1º e 2º réu sabiam que o pai da autora tinha morrido, ocultando à Senhora Notária esse facto;
i) No ano de 2011 os 2ºs réus pretenderam obter um financiamento e combinaram com o 3º réu, seu filho e com eles conivente, outorgar uma escritura de compra e venda, na qual aqueles declaravam vender a este o prédio aludido no ponto 4 pelo valor de €162.000,00, e este declarava que o imóvel se destinava a sua habitação permanente;
j) O 3º réu não pretendeu adquirir o aludido prédio, menos ainda para a sua habitação própria e permanente;
l) Os 2ºs réus não tiveram a intenção de vender aquele prédio;
m) Uns e outro combinaram entre si prestar aquelas declarações com a intenção de dar aparência de realidade ao negócio de compra e venda e à declaração de que o imóvel se destinava à residência própria e permanente do 3º réu, tendo em vista enganar o Banco e os serviços de finanças, para obtenção de um crédito no âmbito do regime geral de crédito à habitação, por ser mais favorável e de mais fácil acesso, e para gozar de um regime fiscal de excepção;
n) O 3º réu não procedeu ao pagamento de qualquer valor do preço nem os 2ºs réus receberam o valor de €162.000,00;
o) O 3º réu era conhecedor dos negócios dos pais, da morte do pai da autora e das condições decelebração da escritura de 5 de Junho de 2009;
p) No dia da celebração daquela escritura de compra e venda (23 de Setembro de 2011), numa sala existente no próprio Cartório Notarial de Aveiro da Dra. NN, o 2.º réu, antes da outorga da escritura, chamou a autora à parte e disse-lhe que a escritura em apreço só seria celebrada se a mesma assinasse uma declaração relativamente aos imóveis de Vila Nova de Gaia;
p.1) A autora não ficou com qualquer cópia dessa declaração, sabendo apenas que a mesma não foi reconhecida pela Sra. Notária NN, que nem sequer presenciou aquela conversa e respectiva assinatura;
p.2) A autora assinou aquela declaração porque se encontrava extremamente fragilizada, com uma depressão profunda agravada pela morte do seu pai e pelo divórcio conflituoso pelo qual tinha passado, precisando do dinheiro daquela venda para liquidar a dívida que tinha para com o seu ex-sogro.
43- Desde pelo menos 2002, atendendo ao documento n.º 14 junto à P.I. e ao depoimento esclarecedor e desinteressado do Sr. Dr. MM, o pai da autora encontrava-se total e definitivamente incapaz para a administração da sua pessoa e bens, pelo que, tendo a procuração (prevista no facto provado 15) sido outorgada por quem não tinha a capacidade de discernimento para compreender o alcance do seu conteúdo, nenhuma validade pode ser assacada à mesma e consequentemente ao negócio celebrado com base nesse instrumento.
44- A impugnação da matéria de facto e a circunstância assente de que o primeiro contrato de compra e venda (facto 16) foi celebrado por quem já não tinha poderes para o efeito (a morte do pai da autora invalidou a procuração passada por este ao réu CC), demonstram a ineficácia da venda, o que determina para os réus a restituição dos imóveis à herança do de cujus.
45- Mas produzem ainda um outro efeito: invalidar a aplicação ao segundo negócio (factos provados 25 e 26) da excepção ao princípio da retroactividade da declaração de nulidade e da anulação do negócio jurídico, prevista no artigo 291.º do Código civil.
46- De facto, para funcionar aquela protecção, a cadeia de negócios inválidos tem que ser iniciada pelo verdadeiro proprietário, não estando abrangida, no seu âmbito de aplicação, a situação em que um sujeito obtém um registo falso (no caso, réu DD) e aliena o bem a um terceiro (réu FF) – cf. Ac. do STJ de 19/04/2016, processo n.º 5800/12.6TBOER.L1-A.S1.
47- Mesmo que assim não se entendesse, nunca estariam verificados, face à prova produzida, todos os requisitos exigidos pelo artigo 291.º, para que o réu FF pudesse beneficiar desta excepção ao princípio da retroactividade: i) não se demonstrou o pagamento do preço e ii) não provou ser um terceiro de boa-fé (a lei exige a prova, pela positiva, do desconhecimento, sem culpa, do referido vício).
Nestes termos, e com o douto suprimento deste Venerando Tribunal, revogando a decisão em recurso, e julgando a acção totalmente procedente, Vªs. Exªs farão, como sempre, a habitual Justiça.
Os recorridos responderam a estas alegações defendendo a falta de razão dos fundamentos do recurso e pugnando pela manutenção do julgado.
Após os vistos legais, cumpre decidir.

II. Questões a decidir:
As conclusões das alegações de recurso demandam desta Relação que decida as seguintes questões:
i. Se a decisão sobre a matéria de facto deve ser alterada.
ii. Se a procuração conferida pelo pai da autora ao réu CC caducou por morte daquele.
iii. Se a venda dos imóveis pelo réu CC em nome do já então falecido pai da autora enferma de algum vício, qual e quais as suas consequências.


III. Impugnação da decisão sobre a matéria de facto:
A recorrente impugnou a decisão de julgar não provados os factos discriminados nas alíneas d), f), g), h), i), j), l), m), n), o) e p), defendendo que tais factos sejam julgados provados.
Mostram-se cumpridos de modo satisfatório os requisitos específicos desta impugnação, consagrados no artigo 640.º do Código de Processo Civil, pelo que nada obsta à apreciação da mesma.
Auditada a prova produzida nos autos, incluindo os documentos juntos e os depoimentos e as declarações gravadas, e sopesando a motivação da Mma. Juíza a quo, as alegações de recurso e a resposta às mesmas, lidas com a atenção que merecem, afigura-se-nos por bem decidir a impugnação nos termos que seguem.
O primeiro facto sobre que recai a impugnação («d. No dia 23/09/2011 a autora tomou conhecimento da venda referida nos pontos 16 a 18) parece provir do alegado no artigo 34.º da petição inicial («até àquele dia 23 de Setembro de 2011 nunca a Autora tinha tomado conhecimento daquela venda»).
Portanto, o que está em causa não é se a autora nessa data tomou conhecimento da venda (pelo menos nessa data tomou conhecimento: cf. facto 30), mas sim que apenas tomou conhecimento nessa data, isto é, se até esse momento desconhecia a sua celebração.
Encontram-se nos autos vários documentos juntos pelos réus com a contestação que se mostram assinados pela autora e, com excepção de um, também pelo seu marido, nos quais é feita referência ao pagamento do preço. A sua assinatura reiterada ao longo de um período de tempo alargado, mesmo em datas em que o pai da autora ainda se encontrava vivo, obriga a admitir que a autora saberia da existência de um acordo no sentido da venda dos imóveis ao réu DD, ainda que pudesse não conhecer os respectivos contornos.
Todavia, uma vez que a escritura de compra e venda apenas foi celebrada no dia 5 de Junho de 2009 (facto do ponto 16) e os documentos/recibos têm uma redacção comum ou praticamente idêntica em todos eles, mas alguns são anteriores à celebração da escritura, é forçoso deduzir que autora não podia ter tomado conhecimento através deles da celebração da escritura de compra e venda em 5 de Junho de 2009. Afinal de contas os documentos falam em venda e preço quando em boa parte do período por eles abrangido o que haveria era um contrato-promessa de venda e o pagamento de sinal.
Por conseguinte, da conjugação dos documentos é possível formar uma convicção suficiente para julgar provado o que a recorrente pretende, razão pela qual se adita à fundamentação de facto o seguinte facto:
«40- Foi no dia 23 de Setembro de 2011 que a autora tomou conhecimento da venda referida nos pontos 16 a 18.»
O facto seguinte relaciona-se com a saúde mental do pai da autora e a sua incapacidade para reger a sua pessoa e bens desde 2002 («f. O pai da autora havia sofrido um traumatismo crânio-encefálico antigo e encontrava-se num quadro clínico de demência, que o impossibilitava de administrar a sua pessoa e bens já pelo menos desde 2002, situação que era do conhecimento dos réus»).
As declarações da própria autora e dos seus familiares próximos (mãe, marido e sogro) são obviamente insuficientes para se julgar provado este facto, não apenas pela parcialidade que essa relação potencia, como, sobretudo, pelo teor das afirmações feitas, que não concretizavam os aspectos em que essa incapacidade se evidenciava, por exemplo nos anos de 2002 ou 2004, detectando-se, aliás, na facilidade com que respondiam às perguntas feitas e ao modo como estas eram colocadas uma absoluta falta de espontaneidade ou impreparação das respostas, que privam os depoimentos de muito do valor probatório que debalde a recorrente lhes assaca.
Resta somente o documento médico junto com a petição inicial como documento 14 e que é um texto do médico psiquiatra MM, o qual foi igualmente ouvido em audiência. A facilidade com que este médico declara que uma pessoa que está a ver pela primeira vez, com base no interrogatório que nessa data lhe faz e do relatório de uma TAC acabada de fazer, que a pessoa em causa está total e definitivamente incapacitado para reger a sua pessoa e bens «há, pelo menos meia dúzia de anos», é, no mínimo, desarmante.
Com efeito, uma vez que a incapacidade é uma situação de facto objectiva e não uma opinião, ainda que médica, parecia avisado que antes de fazer essa afirmação, sobretudo quando pretende referir-se a um período tão distante de uma vida que não acompanhou nem conheceu, o médico tivesse recolhido previamente informação hospitalar e/ou médica para saber em que datas a pessoa sofreu acidentes (rodoviários, vasculares, cerebrais), quais as consequências desses acidentes e em que condições teve alta.
Não só o médico não o fez para elaborar o seu «parecer», como a autora não o fez na presente acção, sendo certo que para demonstrar esse facto tinha necessariamente de fazer chegar aos autos os registos clínicos do médico assistente ou de família do seu pai e os registos hospitalares dos internamentos que este sofreu na última década da sua vida.
Por fim, refira-se que mesmo os depoimentos da autora e da sua mãe deixaram dúvidas sobre este assunto, uma vez que não faz muito sentido que o pai da autora estivesse em tal situação desde 2002 e só em 2008 a autora tivesse recorrido a um médico para obter um documento que atestasse a incapacidade, tal como não faz muito sentido que ele estivesse nesse estado, mas só nos últimos meses de vida tivesse surgido a necessidade de alguém se ocupar dele, no caso a ex-mulher. A ideia de que ele podia estar incapaz e ser autónomo encerra uma contradição que invalida o valor probatório dessas declarações.
Nessa medida e nesse contexto que, repete-se, é estritamente imputável à falta de diligência probatória da parte onerada com o ónus da prova, tal facto deve ser mantido como não provado.
O mesmo vale, pelas mesmas razões, para o facto seguinte («g) Em 2008 a autora viu-se obrigada a ponderar a interdição do seu pai, tendo mesmo dado os primeiros passos nesse sentido»), sendo certo que nem se percebe sequer o que serão os primeiros passos para ponderar requerer a interdição: se ele estava total e definitivamente incapaz há tanto tempo o que havia ainda para ponderar?
De todo o modo, uma vez que se encontra junto o documento médico a que se fez referência e o seu autor confirmou no respectivo depoimento que foi a autora que levou o pai ao seu consultório e foi a pedido dela que emitiu o seu parecer, julga-se provado o seguinte:
«41- Em Março de 2008 a autora levou o pai a uma consulta com o psiquiatra MM, o qual elaborou o «parecer» alusivo ao pai da autora que se encontra junto com a contestação como doc. 14.»
Segue-se o facto relativo ao conhecimento pelos réus do falecimento do pai da autora («h. aquando da celebração da escritura 1º e 2º réus sabiam que o pai da autora tinha morrido, ocultando à Senhora Notária esse facto»).
Naturalmente desconhece-se (embora se suspeite) o que os réus terão falado ou deixado de falar com a Notária até porque esta não foi ouvida em audiência.
Em relação ao conhecimento pelos réus do falecimento do pai da autora afigura-se-nos que a decisão pode ser diferente. Tal modificação, note-se, não é impedida pelo facto de estar junto pelo teor da declaração subscrita pela autora com data de 23 de Setembro de 2011 e nesta a autora declarar que «tenho conhecimento expresso de que tanto o procurador como o comprador na data da outorga da escritura, desconheciam o falecimento do vendedor».
Com efeito, o objecto afirmado na declaração não é um acto ou comportamento próprio, não é uma vontade própria, não é um conhecimento próprio de um facto, é somente a opinião da declarante sobre o (des)conhecimento ou não de terceiros sobre um facto. Por isso, essa afirmação não tem conteúdo confessório porque a confissão só pode recair sobre factos, não sobre opiniões ou convicções sobre factos dos quais não se pode ter conhecimento.
O conhecimento é a manifestação ao nível do intelecto de um sujeito da actividade dos seus sentidos de captação e apreensão de um determinado objecto. Exactamente por se tratar de um facto negativo (com o facto positivo seria diferente porque a fonte de informação podia ser a própria declarante) nenhum terceiro pode saber, apurar ou demonstrar (logo, afirmar como uma realidade por si conhecida) que o sujeito não teve conhecimento de um evento que tem lugar publicamente e segundo um rito com participação pública: o enterro de uma pessoa. A declaração tem, por isso, neste particular, em relação ao facto negativo do (des)conhecimento alheio de um facto público, um objecto impossível, insusceptível de constituir a confissão de um facto (artigos 280.º e 295.º do Código Civil).
São quatro as razões que impõem a modificação da resposta e que, a nosso ver, com todo o devido respeito, não foram devidamente sopesadas.
A primeira é a circunstância de o funeral do pai da autora ter sido realizado em ... (cf. certidão de óbito), a mesma localidade de onde é natural o 1.º réu e onde residem os demais réus. A segunda é a existência, denunciada pelos documentos juntos, de uma forte relação pessoal, profissional ou de amizade entre o pai da autora, o réu CC e o réu DD. A terceira é a circunstância de o pai da autora ter falecido no dia 30 de Maio de 2009 (Sábado), ter ido a enterrar no cemitério de ... no dia 1 de Junho de 2009 (segunda-feira) e a escritura de compra e venda ter sido celebrada no dia 5 de Junho de 2009 (sexta-feira seguinte). A quarta é o facto de os próprios réus terem junto aos autos um documento que pretende demonstrar que o réu DD pagou à autora mais uma «mensalidade» do «preço» no dia 1 de Junho … precisamente o dia do funeral do pai da autora.
Sendo certo que o conhecimento por um dos réus implica necessariamente, do ponto de vista da normalidade dos comportamentos humanos, o conhecimento pelo outro (celebraram em conjunto a escritura!), vejamos o que aquelas circunstâncias nos permitem concluir.
A primeira circunstância torna muito provável que os réus tivessem conhecimento do falecimento, na medida em que o réu DD tem um estabelecimento comercial de restauração aberto ao público na localidade e esta, pela sua dimensão, é uma terra onde pelo menos as pessoas que dali são naturais ou ali vivem e fazem vida pública há muito se conhecem, falam entre si e contam as novidades, sendo certo que a realização do funeral compreende a divulgação pública do evento, designadamente através da afixação pela agência da funerária de notas ou mensagens escritas em locais onde possam ser vistas e lidas pela comunidade local.
A segunda, em conjugação com a primeira, torna altamente provável que os réus tivessem esse conhecimento não só pela proximidade com o falecido, como por este ter uma pessoa conhecida daqueles e do respectivo contexto socioprofissional, como sobretudo pelo interesse que ambos tinham na sua pessoa em virtude de serem portadores ou beneficiários de uma procuração e um contrato-promessa de venda de bens imóveis de valor significativo outorgados pelo falecido.
A terceira permite-nos afirmar, com absoluta segurança, que só um ingénuo acreditaria na incrível coincidência de datas entre a morte e a realização da escritura pública e só um tonto acreditaria convencer alguém de que se tratou mesmo de uma …coincidência. Resulta dos documentos, a poder fazer-se fé neles (e alguns que existem no processo são de muito pouca fé) que o réu CC tinha a procuração que usou para celebrar a escritura há … cinco anos, que não obstante a procuração quem celebrou o contrato-promessa de compra e venda foi o próprio pai da autora e não o procurador CC, e que o pagamento do preço se vinha arrastando e ainda não estava finalizado na data da escritura, conforme esta mesmo descreve.
As regras da experiência dizem-nos, sem margens para dúvidas, que se ao longo de cinco anos não houve necessidade de celebrar a escritura de compra e venda é evidente que esta só foi celebrado porque de repente foram confrontados com a morte do pai da autora e decidiram, apesar disso, celebrar a escritura para tentar consumar o negócio que estava, digamos, projectado. Não pode ter havido e também não foi alegada outra razão que tornasse essa proximidade temporal uma pura coincidência. A preocupação quanto a esse aspecto que emana do teor do documento assinado pela autora em 23 de Setembro de 2011 (e que manifestamente não foi concebida pela autora porque não tem conhecimentos para isso, mas por alguém com alguns, mesmo que … frugais, conhecimentos jurídicos) denuncia à saciedade aquele conhecimento.
A última circunstância, em conjugação com as demais, elimina qualquer dúvida razoável que também já nem sequer existia. Então a filha do falecido, no próprio dia do funeral do pai, desloca-se ao encontro do réu DD para cobrar mais uma mensalidade de €500 em dinheiro, este paga-lhe e fá-la assinar o recibo, e não lhe pergunta pelo pai dela, seu amigo e cliente, e com o qual tem um contrato-promessa que necessita de ser concretizado em compra e venda cujo preço já se encontra em grande parte pago, nem ela lhe conta que o pai está defunto e o funeral é ou acabou de ser nesse dia!!!? E é por acaso que o réu DD trata de imediato de com a ajuda do réu CC concretizar a celebração da escritura, o que consegue com a urgência máxima que lhe permite fazê-la quatro dias depois!!!?
Em conclusão, é abundante e irrecusável a prova do seguinte facto:
«42- Quando em 5 de Junho de 2009 celebraram a escritura referida nos pontos 16 a 18, o 1.º e o 2.º réu sabiam que o pai da autora tinha falecido no dia 30 de Maio de 2009.»
Seguem-se os factos das alíneas i), j), l), m), n) e o) referentes à intenção subjacente à celebração dos negócios mencionados nos pontos 25 a 33 e mais concretamente ao vício da simulação.
Neste particular assoma uma circunstância que a autora interpreta num sentido, possível certamente, mas que permite outra interpretação bem diferente.
Os réus DD e EE são pais do réu FF, o qual vive em casa dos pais (apesar da tentativa ridícula do pai de o domiciliar num dos imóveis objecto da acção!). Este facto revela existência entre eles de uma intensa comunhão de interesses e …valores. Nessa situação e percebendo-se com facilidade que a transferência dos imóveis para nome do filho apenas visou conseguir um empréstimo bancário e com melhores condições (para habitação), não se segue necessariamente que o negócio seja simulado.
Com efeito, nessa situação os intervenientes podem sentir que existe uma tal segurança na «transferência» dos bens do filho para nome do filho que até formulam a vontade negocial correspondente embora haja uma finalidade indirecta e essa transferência seja desejada não por si mesma, mas pelo resultado que ela vai permitir: a obtenção de um financiamento bancário em condições que não seriam alcançadas se o imóvel permanecesse na titularidade dos pais.
Isso significa que é possível que tenha havido simulação, mas a conclusão sobre a sua existência não pode ser retirada da mera relação pessoal entre os contratantes. Por outras palavras, era necessária mais alguma prova dos factos dos requisitos da simulação. A recorrente procura retirar essa prova apenas da circunstância de não se ter provado o pagamento da (totalidade) do preço aos transmitentes. Mas isso não chega devido precisamente àquele contexto: os pais podem não receber o preço – que é necessário fazer constar da escritura por causa do valor matricial que as Finanças aceitarão e para permitir uma avaliação bancária compatível com a quantia a mutuar – e nem por isso haver simulação, designadamente porque eles prescindem desse recebimento em favor do filho ou deixam para mais tarde e/ou noutro contexto acertar essas contas.
É certo que os réus, preocupados em evitar a simulação, se enredam em explicações coxas sobre pagamentos que, com facilidade, se vê serem débeis ou mesmo falsas, mas daí não se retira, repete-se, necessariamente, a existência de simulação porque quanto mais não seja isso só tem a ver com um dos elementos indiciários possíveis da existência de simulação. Por exemplo, a indicação de que o imóvel era comprado para habitação é um elemento externo ao negócio e só serve para permitir a contratação posterior do empréstimo segundo um determinado regime mais favorável, razão pela qual dessa indicação que fizeram falsamente constar da escritura não se retira necessariamente a simulação. Da mesma forma que não pode ser confundida sem mais a inexistência de preço com a falta de pagamento (total ou parcial) do preço. Todos esses aspectos podem ser relevantes e até mesmo determinantes, mas terá de o ser noutro contexto que não aquele com que nos deparamos nos autos.
Por isso, independentemente da realidade ontológica que fica com a consciência (ou a … manifesta falta dela) dos intervenientes, analisando a prova produzida com rigor técnico ao nível do seu valor epistemológico para demonstração de uma probabilidade relevante, não é possível concluir que se produziu prova suficiente destes factos, motivo por que a decisão de julgar não provados os factos das alíneas i), j), l), m), n) e o) se confirma.
Por fim, temos os factos relativos ao contexto e condições em que foi assinado pela autora o documento referido no ponto 34 da fundamentação de facto (alínea p. onde se pergunta se a autora só assinou o documento por se encontrar psicologicamente perturbada e sob ameaça de não ser feita a escritura de compra e venda celebrada no mesmo dia com o mesmo réu quando a autora estava necessitada do produto dessa venda).
Também aqui nos parece manifesto que a almejada prova destes factos não foi alcançada.
Não são bastantes, designadamente os depoimentos interessados e parciais da própria autora e dos seus familiares (mãe, marido, sogro e mulher do sogro) pela facilidade que estes evidenciaram em afirmar o que foram conduzidos a afirmar, sinal de que com a mesma facilidade podiam fazer bem declarações diferentes, mas sobretudo porque isso ou está em contradição com inúmeros outros factos e meios de prova ou não se encontra suficientemente concretizado ou explicado.
A perturbação psicológica da autora é possível e até mesmo compreensível face ao seu contexto de vida, mas de modo algum se pode concluir ter-se demonstrado ela foi ao ponto de a privar de autonomia, poder de decisão e de iniciativa (nem tal foi invocado). Afinal de contas, ela não se divorciou? não vendeu outro imóvel que herdou do seu pai? não o vendeu mesmo à pessoa que fez a tal ameaça e por preço que até o sogro afirmou ser bem menor do que o bem valia (apesar do que não se dispôs a adquirir o imóvel pagando à nora o justo valor e abatendo no preço o seu crédito sobre ela!)?
Claro que uma pessoa perturbada pode fazer tudo isso, mas tudo isso torna necessária uma prova minimamente consistente da perturbação e da dimensão e relevo das suas manifestações. E para isso não chega a afirmação da própria, da mãe e do marido, depois ex-marido e depois novamente marido, HH de que andava muito perturbada! E também não chega a afirmação do médico psiquiatra LL de que ela «apresentava um quadro depressivo» no qual a pessoa sofre «uma certa limitação (!) do discernimento em termos de várias situações da vida».
Quanto ao que se passou no Cartório Notarial não se apurou nada, sendo certo que a razão apontada para se ceder à ameaça (fazer dinheiro para pagar ao sogro o que lhe devia) não parece suficientemente credível já que numa situação normal mesmo sendo credor o sogro e avô dos seus filhos não quereria o seu prejuízo (que redundaria sempre num prejuízo para os próprios … netos) com a venda forçada de um imóvel por preço inferior ao seu valor de mercado ou mediante a perda de outro património que alegadamente ambos pensavam pertencer ao falecido pai da autora.
Por outro lado, na altura também estiveram presentes o ex-marido e um advogado em representação dos interesses do sogro da autora, sendo que a assinatura do documento foi mesmo objecto de um reconhecimento presencial, ou seja, a assinatura foi feita perante a funcionária do Cartório, o que é muito pouco compatível com a formulação de ameaças e exigências, sendo certo que uma das funcionárias do Notário ouvida como testemunha fez uma descrição do Cartório que parece excluir a descrição da sala onde a autora alega ter estado reunida exclusivamente com o réu DD.
Finalmente, não pode ser desprezada os recibos que a autora e o então marido (também estaria com depressão e privado de discernimento?) assinavam quando recebiam os €500 que mensalmente o réu DD lhes entregava em dinheiro. O recibo de 23 de Julho de 2009, por exemplo, afirma expressamente que aquele valor era «respeitante ao pagamento da mensalidade do mês de Agosto de 2009, relativo ao pagamento do preço dos três prédios de ...-Gaia. não havendo até hoje nenhuma prestação em atraso». O recibo não menciona renda, menciona mensalidade do preço e preço, toda a gente percebe, que é a contrapartida de uma venda, não de um arrendamento. Naturalmente não excluímos que o recibo já se encontrasse escrito e que a autora o pudesse assinar sem ler. Só que essa possibilidade é afastada, por um lado, pelo facto de serem bastantes os recibos nessas condições e, por outro lado, pelo facto de haver recibos que foram escritos pelo próprio punho da autora (cf. recibos datados de 4 de Agosto e 5 de Dezembro de 2008 e os dois de Agosto de 2009), pelo que ainda que ela pudesse a escrever o que lhe ditavam não podia deixar de ficar consciente do que lá ficava escrito.
Neste contexto, acompanhamos a decisão de julgar não provados os factos da alínea p).

IV. Fundamentação de facto:
Encontram-se julgados provados em definitivo os seguintes factos:
1- BB, nascido a .../.../1931, faleceu no dia 30 de Maio de 2009, na freguesia ..., concelho de Aveiro, no estado de divorciado de KK, sem deixar testamento ou outra disposição de última vontade, deixando a suceder-lhe a autora, sua única filha.
2- A autora foi habilitada como única herdeira de BB pelo Procedimento Simplificado de Habilitação de Herdeiros n.º .../2009, de 20 de Julho de 2009, da Conservatória do Registo Civil ....
3- Na 2ª Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia encontra-se descrito sob o nº ...22 da freguesia ..., Vila Nova de Gaia, o imóvel composto por casa de dois pavimentos, para habitação, com a área de noventa e sete metros quadrados, sito na Rua ..., ..., inscrito na matriz sob o artigo ...46.
4- Na 2ª Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia encontra-se descrito sob o nº ...22 da freguesia ..., Vila Nova de Gaia, o imóvel composto por casa de dois pavimentos com logradouro, com a área coberta de cento e dez metros quadrados e área descoberta de setenta e sete metros quadrados, sito na Rua ..., ..., inscrito na matriz sob o artigo ...47.
5- Na 2ª Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia encontra-se descrito sob o nº ...06 da freguesia ..., Vila Nova de Gaia, o imóvel composto por casa de cave, rés-do-chão e andar, com quintal, com a área coberta de cento e noventa e três metros quadrados e área descoberta de duzentos e oitenta e cinco metros quadrados, sito na Rua ..., ..., inscrito na matriz sob o artigo ...48.
6- Pela Ap. ...9 de 1982/08/11 foi inscrita a aquisição, por compra, dos imóveis referidos nos pontos 3 a 5 a favor de OO e mulher, PP, QQ e mulher, RR, de SS e mulher, TT, e de BB.
7- Pela Ap. ... de 1982/12/30 foi inscrita a aquisição, por compra, da quota de 1/2 dos imóveis referidos nos pontos 3 a 5 a favor de BB.
8- Pela Ap. ...2 de 1983/02/22 foi inscrita a aquisição, por compra, da quota de 1/4 dos imóveis referidos nos pontos 3 a 5 a favor de BB.
9- Pela Ap. ...36 de 2009/06/16 foi inscrita a aquisição, por compra a BB, dos imóveis referidos nos pontos 3 a 5 a favor do réu DD, casado com a réu EE no regime de bens de comunhão de adquiridos.
10- Pela Ap. ...54 de 2011/03/25 foi inscrita a aquisição, por compra aos réus DD e EE, do imóvel referido no ponto 4 a favor do réu FF, filho daqueles.
11- Pela Ap. ...55 de 2011/03/25 foi inscrita hipoteca voluntária sobre o imóvel referido no ponto 4 a favor de “Banco 2...”, com fundamento em empréstimo, sendo o montante máximo assegurado de €52.355,00.
12- Pela Ap. ...56 de 2011/03/25 foi inscrita hipoteca voluntária sobre o imóvel referido no ponto 4 a favor de “Banco 2...”, com fundamento em empréstimo, sendo o montante máximo assegurado de €83.485,00.
13- Pela Ap. ...98 de 2015/05/06 foi averbada à Ap. ...55 a transmissão do crédito para a Interveniente, por deliberação do Banco de Portugal.
14- Pela Ap. ...99 de 2015/05/06 foi averbada à Ap. ...56 a transmissão do crédito para a Interveniente, por deliberação do Banco de Portugal.
15- Por intermédio da procuração cuja cópia certificada consta de fls. 70 a 72, incluindo o termo de autenticação datado de 20/02/2004, BB constituiu seu bastante procurador o réu CC, ao qual concedeu os poderes necessários para vender pelo preço e nas condições que entendesse convenientes os imóveis referidos nos pontos 3 a 5, conferindo-lhe ainda poderes para em relação a tais imóveis requerer quaisquer actos de registo predial na Conservatória competente, provisórios ou definitivos, para junto da Repartição de Finanças respectiva liquidar impostos ou quaisquer taxas devidas, assinar requerimentos, pedidos de avaliação, certidões ou quaisquer outros documentos necessários e apresentar, requerer ou assinar quaisquer documentos ou projectos de construção junto da Câmara Municipal competente.
16- No dia 5 de Junho de 2009, no Cartório Notarial de NN, em Aveiro, foi celebrada escritura pública de “Compra e Venda”, na qual intervieram o réu CC, na qualidade de procurador de BB, como vendedor, e o réu DD, identificado como casado sob o regime de comunhão de adquiridos com a réu EE, como comprador.
17- Nessa escritura o primeiro outorgante declarou que pelo preço global de €345.000,00 vende ao segundo outorgante, que o declarou aceitar, os imóveis do seu representado identificados nos pontos 3 a 5, o primeiro por €89.000,00, o segundo por €167.000,00 e o terceiro por €89.000,00, e declarou ainda que do aludido preço “já o vendedor recebeu” a quantia de €336.500,00, sendo o restante a pagar em 17 prestações mensais de €500,00, cada uma, a primeira com vencimento no dia 08/07/2009 e as restantes no mesmo dia dos meses seguintes, até integral pagamento, ou seja Novembro de 2010.
18- Declararam igualmente os outorgantes que “foi acordado, entre comprador e vendedor, que as rendas pagas por UU, arrendatária do rés-do-chão do prédio com o número ...2 de polícia, descrito na verba nº 2, serão recebidas pelo vendedor, até à data do integral pagamento do preço total dos bens”.
19- BB deu os prédios aludidos nos pontos 3 a 5 de arrendamento e arrecadava as respectivas rendas, agindo no convencimento de que era proprietário dos mesmos e de que não ofendia direitos de terceiros.
20- Em data não concretamente apurada do ano de 2009, mas anterior ao dia 19/08/2009, a empresa “A..., Unipessoal Lda.” (que entretanto passou a denominar-se “A..., Lda.”) efectuou os serviços de limpeza dos terrenos e ligação do saneamento à rede pública nos prédios referidos nos pontos 3 a 5, a solicitação da autora, após o pai ter recebido uma notificação para o efeito por parte dos serviços camarários de Vila Nova de Gaia, tendo sido emitida factura no valor de €2.940,00.
21- No ano de 2010 a autora e o marido declararam, em sede de I.R.S., o recebimento do montante de €2.255,00 a título de rendas relativas ao r/c do prédio aludido no ponto 3.
22- Pelo menos a partir de Maio de 2008 a autora recebeu do réu DD a quantia mensal de €500,00 respeitante aos imóveis aludidos nos pontos 4 e 5.
23- Em 2007 o pai da autora sofreu um acidente de viação.
24- Aquando do seu falecimento, e devido ao seu estado de saúde à data, o pai da autora encontrava-se a morar em casa da sua ex-mulher, KK, que passou a tratar dele.
25- No dia 25 de Março de 2011, no Cartório Notarial de NN, em Aveiro, foi celebrada escritura pública de “Compra e Venda e Mútuo com Hipoteca e Fiança”, na qual intervieram os réus DD e EE, como primeiros outorgantes, enquanto vendedores e fiadores, o réu FF, como segundo outorgante, enquanto comprador, e a representante de “Banco 2...”, como terceira outorgante.
26- Nessa escritura os primeiros outorgantes declararam que pelo preço já recebido de €162.000,00 vendem ao segundo outorgante, seu único filho, que o declarou aceitar, destinando-se o imóvel a sua habitação própria permanente, o imóvel identificado no ponto 4.
27- Declararam também os segundo e terceira outorgantes que “para aquisição do imóvel atrás identificado, a parte mutuária solicitou ao Banco 2..., Sociedade Aberta, que a terceira outorgante representa”, um empréstimo do montante de € 37.000,00, que neste acto dele recebe e que nesta data lhe é concedido pelo prazo de quatrocentos e oitenta meses, a contar do próximo dia dois, , ao abrigo do Regime Geral de Crédito Habitação regulado pelo Decreto Lei n° 349/98 de onze de Novembro e demais legislação aplicável, do qual o segundo outorgante se constitui e confessa devedor”, e que “para caução e garantia de todas as responsabilidades assumidas nos termos do presente contrato, nomeadamente juros que forem devidos e ainda das despesas judiciais e extrajudiciais que para efeitos de registo se fixam em mil quatrocentos e oitenta euros, o segundo outorgante constitui hipoteca, sobre o imóvel atrás identificado e ora adquirido”.
28- Os primeiros outorgantes declararam, na qualidade de fiadores, que “se constituem solidariamente fiadores e principais pagadores por tudo quanto venha a ser devido ao Banco em consequência do empréstimo que a parte devedora contraiu junto do mesmo, e aqui titulado, com expressa renúncia ao benefício da excussão prévia, dando já o seu acordo a quaisquer modificações de taxa de juro e alterações de prazo, bem como a mudança de Regime de Crédito, que venham a ser convencionadas entre o Banco credor e a parte devedora” e que “a fiança ora constituída manter-se-á plenamente em vigor enquanto subsistir qualquer dívida de capital, juros ou despesas, contraída por qualquer forma e imputável à parte mutuária”.
29- A terceira outorgante, por sua vez, declarou que “para o Banco seu representado aceita a confissão de dívida, hipoteca e fiança, nos termos exarados”.
30- No dia 25 de Março de 2011, no Cartório Notarial de NN, em Aveiro, foi celebrada escritura pública de “Mútuo com Hipoteca e Fiança”, na qual intervieram o réu FF, como primeiro outorgante, enquanto mutuário, a representante de “Banco 2...”, como segunda outorgante, enquanto mutuante, e os réus DD e EE, como terceiros outorgantes, enquanto fiadores.
31- Nessa escritura o primeiro e a segunda outorgantes declararam que entre aquele e a representada desta foi acordado um empréstimo no montante de € 59.000,00, que nesta data é concedido à parte mutuária, pelo prazo de quatrocentos e oitenta meses, a contar do próximo dia dois, que se destina a obras de beneficiação na sua habitação própria permanente, ao abrigo do Regime Geral de Crédito Habitação, do qual aquele se confessa devedor e constitui hipoteca sobre o imóvel aludido no ponto 4 “para caução e garantia de todas as responsabilidades assumidas nos termos do presente contrato, nomeadamente juros que forem devidos e ainda das despesas judiciais e extrajudiciais que para efeitos de registo se fixam em dois mil trezentos e sessenta euros”.
32- Os terceiros outorgantes declararam, na qualidade de fiadores, que “se constituem solidariamente fiadores e principais pagadores por tudo quanto venha a ser devido ao Banco em consequência do empréstimo que a parte devedora contraiu junto do mesmo, e aqui titulado, com expressa renúncia ao benefício da excussão prévia, dando já o seu acordo a quaisquer modificações de taxa de juro e alterações de prazo, bem como a mudança de Regime de Crédito, que venham a ser convencionadas entre o Banco credor e a parte devedora” e que “a fiança ora constituída manter-se-á plenamente em vigor enquanto subsistir qualquer dívida de capital, juros ou despesas, contraída por qualquer forma e imputável à parte mutuária”.
33- A segunda outorgante, por sua vez, declarou que “para o Banco seu representado aceita a confissão de dívida, hipoteca e fiança, nos termos exarados”.
34- Mostra-se assinado pela autora o documento intitulado “Declaração de Compromisso” e datado de 23 de Setembro de 2011, onde consta, além do mais:
“Por outro lado, através de escritura pública de compra e venda, realizada em 5 de Junho de 2009, no Cartório Notarial da Dra. NN, foram transmitidos àquele mesmo DD, os prédios urbanos da freguesia ..., imóveis que pertenciam a meu pai.
Com tal escritura, seus termos e condições visou-se formalizar em definitivo o contrato promessa que havia sido feito entre o meu pai e o Sr. DD, tendo este já procedido integralmente aos pagamentos ali indicados, ascendendo os mesmos à quantia global de 345.000,00 (trezentos e quarenta e cinco mil euros), pelo que nada a mais há a reclamar por conta do pagamento da aludida transmissão.
Consoante se pode constatar naquele documento notarial o vendedor e meu pai fez-se representar por procurador munido de poderes para o efeito.
Sucede, porém, que meu pai havia falecido em 30 de Maio de 2009, pelo que na data em que ocorreu a escritura tal procuração não poderia produzir quaisquer efeitos.
Assim, pelo presente documento venho comprometer-me e declarar que renuncio à invocação de qualquer vício ou ineficácia susceptível de colocar em crise a aludida transmissão dos prédios de ..., tanto mais que tenho conhecimento expresso de que tanto o procurador como o comprador na data da outorga da escritura, desconheciam o falecimento do vendedor.”.
35- O Banco “Banco 2...” foi contactado pelo réu FF para que este lhe concedesse um empréstimo.
36- De forma a estudar a viabilidade da concessão de tal empréstimo, o banco solicitou àquele, seu cliente, todos os documentos referentes ao imóvel em causa, nomeadamente caderneta predial e certidão da Conservatória do Registo Predial.
37- Tais documentos foram entregues na agência do “Banco 2...” onde aquele tinha conta e onde decorria o processo de análise para a concessão do financiamento, sendo que da análise dos mesmos, o Banco constatou que se encontravam em conformidade para a concessão e formalização do dito empréstimo, tendo verificado se estavam preenchidos todos os requisitos legais, nomeadamente os do registo do imóvel, e económicos, para que fosse concedido o empréstimo.
38- Tanto o “Banco 2...”, como a Interveniente desconheciam a existência de quaisquer irregularidades que pudessem afectar a validade dos registos que incidiam sobre o imóvel em questão.
39- O réu FF encontra-se a cumprir mensalmente as prestações referentes ao empréstimo concedido.
40- Foi no dia 23 de Setembro de 2011 que a autora tomou conhecimento da venda referida nos pontos 16 a 18.
41- Em Março de 2008 a autora levou o pai a uma consulta com o psiquiatra MM, o qual elaborou o «parecer» alusivo ao pai da autora que se encontra junto com a contestação como doc. 14.
42- Quando em 5 de Junho de 2009 celebraram a escritura referida nos pontos 16 a 18, o 1.º e o 2.º réu sabiam que o pai da autora tinha falecido no dia 30 de Maio de 2009.

V. Matéria de Direito:
A] dos poderes de representação do réu CC para vender os imóveis em nome do pai da autora:
A autora estruturou a sua acção do seguinte modo.
Começou por sustentar que a procuração foi outorgada pelo pai quando este já se encontrava numa situação de incapacidade acidental, privado da capacidade de formar uma vontade consciente, livre e esclarecida, situação que era do conhecimento dos réus, mas que como esse vício determinada a anulabilidade e estava decorrido o prazo para a arguir não seria esse o fundamento da acção.
A seguir sustentou que por morte do pai caducou o mandato com base no qual o réu CC vendeu os imóveis ao réu DD, pelo que essa venda constitui uma venda de coisa alheia, sendo por isso nula, mas em relação ao do nos imóveis o negócio é pura e simplesmente ineficaz, o que lhe permite reivindicar os imóveis independentemente daqueles negócios.
Finalmente sustenta que em consequência dessa ineficácia em relação ao dono dos imóveis não lhe podem ser opostos pelos réus os regimes do artigo 291.º do Código Civil e do artigo 17.º, n.º 2, do Código de Registo Predial, mas ainda que assim não seja, os negócios de transmissão dos imóveis para o último réu foram simulados, sendo por isso nulos e ineficazes em relação à autora porque este réu sabia de tudo o que se passava em relação aos negócios e à morte do pai da autora.
Já a estrutura da defesa dos réus descreve-se assim.
O pai da autora elaborou e assinou a procuração em 20 de Fevereiro de 2004 estando perfeitamente capaz. Em 18 de Outubro de 2006 o pai da autora celebrou com o réu DD o contrato-promessa de venda dos imóveis, facto de que a autora teve conhecimento.
Os réus desconheciam o falecimento do pai da ré e por esse motivo a procuração outorgada pelo pai da autora não caducou com a sua morte. Em 5 de Junho de 2009 foi celebrada a escritura de compra e venda dos imóveis e em 23 de Setembro de 2011 a autora, por declaração por ela elaborada e subscrita, com reconhecimento presencial de assinatura, declarou saber dessa escritura pública outorgada por procurador e que renunciava à invocação de qualquer vício ou ineficácia susceptível de colocar em crise esse negócio, ratificando-o. Tendo ratificado o negócio a autora não pode arguir a sua invalidade, o que constituiria, além do mais, um manifesto abuso de direito.
Por fim sustentam que os negócios celebrados entre os réus DD, mulher e filho não foram simulados e são válidos e eficazes.
Neste contexto processual, a causa de pedir da acção é basicamente o direito de propriedade do pai da autora sobre os imóveis e a invalidade e/ou ineficácia dos actos de transmissão e oneração desses imóveis que não tiveram a intervenção dele.
Essa invalidade vem alegada como consequência da caducidade da procuração com a morte do representado e a consequente falta de poderes de representação do procurador que celebrou a escritura de venda dos imóveis reivindicados.
As excepções opostas a esta construção são a ratificação dos actos praticados pelo procurador e o abuso de direito.
Na sentença recorrida entendeu-se que pese embora se trate de uma procuração simples, no sentido de não se tratar de uma procuração conferida também no interesse do procurador, não tendo sido apurada a relação subjacente à sua outorga e que essa relação impusesse solução contrária, uma vez que a caducidade não é imposta pela natureza da procuração, ela não caducou com a morte do representado.
O objecto do recurso é esta questão e a decisão sobre ela, pelo que cabe tornar a ela.
O que é a representação voluntária? A representação voluntária (deixamos de lado a representação legal filiada na necessidade de suprir incapacidades e a representação orgânica invocada para superar a ficção jurídica da vontade de um ente colectivo insusceptível de vontade psicológica) é o instituto que permite que uma pessoa seja substituída por outrem na prática de um acto em nome da pessoa que não participa pessoalmente na sua execução. Trata-se, pois, do mecanismo jurídico que permite … o dom da ubiquidade, isto é, que actos sejam praticados em nome de uma pessoa que não está presente[1].
O que é a procuração? A procuração é o acto (reduzido num documento quando o acto é praticado por escrito ou manifestado numa declaração quando o acto é verbal) através do qual se investe outrem no poder de representação, isto é, se lhe confere a legitimidade para se apresentar a praticar actos como se fosse o representado, em seu nome, mediante a invocação de que o faz como se fosse ele (artigo 262.º do Código Civil).
Existe logo aqui uma diferença que importa assinalar: a representação não se confunde com a procuração. Esta é o acto de habilitação, aquela é o somatório dos poderes conferidos ao representante para actuar em nome de outrem. Porque a procuração é normalmente passada por escrito e qualquer acto jurídico está sujeito ao principio da determinação (artigo 280.º do Código Civil), é comum que o texto da procuração descreva em simultâneo a medida e extensão dos poderes atribuídos ao representante. Mas isso não obsta a que se deva distinguir entre o procurador estar habilitado a apresentar-se como tal (mediante a invocação e apresentação da procuração) e o poder-dever de actuação do representante.
Costuma dizer-se que a procuração tem normalmente uma relação subjacente que funciona como critério e matriz da sua utilização[2]. Assim será na normalidade dos casos, entendendo-se que essa relação pode ser uma mera relação de fidúcia (v.g. o caso do casal em que um dos membros emigra e deixa uma procuração «com todos os poderes» ao cônjuge que permanece no seu país) ou, nos antípodas, um contrato em que o procurador se vincula a determinados deveres de actuação e vai ser remunerado pela sua prática (v.g. o caso do mandato).
Da mesma forma que pode ser uma relação no estrito interesse do representado ou uma relação no interesse de ambos. É esse fenómeno que permite que a procuração seja conferida também no interesse do procurador ou de terceiro, situação em que naturalmente o direito tem de tutelar esse interesse na medida em que ele foi reconhecido e aceite pelas partes e presidiu à atribuição de poderes de representação (similar ou analogicamente com o que sucede no mandato).
No caso, o réu procurador, na sua contestação, onde tem o ónus da dedução de toda a sua defesa, não se referiu e por isso não concretizou a relação que esteve na origem da outorga da procuração que lhe foi conferida pelo pai da autora. Por isso, muito embora agora na resposta às alegações de recurso, mencione tratar-se de um mandato, a decisão a proferir tem de partir do pressuposto da indemonstração da natureza dessa relação, sendo certo que não se discute que a procuração não menciona ter sido, e por isso não foi conferida também no interesse do procurador ou de terceiro.
Esse pressuposto impõe-se ainda pela simples razão de que o mandato é um contrato bilateral que gera direitos e obrigações para ambas as partes (artigos 1161.º e 1167.º do Código Civil), razão pela qual é impossível presumir a sua existência quando nenhuma obrigação foi alegada ou demonstrada. Dito por outras palavras, só porque lhe foi conferida a procuração e, conforme resulta do seu texto, atribuídos poderes para actuar em nome do representado na (eventual) venda dos imóveis, não é possível presumir que o réu CC estava mandatado para vender os imóveis, isto é, tinha a obrigação de vender os imóveis.
Este percurso permite-nos, cremos, formular a seguinte conclusão: o procurador estava habilitado com poderes representativos, tais poderes abrangiam o acto da venda dos imóveis em nome do respectivo proprietário e representado, mas não resulta que o procurador tivesse a obrigação de celebrar a venda, nem que o pudesse fazer independentemente da vontade do representado.
Como vimos, a representação é a atribuição a um terceiro da capacidade de exercício dos direitos do representado em nome dele. Essa capacidade encontra-se sempre subordinada à existência no representado de personalidade e capacidades jurídicas[3].
O menor tem personalidade e capacidades jurídicas, mas não tem capacidade de exercício dos seus direitos; essa incapacidade cessa quando ele atinge a maioridade sem estar colhido de outra incapacidade natural em razão do seu discernimento e poder de autonomia; porém, se ele morre ainda menor, deixa de ser possível falar na sua incapacidade de exercício ou na forma de a suprir precisamente porque se extinguiu a aptidão para ser titular autónomo de relações jurídicas e a idoneidade para criar e desenvolver relações jurídicas (capacidade de gozo), não havendo mais direitos que possam ser exercidos pelo próprio (veremos mais à frente a questão da herança). É por isso que se o representado estiver impedido de celebrar validamente determinado acto jurídico, também não o poderá fazer por intermédio de um procurador em relação a cuja pessoa já esse impedimento não se colocasse.
É certo que o procurador não é um simples núncio, não se limita a ser veículo de transmissão de uma vontade alheia. O procurador actua no desenvolvimento de uma vontade própria. Por isso, estabelece o artigo 259.º do Código de Processo Civil que à excepção dos elementos em que tenha sido decisiva a vontade do representado, é na pessoa do representante que deve verificar-se, para efeitos de nulidade ou anulabilidade da declaração, a falta ou vício da vontade, bem como o conhecimento ou ignorância dos factos que podem influir nos efeitos do negócio.
Todavia, daí não resulta que essa vontade seja autónoma, inteira e exclusivamente dependente do poder de autodeterminação do procurador. Pelo contrário, a actuação do procurador filia-se num acto de autorização proveniente do titular do direito que delega no procurador a formulação, por interposta pessoa, da sua própria vontade. Por isso, a vontade do procurador deve ser formulada sempre nos precisos termos da relação subjacente à procuração, mediante a autorização que essa relação lhe atribui.
Decorre daqui a ligação estreita entre a outorga de poderes de representação e a capacidade de exercício do direito a exercer pelo procurador. Ora, se no momento da outorga da procuração é necessário que exista essa correspondência, que o representado possua capacidade de exercício do direito para cujo exercício em seu nome confere poderes ao procurador, não se vislumbram motivos para que o mesmo não deva suceder ao longo de toda a vigência da procuração, rectius, que o desaparecimento daquela correspondência seja irrelevante para a subsistência da procuração. E isso vale tanto para os casos em que a pessoa inicialmente com capacidade de exercício dos seus direitos perde essa capacidade, designadamente por efeito de doença incapacitante, como nos casos de morte do representado.
É nesse contexto que julgamos dever interpretar os artigos 265.º e 266.º do Código Civil que estabelecem casos de extinção da procuração e condições da respectiva oponibilidade a terceiros. A sua redacção é a seguinte:
Artigo 265.º (Extinção da procuração)
1. A procuração extingue-se quando o procurador a ela renuncia, ou quando cessa a relação jurídica que lhe serve de base, excepto se outra for, neste caso, a vontade do representado.
2. A procuração é livremente revogável pelo representado, não obstante convenção em contrário ou renúncia ao direito de revogação.
3. Mas, se a procuração tiver sido conferida também no interesse do procurador ou de terceiro, não pode ser revogada sem acordo do interessado, salvo ocorrendo justa causa.
Artigo 266.º (Protecção de terceiros)
1. As modificações e a revogação da procuração devem ser levadas ao conhecimento de terceiros por meios idóneos, sob pena de lhes não serem oponíveis senão quando se mostre que delas tinham conhecimento no momento da conclusão do negócio.
2. As restantes causas extintivas da procuração não podem ser opostas a terceiro que, sem culpa, as tenha ignorado.
Estas normas não incluem entre os casos de extinção da procuração a morte do representado, ao contrário do que fazem por exemplo as normas relativas ado regime do mandato (artigos 1174.º, alínea a), e 1175.º do Código Civil). Significa isso que essa morte não extingue a procuração?
Em primeiro lugar não há razão para considerar taxativo o elenco de causas de extinção do artigo 265.º. A própria norma, ao remeter a solução para as disposições que regulam a relação que serve de base à procuração, deixa claro que essa extinção pode impor-se por razões ou em circunstâncias definidas fora ou para além da própria norma. Depois, precisamente por indexar a solução a essa relação, a disposição estabelece a íntima ligação entre ela e a procuração, vinculando esta às vicissitudes daquela. Por fim, com excepção das situações que reclamam a tutela de terceiros (v.g. artigo 266.º), só haverá razões para afirmar a subsistência da procuração à margem da relação que lhe serve de base se e na medida em que for possível sustentar que o próprio representado assim o quis (parte final do n.º 1 do artigo 265.º).
Por tudo isso, a nosso ver, nos casos em que a procuração não é conferida também no interesse do procurador, se o procurador não demonstra que apesar da morte do representado a relação que serve de base à procuração subsiste ou que a vontade deste era que a procuração subsistisse após a sua morte, deve entender-se que com a morte do procurador se extingue a procuração.
A perda da capacidade de gozo de direitos associada à morte, implica a cessação da possibilidade de exercer esses direitos por intermédio de outrem, mais especificamente de um procurador, excepto se a relação jurídica ao abrigo da qual a procuração foi conferida impuser outra solução digna de tutela jurídica com fundamento ou na própria vontade do representado ou da necessidade de tutelar os interesses de terceiro que presidiram à outorga da procuração. De outro modo, estar-se-ia a atribuir à procuração a natureza de negócio jurídico abstracto que fere a estrutura da nossa ordem jurídica.
Para que a extinção ocorra nas procurações simples, ditas não irrevogáveis, é indispensável, mas também suficiente que o procurador tenha conhecimento da morte do representado, e é oponível aos terceiros com os quais este venha, apesar disso, a contratar em nome do representado, se estes tiverem conhecimento dessa morte ou a ignorarem por culpa sua.
Afirma-se a esse propósito no Comentário ao Código Civil: Parte Geral, coord. de Luís Carvalho Fernandes, Brandão Proença, Lisboa, Universidade Católica Editora, 2014, em comentário ao artigo 265.º do Código Civil que «este artigo … enuncia algumas das causas de extinção da procuração: renúncia do procurador; revogação pelo representado; e cessação da relação que lhe serve de base. O elenco da lei não se tem por exaustivo (nem o dos artigos 1170.º e 1174.º, quanto às causas de extinção do mandato). Por exemplo, tratando-se de uma procuração ou de um mandato especial, a prática do acto ou actos em causa, ou mesmo o fracasso da negociação, conduzirá à respectiva extinção; a procuração pode estar sujeita a uma condição ou termo final; ou ser anulada (ou declarada nula); por acordo, o representado e o representante puseram fim aos poderes (ao lado da possibilidade de livre renúncia e revogação); o procurador primitivo pode ter-se feito substituir, implicando isso a sua exclusão; …; igualmente a morte ou incapacidade do representante ou do representado importarão a extinção da procuração (o que já ocorreria indirectamente, dado tais circunstâncias arrastarem a caducidade da relação subjacente; uma estipulação em contrário será pensável em certos casos, havendo ainda que atender ao disposto no artigo 1175.º)
A mesma solução foi adoptada no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14-07-2016, proc. n.º 111/13.2TBVNC.G1.S1, in www.dgsi.pt, numa situação similar à que nos ocupa. Aí se escreveu o seguinte:
«As instâncias concluíram que o óbito do mandante não determinou a extinção dos poderes de representação outorgados pela procuração, mas tal juízo está eivado de um erro de perspectiva, tendo subjacente um paralelismo injustificado entre procurações gerais ou típicas, como a dos autos, sem qualquer especificidade quanto aos interesses a salvaguardar, e outro género de procurações atípicas ou especiais que, conferindo também poderes representativos, visam assegurar complementarmente interesses de terceiro ou mesmo do próprio procurador.
Ora, apenas quanto a estas se pode defender a persistência dos seus efeitos para além da morte do subscritor, em paralelo com o que, para contrato de mandato, especialmente se prescreve no art. 1175º do CC.
Este regime de natureza excepcional é incompatível com a figura e com a ratio da representação outorgada através de procuração geral, não sendo defensável que, sem qualquer outro ingrediente específico, se possa afirmar a legitimidade do procurador para agir em “representação” de alguém que, entretanto, já faleceu.
Os arestos deste Supremo Tribunal de Justiça em que se afirma a persistência de efeitos da procuração depois do óbito do seu subscritor têm sempre subjacentes procurações de natureza irrevogável ou estabelecidas no interesse declarado do procurador ou de terceiros, espécies bem diversas daquela com que agora nos defrontamos e na qual não foi aposta qualquer salvaguarda especial.
Assim aconteceu no Ac. do STJ, de 18-2-14 (www.dgsi.pt), em que estava em causa uma procuração que havia sido conferida “não só no interesse do mandante como também no interesse do mandatário, e na qual se expressou que não caducaria por morte do subscritor, assim se justificando a afirmação da validade e eficácia do contrato que foi celebrado pela representante.
Semelhante solução foi adoptada no Ac. do STJ, de 13-7-10 (www.dgsi.pt), a partir de uma procuração irrevogável, ou no Ac. do STJ, de 3-6-97, na CJSTJ, tomo II, pág. 110, no qual se considerou adicionalmente que, subjacente à procuração, estava um contrato de mandato. Outrossim no Ac. do STJ, de 27-9-94, na CJSTJ, tomo III, pág. 66.
Já, porém, noutra situação apreciada pelo Ac. do STJ, de 23-4-91 (em www.dgsi.pt e que serviu de fundamento à admissibilidade da revista excepcional), em que estava em causa uma procuração com teor semelhante à dos autos, concluiu-se que “com a morte do representado verifica-se a caducidade da procuração através da qual ele conferiu ao representante poderes para outorgar em seu nome escrituras de venda”.
Solução que igualmente foi adoptada no Ac. do STJ de 7-3-95, CJSTJ, tomo I, pág. 113, quando estava em causa uma procuração para intervenção numa conferência de interessados, ou no Ac. do STJ, de 3-4-11, no proc. nº 642/07, na CJ on line, onde se assumiu ainda que subjacente a uma procuração com teor semelhante à dos autos estaria um contrato de mandato.
É também esta a solução para que aponta a demais literatura jurídica nacional.
Pedro L. Pais de Vasconcelos, em A Procuração Irrevogável, 2ª ed., estabelece uma distinção entre a procuração típica, que reflecte exclusivamente o interesse do dominus (pág. 49) e na qual, em princípio, o procurador não tem nenhum interesse juridicamente relevante (pág. 56), e a procuração caracterizada pela irrevogabilidade natural ou convencional, em que está presente um interesse do procurador ou de terceiro (pág. 146). A partir desta distinção acaba por concluir que “no caso típico da procuração no interesse exclusivo do dominus, em regra, a morte deste determina a caducidade da relação subjacente” (pág. 211), reservando a persistência dos seus efeitos para as procurações irrevogáveis (pág. 213).
[…] Rodrigues Bastos, em Notas ao Cód. Civil, vol. II, pág. 16, é igualmente peremptório ao afirmar aquela extinção, tal como Menezes Cordeiro quando afirma que as regras expressamente previstas para o mandato geral de que caduca com a morte do mandante “aplicam-se à procuração, no caso de morte … seja directamente, quando, subjacente, haja mandato, seja por analogia nos outros casos” (A representação no Cód. Civil: sistema e perspectivas de reforma, em “Comemorações dos 35 anos do Cód. Civil”, pág. 409, e Tratado de Direito Civil, I, tomo IV, 2ª ed., pág. 134).»
A circunstância de com a morte do pai da autora se abrir a respectiva herança impede esta conclusão, ou seja, a posição de representado na procuração transfere-se para a herança?
Segundo o artigo 2024.º do Código Civil a sucessão é o chamamento de uma ou mais pessoas à “titularidade das relações jurídicas patrimoniais de uma pessoa falecida” e a consequente devolução dos bens que a esta pertenciam. Acrescenta o artigo 2025.º que não constituem objecto de sucessão as “relações jurídicas que devam extinguir-se por morte do respectivo titular, em razão da sua natureza ou por força da lei” e ainda os “direitos renunciáveis” à data da morte do seu titular quando ele manifeste essa vontade.
Capelo de Sousa, in Direito das Sucessões, 2.ª edição, volume I, página 275 e seguintes, escreve que “cabe desfazer o equívoco … de que só os bens patrimoniais são transmissíveis sucessoriamente. Na verdade, são objecto de vocação ou devolução sucessória todas as relações jurídicas ou todas as coisas … não exceptuadas por lei … nomeadamente, para além dos bens patrimoniais, certos direitos pessoais e, no lado passivo das relações jurídicas, as obrigações e as dívidas. (…) há certos direitos pessoais de natureza civil ou processual, que não visam a satisfação de necessidades económicas e que não são avaliáveis pecuniariamente, os quais são objecto de devolução sucessória. (…) Por outro, sucede-se não apenas em bens ou direitos, mas também em obrigações e em dívidas.”
De acordo com o artigo 2025.º a intransmissibilidade das relações jurídicas por morte do seu titular dá-se em três situações específicas. A primeira é a inereditabilidade natural que se reporta aos direitos ou obrigações que se extinguem por virtude da sua própria natureza e que abrange os direitos e vinculações pessoais, por exemplo os inerentes ao poder paternal. Depois encontramos a inereditabilidade negocial que é a que decorre da vontade do autor da sucessão, relativamente aos direitos de que ele pode dispor livremente e em relação aos quais ele decide renunciar, requisito necessário para que não se verifique a sua transmissibilidade. Finalmente deparamo-nos com a inereditabilidade que resulta directamente da própria lei, como é o caso do direito de aceitação da proposta de contrato (artigo 231.º, n.º 2). Fora dessas situações os direitos e obrigações que tenham conteúdo patrimonial são transmissíveis. Para usar a expressão de Galvão Telles, in “Direito das Sucessões”, 1980, pág. 60, “os direitos ou obrigações pessoais são, em regra, intransmissíveis enquanto que nos patrimoniais a regra é a transmissibilidade”.
Por conseguinte, não é por o óbito de uma pessoa não dar lugar a uma situação de jacência das respectivas relações jurídicas, mas antes à constituição instantânea e automática de um património autónomo a que são chamados a suceder mortis causa os herdeiros do falecido, se segue que todas as relações jurídicas de que o de cujus era titular integram esse património autónomo. Tudo depende da natureza da relação jurídica e do respectivo regime jurídico. O mais que se pode dizer é que em regra as relações jurídicas patrimoniais integram a herança e em regra as relações jurídicas pessoais não. Mas existem excepções a ambas as regras: há relações jurídicas patrimoniais que se extinguem e há relações jurídicas pessoais que se transmitem.
Acresce que a procuração em si mesma não é uma relação jurídica patrimonial. É certo que tendo a procuração sido conferida para a prática de actos sobre o património da pessoa, ela visou a satisfação de necessidades ou interesses económicos. Todavia, a procuração é, como vimos, exclusivamente o acto de atribuição de poderes de representação. O seu objecto é apenas a habilitação de uma pessoa para representar outra, isto é, a atribuição do poder para praticar actos seu em nome, não são os actos a praticar com uso da procuração; estes actos são sim o objecto da relação subjacente à procuração. É essa relação que pode ser patrimonial e por isso transmitir-se para a herança e integrar o objecto da vocação sucessória (v.g. os direitos e obrigações emergentes do contrato de mandato, no caso de ser essa a relação subjacente da procuração).
Nessa medida, da constituição de um património autónomo (a herança) a ocupar o vazio criado pela extinção da personalidade jurídica de uma pessoa não resulta que a procuração que ele haja conferido em vida tenha de se manter e por isso daí não se pode retirar qualquer argumento no sentido da sua caducidade (ou não caducidade).
Por tudo isso, assente que a procuração conferida pelo pai da autora ao réu CC não foi conferida também no interesse do procurador uma vez que nada se demonstrou para afirmar essa característica da procuração, que o pai da autora faleceu e que o procurador teve conhecimento dessa morte antes de fazer uso da procuração para celebrar negócios jurídicos em nome daquele, podemos concluir que a procuração se extinguiu por morte do representado e que essa extinção era oponível ao procurador ainda antes da celebração desse negócio jurídico.

B] Consequências do uso da procuração extinta para praticar actos em nome do falecido:
A celebração pelos réus do contrato de compra e venda dos imóveis pertencentes ao pai da autora, no qual o réu CC interveio em nome do proprietário na qualidade de vendedor, usando a procuração que, como se conclui antes, já se encontra extinta, consubstancia uma situação de representação sem poderes.
Essa extinção era não apenas oponível ao procurador, como também às pessoas com as quais celebrou esse contrato uma vez que antes da celebração da escritura de compra e venda também eles já eram conhecedores da morte do proprietário dos imóveis (artigo 266.º, n.º 2, do Código Civil).
Não deve ser confundida a representação sem poderes com a venda de coisa alheia. Nesta o vendedor actua em nome próprio e apresenta-se a vender como se fosse seu o que pertence a outrem. Naquela a pessoa que celebra o negócio actua em nome de outrem, atribuindo-lhe a titularidade do direito que é objecto do negócio. A prática de actos com falta de poderes pressupõe a actuação em nome de outrem e pode ocorrer por variadas razões: porque a procuração por motivos formais ou substantivos é inválida ou ineficaz; porque ele nunca teve poderes de representação; porque esses poderes existiam, mas foram extintos, revogados ou modificados antes da conclusão do negócio; porque os poderes não compreendem o negócio concluído ou parte dele. Todas essas situações são subsumíveis à figura e ao regime da representação sem poderes.
Estabelece o n.º 1 do artigo 268.º do Código Civil que o negócio que uma pessoa, sem poderes de representação, celebre em nome de outrem é ineficaz em relação a este, se não for por ele ratificado. O n.º 2 da norma acrescenta que a ratificação está sujeita à forma exigida para a procuração e tem eficácia retroactiva, sem prejuízo dos direitos de terceiro.
A autora tem a qualidade de única herdeira do seu pai, sucedendo-lhe na totalidade das relações jurídicas patrimoniais.
No documento datado de 23 de Setembro de 2011, a autora declarou ter conhecimento da celebração, em 5 de Junho de 2009, de uma escritura pública de venda dos imóveis do seu pai ao réu DD, e declarou renunciar à invocação de qualquer vício ou ineficácia da venda decorrente da sua celebração por intermédio de procurador apesar do anterior falecimento do pai.
Esta declaração, feita em documento que respeita a mesma forma da procuração (documento escrito com assinatura reconhecida presencialmente), consubstancia uma ratificação dos actos praticados pelo procurador sem poderes e tem por consequência a sanação da ineficácia do negócio jurídico celebrado por este (artigo 268.º, n.º 1, parte final, do Código Civil).
Comentando o artigo 268.º do Código Civil, afirma-se no Comentário ao Código Civil: Parte Geral, coord. de Luís Carvalho Fernandes, Brandão Proença, Lisboa, Universidade Católica Editora, 2014, que se «faculta ao sujeito em cujo nome o contrato (ou o negócio unilateral) foi concluído que lhe confira eficácia (“sane” a ineficácia). Através da ratificação peça fundamental da representação sem poderes, o representado recupera … o negócio concluído em seu nome, que lhe era destinado, tornando-o doravante plenamente eficaz. A ratificação constitui um negócio …. Unilateral, não carecendo, por conseguinte, de qualquer aceitação. Receptício, tem por destinatário a contraparte (aquele a quem verdadeiramente importa a ratificação. (…) Os efeitos do negócio, inicialmente improduzidos …, têm-se por verificados ex tunc, uma vez aquele ratificado. Isto é, a partir da sua celebração (como se o representante detivesse o necessário poder) e não somente para o futuro (após a ratificação). Além disso, o negócio permanece, em princípio, imune a qualquer facto ou situação posterior susceptível de obstar ao seu surgimento, validade ou eficácia inicial. Com efeito, a lei estatui expressamente ter a ratificação efeitos retroactivos (n.º 2, 2.ª parte; …). (…) A ratificação, ocorrida a sua eficácia, é irrevogável (como em geral sucede para o exercício de direitos potestativos). A revogação equivaleria, quase sempre, a uma desvinculação unilateral de um contrato (do negócio representativo). E, mesmo perante a anuência da contraparte, julgamos que não se pode admitir.»
Refira-se que caso aquela declaração não consubstanciasse uma ratificação do negócio jurídico celebrado por procurador sem poderes, a invocação da ineficácia do negócio seria, no contexto dessa declaração e por força dela, um manifesto abuso do direito por recurso à subfigura do venire contra factum proprium denominada surrectio.
Com efeito, afigura-se-nos que a pretensão de se fazer valer da ineficácia de um negócio, com fundamento na falta de poderes de representação, seis anos depois de, perante o adquirente e por ocasião da venda ao mesmo de outro bem herdado do representado, se emitir por escrito uma declaração cuja assinatura foi reconhecida notarialmente, na qual se renuncia a essa ineficácia, afronta de modo intolerável as regras da boa fé, constituindo um comportamento contraditório e, essencialmente, a violação da confiança que o adquirente podia legitimamente depositar no comportamento posterior da declarante relativamente ao negócio em causa e à intervenção no mesmo do procurador já sem poderes de representação.
De todo o modo, não é necessário invocar o instituto do abuso de direito porque no caso estamos perante uma ratificação expressa do negócio com efeitos retroactivos à data da sua celebração.
Em resultado dessa ratificação, os efeitos desse negócio tornaram-se eficazes perante a autora, pelo que os seus pedidos de declaração dessa ineficácia e da respectiva repercussão nos negócios posteriores improcedem.
Não é, pois, sequer necessário para o desfecho da acção apurar se as posteriores transmissões dos imóveis entre os réus são nulas por simulação, sendo certo, por um lado, que manifestamente ficaram por demonstrar os pressupostos desse vício e, por outro lado, que sendo a transmissão anterior impugnada pela autora válida e eficaz em relação a ela, a autora deixou de ter interesse jurídico em arguir esse vício.
Improcede assim o recurso.

VI. Dispositivo:
Pelo exposto, acordam os juízes do Tribunal da Relação julgar o recurso improcedente e, em consequência, embora com a diferente fundamentação de facto e de direito que ficaram expostas, confirmar a decisão recorrida.
Custas do recurso pela recorrente, sendo que por esta beneficiar de apoio judiciário recai sobre o IFGEJ a obrigação de pagar aos recorridos, a título de custas de parte, o valor da taxa de justiça que suportaram e eventuais encargos.
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Porto, 20 de Abril de 2023.
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Os Juízes Desembargadores
Aristides Rodrigues de Almeida (R.to 742)
Francisca Mota Vieira
Paulo Dias da Silva

[a presente peça processual foi produzida pelo Relator com o uso de meios informáticos e tem assinaturas electrónicas qualificadas]
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[1] Pedro Pais de Vasconcelos Teoria Geral do Direito Civil 5.ª Edição, Almedina, página 319, escreve que «a representação é um instituto jurídico que consiste no exercício jurídico em nome de outrem com imputação jurídica na esfera da pessoa em cujo nome se actua. Na representação há uma dissociação, uma separação, entre quem age (representante) - o actor - e aquele em cuja esfera jurídica se produz, a eficácia jurídica da acção (representado) e a quem é imputada a autoria do agir representativo - o autor. O acto praticado ou celebrado pelo representante é juridicamente imputado à autoria do representado. (…) O representante substitui o representado no exercício jurídico. Esta é a principal utilidade da representação. Ao representado pode não convir agir pessoalmente, pode não o poder fazer, ou pode, muito simplesmente, ter acordado ser outrem a agir. Pode estar impedido, por ausência, por doença, por incapacidade ou por outra causa. A representação permite suprir o impedimento, fazendo agir outra pessoa em nome do representado. Mas não é necessário que o representado esteja impedido, pode simplesmente ser-lhe mais conveniente fazer-se representar por outra pessoa.»
[2] Pedro de Albuquerque, A representação voluntária em direito civil (breve síntese de um ensaio de reconstrução dogmática), in Código Civil - Livro do Cinquentenário - II, Coordenação de António Menezes Cordeiro, Almedina, 2019, página 615 e seguintes, afirma que: «A procuração é um negócio incompleto a pressupor um negocio-base, apenas se apreendendo o sentido respectivo após a integração da procuratio no negócio global. A procuração é ainda um negócio de organização. E isso, entre outros aspectos, assegura a sua não confusão com a relação-base. A procuratio fixa as bases jurídicas nas quais outros actos ou negócios irão assentar, com vista à concretização ou materialização, em autonomia privada, do poder de representação. Por si só, ainda não está nela presente e consubstanciado o referido poder. Porém, ele já vai implicado na procuratio. Sem ela o negócio-base será impotente para permitir a realização de um negócio representativo eficaz. Noutros termos, a procuração tem, em si, já parte do substrato jurídico sobre o qual se irá fundar posteriormente o poder de representação e o negócio representativo. Na esfera do representado a procuração e a relação-base, legitimadora da actuação do procurador, formam entre si uma síntese. (…) O poder de representação corresponde a um poder potestativo dependente de uma relação jurídica base que o justifica e concretiza. Trata-se, pois, de um poder funcional e vinculado, posto ao serviço dos definidos pelo negócio-base.
[3] Segundo Heinrich Ewald Hörster, A parte geral do código civil português, Teoria Geral do Direito Civil, Almedina, 1992, página 484, «o procurador, nomeado por meio de procuração, não necessita de ter mais do que a capacidade de entender e querer exigida pela natureza do negócio que tenha de efectuar (art. 263º). Outra é a situação do outorgante dos poderes de representação; este precisa de ser capaz tanto para a procuração como para a realização do negócio a que ela se destina.»