Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1400/21.8T8VFR.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ALEXANDRA PELAYO
Descritores: AUTORIDADE DO CASO JULGADO
GESTÃO DE NEGÓCIOS
ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA
PRESCRIÇÃO
Nº do Documento: RP202402201400/21.8T8VFR.P1
Data do Acordão: 02/20/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA EM PARTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - A eficácia de autoridade de caso julgado pressupõe uma decisão anterior definidora de direitos ou efeitos jurídicos que se apresente como pressuposto indiscutível do efeito prático-jurídico pretendido em ação posterior no quadro da relação material controvertida, pelo que os juízos probatórios positivos ou negativos que consubstanciam a chamada “decisão de facto” não revestem, em si mesmos, a natureza de decisão definidora de efeitos jurídicos, constituindo apenas fundamentos de facto da decisão jurídica em que se integram.
II - O sobrinho residente no Brasil, que em face da necessidade do tio idoso e doente que necessita da ajuda de terceiros para prover à sua subsistência, acorda com um vizinho daquele, que passe a prestar ao tio os serviços necessários, contra o pagamento de quantia de montante previamente acordado, mas a pagar aquando da venda casa onde o tio reside, atua na qualidade de gestor de negócios (art. 464º do C.Civil).
III - Nas relações entre o gestor e o dono do negócio, é aplicável aos negócios jurídicos celebrados por aquele em nome deste o disposto no art. 268º do C.C.; se o gestor os realizar em seu próprio nome, são extensivas a esse negócios, na parte aplicável, as disposições relativas ao mandato sem representação.
IV - A obrigação de restituir com fundamento em enriquecimento sem causa (art. 473º do C.Civil), depende do preenchimento de requisitos cumulativos (enriquecimento de alguém, sem causa justificativa, obtido à custa daquele que pede a restituição) e de não haver outro fundamento que, a título principal, legitime o alcance dessa pretensão.
V - O direito á restituição por enriquecimento sem causa está sujeito a dois prazos de prescrição: um de três anos a contar do conhecimento do direito de restituição e da pessoa do responsável, outro, o ordinário de 20 anos, a contar segundo as regras gerais do momento em que a restituição pode ser exigida.(art. 482º do C.Civil).
VI - A eficácia da causa interruptiva da prescrição pode ser instantânea ou permanente. Os atos interruptivos judiciais, tem eficácia interruptiva permanente, dado que dão início a um processo, durante o qual pode admitir-se que o titular não. está inativo e deve, assim, manter-se a eficácia da interrupção.
VII - Uma vez interrompida, a prescrição só recomeçará a correr do momento em que transita em julgado a sentença que põe termo ao processo, ou, como na situação em apreço, em que os réus foram absolvidos da instância, por decisão dos tribunais superiores e o prazo de três anos entretanto já terminara, nos dois meses imediatos ao trânsito em julgado da decisão, nos termos do disposto no art. 327º nºs 2 e 3 do Código Civil.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 1400/21.8T8VFR.P1

Tribunal de origem: Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro - Juízo Local Cível de Santa Maria da Feira - Juiz 3

Juíza Desembargadora Relatora:

Alexandra Pelayo

Juízes Desembargadores Adjuntos:

Artur Dionísio Oliveira

Alberto Paiva Taveira

SUMÁRIO:

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I-RELATÓRIO:

Acordam os juízes que compõem este Tribunal da Relação do Porto:

AA intentou a presente ação declarativa sob a forma de processo comum contra:

1 – BB e marido CC

2 – DD e marido EE

3 – FF e marido GG

4 – HH casado que foi com II, falecido a 04/05/2015, representado por 5- II, viúva; 6- JJ casada com KK e, LL casada com MM, todos por si e em representação da HERANÇA ABERTA POR ÓBITO DE NN, falecido a 10/06/2014.

Pediu a condenação dos Réus a pagar-lhe a quantia de € 43.200,00 (quarenta e três mil e duzentos euros), ou, caso assim se não se entenda, o reconhecimento do seu crédito de € 43.200,00 a título de enriquecimento sem causa, e consequentemente a condenação dos Réus a pagar-lhes tal montante.

Para tanto e em suma alegou que, os Réus são os herdeiros de NN, sendo tal quantia devida pelos cuidados prestados pelo Autor ao falecido NN, autor da herança aqui representada pelos Réus, sendo tais cuidados prestados com: confeção das refeições, higiene pessoal, limpeza da casa, lavagem de roupa, idas ao médico, companhia de lazer, festas, pernoita, desde junho de 2008 (data da ocorrência do “AVC” ao falecido) até ao seu óbito, mediante a retribuição de € 600,00 por mês.

Na contestação, os Réus invocaram, designadamente, a exceção perentória de prescrição, porquanto já decorreram mais de 7 anos sobre as despesas peticionadas, pelo que, já decorreu o prazo de prescrição previsto no artº 317º, al. c), do Código Civil (2 anos).

Impugnaram a dependência do falecido de terceira pessoa 24 horas por dia, e bem assim impugnaram a alegada dívida.

Cumprido o contraditório, o Autor pugnou pela improcedência da prescrição. No mesmo articulado, o Autor veio suscitar a inexistência de poderes forenses da signatária da contestação, porquanto a procuração junta aos autos tem data substancialmente anterior à entrada da presente ação em juízo, e bem assim destinou-se a outro processo que não o presente, e que aí se esgota; por outro lado, a procuração não tem a assinatura dos Réus, requisito essencial para que o instrumento de procuração forense se considere válido para a sua execução.

Cumprido o contraditório quanto à inexistência de poderes forenses da signatária da contestação, veio a ser proferido despacho saneador que julgou válida a procuração junta aos autos pelos Réus; relegou o conhecimento da exceção perentória de prescrição para a final; fixou o objeto do litígio e enunciou os temas de prova.

Realizou-se a audiência de julgamento e, no final veio a ser proferida sentença, com o seguinte dispositivo:

“Pelo exposto e nos termos dos fundamentos de direito invocados, julgo a presente ação parcialmente provada, e nessa medida procedente, e em consequência condeno os Réus a pagar ao Autor a quantia total de € 29.400,00 (vinte e nove mil e quatrocentos euros), absolvendo os Réus do demais peticionado pelo Autor.

Custas a cargo do Autor e Réus, na proporção do respetivo decaimento.”

Inconformados, recorreram os RR, BB e marido CC; DD e marido OO; FF e marido GG; II, viúva, JJ e marido KK, LL e marido MM, tendo apresentado as seguintes conclusões:

“1ª- Resulta do disposto no artigo 421º do CPC, que não são os factos provados numa ação que podem ser invocados noutra ação como tal, mas tão só, que o tribunal pode noutra ação servir-se de alguns meios de prova, tais como os depoimentos/declarações de parte, depoimentos de testemunhas e perícias, que foram utilizados na ação anterior.

2ª- No entanto, tais meios de prova só podem estender-se a outros processos, quando se verifiquem os seguintes requisitos:

a) - Que as partes sejam as mesmas;

b) - Audiência contraditória da parte contrária;

c) - O regime de produção dessas provas no primeiro processo ofereça às partes garantias pelo menos iguais, nunca inferiores, às do segundo processo;

e) - Não ter sido anulada a parte do processo relativa à produção da prova que se pretende invocar.

3ª- Se não se verificar o requisito identificado supra na alínea c), os meios de prova só valem no segundo processo como princípio de prova, sujeita à livre apreciação do juiz no novo processo, devendo a resposta à matéria de facto ser valorada em conjunto com os outros meios de prova com que o tribunal for diretamente confrontado.

4ª- O Autor intentou a presente ação contra os RR em nome próprio e na qualidade de herdeiros de NN, tendo sido, inclusivamente, os próprios, em nome individual, que foram condenados, pelo que, é nosso entendimento que as partes não são juridicamente as mesmas neste processo e no processo de prestação de contas, não se verifica a possibilidade de lançar mão do valor extraprocessual das provas produzidas no processo 3888/160T8VFR, nos termos previstos no artigo 421º do CPC, como fez o Tribunal a quo.

5ª- Já que na ação de prestação de contas os Autores – aqui RR - demandaram o aqui Autor – lá R. - apenas na qualidade de herdeiros de NN, estando em causa atos praticados pelo Réu no período de 04/08/2014 a 23/05/2016, no âmbito do mandato que lhe foi conferido pelas procurações identificadas nos pontos 14) e 15) da matéria de facto provada.

6ª- Portanto, as partes não são juridicamente as mesmas.

7ª- Pelo exposto, o Tribunal a quo violou a norma do direito probatório do artigo 421º do CPC, ao considerar na sentença o teor do depoimento e das declarações de parte do aqui A., bem como das testemunhas PP e QQ, prestados no âmbito do processo 3888/16.0T8VFR, cuja transcrição foi junta aos autos através de requerimento com a referência citius 13955403, datado de 04/01/2023.

8ª- Contudo, sem prescindir do vindo de expor e por mera cautela de patrocínio, mesmo no caso de se entender que as partes são as mesmas nos dois processos, o regime de produção das provas no processo de prestação de contas, designadamente na 1ª fase do processo, não ofereceu, de facto, às partes as mesmas garantias que foram oferecidas no presente processo comum.

9ª- Uma vez que tais depoimentos foram prestados na 1ª fase do processo especial de prestação de contas, sendo que essa primeira decisão apenas visava definir os termos em que a obrigação de prestar contas se deveria processar.

10ª- Portanto, para a eventualidade de se considerar que as partes são as mesmas nos dois processos, e como os processos são diferentes – um especial e o outro comum – não se verifica o requisito identificado supra na alínea c), do artigo 421º do C.P.C, e, portanto, os meios de prova só valem no segundo processo como princípio de prova, sujeita esta à livre apreciação do juiz no novo processo, devendo tais depoimentos serem valorados em conjunto com os outros meios de prova com que o tribunal foi diretamente confrontado.

11ª- Nada obstando a que, nesta nova valoração, se possa dar como não provados factos que foram considerados provados na primeira ação ou vice versa.

12ª- Acresce ainda que, a matéria que deve figurar como matéria de facto nestes autos tem forçosamente de ter sido alegada nos articulados pelas partes porque o princípio da eficácia extraprocessual das provas, não permite importar factos provados noutra ação, precisamente porque a matéria de facto provada numa ação não tem valor de caso julgado.

13ª- Pelo exposto, a douta sentença, ao ter em conta para a fixação da matéria de facto os depoimentos prestados no âmbito da ação especial de prestação de contas n.º 3888/16.0T8VFR, violou o disposto no artigo 421º do CPC, sendo nula, nos termos do disposto no artigo 615º, nº 1, alínea d) in fine, do CPC, nulidade que aqui se invoca para todos os efeitos legais.

14ª- Os RR/Recorrentes impugnam a matéria de facto dada como provada e constante dos pontos 5, 6, 9, 10, 11, 12 e 13, contrariando, deste modo a apreciação critica da prova feita pelo Tribunal a quo.

15ª- Relativamente ao Ponto 5 da matéria de facto dada como provada: “5. No dia 1 de abril de 2010, o falecido NN foi acometido por uma trombose cerebral com enfarte (“AVC”) que o deixou limitado fisicamente.”, consta dos autos, com a referência citius 137538821, datada de 16/11/2022, o Ofício emitido pelo SNS, relativo ao falecido NN, que, em forma de conclusão, necessariamente concisa, refere que NN teve alta em 08/04/2010, clinicamente melhorado e analiticamente bem, tendo como recomendações, hidratação adequada, marcha vigiada (risco de queda) e avaliação regular da pressão arterial.

16ª- Este documento está em sintonia com o que foi dito em sede de audiência de julgamento, pela Ré DD no seu depoimento de parte, prestado no dia da audiência de julgamento - 27/04/2023, com início às 15h57m, gravado no ficheiro áudio 20230427153_4061576_2870482, onde refere que o tio era autónomo, cuidava-se, fazia a comida e vivia sozinho.

17ª- Pelo que entendemos que o Ponto 5 da matéria de facto deverá ser alterado, passando a ter a seguinte redação: 5. No dia 1 de abril de 2010, o falecido NN foi acometido de uma trombose cerebral (AVC), tendo tido alta no dia 04/04/2010, com possibilidade de marcha com algum retropulsão, que tem vindo a melhorar.

18ª- Também o ponto 6 da matéria de facto deverá ser alterado, de acordo com o alegado pelo próprio Autor no artigo 11º da sua Petição Inicial, de que NN sempre esteve muito consciente, e de acordo com o documento emitido pelo SNS - ARS Norte, no qual se refere que o mesmo não estava impossibilitado de cuidar de si e de andar, bem como o depoimento de parte da Ré DD, no seu depoimento de parte, prestado no dia da audiência de julgamento - 27/04/2023, com início às 15h57m, gravado no ficheiro áudio 20230427153_4061576_2870482 ao minuto 09:48, esta sobrinha que era também afilhada de RR, para além de visitar o seu tio HH em Portugal. também lhe telefonava uma vez por mês, ao domingo, depois dele ir à missa.

19ª- Face a estes elementos de prova, entendemos que o Ponto 6 da matéria de facto deverá ser alterado, passando a ter a seguinte redação: 6. … nessa altura, o Autor, via telefone, contactou o sobrinho SS (um dos Réus, entretanto falecido) – por ser o único sobrinho que conhecia – e inteirou-o do estado de saúde do seu tio HH.”

20ª- Os RR também não aceitam a matéria de facto dada como provada no Ponto 9: “9.O sobrinho HH, por si e em representação dos demais herdeiros do falecido NN (pessoas identificadas em 4), solicitou ao Autor e sua mulher que tomassem a seu cargo os cuidados de seu tio, fazendo-lhe as refeições, levando ao médico, limpando a casa, prestar serviços de higiene pessoal, passar a pernoitar na casa do mesmo e, em contrapartida, compensava-os com € 600,00 mensalmente.”

21ª- Com efeito, é um facto notório, que em 2010, não existiam herdeiros de NN.

22ª- O tio dos RR esteve sempre lúcido até ao momento em que teve o segundo AVC e que ocorreu poucos dias antes do seu decesso, pelo que podia em qualquer momento da sua vida alterar o testamento e dispor livremente dos seus bens, instituindo seus herdeiros quem ele entendesse.

23ª- O facto provado: “o sobrinho HH, por si e em representação dos demais herdeiros (pessoas identificadas em 4), reportando-se ao ano de 2010, é um facto que não é suportado por nenhum elemento de prova e que contraria as regras da experiência comum e o normal acontecer da vida das pessoas.

24ª- Na verdade, em 2010, ninguém poderia acordar o que quer que seja na qualidade de herdeiro de uma pessoa que está viva.

25ª- Acresce que, não foi junto aos autos documento que comprove que HH tivesse poderes de representação dos seus primos, nem foi sequer alegado que estes tivessem ratificado tal acordo, sendo, por isso o mesmo ineficaz em relação a estes, em nome individual.

26ª - Este ponto da matéria de facto refere ainda “pessoas identificadas em 4”, sem que a sentença especifique e fundamente de que modo chegou a esta conclusão, nem como depois a mesma sentença acaba por condenar todos os RR, violando assim claramente o disposto no artigo 607º, nº 4 do C.P.C.

27ª- Mesmo para a hipótese de se considerar a prova extraprocessual tida em conta na sentença da qual se recorre, quem efetivamente prestava serviços de limpeza em casa do NN, não era o Autor nem a mulher deste, mas a testemunha QQ – cfr. o depoimento da testemunha QQ, prestado no dia 30/05/2018, com início às 14h17m e termo às 14h40m, gravado no ficheiro áudio 20180520141700_3637322_2870482, e agora transcrito a fls. 60 da transcrição junta aos autos – cfr. doc. junto com o requerimento com a referência citius 13955403 de 04/01/2023 e que aqui se dá por reproduzido o excerto já transcrito na impugnação da matéria de facto.

28ª- Pelo que, pelo vindo de expor, este facto deverá ser considerado como não provado.

29ª- Quanto ao Ponto 10: “10 … dinheiro que seria entregue aquando da venda do prédio onde residia o seu tio, alegando que o mesmo não possuía dinheiro.”, os únicos depoimentos que referem que NN não possuía dinheiro são os do aqui Autor ouvido em depoimento e em declarações de parte, em 08/11/2017, no processo de prestação de contas 3888/16.0T8VFR e o da testemunha PP, sua mulher.

30º- Ora, as partes têm interesse no desfecho da ação, pelo que as suas declarações deverão ser tidas em conta com algum cuidado e devidamente correlacionadas com a restante prova.

31ª- No depoimento do aqui Autor, prestado enquanto réu, no processo 3888/16.0T8VFR, no dia 30/05/2018, com início às 14h17m e termo às 14h40m, gravado no ficheiro áudio 20180520141700_3637322_2870482, e agora transcrito e junto aos presentes autos através do requerimento com a referência citius 13955403 de 04/01/2023 – pág. 4, 5 e 6 – e tido em consideração pela douta sentença, o Autor referiu que o de cujus NN não tinha contas bancárias.

32ª- Ora, na data em que o aqui Autor prestou depoimento e declarações de parte, o mesmo não podia ignorar a existência das contas bancárias no Banco 1..., porque, para além de já ter apresentado a Relação de Bens no Serviço de Finanças de Santa Maria da Feira, onde tinha detalhadamente identificado essas contas, também já tinha feito uso da procuração que os herdeiros de NN lhe outorgaram, transferindo em 02/02/2015 para a sua conta bancária a quantia de 37 500,00€ - cfr Oficio do Banco 2... junto aos autos em 13/12/2022, referência citius 13874048.

33ª- Com efeito, apesar do Banco 2... ter inicialmente prestado a informação aos (autos de prestação de contas 3888/16.0T8VFR) e a estes autos – ref.ª citius 13753821 datado de 17/11/2022 de que NN não possuía contas bancárias, posteriormente, o mesmo Banco confrontado com informação contrária do Serviço de Finanças e do Banco de Portugal, acabou por confirmar que afinal existiam contas bancárias – cfr. Ofício Banco 2... junto aos autos através da referência citius ... datada de 16/12/2022 – e que tinham, os seguintes saldos:

- Conta à Ordem n.º ...………………. 951,07€

- Conta CR n.º ...…………………….. 14 200,00€

- Conta CR n.º ... ……………………. 55 000,00€

- Conta CR n.º ... ……………………. 11 000,00€

- Conta CR n.º ... …………………….. 0,00€

- Conta CR n.º ... ……………………... 1 050,00€

34ª- Pelo que a forma como o aqui Autor prestou depoimento e declarações de parte no primeiro processo - e que foi tido em consideração na sentença proferida nos presentes autos (cfr. motivação da douta sentença) – é compatível com uma atuação premeditada no sentido de prejudicar os RR, enquanto herdeiros de NN e obter um benefício financeiro indevido, relativamente ao saldo positivo que devia e ainda deve no âmbito do processo de prestação de contas 3888/16.0T8VFR, não podendo de forma alguma ser tido em conta como um depoimento sincero, coerente e credível.

35ª- E, se na 1ª fase do processo de prestação de contas 3888/16.0T8VFR, que culminou com o Acórdão do TRP, datado de 05/11/2020, ainda não havia, processualmente, o conhecimento da existência das contas bancárias e dos valores avultados nelas depositados, nem da transferência feita (e ostensivamente ocultada pelo Autor) da quantia de 37 500,00€, para uma conta de que o Autor era titular, fazendo uso da procuração identificada no ponto 15 da matéria de facto provada, agora, a decisão sobre este facto terá de ser valorada em conjunto com estes novos meios de prova documental que não foram impugnados pelo Autor.

36ª- De notar que o Autor alega e atribui a si próprio a prática de factos que um homem medianamente sagaz e experiente colocado na mesma posição do Autor nunca os praticaria, designadamente, os diversos e sucessivos pagamentos do seu próprio bolso de quantias avultadas em impostos e outras despesas, incluindo honorários a advogada, que ultrapassam a dezena de milhar de euros de quem, segundo o próprio, já lhe devia mais 40 mil euros.

37ª- E, na verdade, como vimos, o A. não pagou nada do seu bolso, porque, como vimos, fazendo uso dos poderes que as procurações lhe conferiam - pontos 14 e 15 da matéria de facto provada – o mesmo acabou, na prática, por ficar na posse, quer do produto da venda do imóvel da herança quer de todo o dinheiro depositado nas contas bancárias, ou seja, com toda a herança que NN deixou por testamento aos aqui RR.

38ª- O que o Autor fez foi delinear um plano, aproveitando-se da morte prematura deste sobrinho, para ficar com todos bens da herança, alegando um hipotético contrato com o mesmo, e, o que é facto, é que foi muito difícil aos RR descobrirem as contas no Banco 1... (agora Banco 2...) e este levantamento injustificado da quantia de 37 500,00€ por parte do aqui Autor.

39ª- Sendo ainda inverosímil que quer NN quer HH, este cotitular das contas bancárias identificadas na conclusão 36ª, tivessem alguma vez alegado que não possuíam dinheiro e que só pagariam ao Autor qualquer valor que a este fosse devido, apenas depois de venderem o imóvel da herança.

40ª- A testemunha PP, mulher do Autor, cujo depoimento foi prestado na audiência de julgamento e se encontra gravado no ficheiro áudio 20230427151256_4061576_2870482, agora – ao contrário do que o seu marido afirma na PI - chega inclusivamente a afirmar de forma perentória que o acordo com o falecido HH englobava para além do produto da venda da casa também o dinheiro depositado nas contas bancárias.

41ª- O que significa que o Tribunal não poderia deixar de ter em consideração o facto de o Autor ter mentido ao Tribunal, nem os factos notórios vindos de expor e como consequência dar como não provado este ponto da matéria de facto, e, como consequência também os Pontos 11, 12 e 13 da matéria de facto provada.

42ª- Face ao documento emitido pelo SNS e o depoimento prestado por DD, entendem os recorrentes que deverá ser acrescentado à matéria de facto provada o seguinte ponto:

- NN não precisava de cuidados especiais nem tinha ninguém a pernoitar consigo durante a noite, porque, apesar da sua idade manteve-se sempre lúcido e com mobilidade suficiente para fazer a sua higiene e cuidar de si.

43ª- Pelo vindo de expor, existe no nosso modesto entendimento, uma manifesta contradição entre os fundamentos de facto subjacentes à sentença e a decisão de condenação, o que, por força do disposto no artigo 615º, nº 1 alínea c) do CPC, conduz à nulidade da sentença, vício este que aqui também expressamente se invoca e, como consequência, deverão os RR serem absolvidos do pedido.

44ª- Sem prescindir do exposto, entendemos que a douta sentença aplicou mal o direito, desde logo porque o Autor intentou a presente ação contra todos os Réus/Recorrentes por si próprios e em representação da Herança aberta por óbito de NN, tio dos aqui Réus, falecido em 10/06/2014, no estado de viúvo, no entanto, e conforme alegado na Petição Inicial pelo Autor, o sobrinho do de cujus, HH, faleceu em 04.05.2015, portanto, antes da propositura da presente ação judicial e estaria aqui representado pelos herdeiros II, viúva, JJ, casada com KK e LL, casada com MM.

45ª- Contudo não é suficiente que o Autor afirme que os RR são os únicos herdeiros de determinada pessoa, para que essa qualidade se tenha como demonstrada, sendo necessário alegar e provar os atos constitutivos da sucessão “mortis causa”, o que pode ser feito, nomeadamente, através de habilitação notarial ou judicial, justificando-se, desse modo, a qualidade de herdeiro do falecido para os fins peticionados na presente ação, o que não aconteceu.

46ª- É que, de facto, estamos em presença de duas heranças:

- A herança aberta por óbito de NN, tio dos aqui Réus, falecido em 10/06/2014, no estado de viúvo; e

- A herança aberta por óbito do sobrinho HH, natural do Brasil, que faleceu em 04/05/2015, no estado de casado com II, sob o regime da comunhão de adquiridos.

47ª- Não foi junta aos autos qualquer habilitação de herdeiros, por óbito de HH, falecido em 04/05/2015.

48ª- As habilitações juntas aos autos referem-se às heranças abertas por óbito de RR – cfr. doc. n.º 5 junto com a Petição Inicial e NN – cfr. doc. nº 2 junto com a Petição Inicial.

49ª- Pelo que o pedido tal como foi formulado pelo Autor na sua petição inicial tem forçosamente de improceder.

50ª- Na verdade, no caso concreto, o Autor alega, como causa de pedir, a existência de um contrato estabelecido entre o aqui Autor e o falecido HH (sobrinho de NN), embora refira também que este sobrinho acordou em representação dos demais herdeiros de seu tio NN.

51ª– No entanto, não havendo nenhum documento que comprove esses poderes de representação, o alegado contrato celebrado sem poderes de representação em nome de outrem é ineficaz em relação a este, se não for ratificado.

52ª– Para além desse alegado acordo não ter sido ratificado pelos demais herdeiros, também não foi alegada a intervenção nesse acordo do próprio NN, pelo que, a existir um direito de crédito de que o Autor se arroga proveniente de um alegado contrato de prestação de serviços domésticos que vinculava HH de um lado e o Autor e a mulher deste, do outro, então, por força do falecimento de HH em 04/05/2015, tal direito repercutir-se-á na herança aberta por óbito deste e não na herança aberta por óbito NN.

53ª– Acresce ainda que, tal como o autor configurou o facto jurídico de onde emerge o pedido que faz, para que a legitimidade ativa estivesse assegurada, também teria de figurar (e não figura) como Autora PP, mulher do aqui Autor AA, que terá prestado, na versão do Autor, cuidados e serviço doméstico ao falecido NN.

54ª- Como já se referiu, o sobrinho HH, já havia falecido à data da propositura da presente ação, pelo que a responsabilidade pelo pagamento de um qualquer encargo emergente de um qualquer contrato estabelecido entre o Autor e o sobrinho de NN, efetivamente não recai sobre o património autónomo da herança de que os aqui RR/Recorrentes são herdeiros, muito menos responderá por qualquer dívida o património pessoal de cada um dos seus herdeiros.

55ª- Assim, a douta sentença violou o disposto nos artigos 2024º, 2025º, 2068º, 2071º, 2091º e 2097º todos do Código Civil.

56ª- E, assim, em consequência da exceção dilatória de ilegitimidade das partes, prevista na alínea c) do artigo 577º, do CPC, os RR deverão ser absolvidos do pedido.

57ª- Finalmente, a sentença considerou não se verificar a exceção perentória de prescrição presuntiva, prevista no artigo 317º, alínea c) do CC e invocada pelos RR/recorrentes, no entanto, salvo o devido respeito, a sentença confunde a extinção da obrigação com a presunção do seu cumprimento.

58ª- O artigo 298º, nº 1 do CC refere que “ Estão sujeitos a prescrição, pelo seu não exercício durante o lapso de tempo estabelecido na lei, os direitos que não sejam indisponíveis ou que a lei não declare isentos de prescrição.”, assim, no caso dos autos, o início da contagem do período de 2 anos iniciou-se com o óbito de NN, ou seja, em 10/06/2014, uma vez que o Autor podia exercer o seu direito a partir desta data – artigo 306º, nº 1 do CC.

59ª “ As prescrições presuntivas “fundam-se na presunção de cumprimento” – artigo 312º do CC – procurando proteger o devedor contra o risco de satisfazer duas vezes dívidas que costumam ser pagas de imediato e cujo pagamento não é usual exigir recibo de quitação ou guardá-lo por muito tempo.

60ª- Esta presunção de cumprimento pelo decurso do prazo só pode ser ilidida por confissão do devedor originário ou daquele a quem a dívida tiver sido transmitida por sucessão, judicial ou extrajudicial, mas neste caso com a limitação de ter de ser feita por escrito.

61ª- Se o devedor praticar em juízo atos incompatíveis com a presunção de cumprimento, como fizeram aqui os RR invocando a inexistência da dívida e impugnando o alegado contrato, considerar-se-ia uma confissão tácita da divida – cfr. artigo 314º do CC, contudo, como os aqui RR são demandados na condição de herdeiros, os factos da causa de pedir não são pessoais dos RR, e, portanto, é-lhes lícito invocar outras defesas para além da presunção de pagamento.

62ª - A prescrição presuntiva, fundando-se numa presunção de cumprimento, beneficia do regime das presunções legais – artigos 350º, nº 1 e 312º do CC, - que ditam a inversão do ónus da prova – 344º, nº 1 do CC – o que tem como consequência ser o Autor a ter de provar que o pagamento não ocorreu.

63ª- Ora, o Autor notificado para o exercício do contraditório, não logrou fazer essa prova, pelo que, a defesa pela exceção perentória da prescrição sempre deverá ser julgada procedente por provada e, consequentemente serem os RR absolvidos do pedido, ao não entender assim, a douta sentença, violou o disposto nos artigos 317º, alínea c) do Código Civil, 571.º, n.º 2 parte final e 576.º, nº 3, do Código de Processo Civil.

Nestes termos vindos de concluir e nos demais de direito, deverá o recurso ora interposto ser julgado procedente, e, em consequência serem os Recorrentes absolvidos do pedido feito pelo Autor, fazendo-se assim a necessária Justiça.”

Também recorreu o Autor AA, não se conformando com a sentença, na parte que lhe foi desfavorável, tendo interposto Recurso de APELAÇÃO, com as seguintes conclusões:

“1º. O presente recurso tem por objeto a sentença proferida pelo Tribunal de 1ª Instância com a ref.ª 127358564, e versa sobre matéria de facto e de direito, bem como, sobre a reapreciação da provada gravada em audiência de discussão e julgamento.

2º. Em suma o Tribunal a quo julgou parcialmente provada a ação de processo comum, condenando os Réus no pagamento ao Autor do valor de 29.400,00€ pelos cuidados por si prestados ao falecido NN desde abril de 2010 a 10 de junho de 2014.

3º. Considera o Recorrente desde logo que a pronúncia do Tribunal a quo que encerra o ponto 5) e consequentemente condiciona em termos temporais os pontos 6), 7), 8), 9), 10) e 11) dos factos provados consubstancia uma ofensa da autoridade do caso julgado.

4º. O Autor foi citado no âmbito do processo 3888/16.0T8VFR – Juízo Local Cível de Santa Maria da Feira – Juiz 3 – Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro para prestar contas aos aqui Réus relativamente aos bens deixados pelo falecido NN.

5º. Nessa sequência o Autor aí prestou as contas devidas, e ainda, através de pedido reconvencional peticionou o seu crédito aos Réus pelos cuidados por si prestados ao falecido NN, autor da herança aqui representada pelos Réus (confeção de refeições, higiene pessoal, limpeza da casa, lavagem da roupa, idas ao médico, companhia de lazer, festas, pernoite), desde, pelo menos junho de 2008 até ao seu óbito mediante retribuição de €600,00 por mês.

6º. Foi admitido o pedido reconvencional do Autor, onde foi produzida prova, quer documental, quer testemunhal sobre o mesmo, tendo resultado matéria factual provada nessa sede, nomeadamente os pontos 11 e 12 da matéria factual aí provada.

7º. Sucede que, em sede de recurso os Réus (Requerentes na ação de prestação de contas) alegaram não poder formalmente existir reconvenção no âmbito da ação de prestação de contas, alegação que resultou procedente em acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Porto datado de 11.05.2020.

8º. Pelo que, o Tribunal da Relação do Porto considerou ser de manter a matéria factual provada tal e qual como constava na decisão do Tribunal de 1ª Instância por se encontrar corretamente valorada, mas decidindo que a prestação de contas não levasse em linha de conta os valores aí apurados.

9º. Por esse motivo, viu-se o Autor obrigado a recorrer novamente aos Tribunais intentando a presente acção declarativa comum que tem como objeto o mesmo que havia sido peticionado na ação de prestação de contas em reconvenção.

10º. Na qual o Autor requereu na sua petição inicial prova extraprocessual, nos termos do art. 421º do CPC, oferecendo toda a prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento no âmbito da prestação de contas identificada em 4, bem como toda a documentação aí junta, por uma questão de economia processual, e por se encontrarem reunidos todos os requisitos legais da sua admissibilidade.

11º. Sobre esta prova, e após contraditório conferido aos Réus, pronunciou-se o Tribunal a quo através de despacho datado de 28-11-2022 e com a ref.ª124657743, deferindo a mesma, por se encontrarem reunidos os requisitos legais e ainda por ter sido o mesmo Tribunal que presidiu à prestação de contas, que iria presidir à produção de prova desta nova ação (os presentes autos), tendo transitado em julgado.

12º. Ora, entende o Recorrente que, uma vez fixado no âmbito do processo 3888/16.0T8VFR no seu acervo fáctico provado, que o Autor prestou os mencionados cuidados desde julho de 2008, não poderia fixar-se de forma distinta nestes autos que tal prestação de cuidados foi-o apenas desde 1 de abril de 2010.

13º. Porquanto, nas duas ações se procurou saber se houve ou não, e a partir de que data, prestação de cuidados por parte do Autor ao falecido NN, e qual o valor acordado por tais cuidados.

14º. Em regra, o caso julgado não se estende aos fundamentos de facto da decisão. Ou melhor: estes fundamentos não adquirem valor de caso julgado quando são autonomizados da respetiva decisão judicial.

15º. Contudo, a regra acabada de enunciar comporta exceções, nomeadamente quando comporta uma relação de prejudicialidade verificando-se que o fundamento da decisão transitada condiciona a apreciação do objeto de uma acção posterior, o que é o caso.

16º. No caso dos autos, sendo as mesmas as partes no processo, não se verificando identidade do pedido, nem da causa de pedir, é «no essencial, o mesmo conjunto de facto concretos» trazidos pelo Autor ao tribunal na anterior ação e na presente (na anterior ação o Autor deduzido por via reconvencional, nos termos previstos no art. 266º do CPC).

17º. Na acção nº 3888/16.0T8VFR, tais factos foram impugnados pelos ali Requerentes e, após instrução participada, recaiu sobre eles, uma sentença, uma decisão incidenter tantum, que foi inclusive reapreciada por este Tribunal.

18º. É para nós inequívoco, que a especificação e quantificação dos cuidados e do custo dos mesmos. foi antecedente lógico indispensável à emissão da sentença aí proferida, pelo que, em princípio, estaria a coberto pela referida autoridade do caso julgado.

19º. Pode concluir-se que o processo em que foi proferida a decisão vinculativa –processo nº 3888/16.0T8VFR – foi assegurado aos aqui Recorridos, garantias de defesa iguais às previstas nestes autos.

20º. Na anterior ação o tribunal conheceu dos factos alegados pela Autor tendo-os dado por provados, pelo que a decisão sobre eles proferida no anterior processo deverá vincular o tribunal, que é o mesmo, neste processo resultando precludida a possibilidade de este Tribunal, com a mesma prova, dar diferente resposta relativamente aos mesmos factos.

21º. Em suma, a autoridade do caso julgado implica o acatamento de uma decisão proferida em ação anterior cujo objeto se inscreva, como pressuposto indiscutível, no objeto de uma ação posterior, ainda que não integralmente idêntico, de modo a obstar a que a relação jurídica ali definida venha a ser contemplada, de novo, de forma diversa.

22º. Pelo que, o Tribunal a quo, ao alterar a decisão quanto à matéria de facto, na parte em que fora de modo diverso decidido no Proc. 3888/16.0T8VFR, incorreu em violação do caso julgado/autoridade do caso julgado formado sobre a decisão anteriormente proferida, nos termos definidos, devendo, em consequência e em conformidade com aquela decisão, ser alterada a data a partir da qual o Autor prestou os cuidados provados para julho de 2008, modificando-se a decisão nessa sequência.

CASO ASSIM NÃO SE ENTENDA,

23º. Considera ainda que o Recorrente o Tribunal a quo errou na valoração da prova produzida em audiência de discussão e julgamento, bem como, da prova documental junta aos autos, relativamente aos pontos 5, 6, 7, 8, 9, 10 e 11 dos factos provados, e consequentemente, 1 e 2 dos factos não provados.

24º. Entendeu o Tribunal a quo para dar como provado o ponto 5, e dar como provados os pontos 6, 7, 8, 9 , 10 e 11 balizados no momento temporal fixado em 5) que as testemunhas foram unanimes que os cuidados prestados pelo Autor ao falecido foram-no apenas após o AVC do mesmo, e que tal episódio apenas ocorrera a 1 de abril de 2010 conforme registos clínicos.

25º. Ora, não pode o Recorrente concordar com tal entendimento salvo devido respeito por opinião contrária, já que, desde logo, não existe apenas uma menção a um AVC nos registos clínicos do falecido.

26º. Da documentação junta aos autos pela Unidade de Saúde que acompanhava o falecido, que se encontra a 16-11-2022 com a referência Citius n.º 13753821, existe um documento hospitalar no qual há efetivamente registo de um AVC a 01/04/2010 que diagnosticaram como Bloqueio Auriculo- ventricular 1º grau.

27º. Sucede que, dos registos clínicos de consulta, nomeadamente, de 09-04-2007, já existe aí referencia à existência de um bloqueio A-V de 1º grau detetado nessa época, pelo que não o episódio de 01/04/2010 não foi o único AVC do falecido, não podendo ser utilizado como baliza temporal para os restantes cuidados.

28º. De resto, todas as testemunhas foram unanimes, no sentido de que o falecido NN, teve mais do que um AVC ainda que cada um deles progressivamente com mais sequelas que o anterior.

29º. Nomeadamente as declarações de parte do Autor AA, a testemunha TT, UU, VV e QQ, conforme excertos que se identificam, localizam e transcrevem nas páginas 19 a 32 deste articulado supra e que aqui se dão por reproduzidos para todos os efeitos legais, por uma questão de economia processual

30º. Todas estas testemunhas, bem como, o Autor nas suas declarações de parte foram unânimes de que o primeiro AVC que o falecido NN foi acometido aconteceu pouco tempo após a morte da sua mulher.

31º. Todas as testemunhas foram unanimes em afirmar que o Autor e sua mulher já vinha prestando cuidados de saúde e auxílio ainda que menos regularmente ao falecido e à sua esposa no seu fim de vida quando a mesma estava com alzheimer.

32º. A verdade é que a incapacidade das testemunhas para definir uma data concreta, como mês e ano, a partir da qual o Autor iniciou a prestação de cuidados ao falecido NN, revela-se, se ouvirmos atentamente os depoimentos prestados, precisamente no facto de tais cuidados serem já prestados ainda que com menos regularidade quando a esposa do Sr. NN ainda era viva.

33º. Após a morte da mulher do Sr. NN, todas as testemunhas foram unânimes que tal facto abalou e deprimiu bastante o falecido NN, que não cozinhava para si, tinha muita idade e não podia estar sozinho sem cuidados.

34º. O que de resto se revela perfeitamente plausível, compatível com as regras da experiência comum, que uma pessoa que necessita de cuidados da idade que já tinha à época, mais de 80 anos, claramente necessita ao longo dos anos que passam cada vez mais cuidados, e outro tipo de cuidados.

35º. Efetivamente os cuidados inicialmente prestados pelo Autor e sua esposa ao falecido, à medida da sua evolução foram adaptados consoante as necessidades do cuidado. Notoriamente se diga que qualquer pessoa que contrate um lar para os seus cuidados, não entra nesse lar com os mesmos cuidados com que acaba no seu falecimento

36º. Há, de facto, pelos testemunhos prestados, uma debilitação gradual do estado de saúde do falecido, o que de resto é normal atento a sua idade avançada e que inclusive nos últimos anos deixou de sair de casa por completo.

37º. Contudo, do depoimento de PP nestes autos (minutos 04:05) e das declarações de parte do Autor no processo 3888/16.0T8VFR (minuto 43:59) , resulta claramente que tais cuidados iniciaram se de forma regular e diária desde 2008, concretamente julho de 2008.

38º. Tendo sido nessa época que contactaram o sobrinho do falecido, SS que acordou com o Autor que os mesmos tomassem conta do seu tio, que viria a Portugal entretanto para solucionar a questão.

39º. Ora, daqui resulta que analisados e conjugados os depoimentos supra transcritos, de resto tidos pelo tribunal a quo como espontâneos, sinceros, sem qualquer interesse no desfecho da lide, permite perceber a partir desde 2005 que Autor e esposa já auxiliavam o falecido e a sua mulher e que desde pelo menos 2008 que esses cuidados se tornaram permanentes e diários.

40º. Até porque, e apesar de o sobrinho apenas ter vindo um ano após o telefonema a Portugal altura que tudo ficou definido, nomeadamente o montante mensal de pagamento, o Autor não tinha qualquer obrigação de prestar tais cuidados durante o ano que mediou o telefonema e a vinda do sobrinho da Portugal.

41º. Pelo que o seu não pagamento sempre consubstanciaria um locupletamento da herança à custa do Autor, nos termos do enriquecimento sem causa o que desde já se invoca.

42º. Assim sendo analisados estes depoimentos temos que a sua análise cuidada obrigaria e impunha outro entendimento, nomeadamente, no que respeita aos factos 5, 6, 7 e 9 da matéria de facto provada no que diz respeito momento temporal a partir do qual foram prestados os mencionados cuidados e que existiu o acordo referido.

43º. Pelo que, entende o Recorrente que o Tribunal a quo ao decidir como decidiu fez uma errada valoração da prova produzida em audiência de discussão e julgamento bem como da prova documental junta aos autos, pelo que se impõem a sua reapreciação.

44º. Assim sendo, por tudo o exposto deverá a redação dos pontos 5, 6, 7 e 9 dos factos provados ser alterada a sua redação e passar a constar a seguinte:

5. No dia 1 de abril de 2010, o falecido NN foi acometido por uma nova trombose cerebral com enfarte (“AVC”) que o deixou ainda mais limitado fisicamente.

6. Em julho de 2008, o Autor, via telefone, contactou o sobrinho SS (Réu, entretanto falecido) – por ser o único sobrinho que o visitava – e inteirou-o do estado de saúde do seu tio HH e que o mesmo não tinha condições para viver sozinho e de cuidar de si.

7. Na sequência desta chamada o sobrinho HH por si e em representação de todos os herdeiros acordou com o Autor que prestasse todos os cuidados necessários ao seu tio NN até que viesse a Portugal o que ocorreu cerca de um ano depois.

9. O sobrinho HH, por si e em representação dos demais herdeiros do falecido NN (pessoas identificadas em 4) solicitou ao Autor e mulher que continuassem a tomar a seu cargo os cuidados do seu tio, fazendo-lhe as refeições, levando ao médico, limpando a casa, prestar serviços de higiene pessoal, passar a pernoitar na casa do mesmo e, em contrapartida, compensava-os com €600,00 mensalmente.

45º. E bem ainda, deverá a matéria factual constantes dos pontos 1 dos factos não provados ser levada ao elenco dos factos provados.

Por tudo o exposto o Tribunal a quo ao decidir como decidiu violou os artigos 2º, 421º, 576º, n.º1 e 2, 577º, al. b) e i), 578º, 580º, 581º, 608º, n.º1 e 2, 609º, n.º1 e 2, 615º, n.º1, al. d) e e), 607º n.º4 e 5, 619º n.º1, 620º, 621º, 941, 942º, 944º e 945 todos do CPC, art 342º, 343º e 344º, 473º, 479º do Código Civil, art. 2 da Constituição da República Portuguesa.

TERMOS EM QUE, DEVEM AS PRESENTES ALEGAÇÕES DE RECURSO SER RECEBIDAS, JULGADAS PROCEDENTES POR PROVADAS, E CONSEQUENTEMENTE, SER REVOGADA A DECISÃO PROFERIDA PELO TRIBUNAL DE 1ª INSTÂNCIA: JULGANDO PROCEDENTE A EXCEPÇÃO DE CASO JULGADO/AUTORIDADE CASO JULGADO MODIFICANDO-SE A

DECISÃO NESSA SEQUÊNCIA, OU CASO ASSIM NÃO SE ENTENDA, REVOGANDO-SE A MESMA NOS MOLDES SUPRA EXPOSTOS, SÓ ASSIM SE FAZENDO JUSTIÇA.”

O Autor AA, notificado das Alegações de Recurso apresentadas pelo Réu veio apresentar as suas CONTRA-ALEGAÇÕES, pugnando pela improcedência daquele recurso.

Os recursos foram admitidos, como apelação, a subir nos próprios autos e imediatamente, e com efeito meramente devolutivo, nos termos conjugados dos artºs 644º, nº 1, al. a), 645º, nº 1, al. a), 647º, nº 1, todos do CPC.

De seguida, a Srª. Juíza pronunciou-se relativamente às nulidades arguidas, no sentido que a sentença não padece das nulidades invocadas no recurso.

Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

II-OBJETO DOS RECURSOS:

Sem prejuízo do conhecimento oficioso, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações, não podendo este Tribunal de recurso conhecer de matérias nelas não incluídas.

As questões decidendas, delimitada pelas conclusões dos recursos, são as seguintes:

Recurso dos Réus:

-Inadmissibilidade da prova extraprocessual.

-Nulidade da sentença;

-Modificabilidade da matéria de facto;

-Erro na aplicação do direito, e;

-Ocorrência da prescrição.

Recurso do Autor:

Modificabilidade da matéria de facto – efeitos do caso julgado.

Recurso dos RR:

III- DA (IN)ADIMISSIBILIDADE DA PROVA EXTRAPROCESSUAL

Os réus aqui Apelantes, vieram defender que o tribunal a quo, violou a norma do direito probatório do artigo 421º do CPC, ao considerar na sentença o teor do depoimento e das declarações de parte do aqui A., bem como das testemunhas PP e QQ, prestados no âmbito do processo 3888/16.0T8VFR, cuja transcrição foi junta aos autos através de requerimento com a referência citius 13955403, datado de 04/01/2023.

Defendem que as partes não são as mesmas num e noutro processo, isto porque, o Autor intentou a presente ação contra os RR em nome próprio e na qualidade de herdeiros de NN, tendo sido, inclusivamente, os próprios, em nome individual, que foram condenados, pelo que, é entendimento dos Apelantes que as partes não são juridicamente as mesmas neste processo e no processo de prestação de contas, pelo que não se verifica a possibilidade de lançar mão do valor extraprocessual das provas produzidas no processo 3888/160T8VFR, nos termos previstos no artigo 421º do CPC, como fez o Tribunal a quo.

Apreciando.

Compulsados os autos, constata-se que a admissão da prova extraprocessual (prova testemunhal produzida no âmbito da ação especial de prestação de contas - processo 3888/160T8VFR), foi decidida por despacho proferido no início da audiência de julgamento,  em 27.4.2023, tendo ficado reproduzido em ata, o qual tem o seguinte teor:

“Conforme requerimento de 04/01/2013[1], referência 18957416 e deferido por despacho de 28/11/2022, transitado em julgado, foi deferida a prova extraprocessual das testemunhas e declarações de parte do autor, no âmbito da prestação de contas n.º 3888/16.0T8VFR, cuja transcrição já se encontra junta aos autos.

A prova produzida no âmbito da ação de prestação de contas foi o julgamento realizado com a presidência do mesmo juiz que vai presidir a diligência para hoje designada.

Assim sendo, o requerimento referência 14153584, de 13/02/2023, apenas será atendido quanto às testemunhas indicadas 1, 6 e 7 do autor e ainda à matéria constante dos temas de prova que não tenham sido objeto na prestação de contas, cuja inquirição foi presidida pela signatária, não se inquirindo de novo as testemunhas cujo valor processual foi deferido e matéria que colida aqui com os presentes autos, por se revelar um ato inútil - art. 130º do C. P. Civil, porquanto a factualidade em causa na presente petição inicial é a mesma na reconvenção nos autos acima identificados.

Assim sendo, serão ouvidas as testemunhas dos autores 1, 6 e 7 e todas as demais quanto à matéria controvertida (remuneração mensal desde julho 2008 até ao seu óbito) e as declarações de parte não serão ouvidas a não ser a esta matéria.”

Com efeito, o Autor requerera na petição inicial, o aproveitamento da prova produzida naquela ação especial, tendo o tribunal, após contraditório das partes, por despacho de 28.11.2022, determinado que o autor indicasse os concretos meios de prova, e procedesse à transcrição dos depoimentos, o que o Autor fez, através do requerimento de 4.1.2023, onde consta a reprodução dos depoimentos prestados naqueles autos de prestação de contas indicados pelo aqui A como meio de prova.

Notificados do despacho, e como ele não concordando, os réus dispunham do prazo de 15 dias para, em apelação autónoma (cfr. art. 644º nº 2 al. d) do CPC), recorreram da decisão que admitiu tal prova extraprocessual.

Não o tendo feito, transitou em julgado aquele despacho (cfr. arts.620º e  628º do CPC), pelo que está vedado a este tribunal superior, a apreciação desta questão, que deveria ter sido oportunamente suscitada pelos ora apelantes, em apelação autónoma.

IV-NULIDADES DA SENTENÇA:

Os Réus/apelantes vieram ainda invocar a nulidade da sentença, com fundamento  no artigo 615º, nº 1, alínea d) in fine, do CPC, alegando que  a matéria de facto que deve figurar como matéria de facto nestes autos tem forçosamente de ter sido alegada nos articulados pelas partes porque o princípio da eficácia extraprocessual das provas, não permite importar factos provados noutra ação, precisamente porque a matéria de facto provada numa ação não tem valor de caso julgado.

Que a sentença ao ter em conta para a fixação da matéria de facto os depoimentos prestados no âmbito da ação especial de prestação de contas n.º 3888/16.0T8VFR, violou o disposto no artigo 421º do CPC, e por isso é nula.

Para além disso, dizem os RR/apelantes, ocorre ainda tal nulidade, também por força do disposto no artigo 615º, nº 1 alínea c) do CPC, porque existe uma manifesta contradição entre os fundamentos de facto subjacentes à sentença e a decisão de condenação, o que, por força do disposto no artigo 615º, nº 1 alínea c) do CPC, conduz à nulidade da sentença, vício este que aqui também invocaram, alegando que, como consequência, deverão os RR serem absolvidos do pedido.

Vejamos.

Não há que confundir entre nulidades de decisão e erros de julgamento (seja em matéria substantiva, seja em matéria processual). As primeiras (errores in procedendo) são vícios de formação ou atividade (referentes à autenticidade, à inteligibilidade, à estrutura ou aos limites da decisão, isto é, trata-se de vícios que afetam a regularidade da decisão ou do silogismo judiciário) da peça processual que é a decisão, nada tendo a ver com erros de julgamento (errores in iudicando), seja em matéria de facto seja em matéria de direito. As nulidades ditam a anulação da decisão por ser formalmente irregular, as ilegalidades ditam a revogação da decisão por ser destituída de mérito jurídico (ilegal).

Os vícios determinantes da nulidade da sentença, elencados no art. 615º do CPC, correspondem a casos de irregularidades que afetam formalmente a sentença e provocam dúvidas sobre a sua autenticidade, como é a falta de assinatura do juiz, ou ininteligibilidade do discurso decisório por ausência total de explicação da razão por que decide de determinada maneira (falta de fundamentação), quer porque essa explicação conduz, logicamente, a resultado oposto do adotado (contradição entre os fundamentos e a decisão), ou uso ilegítimo do poder jurisdicional em virtude de pretender conhecer questões de que não podia conhecer (excesso de pronúncia) ou não tratar de questões de que deveria conhecer (omissão de pronúncia).

As nulidades ínsitas no art. 615º do CPC incidem sobre causas relevantes de nulidade da sentença – além da falta da assinatura do juiz e da condenação em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido, a falta de especificação dos fundamentos, de facto e de direito, que justificam a decisão, a contradição ou oposição entre os fundamentos e a decisão ou a ocorrência de alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível e, por fim, a omissão ou excesso de pronúncia.

Segundo os Apelantes, a sentença padece do vício da alínea d) do art. 615º nº 1 do CPC,  - excesso de pronúncia - porque, o tribunal pronunciou-se sobre questões de que não podia tomar conhecimento, apreciando factos que apenas foram alegados na ação de  prestação de contas n.º 3888/16.0T8VFR, incorrendo dessa forma em nulidade.

Ocorre “omissão de pronúncia” sempre que o juiz deixe de proferir decisão sobre questão que devesse conhecer e ocorre “excesso de pronúncia” quando o juiz aprecie ou conheça de questão de que não podia tomar conhecimento. (art. 615º nº 1 al d) do CPC).

Esta nulidade está diretamente relacionada com o artigo 608º nº 2 do CPC, segundo o qual “o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras”.

Há que distinguir entre questões a apreciar e razões ou argumentos aduzidos pelas partes. Constitui jurisprudência pacífica que o dever de decidir tem por referência as questões suscitadas e bem assim as questões de conhecimento oficioso, mas que não obriga a que se incida sobre todos os argumentos, pois que estes não se confundem com “questões”.

Para além dos Recorrentes não indicarem quais os factos concretos que, segundo eles o tribunal não poderia conhecer, do exposto resulta que, mesmo a ter-se verificado tal situação, a mesma não seria conducente à nulidade da sentença, que assim se julga improcedente, relativamente a este vício apontado.

Como vimos, nulidades de decisão e erros de julgamento não se confundem e o que os apelantes afirmam (sem contudo, concretizarem) é a existência de erro de julgamento.

Mas os Apelante invocaram ainda que a sentença incorre no vício da alínea c) do art. 615º do CPC que estabelece que a sentença é nula “ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível”.

A nulidade da sentença a que se refere a 1.ª parte da alínea c), do n.º1, do art.º 615.º do C. P. Civil, remete-nos para o princípio da coerência lógica da sentença, pois que entre os fundamentos e a decisão não pode haver contradição lógica. Não está em causa o erro de julgamento, quer quanto aos factos, quer quanto ao direito aplicável, mas antes a estrutura lógica da sentença, ou seja, quando a decisão proferida seguiu um caminho diverso daquele que apontava os fundamentos.

Como ensina Remédio Marques,[2] “a ambiguidade da sentença exprime a existência de uma plurissignificação ou de uma polissemia de sentidos (dois ou mais) de algum trecho, seja da sua parte decisória, seja dos respetivos fundamentos”, e “ a obscuridade, de acordo com a jurisprudência e doutrinas dominantes, traduz os casos de ininteligibilidade da sentença”.

Posição idêntica é manifestada por Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora[3], quando referem,  “ o pedido de aclaração tem cabimento sempre que algum trecho essencial da sentença seja obscuro (por ser ininteligível o pensamento do julgador) ou ambíguo (por comportar dois ou mais sentidos distintos)”.

Ora a contradição apontada pelos apelantes resulta, segundo eles, da apreciação que fazem do julgamento da matéria de facto, situação que não é suscetível de integrar o vício invocado, não cabendo aqui apreciar, em sede de vício formal da sentença, o eventual  erro de julgamento, quer quanto aos factos, quer quanto ao direito aplicável, mas antes a estrutura lógica da sentença, ou seja, quando a decisão proferida seguiu um caminho diverso daquele que apontava os fundamentos.

Da leitura da sentença, não conseguimos descortinar a existência de qualquer contradição.

Como afirmou a Srª Juíza, ao pronunciar-se sobre esta nulidade, “O juízo expresso pelo tribunal manifesta-se adequado e pormenorizado, além de fundamentado e crítico, transmitindo às partes, de forma clara, as razões porque julgou provada a factualidade, encontrando-se a fundamentação de facto e de direito de acordo com o segmento dispositivo da sentença”, pelo que, desta forma, também não ocorre a nulidade invocada, com este fundamento.

Improcedem assim as nulidades invocadas.

V-MODIFICABILIDADE DA MATÉRIA DE FACTO:

Decorre do disposto no art.º 662.º, n.º 1, do Código de Processo Civil que "A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa." (sublinhado nosso).

A “Exposição de Motivos” que acompanhou a Proposta de Lei nº 113/XII salientou o intuito do legislador de reforçar os poderes da 2ª instância em sede de reapreciação da matéria de facto impugnada ao referir que “para além de manter os poderes cassatórios – que lhe permitem anular a decisão recorrida, se esta não se encontrar devidamente fundamentada ou se mostrar insuficiente, obscura ou contraditória – são substancialmente incrementados os poderes e deveres que lhe são conferidos quando procede á reapreciação da matéria de facto, com vista a permitir-lhe alcançar a verdade material”. 

O Tribunal da Relação deve, pois, exercer um verdadeiro e efetivo segundo grau de jurisdição da matéria de facto, sindicando os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou de gravação nele realizada, que imponham decisão sobre os pontos impugnados diversa da recorrida, e referenciar a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

Porém, a possibilidade que o legislador conferiu ao Tribunal da Relação de alterar a matéria de facto não é absoluta pois tal só é admissível quando os meios de prova reanalisados não deixem outra alternativa, ou seja, em situações que, manifestamente, apontam em sentido contrário ao decidido pelo tribunal a quo, melhor dizendo, “imponham decisão diversa”.

O Tribunal da Relação usa do princípio da livre apreciação da prova com a mesma amplitude de poderes da 1ª instância, nos termos consagrados pelo n.º 5 do art.º 607.º do C.P. Civil, sem olvidar, porém, o princípio da oralidade e da imediação.

Com efeito, há que ponderar que o tribunal de recurso não possui uma perceção tão próxima como a do tribunal de 1ª instância ao nível da oralidade e sobretudo da imediação com a prova produzida na audiência de julgamento. Na verdade, a atividade do julgador na valoração da prova pessoal deve atender a vários fatores, alguns dos quais – como a espontaneidade, a seriedade, as hesitações, a postura, a atitude, o à-vontade, a linguagem gestual dos depoentes – não são facilmente ou de todo apreensíveis pelo tribunal de recurso, mormente quando este está limitado a gravações meramente sonoras relativamente aos depoimentos prestados.

Quer os Réus, quer o Autor vieram impugnar, nos respetivos recursos, a decisão da matéria de facto, mostrando-se, em ambos os recursos observados os ónus que recaem sobre o impugnante, nos termos do disposto no art. 640º do CPC, pelo este tribunal de recurso está em condições dela conhecer.

Antes de entrarmos nos pontos concretos que as partes pretendem ver alterados, haverá primeiro que apreciar as seguintes questões prévias suscitadas, respetivamente nos recursos dos RR e do Autor.

No recurso dos RR:

5.1 O valor da prova extraprocessual admitida

Defendem os Réus/apelantes que, porque não se verifica  o requisito identificado supra na alínea c), do artigo 421º do C.P.C, os meios de prova admitidos em sede de prova extraprocessual – prova produzida no âmbito  da ação de prestação de contas n.º 3888/16.0T8VFR – só podem valer no âmbito desta ação como princípio de prova, sujeita esta à livre apreciação do juiz no novo processo, devendo tais depoimentos serem valorados em conjunto com os outros meios de prova com que o tribunal foi diretamente confrontado.

Que nada obstando a que, nesta nova valoração, se possa dar como não provados factos que foram considerados provados na primeira ação ou vice versa.

Vejamos.

São quatro os requisitos exigidos pelos n.ºs 1 e 2 do artigo 421º, do Código de Processo Civil para a subsistência do valor extraprocessual das provas produzidas num primeiro processo, a saber: a)- que seja a mesma, em ambos os processos, a parte contra quem foram produzidas; b)- audiência contraditória da parte contrária; c)- o regime de produção dessas provas no primeiro processo oferecer às partes garantias pelo menos iguais (não inferiores) às do segundo processo; d)- não ter sido anulada a parte do processo relativa à produção da prova que se pretende invocar.

 Se falhar o requisito referido em c), os meios de prova só valem no segundo processo como princípio de prova.

Se falhar algum dos demais requisitos, não podem tais provas ser objeto de qualquer aproveitamento no segundo processo.

Os meios de prova são os elementos de que o julgador se pode servir para formar a sua convicção acerca de um facto.[4]

A definição legal da prova está prevista no direito substantivo, desde logo, no art. 341.º do CC, que determina, do seguinte modo, a função das provas: ―As provas têm por função a demonstração da realidade dos facto.

Se no âmbito do primeiro processo, o regime de produção dessas provas ofereça menores garantias às partes, então, por esse motivo, diz a lei, tais provas só podem valer no segundo processo como “princípio de prova”.

Este “princípio de prova” significa uma prova de baixa densidade, uma probatio inferior, semelhante à chamada “prova de primeira aparência”, ou prova “prima facie”, de que trata Manuel Domingues de Andrade,[5] afirmando que “esta não produziria como a outra a plena convicção do juiz (segundo o critério histórico-empírico), mas só um menor grau de probabilidade, que em todo o caso seria bastante para inverter o ónus d aprova, ou mais rigorosamente, para obrigar o adversário a contraprova”.

O “princípio” ou “começo” de prova é suscetível de criar uma convicção que outros meios de prova se limitam depois a sedimentar.

Porém, como princípio de prova não pode valer por si só, para formar a convicção do julgador.

Vejamos então se, para efeitos de integração na aludida alínea c) do art. 421º do CPC, se pode afirmar que o regime de produção de prova, no âmbito do processo especial de prestação de contas oferece às partes garantias inferiores à desta ação com processo comum,

 De acordo com o disposto no art. 941º do C.P.C., “ a acção de prestação de contas pode ser proposta por quem tenha o dever de exigi-las ou por quem tenha o dever de prestá-las e tem por objeto o apuramento e aprovação das receitas obtidas e das despesas realizadas por quem administra bens alheios e a eventual condenação no pagamento do saldo que venha a apurar-se”.

A prestação de contas tem como objetivo o apuramento de um saldo e sendo este positivo, envolve o pedido de condenação no pagamento do saldo.

Trata-se assim de um “processo especial pré-modelado” em que o pedido de prestação de contas envolve necessariamente um pedido de condenação no pagamento do saldo apurado.[6]

Constitui uma ação especial, sujeita ao formalismo estabelecido nos arts. 941º e ss do CPC.

Do disposto no art. 942º nº 3 do CPC resulta que “após a resposta do autor à contestação do réu (em que este negue a obrigação de prestar contas), o juiz deve ponderar se a decisão sobre esta questão prévia, em função da sua complexidade deverá seguir o modelo dos incidentes de instância ou o modelo do processo comum. No modelo sumário, o processo tem uma estrutura simplificada e reduzida, nos termos previstos para os incidentes da instância.” [7]

Ora, mesmo a ter sido produzida a prova testemunhal, que é a que aqui esta em causa, no âmbito do processo simplificado, ao qual são aplicáveis as regras dos artigos 294º e 295º do C.P.C. (por força do art. 942º nº 3), regras aplicáveis aos incidentes de instância, não se vê que  o regime de produção dessas provas ofereça  às partes garantias inferiores. Na verdade, a única diferença assinalável é a do limite do número de testemunhas (art. 294º nº 1 do CPC), sendo que no âmbito desta ação, as partes poderiam indicar outras testemunhas, para além daquelas que já tinham sido ouvidas.

Aliás, os Apelantes limitam-se a alegar que a prova produzida na ação de prestação de contas implicou menores garantias para as partes, sem contudo especificar a que garantias se referem.

Em face do exposto, improcede este argumento, devendo as provas ser apreciadas de igual forma em obediência ao princípio da livre apreciação da prova, tal como aliás se mostram apreciadas na sentença sob recurso.

Do recurso do A:

5.2 Os efeitos do caso julgado

O Autor/apelante defende que na anterior ação - ação de prestação de contas n.º 3888/16.0T8VFR - o tribunal conheceu dos factos alegados pelo Autor tendo-os dado por provados, pelo que a decisão sobre eles proferida no anterior processo deverá vincular o tribunal, que é o mesmo, neste processo resultando precludida a possibilidade de este Tribunal, com a mesma prova, dar diferente resposta relativamente aos mesmos factos.

Afirma que a autoridade do caso julgado implica o acatamento de uma decisão proferida em ação anterior cujo objeto se inscreva, como pressuposto indiscutível, no objeto de uma ação posterior, ainda que não integralmente idêntico, de modo a obstar a que a relação jurídica ali definida venha a ser contemplada, de novo, de forma diversa.

Conclui que,  o Tribunal a quo, ao alterar a decisão quanto à matéria de facto, na parte em que fora de modo diverso decidido no Proc. 3888/16.0T8VFR, incorreu em violação do caso julgado/autoridade do caso julgado formado sobre a decisão anteriormente proferida, nos termos definidos, devendo, em consequência e em conformidade com aquela decisão, ser alterada a data a partir da qual o Autor prestou os cuidados provados para julho de 2008, modificando-se a decisão nessa sequência.

Vejamos.

Como o Autor reconhece o tribunal no aludido processo não decidiu do mérito sobre a questão, para qual foi produzida prova.

Na identificada ação, ao não ser admitida a reconvenção, onde o aqui Autor invocava a existência de um direito de crédito sobre os RR, com origem na prestação de serviços que prestou a NN, tendo tido porém a oportunidade de produzir e de fazer prova sobre os fundamentos aí invocados, tendo em consideração a prestação de contas, o certo é que na decisão judicial proferida no âmbito desse processo, o tribunal não apreciou do mérito da pretensão do aqui autor, ali réu. Isto porque o Tribunal da Relação do Porto decidiu pela inadmissibilidade da reconvenção.

Daí que a questão a apreciar esteja, aliás tal como foi colocada, circunscrita à questão de saber se os factos que foram julgados provados, no Proc. 3888/16.0T8VFR, podem ou não servir de fundamento a esta ação.

Esta questão não se confunde com aqueloutra que foi objeto de oportuna decisão pelo tribunal a quo, da admissão dos meios de prova produzidos naquela ação.

Com efeito, uma coisa é a eficácia extraprocessual dos factos tidos como provados (que importa ora apreciar) e outra é a eficácia extraprocessual da prova (que já foi decidida).

A questão é assim a de saber se, independentemente da prova produzida nesta ação (onde se incluir a prova estraprocessual admitida), se impõe a prova de determinados factos por efeito do caso julgado na ação - ação de prestação de contas n.º 3888/16.0T8VFR.

Há que saber se o tribunal está vinculado á decisão sobre a matéria de facto proferida no âmbito da ação de prestação de contas n.º 3888/16.0T8VFR.

Razões de verdade, harmonia, certeza e segurança jurídica e sociais impõem que não se possa verificar uma contradição de decisões sobre a mesma questão fáctico-jurídica concreta, quer por via da exceção do caso julgado, quer por via da exceção da autoridade de caso julgado ou efeito positivo externo do caso julgado.

Para o Professor Manuel de Andrade,[8] o instituto do caso julgado assenta em dois fundamentos:

– o prestígio dos tribunais, que ficaria altamente comprometido “se a mesma situação concreta, uma vez definida por eles em dado sentido, pudesse depois ser validamente definida em sentido diferente”;

 – e, mais importante, uma razão de certeza ou segurança jurídica, já que sem a força do caso julgado se cairia “numa situação de instabilidade jurídica (…) fonte perene de injustiças e paralisadora de todas as iniciativas”.

E esclarecedoramente aduz: “O caso julgado material não assenta numa ficção ou presunção absoluta de verdade (…), por força da qual (…) a sentença (…) transforme o falso em verdadeiro. Trata-se antes de que, por uma fundamental exigência de segurança, a lei atribui força vinculativa infrangível ao ato de vontade do juiz, que definiu em dados termos certa relação jurídica, e portanto os bens (materiais ou morais) nela coenvolvidos. Este caso fica para sempre julgado. Fica assente qual seja, quanto a ele, a vontade concreta da lei (Chiovenda). O bem reconhecido ou negado pela pronuntiatio judicis torna-se incontestável.”

O efeito negativo do caso julgado implica que, transitada em julgado uma decisão judicial, o mesmo tribunal (caso julgado formal, do artigo 620.º do CPC) ou todos os tribunais (caso julgado material, do artigo 619.º do CPC) ficarão sujeitos tanto a uma “proibição de contradição da decisão transitada”, como a “uma proibição de repetição daquela decisão”.[9]

Tal proibição constrói um sistema de estabilização das decisões judiciais que se resume ao enunciado seguinte: um tribunal não pode afastar ou confirmar uma anterior decisão já proferida (cf. artigo 580.º, n.º 2, do CPC) independentemente de ser alheia ou ser sua (cf. artigo 613.º, n.º 1, do CPC), o que apenas poderá ter lugar em sede de recurso.

Os aludidos preceitos legais referem-se ao caso julgado material, ou seja, ao efeito imperativo atribuído à decisão transitada em julgado (artº 628º do C.P.C.) que tenha recaído sobre a relação jurídica substancial.

Porém, é habitual na jurisprudência, assim como na doutrina, proceder-se á distinção no caso julgado entre a sua “vertente negativa” e a “vertente positiva”, defendendo-se que na expressão “caso julgado” cabem, em rigor, a “exceção de caso julgado” e a “autoridade de caso julgado”.[10]

A função positiva é exercida através da autoridade do caso julgado. A função negativa é exercida através da exceção dilatória do caso julgado, a qual tem por fim evitar a repetição de causas (artº 580º do C.P.C.), como vimos.

A autoridade do caso julgado abrange as questões que sejam antecedente lógico necessário da parte dispositiva do julgado, implicando o acatamento de uma decisão proferida em ação anterior, cujo objeto se inscreve, como pressuposto indiscutível, no objeto de uma ação posterior.

Ora a resposta à questão colocada, não apresenta qualquer dificuldade,  uma vez que a jurisprudência vem entendendo de forma consistente que o caso julgado (incluindo a vertente de autoridade do caso julgado) resultante do trânsito em julgado da sentença proferida num primeiro processo, não se estende aos factos aí dados como provados para efeito desses mesmos factos poderem ser invocados, isoladamente, da decisão a que serviram de base, num outro processo.

Com efeito, como se pode ler no Acórdão do STJ de de 8.11.2018, [11] ,

Assim, a eficácia de autoridade de caso julgado pressupõe uma decisão anterior definidora de direitos ou efeitos jurídicos que se apresente como pressuposto indiscutível do efeito prático-jurídico pretendido em ação posterior no quadro da relação material controvertida aqui invocada.

Os juízos probatórios positivos ou negativos que consubstanciam a chamada “decisão de facto” não revestem, em si mesmos, a natureza de decisão definidora de efeitos jurídicos, constituindo apenas fundamentos de facto da decisão jurídica em que se integram.

Nessa medida, embora tais juízos probatórios relevem como limites objetivos do caso julgado material nos termos do artigo 621.º do CPC, sobre eles não se forma qualquer efeito de caso julgado autónomo, mormente que lhes confira, enquanto factos provados ou não provados, autoridade de caso julgado no âmbito de outro processo.

De resto, os factos dados como provados ou não provados no âmbito de determinada pretensão judicial não se assumem como uma verdade material absoluta, mas apenas com o sentido e alcance que têm nesse âmbito específico. Ademais, a consistência dos juízos de facto depende das contingências dos mecanismos da prova inerentes a cada processo a que respeitam, não sendo, por isso, tais juízos transponíveis, sem mais, para o âmbito de outra ação.”

Desta forma, o juízo probatório – decisão da matéria de facto -  feito pelo Tribunal na ação de prestação de contas, relativamente a factos aí alegados que sustentavam um direito aí invocado em sede reconvencional pelo ora Autor, pedido que não foi objeto de apreciação/decisão naquele processo, porque não reveste a natureza de decisão definidora de efeitos jurídicos, constituindo apenas fundamentos de facto da decisão jurídica em que se integram, não é transponível, sem mais para a presente ação.

Desta forma, não pode assim colher o argumento usado pelo Autor para ver acolhida tout court a factualidade que foi julgada provada na ação de prestação de contas, encontrando-se limitado o aproveitamento de atos produzidos naquele outro processo aos meios de prova aí produzidos, que ao abrigo do disposto no art. 421º do CPC foram admitidos, produzindo tais provas, desta forma,  efeitos extraprocessuais, no âmbito desta ação.

Improcede assim a pretensão do Autor de ver alterada a factualidade  constante do ponto 5) e dos  pontos 6), 7), 8), 9), 10) e 11) dos factos provados, com fundamento em invocado da decisão recorrida constituir  ofensa da autoridade do caso julgado.

5.3 Factualidade impugnada:

Os Réus impugnam os factos julgados provados constantes dos pontos 5, 6, 9, 10, 11, 12 e 13, contrariando deste modo a apreciação crítica da prova feita pelo Tribunal a quo.

Pedem ainda para ser acrescentado o seguinte facto, que defendem ter ficado provado: “- NN não precisava de cuidados especiais nem tinha ninguém a pernoitar consigo durante a noite, porque, apesar da sua idade manteve-se sempre lúcido e com mobilidade suficiente para fazer a sua higiene e cuidar de si.”

Por sua vez, o Autor impugnou o ponto 5) da matéria de facto, que “consequentemente condiciona em termos temporais os pontos 6), 7), 8), 9), 10) e 11) dos factos provados”

Pretende o autor que o tribunal reconheça que o AVC de que foi acometido NN ocorreu em Junho de 2008 e não na data que ficou a constar do facto 5, em 1 de Abril de 2010.

Considerando que o fundamento do caso julgado ficou afastado, a sua pretensão será decidida atendendo aos meios de prova por si indicados (de forma subsidiária), no sentido de imporem ou não decisão diversa.

Vejamos.

Na sentença, o tribunal fundamentou a decisão da matéria de facto, segundo as regras da experiência e a sua livre convicção, tendo explicitado: “A convicção do tribunal assentou na análise crítica e conjugada de todos os documentos juntos aos autos, dos quais se destacam a escritura de habilitação de herdeiros, testamento, assentos de óbitos, procurações notariais, escritura de compra e venda, imposto de selo (comprovativo de participação de transmissões gratuitas), certidões de casamento, declaração médica e do padre, fotografia, fatura/recibo, ofício das finanças, ofícios do “Banco 2...”, emails, nota de alta e registos clínicos, em conjugação com a prova extraprocessual produzida no âmbito da ação de prestação de contas nº 3888/16.0T8VFR, cuja transcrição se encontra junta aos autos (e cujo julgamento foi presidido pela signatária), concretamente as declarações de parte do aqui Autor, os depoimentos das testemunhas, e bem assim a renovação da prova testemunhal no âmbito dos presentes autos e as declarações de parte das Rés DD e JJ, bem como às regras de repartição do ónus de prova, considerando finalmente a consensualidade que se pode alcançar das posições avançadas pelas partes nos respetivos articulados, mormente no que tange ao óbito do falecido NN e mulher, testamento, procurações notariais, escritura de compra e venda (matéria aliás assente pela prova autêntica junta aos autos).

(…) No que concerne à ocorrência do AVC na pessoa do falecido NN foi determinante a nota de alta junta aos autos, nos termos da qual consta que o falecido foi admitido no Centro Hospitalar ..., E.P.E. no dia 1 de abril de 2010 por “assimetria facial + disartria”, mais constando no registo de “problemas do utente” junto aos autos que o falecido foi acometido de “trombose/Acidente Vascular Cerebral” no referido dia.

Quanto à proximidade do sobrinho SS com o tio falecido NN, o pedido do sobrinho para que o Autor prestasse os cuidados necessários ao falecido, retribuição e modo de pagamento foi atendido as declarações de parte do aqui Autor na ação nº 3888/16.0T8VFR em conjugação com os depoimentos das testemunhas TT, UU, QQ, PP também nos autos em referência, os quais se encontram transcritos, tendo as testemunhas TT, UU e PP renovado os depoimentos no âmbito dos presentes autos, corroborando, a prestação da suas inquirições no âmbito dos autos de prestação de contas.

Ouvido o Autor em declarações de parte, o mesmo, de modo sincero e espontâneo, confirmou o “AVC” sofrido pelo falecido, a vinda do seu sobrinho HH a Portugal, a recusa do falecido em residir para o Brasil ou ser acolhido num Lar, o acordo entre o sobrinho e o Autor consistente na prestação dos cuidados do falecido, a retribuição acordada e o momento do respetivo pagamento aquando a venda do imóvel, em virtude do falecido não ter dinheiro.

Os depoimentos das testemunhas TT, UU, PP e QQ foram unanimes na descrição que fizeram quanto aos cuidados do Autor para com o falecido após ter sofrido “AVC”.

As declarações de parte das Rés DD e JJ foram ponderadas apenas na parte em afirmaram o estado de lucidez do falecido.”

Para possibilitar o “segundo julgamento da matéria de facto” requerido pelas partes, este tribunal de recurso procedeu à análise da prova documental e dos depoimentos que se encontram transcritos e à audição da prova gravada.

Não concordam os recorrentes com a prova do ponto 5, que tem a seguinte redação.

5. No dia 1 de abril de 2010, o falecido NN foi acometido por uma trombose cerebral com enfarte (“AVC”) que o deixou limitado fisicamente.

Pretendem os Réus que Ponto 5 da matéria de facto deva ser alterado, passando a ter a seguinte redação: 5. No dia 1 de abril de 2010, o falecido NN foi acometido de uma trombose cerebral (AVC), tendo tido alta no dia 04/04/2010, com possibilidade de marcha com algum retropulsão, que tem vindo a melhorar.

Isto porque “consta dos autos que o Ofício emitido pelo SNS, relativo ao falecido NN, que, em forma de conclusão, necessariamente concisa, refere que NN teve alta em 08/04/2010, clinicamente melhorado e analiticamente bem, tendo como recomendações, hidratação adequada, marcha vigiada (risco de queda) e avaliação regular da pressão arterial.

Segundo os Réus, este documento está em sintonia com o que foi dito em sede de audiência de julgamento, pela Ré DD no seu depoimento de parte, prestado no dia da audiência de julgamento - 27/04/2023, onde refere que o tio era autónomo, cuidava-se, fazia a comida e vivia sozinho.

Já o autor entende que existe documentação comprovativa que NN teve problemas de saúde anteriores, que foram referidos pelas testemunhas ouvidas nesta matéria, principalmente a mulher do autor, que melhor concretizou as datas.

E entende que, por isso também os factos 1 e 2 dos factos não provados devam ser julgados provados.

Este facto ora impugnado, é um facto relevante para a decisão da causa, uma vez que o Autor, na petição inicial alegou que foi na sequência do AVC sofrido pelo vizinho e amigo NN, e do estado debilitado em que ficou, que ficou acordado com o sobrinho daquele passar a prestar-lhe determinados serviços (alimentação, limpeza, higiene, transporte para consultas médicas,  medicação), de forma onerosa.

Vejamos então o que se provou nesta matéria.

Na sentença, fundamentou-se da seguinte forma a prova do facto 5: “No que concerne à ocorrência do AVC na pessoa do falecido NN foi determinante a nota de alta junta aos autos, nos termos da qual consta que o falecido foi admitido no Centro Hospitalar ..., E.P.E. no dia 1 de abril de 2010 por “assimetria facial + disartria”, mais constando no registo de “problemas do utente” junto aos autos que o falecido foi acometido de “trombose/Acidente Vascular Cerebral” no referido dia.

Entendemos ser de manter esta decisão.

Com efeito, o depoimento das Rés, (DD e JJ, sobrinhas do falecido NN), não se mostram suscetíveis de contrariar a convicção formada pelo tribunal com base nos depoimentos das testemunhas ouvidas que conviveram de perto com aquele (TT; QQ e UU e VV) e que relataram que depois do AVC aquele ficou bastante debilitado fisicamente. De referir que o falecido NN tinha já na data do acidente vascular cerebral 86 anos de idade como consta da documentação médica.

 As Rés, suas familiares vivem no Brasil e para além de terem deposto sobre factos que lhes são desfavoráveis, demonstraram terem tido durante os últimos anos de vida daquele seu familiar, contactos meramente esporádicos com aquele tio. A Ré JJ, filha do sobrinho SS (também residente no Brasil) que era o familiar que mais contatava e visitava aquele tio, declarou que a última vez que veio a Portugal e esteve pessoalmente com o tio foi em 2006.

Daí que seja de improceder a impugnação feita.

Fica igualmente prejudicada, pelas mesmas razões, a pretensão dos RR em aditarem o seguinte ponto: NN não precisava de cuidados especiais nem tinha ninguém a pernoitar consigo durante a noite, porque, apesar da sua idade manteve-se sempre lúcido e com mobilidade suficiente para fazer a sua higiene e cuidar de si.

Quanto à alteração data pretendida pelo Autor de situar em 2008, o primeiro AVC, é certo que as testemunhas ouvidas referem que o falecido NN teve um episódio de doença anterior, mas todos os depoimentos são vagos e imprecisos, quer quanto à data em que tal terá ocorrido, quer quanto ás consequências provocadas na saúde daquele.

De referir que a mulher do aqui Autor, PP, ouvida como testemunha no âmbito da ação de prestação de contas, demonstrou maior imprecisão no primitivo depoimento (na ação de prestação de contas), quanto a estas duas situações, do que agora ouvida na audiência de julgamento nesta ação.

Assim, tendo em consideração o documento mencionado na sentença - a nota de alta junta aos autos, nos termos da qual consta que o falecido foi admitido no Centro Hospitalar ..., E.P.E. no dia 1 de abril de 2010 por “assimetria facial + disartria”, mais constando no registo de “problemas do utente” junto aos autos que o falecido foi acometido de “trombose/Acidente Vascular Cerebral” no referido dia.- entendemos não ser de acolher a impugnação feita, quer pelos RR, quer pelos A.

Fica prejudicada, quanto à impugnação feita pelo Autor, a demais fundamentação, uma vez que a mesma dependia, da procedência do caso julgado, ou da alteração da redação do facto 5 quanto à data do AVC..

Os Réus impugnam ainda o ponto 6:

6. … nessa altura, o Autor, via telefone, contactou o sobrinho SS (Réu, entretanto falecido) – por ser o único sobrinho que o visitava – e inteirou-o do estado de saúde do seu tio HH e que o mesmo não tinha condições para viver sozinho e de cuidar de si.

Os réus defendem que este facto passe a ter a seguinte redação:

nessa altura, o Autor, via telefone, contactou o sobrinho SS (um dos Réus, entretanto falecido) – por ser o único sobrinho que conhecia – e inteirou-o do estado de saúde do seu tio HH.”

Para tal, devem ser considerados o documento emitido pelo SNS - ARS Norte, no qual se refere que o mesmo não estava impossibilitado de cuidar de si e de andar, bem como o depoimento de parte da Ré DD.

Pelas razões já explanadas relativamente ao Ponto 5, não existem fundamentos para a alteração da convicção formada pelo tribunal quanto a este facto.

Os Réus de seguida impugnam os Pontos 9 e 10:

9. O sobrinho HH, por si e em representação dos demais herdeiros do falecido NN (pessoas identificadas em 4), solicitou ao Autor e sua mulher que tomassem a seu cargo os cuidados de seu tio, fazendo-lhe as refeições, levando ao médico, limpando a casa, prestar serviços de higiene pessoal, passar a pernoitar na casa do mesmo e, em contrapartida, compensava-os com € 600,00 mensalmente.

10. … dinheiro que seria entregue aquando da venda do prédio onde residia o seu tio, alegando que o mesmo não possuía dinheiro.

Pugnam para que sejam julgados não provados.

Estes factos são factos essenciais à decisão da causa, uma vez que dizem respeito ao contrato celebrado tendo em vista a prestação de assistência pelo Autor a NN.

Como o Autor e a sua mulher, ouvida como testemunha. referiram, ambos prestavam já de forma gratuita, assistência ao casal NN e à sua pré falecida mulher RR, (a mulher de NN faleceu em 25.2.2006, com 85 anos), casal idoso, sem família em Portugal, que vivia muito próximo do café que exploram.

 O Autor relatou que a idade avançada de NN, que ficara já combalido com a morte da mulher, depois do AVC que sofreu, por necessitar de maiores cuidados, não só com a alimentação, mas higiene pessoal, transporte a consultas médicas e outros, fez com que abordasse o único familiar daquele que conhecia e de quem tinha o contacto, o qual residia no Brasil, mas vinha a Portugal visitar o tio, tendo acordado com ele, tratar do tio daquele, para que nada lhe faltasse, em troca de 600€ por mês, que seriam pagos aquando da venda da casa de NN, já que aquele não dispunha de outros rendimentos que lhe permitissem custear tais despesas.

Pois bem, dizem os Réus que o facto provado: “o sobrinho HH, por si e em representação dos demais herdeiros (pessoas identificadas em 4), reportando-se ao ano de 2010, é um facto que não é suportado por nenhum elemento de prova e que contraria as regras da experiência comum e o normal acontecer da vida das pessoas. Acresce que, não foi junto aos autos documento que comprove que HH tivesse poderes de representação dos seus primos, nem foi sequer alegado que estes tivessem ratificado tal acordo, sendo, por isso o mesmo ineficaz em relação a estes, em nome individual.

Nesta parte, os Recorrentes têm razão.

Na verdade, das declarações prestadas pelo Autor e sua mulher, não resulta que alguma vez o sobrinho do falecido, apesar de ser o único familiar que conheciam e de quem tinham o contacto, se tivesse apresentado com representante da demais família, ou que a restante família estivesse sequer a par do acordo…

Não tem sustento em qualquer meio de prova a afirmação de que aquele sobrinho atuasse em nome e representação dos demais familiares.

Mas também não se pode dizer, em face dos depoimentos prestados pelo autor e mulher, que aquele sobrinho se tenha, ele próprio vinculado a custear as despesas com a assistência a prestar ao tio, pelo Autor.

Com efeito, o que ambos dizem é que o sobrinho afirmou que como não havia rendimentos, os serviços seriam pagos “com a venda da casa”, a casa que era do tio, o que afasta, a nosso ver, que aquele sobrinho se tenha comprometido ele próprio a custear as despesas.

A regra nos negócios jurídicos em geral é a de que a declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante.

A exceção ocorre nos casos em que não seja razoável imputar ao declarante aquele sentido declarativo ou o declaratário conheça a vontade real do declarante (artigo 236º, nº 2, do Código Civil).

O sentido decisivo da declaração negocial é o que seria apreendido por um declaratário normal, ou seja, por alguém medianamente instruído e diligente e capaz de se esclarecer acerca das circunstâncias em que as declarações negociais em causa foram produzidas.

Assim, na situação em apreço, afigura-se que um homem médio (por referencia ao bom pai de família), nas circunstâncias concretas do negócio, em que o sobrinho, preocupado com a subsistência do tio, na ausência de familiares que dele pusessem cuidar e de rendimentos daquele conhecidos, “oferece” em pagamento a “casa”, que constituía o único património então conhecido do tio, pagamento a ser feito, aquando da venda daquele imóvel, situação que afasta a possibilidade de pagamento do sobrinho com recurso ao seu próprio  património (dele sobrinho), para custear tais despesas.

Dessa forma, porque não foi feita prova de que o sobrinho atuasse em representação dos demais familiares, nem tenha celebrado o contrato em nome próprio, impõe-se alterar a redação do facto 9, eliminando-se a expressão, “por si e em representação dos demais herdeiros do falecido NN (pessoas identificadas em 4)”

Há que atender ainda que, de acordo com o depoimento do Autor e da sua mulher, o falecido NN, foi confrontado com as duas soluções adiantadas para fazer face à sua situação de debilidade física, por causa da idade e da doença  – uma a de ir para o Brasil com este sobrinho, ou ir para um lar – e recusou ambas dizendo que queria ficar e ser tratado pelo Autor e mulher. Era pois vontade do falecido permanecer naquela casa e aí receber os cuidados que necessitava.

Impõe-se desta forma, alterar a redação aquele facto, que passará a ser a seguinte:

9. O sobrinho HH, para poder ser feita a vontade do tio, de não sair da casa onde morava, solicitou ao Autor e sua mulher que tomassem a seu cargo os cuidados de seu tio, fazendo-lhe as refeições, levando ao médico, limpando a casa, prestar serviços de higiene pessoal, passar a pernoitar na casa do mesmo contra a contrapartida, de € 600,00 mensais.

 Quanto ao facto 10, do depoimento prestado pelo aqui Autor e mulher, nomeadamente na ação de prestação de contas, em que os depoimentos se nos afiguraram mais espontâneos, o que resulta é que o sobrinho face à ausência de rendimentos fixos do tio que permitissem esse pagamento falou da casa, onde tio morava e que era dele, dizendo “quando em vender a casa, pago-te os gastos”, ou “dou-te a casa”, ou como o autor disse “quanto ao dinheiro, não há problema nenhum, vende-se a casa”.

Entendemos que não releva o argumento dos Recorrentes no sentido que não era verdade que o falecido NN não tivesse rendimentos, pois em 2022 apurou-se que tinha quantias depositadas em instituições bancárias, que poderiam ter sido utilizadas para suportar os custos da assistência, porque, desconhece-se se o sobrinho (pese embora ser co-titular de algumas contas) e bem assim o autor tivessem, na data do acordo,  conhecimento dessa situação.

Daí ser de manter a prova do facto 10.

É certo que os Réus afirmam que a prova desta factualidade se baseia nas declarações do Autor e sua mulher, que  têm interesse no desfecho da ação, pelo que as suas declarações deverão ser tidas em conta com algum cuidado e devidamente correlacionadas com a restante prova.

O tribunal a quo entendeu que o Autor, pese embora o interesse no desfecho da ação depôs de modo sincero e espontâneo.

Afigura-se-nos inexistir  motivo para concluir que, no julgamento da questão de facto, a Sra. Juíza tenha incorrido, num error in iudicando por erro na valoração das provas, porque não se vislumbra qualquer violação das  regras da ciência, da lógica ou da experiência, o mesmo é dizer, que a convicção do tribunal a quo sobre a realidade – ou a falta dela – dos factos não foi alcançada com o uso da prudência, i.e., da faculdade de decidir da forma correta (artº 607 nº 5 do CPC).

Com efeito, tendo sido feita prova que o Autor e mulher cuidaram deste senhor NN, sem família em Portugal, até ao seu falecimento, com 91 anos de idade, primeiro de forma gratuita, depois solicitando uma contrapartida económica, em face da maior debilidade física daquele e dos acréscimos de cuidados, tudo se apresenta,  recorrendo aos critérios de probabilidade lógica e da experiência, com uma grande probabilidade de assim ter ocorrido.

O princípio da livre apreciação da prova é um princípio atinente à prova, que determina que esta é apreciada, não de acordo com regras legais pré-estabelecidas, mas sim segundo as regras da experiência comum e de acordo com a livre convicção do juiz, uma livre convicção que não pode ser arbitrária ou subjetiva e, por isso, deve ser motivada. A motivação da convicção apresenta-se, pois, como o meio de controlo da decisão de facto, em ordem a garantir a objetividade e a genuinidade da convicção formada pelo tribunal.

A apreciação da prova deve ocorrer sob o signo da probabilidade lógica – de evidence and inference -, i.e., segundo um critério de probabilidade lógica prevalecente, portanto, segundo o grau de confirmação lógica que os enunciados de facto obtêm a partir das provas disponíveis.

Haverá ainda que ter presente que não é exigível que a convicção do julgador sobre a validade dos factos alegados pelas partes equivalha a uma certeza absoluta raramente atingível pelo conhecimento humano. Basta-lhe assentar num juízo de suficiente probabilidade ou verosimilhança.

Como refere Manuel de Andrade,[12] a prova não é certeza lógica, mas tão só um alto grau de probabilidade suficiente para as necessidades práticas da vida”.

Desta forma, entendemos ser de manter, com exceção do acime alterado, o julgamento da matéria de facto.

Finalmente quanto aos factos 12 e 13 impugnados, tem os mesmos a seguinte redação:

12. … era o Autor e sua mulher que prestavam diariamente ao falecido NN, os serviços de higiene corporal, vestiam, calçavam, penteavam, faziam a barba, faziam as refeições, nomeadamente pequeno almoço, almoço, lanche, jantar, davam os medicamentos, diariamente, às horas prescritas, limpavam a casa, lavavam e passavam a roupa, levavam ao médico, aviavam as receitas, levavam a passear e passou o Autor a pernoitar na casa do falecido.

13. … o Autor e a sua família deixaram de fazer férias para que o falecido não ficasse só, já que o mesmo nunca queria passar a noite fora de casa.

Dizem os Réus que também estes factos devem soçobrar, por não ser de acreditar na versão do Autor.

Ora estes factos mostram-se sustentados no depoimento da testemunhas QQ, empregada do Autor no café que ia a casa do falecido NN, fazer a limpeza, WW e UU, este amigo do falecido que confirmaram tal factualidade nos depoimentos que prestaram.

Impõe-se assim, em face do exposto, apenas a alteração do ponto 9 da matéria de facto, nos termos supra assinalados, indeferindo-se no demais.

VI-FUNDAMENTAÇÃO:

Com interesse para a decisão, encontram-se provados os seguintes factos:

1. RR faleceu no dia 25 de fevereiro de 2006, no estado de casada com SS, sem descendentes e ascendentes vivos.

2. RR não deixou testamento ou qualquer outra disposição de última vontade.

3. NN faleceu no dia 10 de junho de 2014, no estado de viúvo de RR, sem descendentes e ascendentes vivos.

4. Por testamento público, outorgado no dia 4 de março de 2004, lavrado a folhas 69, do Livro ......, do 1º Cartório Notarial de Santa Maria da Feira, NN instituiu universais herdeiros de todos os seus bens, em comum e partes iguais, seus sobrinhos FF, HH, BB e DD, aqui Réus.

5. No dia 1 de abril de 2010, o falecido NN foi acometido por uma trombose cerebral com enfarte (“AVC”) que o deixou limitado fisicamente.

6. … nessa altura, o Autor, via telefone, contactou o sobrinho SS (Réu, entretanto falecido) – por ser o único sobrinho que o visitava – e inteirou-o do estado de saúde do seu tio HH e que o mesmo não tinha condições para viver sozinho e de cuidar de si.

7. Na sequência desta chamada o sobrinho HH veio a Portugal visitar o seu tio HH, para diligenciar no internamento do mesmo num lar e/ou contratar os serviços deste.

8. NN sempre consciente, embora debilitado, por falta de saúde, recusou as soluções encontradas pelo sobrinho SS, pois aquele não queria sair da sua casa.

9.  O sobrinho HH, para ser feita a vontade do tio, solicitou ao Autor e sua mulher que tomassem a seu cargo os cuidados de seu tio, fazendo-lhe as refeições, levando ao médico, limpando a casa, prestar serviços de higiene pessoal, passar a pernoitar na casa do mesmo contra a  contrapartida, de € 600,00 mensais. (facto ora alterado)

10. … dinheiro que seria entregue aquando da venda do prédio onde residia o seu tio, alegando que o mesmo não possuía dinheiro.

11. O Autor aceitou o proposto em 10) e 11), passando a ser a única família do falecido NN, confecionando as refeições, auxiliando na sua higiene pessoal, lavando, passando a ferro, levando ao médico, passando as festas de ano com a família do Autor, nomeadamente Páscoa, Natal, Ano Novo, aniversario daquele.

12. … era o Autor e sua mulher que prestavam diariamente ao falecido NN, os serviços de higiene corporal, vestiam, calçavam, penteavam, faziam a barba, faziam as refeições, nomeadamente pequeno almoço, almoço, lanche, jantar, davam os medicamentos, diariamente, às horas prescritas, limpavam a casa, lavavam e passavam a roupa, levavam ao médico, aviavam as receitas, levavam a passear e passou o Autor a pernoitar na casa do falecido.

13. … o Autor e a sua família deixaram de fazer férias para que o falecido não ficasse só, já que o mesmo nunca queria passar a noite fora de casa.

14. Por procuração notarial outorgada no 4º Tablionato de Notas do Rio de Janeiro, Brasil, de fls. 091/92 do Livro ... e datada de 4 de agosto de 2014, os herdeiros do falecido (aqui Réus) e respetivos cônjuges, constituíram o Autor procurador, conferindo-lhe os poderes especiais para vender os bens da herança de NN, podendo receber os valores, representar junto ao Banco 1..., podendo representar os aqui Réus para efeitos de participação do Imposto de Selo e nomeá-lo representante fiscal em Portugal e praticar todos os atos com vista e emissão dos números de contribuintes portugueses; enfim praticar todos os atos necessários ao fim a que se destina esse mandato (cfr. teor da procuração junta aos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).

15. Por procuração notarial outorgada no 4º Tablionato de Notas do Rio de Janeiro, Brasil, de fls. 099/099 do Livro ... e datada de 29 de setembro de 2014, os herdeiros do falecido (aqui Réus) e respetivos cônjuges, constituíram o Autor procurador, conferindo-lhe os poderes para obter as informações necessárias sobre contas tituladas pelo NN (falecido), obter extratos, bem como proceder ao levantamento ou efetuar transferências do saldo existente em nome de NN, todas as operações conta DO, requisitar cheques, endossar cheques, para crédito em conta, movimentar conta e sacar cheques (cfr. teor da procuração junta aos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).

16. Mediante escritura pública outorgada a 9 de março de 2015[13], o Autor na qualidade de procurador dos Réus, declarou vender a XX casado com YY, no regime da comunhão de bens, que declarou comprar, o prédio urbano do falecido NN, constituído por casa térrea para habitação, com logradouro, sito no lugar ..., ..., freguesia ..., inscrito na matriz sob o artº ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de Santa Maria da Feira sob o nº ..., pelo preço de € 47.555,63.

E foram julgados não provados os seguintes factos:

1. No ano de 2005, NN e sua mulher RR abeiraram-se do Autor e sua família, pedindo-lhes auxílio, nomeadamente no transporte e acompanhamento aos médicos, aviar receitas médicas, limpar a casa.

2. O referido em 5) ocorreu em junho de 2008.

3. No início do ano de 2009, o Sr. NN, vê repetir-se a trombose cerebral (AVC) com enfarte, que o deixa totalmente paralisado e em cadeira de rodas.

VII-APLICAÇÃO DO DIREITO AOS FACTOS.

Recurso do Autor:

Na sentença sob recurso entendeu-se que, dos factos que ficaram provados resulta que o Autor celebrou com o sobrinho HH, por si e em representação dos demais herdeiros do falecido NN, um contrato de prestação de serviços, nos termos do qual aquele assumiu a obrigação de prestar os cuidados ao falecido, mediante a contrapartida no valor de € 600,00 por mês.

Em consequência, na sentença, foram os Réus, na qualidade de herdeiros, condenados a pagar ao Autor a quantia total de € 29.400,00 (vinte e nove mil e quatrocentos euros), absolvendo os Réus do demais peticionado pelo Autor.

A discordância do Autor, no recurso que interpôs visava a alteração daquele valor, defendendo ser-lhe devida quantia superior, com fundamento em que os serviços prestados se iniciaram em 2008, sendo pois devida retribuição dos serviços desde essa data.

A sua pretensão recursória pressupunha, porém, a procedência do recurso na parte da impugnação da matéria de facto, quanto à data do início da prestação dos serviços, o que não ocorreu, pelo que o recurso do autor terá de ser julgado desde já, improcedente.

Recuso dos Réus:

7.1.Gestão de negócios/representação sem poderes

Na procedência parcial do recurso interportos pelos Réus quanto à matéria de facto impugnada, tal implica, uma reapreciação da questão no plano da aplicação do direito aos factos.

Ficou alterado o facto 9, já que ficou afastada a prova de que o sobrinho do falecido NN tenha atuado nas negociações com o Autor em representação dos herdeiros, assim como ficou a afastada a prova de que tenha atuado por si, em nome próprio. Quid iuris?

Está provado que no dia 1 de abril de 2010, o falecido NN foi acometido por uma trombose cerebral com enfarte (“AVC”) que o deixou limitado fisicamente e, tendo o Autor contactado o sobrinho SS (Réu, entretanto falecido, encontrando-se em juízo os seus herdeiros supra identificados em 4), único sobrinho que o visitava regularmente e que o Autor conhecia, inteirando-o do estado de saúde do seu tio HH e informando-o que o mesmo não tinha condições para viver sozinho e de cuidar de si. Na sequência desta chamada o sobrinho HH veio a Portugal visitar o seu tio HH, para diligenciar no internamento do mesmo num lar e/ou contratar os serviços deste.

 NN, consciente, recusou as soluções encontradas pelo sobrinho SS, pois aquele não queria sair da sua casa.

 O sobrinho HH, para ser feita a vontade do tio, solicitou então ao Autor e sua mulher que tomassem a seu cargo os cuidados de seu tio, fazendo-lhe as refeições, levando-o ao médico, limpando a casa, prestando serviços de higiene pessoal, contra a contrapartida, de € 600,00 euros mensais, dinheiro que seria pago aquando da venda da casa onde residia o seu tio, alegando que o mesmo não possuía rendimentos.

O Autor e mulher passaram a prestar tais serviços de assistência a  NN, confecionando as refeições, auxiliando na sua higiene pessoal, lavando, passando a ferro, levando-o ao médico, passando as festas  de ano com a família do Autor, nomeadamente Páscoa, Natal, Ano Novo, aniversario daquele, até ao seu falecimento.

Como se afirma na sentença, a prestação de cuidados a outra pessoa configura um contrato de prestação de serviços atípico ou inominado, aplicando-se, supletivamente as regras do mandato (artsº 1154º e 1156º do Código Civil).

A questão que se coloca, em face da factualidade ora provada é a de saber quem é que ficou vinculado neste contrato ao pagamento da retribuição acordada para os serviços prestados, nos termo do disposto no art. 1167º al. b) do C.Civil.

Ficou afastada, em face das circunstâncias provadas, a possibilidade que o sobrinho (entretanto falecido) SS, se tenha vinculado, pessoalmente a custear os encargos da assistência que iria ser prestada pelo Autor ao seu tio.

Como vimos, aquele sobrinho “ofereceu em pagamento” o único bem conhecido do tio, constituído pela casa onde aquele morava, pagamento a ocorrer, “quando a casa fosse vendida”.

Também em face da alteração da matéria de facto, fica afastado o facto alegado pelo autor de aquele sobrinho ter atuado em representação dos demais familiares e herdeiros, uma vez que não se provou sequer que aqueles familiares tivessem conhecimento daquele acordo.

Face à impossibilidade do tio, com mais de 86 anos e após ter sofrido um AVC, de prover sozinho à sua subsistência, e na recusa daquele em ir para um lar, pretendendo continuar a residir na sua casa, o seu sobrinho SS, solicitou ao Autor e sua mulher que tomassem a seu cargo os cuidados de seu tio, fazendo-lhe as refeições, levando-o ao médico, limpando a casa, prestando-lhe serviços de higiene pessoal, passando inclusive, por vezes a pernoitar na casa do mesmo, contra a  contrapartida, de € 600,00 mensais. O pagamento seria feito aquando da venda do prédio onde residia o seu tio, alegando que o mesmo não possuía rendimentos.

Destes factos resulta que foi feita prova da onerosidade do contrato (cf. Art. 1158º do .C.C.).

Nos termos do nº 2 desta norma, se o mandato for oneroso, a medida da retribuição, não havendo ajuste entre as partes é determinada pelas tarifas profissionais, na falta destas pelos usos e na falta de umas e outras, por juízos de equidade.

Como refere Henrich Ewald Horster, [14] “as declarações negociais nem sempre são prestadas pelas próprias partes. Quer dizer, a declaração pode ser formulada e manifestada por outros que agem em vez das partes ou vez de uma delas. É o que acontece na representação: há um representante que participa no trafico jurídico negocial, em nome de outrem, o representado, e os efeitos dos negócios por ele concluídos produzem-se direta e imediatamente na esfera do representado”.

E mais á frente, “está inteiramente de acordo com os princípios da autonomia privada e da autodeterminação do homem que o sujeito, em vez de agir ele próprio possa autorizar outrem para encontrar um resultado ou negociar um efeito que deve valer juridicamente. É este propósito que serve a representação.”

Acontece que no caso em apreço, em face da alteração da matéria de facto, não se mostra provada a representação voluntária, isto é que o sobrinho de NN tivesse acordado com o Autor, em representação dos familiares herdeiros do falecido, sendo certo que, não pertencendo ao sobrinho, o identificado imóvel, não tinha também aquele de poderes para dele dispor, nem em vida, nem após a morte do tio, já que a mesma passou a integrar o herança daquele.

Não tendo aquele sobrinho celebrado o acordo em nome próprio, nem com poderes que lhe tivessem sido conferidos pelos demais herdeiros, a questão tem de ser apreciada no âmbito da gestão de negócios.

Com efeito, de acordo com o disposto no art. 464º do C.Civil, dá-se a gestão de negócios, quando uma pessoa assume a direção de negócio alheio no interesse e por conta do respetivo dono, sem para tal estar autorizada.

Para que haja gestão de negócios, são necessários os seguintes requisitos:

a)que alguém (gestor) assuma a direção de negócio alheio;

b)que o gestor atue no interesse e por conta do dono do negócio;

c)que não haja autorização deste.

Como referem Pires de Lima e Antunes Varela,[15] “a expressão negócio (alheio) não é usada aqui na sua aceção técnico-jurídica. A atuação do gestor tanto pode concretizar-se na realização de negócios jurídicos em sentido estrito (compras, vendas, empreitadas para reparação de uma coisa, arrendamento, expurgações de hipoteca, etc.), como na prática de atos jurídicos não negociais (aceitação de pagamentos, cobrança de dívidas, pagamento de rendas) ou até de simples factos materiais (reparação de um muro, sementeira de um campo, alimentação e cuidado de animais, abertura de uma vala para dar escoamento águas represadas, extinção de um incêndio, arrombamento de uma porta para fechar a torneira que ficou aberta na casa do vizinho). Os atos jurídicos serão em regra atos de administração, mas nada obsta em princípio, a que a gestão se estenda a atos de verdadeira disposição”.

No caso em apreço, o sobrinho assumiu a direção do interesse alheio, do seu tio, de prover à sua saúde e subsistência, tendo a sua intervenção ocorrido em proveito alheio, do seu tio e não em proveito próprio e finalmente não resulta da matéria de facto que o tio tenha tido intervenção no negócio e o tenha autorizado.

Na verdade, não se provou, tão pouco foi alegada a existência de qualquer acordo - relação jurídica -  entre o falecido e o autor e mulher.

Como referem Pires de Lima e Antunes Varela,[16] “a gestão nos termos em que é definida, pode ser encarada sob um duplo aspeto: por um lado, ela não só é moralmente louvável, pelo seu altruísmo, como pode ser socialmente útil, assegurando a conservação, a valorização, a frutificação mesmo anormal de bens ou de direitos que de outro modo, votados ao abandono, se poderiam perder ou tornar inúteis; por outro lado, ela representa uma intromissão não autorizada na esfera jurídica de outrem, que pode alem do mais prejudicar os interesses do titular”.

Está provado que a gestão foi exercida em conformidade com o interesse e a vontade, real ou presumível, do dono do negócio.

Porém, não foi alegado nem como tal foi julgado provado que o gestor tivesse aprovado o negócio, condição necessária para aquele produzir efeitos jurídicos na esfera do dono do negócio.

E a nosso ver não se pode considerar tacitamente aprovado esse ato  gestório, por parte de NN, uma que, para ocorrer tal aprovação, seria necessário a prova de que NN tivesse conhecimento que a assistência que aqueles autor e mulher lhe vinham  prestando, tivesse passado a ser feita de forma onerosa. É que antes do agravamento da saúde daquele NN, o Autor prestava-lhe assistência assim como à sua pré-falecida mulher, de forma gratuita, pelo que, pelo mero facto de NN aceitar ser assistido pelo Autor, não se pode concluir pela aprovação do negócio.

Dessa forma, não se pode considerar aprovada a gestão de negócios pelo dono do negócio.

 Estabelece o art. 471º do C.Civil que nas relações entre o gestor e o dono do negócio, é aplicável aos negócios jurídicos celebrados por aquele em nome deste o disposto no art. 268º do C.C.; se o gestor os realizar em seu próprio nome, são extensivas a esse negócios, na parte aplicável, as disposições relativas ao mandato sem representação.

Dispõe o art. 268º nº 1 do C.C que o negócio que uma pessoa, sem poderes de representação, celebre em nome de outrem, é ineficaz em relação a este, se não for por ele ratificado.

Há assim representação sem poderes sempre que alguém celebre em nome e por conta de outrem um ato jurídico sem para tanto ter os necessários poderes de representação.

Ao atuar ilicitamente (sem poderes), o representante age para além dos poderes de representação e os efeitos do seu ato não se projetam na esfera jurídica do representado (artº 268º nº 1 do C. Civ.)”

Ora também aqui não foi feita prova da ratificação do negócio, nos mesmos moldes que acabamos de analisar relativamente à aprovação da gestão. Para tal, era necessário a prova de que NN soubesse que a assistência que lhe estava a ser prestada pelo autor, não estava a ser feita de forma gratuita, como anteriormente, facto que não foi sequer alegado.

Isto posto, como afirma Mota Pinto, [17] “[o]s atos praticados por um representante sem poderes ou «falsus procurator» (com falta total de poderes representativos ou com excedência dos poderes que lhe foram atribuídos) são ineficazes em relação à pessoa em nome da qual se celebrou o negócio, salvo se tiver lugar a ratificação (art. 268.º, n.º 1)».

Sendo o negócio ineficaz relativamente ao «representado», não é, também, tratado como um negócio do representante.

Fica assim afastada aplicação do art. 1180º do C.Civil, uma vez que não resulta da matéria de facto provada que o sobrinho de NN tenha agido em nome próprio.

Em face da ineficácia do negócio relativamente a NN, será de improceder a pretensão do autor dirigida aos seus herdeiros.

Porém, há que ter em consideração que o Autor, na petição inicial, alegou ter direito à quantia peticionada, a título de enriquecimento sem causa, pretensão que deduziu por via subsidiária, pelo que importa analisar se se verificam os respetivos pressupostos.

7.2.Enriquecimento sem causa

O enriquecimento sem causa, consagrado no artigo 473.º do C.Civil, constitui uma fonte das obrigações quando alguém enriquece injustamente à custa de outrem, ou seja, sem causa que justifique o locupletamento.

Como explica Antunes Varela[18], esta obrigação estava expressamente consagrada no art.º 758.º do Código de 1867, para o caso especial do pagamento do que não era devido (restrito ainda à normal hipótese do pagamento por erro) e era admitida com certa amplitude pela jurisprudência anterior ao Código vigente por exigência do princípio ético-jurídico do não locupletamento à custa alheia.

A propósito dos diversos fenómenos que ocorrem na vida quotidiana, suscetíveis de obrigar o enriquecido a restituir o indevido, Antunes Varela[19] adverte que “seria escandaloso, por aberrante dos princípios fundamentais da justiça cumutativa, que a ordem jurídica aceitasse sem reação, a situação de injusto enriquecimento criada a favor de B (liberto da sua dívida em face de C), mediante o pagamento que A efetuou. Evitar semelhante injustiça, acrescenta, é o fim da obrigação de restituir imposta nesse caso a B em favor de A.”

O enriquecimento sem causa constitui, no nosso ordenamento jurídico, uma fonte autónoma de obrigações e que assenta na ideia de que pessoa alguma deve locupletar-se à custa alheia. Ou seja, na base desse instituto encontram-se situações de enriquecimento sem causa, de enriquecimento injusto ou de locupletamento à custa alheia.

Este instituto encontra a sua consagração legal no artº 473º do C. Civil, ao dispor-se que “aquele que, sem causa justificativa, enriquecer à custa de outrem é obrigado a restituir aquilo com que injustamente se locupletou” (nº 1) e que “a obrigação de restituir, por enriquecimento sem causa, tem de modo especial por objeto o que for indevidamente recebido, ou o que for recebido por virtude de uma causa que deixou de existir ou em vista de um efeito que não se verificou” (nº 2).

A obrigação de restituir depende assim do preenchimento de requisitos cumulativos (enriquecimento de alguém, sem causa justificativa, obtido à custa daquele que pede a restituição) e de não haver outro fundamento que, a título principal, legitime o alcance dessa pretensão (artigo 474º do mesmo código).

Vejamos se encontram preenchidos os respetivos pressupostos.

Em primeiro lugar é necessário que exista um enriquecimento.

Esse enriquecimento consiste na obtenção duma vantagem patrimonial, seja qual for a forma que essa vantagem revista.

O enriquecimento não se traduz apenas na obtenção de uma vantagem patrimonial pois poderá consistir, além do mais, na diminuição do passivo ou na poupança de despesas.

Como exemplificam os ilustres Professores Pires de Lima e Antunes Varela,[20] umas vezes, a vantagem traduzir-se-á num aumento do ativo patrimonial (por exemplo preço de alienação de coisa alheia; recebimento de prestação não devida); outras no uso ou consumo de coisa alheia ou no exercício de direito alheio quando estes atos são suscetíveis de avaliação pecuniária (instalação em casa alheia, consumo de alimentos pertencentes a terceiro), e outras inda na poupança de despesas (A por exemplo alimenta o descendente de B, porque julga erroneamente tratar-se do seu filho).

No caso em apreço, pensamos que ficou demonstrado tal enriquecimento, uma vez que houve um benefício por parte do falecido NN, o qual carecia que lhe fosse prestada assistência pessoal por terceiro e a assistência prestada pelo Autor, implicou por parte daquele uma  “poupança” com as despesas que doutra forma teria com a sua alimentação, higiene pessoal e da habitação, etc, e com a prestação de outros cuidados que necessitava e que teriam de ser por si custeados.

É necessário ainda demostrar que o enriquecimento careça de causa justificativa.

Citando o acórdão do STJ de 1972[21], “com vista a abranger todas as situações de enriquecimento injusto, poderá dizer-se que a falta de causa justificativa se traduz na inexistência de uma relação ou de um facto que, à luz dos princípios aceite no sistema, legitime o enriquecimento”.

O enriquecimento carecerá de causa sempre que o direito não o aprove ou consente, dado não existir uma relação ou um facto que, de acordo com as regras ou os princípios do nosso sistema jurídico, justifique a deslocação patrimonial ocorrida (a favor do enriquecido e à custa do empobrecimento de alguém), isto é, que legitime o enriquecimento.

Dado que a lei não define tal conceito, e dada a natureza diversa da fonte de que pode emergir, tal significa que o enriquecimento injusto terá sempre que ser apreciado e aferido casuisticamente, interpretando e integrando a lei à luz dos factos apurados.

Como refere o Juiz Conselheiro João Bernardo, de forma resumida, no acórdão do STJ de 20.9.2009[22], citando Rui Alarcão,[23] “A deslocação patrimonial poderia ter tido ou não ter tido causa. Se teve, haveria que indagar o regime jurídico próprio dessa causa e, face a ele, tomar posição sobre se o autor tem direito a haver da ré as quantias entregues. Se não teve, funciona o próprio mecanismo do enriquecimento sem causa, dando aso à obrigação de restituição. Este tem, pois, como razão de ser a ausência de causa. Nada havia que justificasse a deslocação patrimonial e, assim sendo, deve ser reposta a situação patrimonial anterior.”

Pensamos que no caso em apreço, também se verifica este pressuposto da falta de causa, uma vez que não existia qualquer obrigação de natureza familiar ou outra para que o autor provesse ao sustento de NN e lhe  prestasse assistência na doença, desde logo, porque como vimos, o acordo efetuado não é oponível àquele NN e consequentemente aos seus herdeiros.

Também inexiste responsabilidade do gestor de negócios, uma vez que o sobrinho daquele NN agiu em conformidade com a vontade presumível do dono do negócio, que não queria abandonar a sua residência, não tendo porém condições de nela permanecer sem a ajuda de terceiros (cfr. art. 466º do C.Civil).

A vantagem patrimonial tem ainda de ser obtida á custa de outrem, isto é, tenha sido obtida imediatamente à custa daquele que se arroga o direito à restituição. Também aqui parece-nos claro que tal ocorreu, uma vez que o “enriquecimento” de NN ocorreu á custa do “empobrecimento” do Autor, foi feita á custa do património do autor, que prestou os bens e serviços necessários.

Finalmente, só é possível recorrer às regras do enriquecimento sem causa, quando a lei não faculte ao empobrecido outros meios de reação.

O art. 474º do CC dispõe que não há lugar à restituição por enriquecimento, quando a lei facultar ao empobrecido outro meio de ser indemnizado ou restituído, negar o direito à restituição ou atribuir outros efeitos ao enriquecimento.

No caso em preço, como vimos, ficou afastada a possibilidade do autor ser indemnizado ou restituído, através doutro meio, pelo que tem aqui cabimento o instituto do enriquecimento sem causa.

Conclui-se assim que a herança de NN deverá restituir ao Autor a quantia € 29.400,00, a título de enriquecimento sem causa.

7.3.Prescrição

Só assim não será de for julgada procedente a exceção da prescrição.

Discordam ainda os apelantes Réus do indeferimento da exceção da prescrição que oportunamente arguiram.

Alegam que a sentença considerou não se verificar a exceção perentória de prescrição presuntiva, prevista no artigo 317º, alínea c) do CC e invocada pelos RR/recorrentes. Alegam que a sentença confunde a extinção da obrigação com a presunção do seu cumprimento.

 O artigo 298º, nº 1 do CC refere que “ Estão sujeitos a prescrição, pelo seu não exercício durante o lapso de tempo estabelecido na lei, os direitos que não sejam indisponíveis ou que a lei não declare isentos de prescrição.”, assim, no caso dos autos, o início da contagem do período de 2 anos iniciou-se com o óbito de NN, ou seja, em 10/06/2014, uma vez que o Autor podia exercer o seu direito a partir desta data – artigo 306º, nº 1 do CC., pelo que o direito do autor se encontra prescrito.

Que a prescrição presuntiva, fundando-se numa presunção de cumprimento, beneficia do regime das presunções legais – artigos 350º, nº 1 e 312º do CC, - que ditam a inversão do ónus da prova – 344º, nº 1 do CC – o que tem como consequência ser o Autor a ter de provar que o pagamento não ocorreu. Ora, o Autor notificado para o exercício do contraditório, não logrou fazer essa prova, pelo que, a defesa pela exceção perentória da prescrição sempre deverá ser julgada procedente por provada e, consequentemente serem os RR absolvidos do pedido, ao não entender assim, a douta sentença, violou o disposto nos artigos 317º, alínea c) do Código Civil, 571.º, n.º 2 parte final e 576.º, nº 3, do Código de Processo Civil.

É manifesta a falta de razão dos Apelantes.

Não estamos seguramente na presença de uma prescrição presuntiva.

Na prescrição pune-se a inércia do titular do direito e tutela-se a certeza e segurança das relações jurídicas, pela respetiva consolidação, operada em prazos razoáveis.

As presunções prescritivas “explicam-se pelo facto de as obrigações a que respeitam costumarem ser pagas em prazo bastante curto e não se exigir, em via de regra, quitação, ou, pelo menos, não se conservar por muito tempo essa quitação. Decorrido o prazo legal, presume-se que o pagamento foi efetuado” – como refere Almeida Costa, in Direito das Obrigações – 9ª edição –, págs. 1051 e 1052.

Também Manuel de Andrade in Teoria Geral da Relação Jurídica, Vol. II, pág. 452 explica de forma clarividente o regime destas prescrições: “Ela (a lei) estabeleceu prazos para a prescrição de créditos do merceeiro, do hoteleiro, do advogado, do procurador, etc., etc., porque se trata de créditos que o credor adquire pelo exercício da sua profissão, da qual vive. Ao fim de um prazo relativamente curto o credor, em regra, exige o seu crédito, pois precisa do seu montante para viver. Por outro lado, o devedor, em regra, paga as suas dívidas dentro de prazo curto, porque são dívidas que ele contraiu para prover às suas necessidades mais urgentes. Mesmo quando o devedor é pessoa de más contas, prefere não pagar outras dívidas e ir pagando estas, até porque de outra maneira, acabaria por não ter quem o servisse. Finalmente, o devedor em regra não cobra recibo destas dívidas, quando paga e se exige recibo não o conserva muito tempo”

As presunções prescritivas, constituindo verdadeiras presunções de cumprimento, produzem a inversão do ónus da prova, ficando, por via das mesmas, o devedor liberto desse encargo, sem embargo de o credor elidir a presunção em causa, provando o não cumprimento.

Ora a situação em apreço não se enquadra em nenhuma das situações previstas para este tipo de presunções, tal como resulta do elenco de situações previsto nos art.s 316º do C.C que estabelece presunções de seis meses e do art. 317º que estabelece presunções de dois anos.

Com efeito, o autor não atuou enquanto comerciante, nem se trata de crédito de estabelecimento que forneça alojamento, comidas e bebidas, tão pouco atuou aquele autor, enquanto profissional liberal.

Dessa forma, temos de concluir, como na sentença, que o crédito do autor estaria sujeito ao prazo de prescrição ordinário de 20 anos (art. 309º do C.Civil que ainda não decorreu.

Acontece que, na apreciação jurídica a que procedemos, o direito do autor foi reconhecido apenas com fundamento no instituto do enriquecimento sem causa.

Ora, o prazo para a propositura da acção com fundamento em enriquecimento sem causa, é de três anos, a contar da ocorrência do facto que determinou o enriquecimento, segundo dispõe o mencionado artigo 482 do Código Civil, sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respetivo prazo a contar do esquecimento.

Com efeito, estabelece o art. 482º do Código Civil o seguinte:

"O direito à restituição por enriquecimento prescreve no prazo de três anos, a contar da data em que o credor teve conhecimento do direito que lhe compete e da pessoa do responsável, sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respetivo prazo a contar do enriquecimento”.

Ou seja, o art. 482º do Código Civil estabelece dois prazos de prescrição. Um de três anos a contar do conhecimento do direito de restituição e da pessoa do responsável, outro, o ordinário de 20 anos, a contar segundo as regras gerais do momento em que a restituição pode ser exigida.

A prescrição do artigo 482º do Código Civil funda-se na conveniência de compelir os empobrecidos a, podendo e querendo exercer o direito à restituição, o exercerem em prazo curto, a fim de esse direito não ter de ser apreciado a longa distância dos factos, o que pode tornar-se difícil ao tribunal.[24]

Coloca-se agora a questão de saber em que momento se iniciou o prazo do Autor de exercer o direito à restituição com fundamento no enriquecimento sem causa.

Importa apurar se a expressão "conhecimento do direito que lhe compete" quer dizer, "conhecimento dos elementos constitutivos do seu direito" ou, "conhecimento de ter direito à restituição".

NN faleceu em 10.6.2014. O autor, através de procuração outorgada pelos herdeiros procedeu à venda do imóvel onde aquele habitou até ao seu decesso, mediante escritura pública outorgada a 9 de março de 2015[25], outorgando o autor na qualidade de procurador dos Réus.

Contando-se a data em que o credor teve conhecimento do direito que lhe compete e da pessoa do responsável, na data do óbito de NN, altura em que estava em condições de exigir da respetiva herança a restituição da medida do enriquecimento, ou da data em que, na qualidade de procurador dos RR vendeu a casa daquele, constata-se que o autor exerceu o seu direito atempadamente, isto é dentro dos três anos de que dispunha, ao deduzir reconvenção na ação de prestação de contas que acima se fez referência (processo de prestação de contas nº 3888/16.0T8VFR).

Com efeito, nessa ação, o autor, aí requerido, veio, em reconvenção pedir que os herdeiros de NN reconhecessem a dívida correspondente ao valor dos serviços prestados ao falecido, reclamados nesta ação.

A prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer ato que exprima, direta ou indiretamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o ato pertence e ainda que o tribunal seja incompetente art. 323º, nº 1, do CCivil.

Ora, tendo-nos sido concedida autorização[26] de consulta eletrónica de tal processo, dada a interligação das questões a decidir neste recurso, constata-se que o pedido reconvencional, com fundamento em enriquecimento sem causa foi aí deduzido pelo ora autor em  24.01.2017, tendo os Réus dele sido notificados em 27.1.2017.

Isto significa que os três anos, contados ou da data do falecimento de NN ou da escritura pública de compra e venda interrompeu-se com a notificação da contestação/reconvenção dos herdeiros de NN (autores naquela ação especial de prestação de contas).

Assim, interrompida a prescrição, em 27 de janeiro de 2017, tal não significa que não possa iniciar-se novo prazo prescricional, podendo seguir-se nova inércia do respetivo titular, havendo, assim, fundamento para começar a correr novo prazo de prescrição.

Seguindo de perto o  acórdão da Relação de Lisboa, que se debruça sobre esta questão da interrupção da prescrição, e 26.3.2019[27], a interrupção, uma vez verificada, inutiliza para a prescrição todo o tempo decorrido anteriormente, começando, contudo, e em princípio, a correr novo prazo a partir do ato interruptivo, sem prejuízo do disposto nos nºs 1 e 3 do artigo 327.º, conforme expressamente flui do art. 326.º.

A regra é esta: o novo prazo conta-se a partir do facto interruptivo, o que equivale a dizer que este tem normalmente efeitos instantâneos.

Assim, interrompida a prescrição, tal não significa que não possa iniciar-se novo prazo prescricional, podendo seguir-se nova inércia do respetivo titular, havendo, assim, fundamento para começar a correr novo prazo de prescrição.

A este propósito, são esclarecedoras as palavras de Vaz Serra:

«Interrompida, porém a prescrição, não resulta daí que não possa mais iniciar-se e correr um novo prazo prescricional, pois, ao exercício do direito pelo titular ou ao reconhecimento dele pela outra parte, pode seguir-se nova inércia do titular e haver, portanto, de novo fundamento para começar e correr um prazo de prescrição.

Quanto a saber em que momento começará a correr o novo prazo prescricional, esse momento será, naturalmente, aquele em que a eficácia da causa interruptiva cessar.

Há, por conseguinte, que apurar quando cessa a eficácia da causa interruptiva, ou, o que é o mesmo, qual a duração dessa eficácia.

A este respeito, pode a eficácia da causa interruptiva ser instantânea ou permanente, conforme essa eficácia se produz em dado momento, cessando logo e começando, portanto, logo também o novo período prescricional, ou dura por um lapso de tempo mais ou menos longo, findo o qual se inicia o' novo período da prescrição.

Eficácia instantânea têm o reconhecimento ou o ato da constituição em mora do devedor; deriva daí que do mesmo momento começa a correr um novo período prescricional.

Eficácia permanente têm os atos interruptivos judiciais, dado que dão início a um processo, durante o qual pode admitir-se que o titular não. está inativo e deve, assim, manter-se a eficácia da interrupção. A prescrição só recomeçará a correr do momento em que transita em julgado a sentença que põe termo ao processo.

A lei estabelece um regime especial – o da interrupção duradoura do prazo da prescrição, no  art. 327.º nº 1, prescrevendo que:

“Se a interrupção resultar de citação, notificação ou ato equiparado, ou de compromisso arbitral, o novo prazo de prescrição não começa a correr enquanto não passar em julgado a decisão que puser termo ao processo”.

O nº 2, e 3, por sua vez, dispõem que:

“Quando, porém, se verifique a desistência ou a absolvição da instância, ou esta seja considerada deserta, ou fique sem efeito o compromisso arbitral, o novo prazo processual começa a correr logo após o ato interruptivo”.

“Se, por motivo processual não imputável ao titular do direito, o réu for absolvido da instância ou ficar sem efeito o compromisso arbitral, e o prazo da prescrição tiver entretanto terminado ou terminar nos dois meses imediatos ao trânsito em julgado da decisão ou da verificação do facto que torna ineficaz o compromisso, não se considera completada a prescrição antes de findarem estes dois meses.”(sublinhado nosso)

Uma vez que quer o acórdão do Tribunal da Relação do Porto, não admitiu a reconvenção, tal significa que foram os aí autores (aqui Réus ) absolvidos da instância reconvencional, pelo que, por força do nº 2 do art. 327º do C.C, o novo prazo começou a correr logo após o prazo interruptivo, isto é, a 28 de janeiro de 2017 (no dia seguinte á interrupção).

Considerando ainda que o novo prazo de três anos terminou antes de ser proferida decisão transitada em julgado sobre tal questão (a decisão do Supremo Tribunal de Justiça que não admitiu o recurso de revista foi proferida em 2.3.2021, tendo transitado em julgado em 18.5.2921[28]), considerando que o prazo de  3 anos, contados logo a seguir à data da interrupção, em 28 de janeiro de 2017  terminou em 28 de janeiro de 2020), significando isto, que, por força do nº 3 do art. 327º do C.Civil, a prescrição não se considera completada sem decorrerem 2 meses imediatos ao transito em julgado da decisão, isto é, em 18.5.2021.

Uma vez que a presente ação foi intentada em 10.05.2021, não havia ainda decorrido o prazo de prescrição de três anos estabelecido no citado art. 482º do Código Civil. Porém, a data que releva para fazer interromper a prescrição, é a da citação dos réus nesta ação, a qual, não tendo ocorrido nos cinco dias após ter sido requerida, tem-se por interrompida logo que decorram os cinco dias, nos termos do art. 323º nº 2 do Código Civil, isto é, em 15.5.2021, ou seja, antes do termo do prazo da prescrição, ocorrido em 18.5.2021.

Desta forma, aquando da citação dos Réus nesta ação, ainda não prescrevera o direito do autor.

Resta, pois julgar improcedente o recurso dos Réus, julgando-se improcedente a exceção da prescrição.

VIII-DECISÃO

Pelo exposto em conclusão, acordam os Juízes que compõem este Tribunal da Relação em julgar improcedente o recurso apresentado pelo Autor e em julgar parcialmente procedente o recurso dos Réus, condenando-se a herança aberta por óbito de NN a restituir ao autor, a título de enriquecimento sem causa da quantia de € 29.400,00 (vinte e nove mil e quatrocentos euros), absolvendo os Réus do demais peticionado pelo Autor.

Custas a cargo do Autor e Réus, na proporção do respetivo decaimento.


Porto, 20 de fevereiro de 2024.
Alexandra Pelayo
Artur Dionísio Oliveira
Alberto Taveira
_________________
[1] Há um lapso de escrita, pois o requerimento é de 04/01/2023.
[2] in “Ação Declarativa À Luz Do Código Revisto”, 3.ª Edição, pág. 667.
[3] In Manual de Processo Civil, 2.ª Edição, pág. 693.
[4] Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora – Manual de Processo Civil, pág.452.
[5] In Noções Elementares de Processo Civil, 1979, pg. 192.
[6] cfr. Alberto dos Reis in Processos Especiais, vol I, pg. 308 e RLJ ano 74, pg 45
[7] António Abrantes Santos Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe de Sousa, in CPC anotado, vol II, pg. 391.
[8] In Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, pg 305-306.
[9] Miguel Teixeira de Sousa; Estudos sobre o novo processo civil, p. 574.
[10] Cfr., por todos, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 30.3.2017 no P 1375/06.3TBSTR.E1.S1, relatado por Tomé Gomes; de 08.01.2019, relatado por Roque Nogueira, disponíveis in www.dgsi.pt.
[11] Relatado por Tomé Gomes e proferido no P 478/08.4TBASL.E1.S1, encontrando-se disponível in www.dgsi.pt.
[12] Noções Elementares de Processo Civil, pág. 191.
[13] Impõe-se a retificação da data que ficou a constar por lapso manifesto (2005) em face do documento que o suporta que se encontra junto aos autos e o disposto noa rt. 613º do CPC.
[14] In a Parte geral do Código Civil Português, Teoria Geral do Direito Civil, Almedina, pg. 476.
[15] In Código Civil anotado, vol I, 3º edição, pg. 417 e 418.
[16] Ob. cit. Pg. 419.
[17] Teoria Geral de Direito Civil, 4.ª edição por António Pinto Monteiro e Paulo Mota Pinto, 2005, Coimbra Editora, Coimbra p. 549.
[18] Direito das Obrigações em Geral, vol. I., 5.ª edição, pág. 421, nota (1).
[19] Ob. cit., pág. 426 e 427.
[20] Ob cit., pg. 427.
in BMJ nº 213, pgs 214 e ss.[21] Citado pelos Ilustres Professores, loc cit., pg. 420.
[22] Proferido no P 07B2156 e disponível in www.dgsi.pt.
[23] Direito das Obrigações, Lições Policopiadas de 1983, 189.
[24] Cfr. Vaz Serra, in Rev. de Leg. e de Jur., ano 107, páginas 299 e 300 e Antunes Varela, in "Das Obrigações em Geral", I vol., página 436.
[25] Impõe-se a retificação da data que ficou a constar por lapso manifesto (2005) em face do documento que o suporta que se encontra junto aos autos e o disposto no art. 613º do CPC.
[26] Por nós solicitada por despacho de 8.2.2024.
[27] Proferido no P 3350/06.9TBAMD-A.L1-7, Relator José Capacete, e disponível in www.dgsi.pt.
[28] Conforme certificado pelo STJ nos autos de prestação contas (certidão junta em 7.4.2021).