Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | PAULA GUERREIRO | ||
Descritores: | CRIME DE DETENÇÃO DE ARMA ARMA INCENDIÁRIA | ||
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Nº do Documento: | RP20210526955/16.3P5LSB.P1 | ||
Data do Acordão: | 05/26/2021 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | CONFERÊNCIA (RECURSO DO ARGUIDO) | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO | ||
Indicações Eventuais: | 1ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I - A vulgarmente denominada “Tocha”, por vezes usada pelos adeptos desportivos, é um objecto explosivo que comporta riscos para a integridade física de terceiros que se encontrem nas imediações do seu arremesso se não mais graves, atento o próprio perigo de incêndio que lhe é inerente. II - É certo que a nova versão da Lei 5/2006 dada pela Lei n.º 50/2019, de 24/07, excluí da classificação de arma proibida os fogos-de-artifício das categorias F1, F2, F3, T1 ou P1 previstas nos artigos 6.º e 7.º do Decreto-Lei n.º 135/2015, de 28 de julho. Porém, confrontado o citado DL 135/2015 verificamos que se tratam de artigos pirotécnicos de baixo risco e que a avaliação do risco tem de ser feita pelo Instituto Português da Qualidade. III - A versão anterior excluía apenas os fogos de artifício de categoria 1. No entanto, à data da prática dos factos, (setembro de 2016), estava já em vigor o DL 135/2015, pelo que, a exclusão dos artigos de pirotecnia da categoria das armas proibidas, só opera nos casos em que a avaliação do risco tenha sido feita pela entidade competente nos termos do art. 21 desse diploma,- que é o Instituto Português da Qualidade -, o que, desde logo, não inclui os engenhos e artefactos fabricados manualmente pelos particulares. – art. 6º nº2 do citado diploma legal. Nenhuma dúvida resta, pois, de que o objecto explosivo que vulgarmente é conhecido por “Tocha” e utilizado pelos adeptos desportivos à margem do que é permitido pelas forças de segurança e entidades desportivas, não está contido na excepção do art. 86 al. d) do Regime Legal das Armas e Munições. IV - O artigo detido e arremessado pelo recorrente se integra na definição da al. af) do art. 2º nº5 do regime das armas e munições: «'Artigo de pirotecnia' qualquer artigo que contenha substâncias explosivas ou uma mistura explosiva de substâncias, concebido para produzir um efeito calorífico, luminoso, sonoro, gasoso ou fumígeno ou uma combinação destes efeitos, devido a reações químicas exotérmicas autossustentadas;, desde logo porque ficou assente que continha substâncias explosivas, relativamente às quais pela sua imensa variedade o legislador não exige a identificação, e não na al.ag) do mesmo preceito : «Fogo-de-artifício das categorias F1, F2, F3, T1 ou P1 previstas nos artigos 6.º e 7.º do Decreto-Lei n.º 135/2015, de 28 de julho» o artigo de pirotecnia destinado a ser utilizado para fins de entretenimento que apresenta um risco muito baixo e um nível sonoro insignificante e que se destina a ser utilizado em áreas confinadas, incluindo os fogos-de-artifício que se destinam a ser utilizados no interior de edifícios residenciais;» porque relativamente ao mesmo não se demonstra qualquer intervenção da entidade certificada e competente para a avaliação do risco. V - Em sentido semelhante considerando um artefacto pirotécnico vulgarmente denominado “Tocha”, apto a produzir um efeito luminoso e fumígeno, mediante reacção química, arma proibida, veja-se o da Relação de Lisboa de 12/07/2017, relatado por Fernando Estrela. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Processo n.º 955/16.3P5LSB.P1 1. Relatório No processo comum, com julgamento perante tribunal colectivo, com o nº 955/16.3P5LSB do Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro, Juízo Central Criminal de Aveiro - Juiz 3, foi em 8/10/2020 depositado Acórdão que entre outras coisas decidiu:«Condenar o arguido B… pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de detenção de armas e outros dispositivos, produtos ou substâncias em locais proibidos, previsto e punido pelo artigo 89.º, por referência ao artigo 86.º, n.º 1, alínea d), conjugado com o artigo 2.º, n.° 5, alínea af), todos do Regime Jurídico das Armas e suas Munições (Lei n.º 5/2006, de 23-02, na sua versão constante da Lei n.º 50/2013, de 24-07), na pena de 1 (um) ano de prisão, suspensa na sua execução por igual período, com sujeição a regime de prova, executado com vigilância e apoio dos Serviços de Reinserção Social, ficando o mesmo sujeitos às obrigações e orientações que venham a constar do Plano a elaborar, com homologação pelo Tribunal, o qual deverá incluir, designadamente, a necessidade de interiorização do desvalor deste tipo de condutas e a adoção de um modo de vida conforme ao direito e de hábitos de trabalho regular.» Inconformado com esta decisão condenatória veio o arguido interpor recurso da mesma, extraindo-se, em síntese, das conclusões do respetivo recurso os seguintes argumentos: O Acórdão recorrido padece de vício de insuficiência da matéria de facto previsto na al.a) do art.410 nº2 do CPP. Os factos dados como provados não são suficientes para que o recorrente pudesse ser condenado pelo crime de detenção de arma ilegal, - artigo de pirotecnia -, previsto no art. artigo 86 n.º 1, alínea d), conjugado com o art. 89, por referência ao art. 2.º n.° 5, alínea af), todos do Regime Jurídico das Armas e suas Munições previsto na Lei n.º 5/2006, de 23-02, na sua versão atual constante da Lei n.º 50/2013, de 24-07. Não foi apreendido o artigo de pirotecnia usado pelo arguido de modo a poder ser efectuada perícia quanto à sua natureza e composição para que o julgador de forma inequívoca pudesse avaliar se o objecto deflagrado se podia subsumir ao catálogo de artigos de pirotecnia considerados de utilização perigosa pela Lei das Armas. O Tribunal recorrido condenou o arguido sem lograr apurar factos suficientes que lhe permitissem concluir que o objecto deflagrado era uma tocha e que esta integra o catálogo de armas de utilização proibida. A primeira instância deu como provado que o objecto continha uma substância explosiva sem curar de apurar qual, o que de todo o modo seria impossível pois o objecto não foi recolhido no local. Teria de se apurar substância explosiva ou conjunto de substâncias explosivas que integravam o objecto para se subsumir o mesmo no tipo de crime pelo que o recorrente foi acusado. Ocorre insuficiência da matéria de facto para a decisão por se verificarem omissões factuais que podiam e deviam ter sido apuradas e se mostram necessárias ao juízo seguro de condenação ou absolvição. No caso concreto em análise percorrida a matéria de facto que serve de suporte à imputação criminosa verifica-se que esta se resume a uma série de chavões de natureza genérica com apelo a conclusões e conceitos de direito, sem prévia descrição de qualquer factualidade que alicerce. Designadamente alude-se a artefacto pirotécnico ou tocha sem a mínima descrição do objecto concreto que estaria em causa de modo a possibilitar ao Tribunal ad quem efectuar um juízo de conformidade com a classificação operada. Existem artigos de pirotecnia que se integram na categoria de fogo de artifício de categoria 1, os quais se destinam a fins de entretenimento e representam um risco baixo e nível sonoro insignificante, podendo ser usados no interior de edifícios residenciais. Daqui se conclui que a integração do objecto na classe dos artigos pirotécnicos depende de requisitos muito precisos e pré-definidos, sendo essencial a presença de substâncias explosivas visando determinado efeito decorrente de reacções químicas exotérmicas auto-sustentadas. A classificação abstracta de artefacto pirotécnico ou tocha é manifestamente insuficiente para estabelecer a responsabilidade criminal do agente desde logo porque se trata de um conceito abrangente e nem todos os itens dessa categoria foram abrangidos pelo art. 89 da Lei 5/2006, estando excluído o fogo de artificio de categoria 1. Na verdade existe um sem numero de substâncias sólidas e liquidas, ou mesmo gasosas, que por si só ou em conjugação com outras podem produzir esses mesmos efeitos sem contudo atingirem a categoria de explosivo ou de mistura explosiva. Em hipóteses como a dos presentes autos não basta descrever os efeitos que se produziram após a utilização ou arremesso sendo preciso estabelecer previamente de que artigo se trata e que substância continha para depois em sede de subsunção jurídica classificar para efeitos de apurar a responsabilidade criminal, contra-ordenacional ou o seu afastamento. No caso concreto em análise inexiste o necessário suporte factual, estando apenas presente um conceito que não tem sustentação nos factos que deveriam permitir a conclusão. Evidencia-se erro na aplicação de direito dado que a conduta objectiva dada como provada não permite classificar o artefacto como um dos compreendidos no art. 89 da Lei 5/2006 por referência ao art. 2.º n.° 5, alínea af), todos do Regime Jurídico das Armas e suas Munições. Não sendo possível in casu o reenvio dos autos para o devido apuramento dado o objecto não ter sido recolhido concluí o recorrente pedindo a sua absolvição. O recurso foi admitido por despacho proferido em 16/11/2020. O MP em primeira instância veio responder ao recurso alegando que se tratava efetivamente, de artigo de pirotecnia que cabe da definição contida naquela disposição legal (al. af) do n.º 5 do art. 2.º), sendo a sua detenção e uso proibidos e punidos criminalmente, além de que tal conduta ocorreu na deslocação para recinto desportivo, onde ia realizar-se um espetáculo desportivo, mostrando-se, por isso, preenchidos os elementos típicos daquela previsão legal. Esclareceram os Agentes da P.S.P. que prestaram depoimento, que os referidos objectos (artigos), logo que entram em combustão, auto destroem-se, pelo que, nem no caso concreto, nem em qualquer outra caso, são susceptíveis de apreensão. Ora, se fosse necessária a apreensão e subsequente perícia como pretende o recorrente, sempre que os agentes do crime utilizassem este tipo de artefactos, atenta a inexequibilidade da respectiva apreensão sempre tal redundaria numa absolvição e impunidade da conduta. O engenho, artefacto ou objecto que o arguido arremessou, nas condições de tempo, lugar e modo que foram dadas como provadas, era um objecto, que rebentou com estrondo. O arguido B… agiu com a intenção de deter, manter na sua posse e utilizar tal artigo pirotécnico, sabendo da sua perigosidade e agindo de forma deliberada, livre e conscientemente, ciente de que essa sua conduta era proibida e punida por lei penal. O historial do uso de tais artefactos em recintos desportivos, que já é longo, mostra que a sua utilização é perigosa, ainda que possamos duvidar de que tal perigosidade seja do mesmo grau da de certas armas, como tal classificadas. É pelas características do objecto em causa, que se poderá subsumi-lo a qualquer das previsões do diploma em causa. Conclui que a decisão recorrida não padece dos invocados vícios e que o arguido cometeu o crime pelo qual foi acusado. Nesta Relação o Sr. Procurador-geral-adjunto acompanhou a resposta do MP em primeira instância e emitiu parecer no sentido da improcedência do presente recurso. Cumprido o disposto no art. 417 veio o recorrente apresentar resposta ao recurso fora de prazo. Porém, não tendo sido efectuado o pagamento da guia emitida não se terá em consideração tal resposta. 2. Fundamentação Pelo seu inegável interesse para a decisão a proferir passamos de seguida a reproduzir a sentença recorrida no que respeita à decisão sobre a matéria de facto e respetiva motivação, na parte com relevância para o apuramento da responsabilidade criminal do recorrente relativamente à prática do crime pelo qual foi condenado:A- Circunstâncias com interesse para a decisão: «Da discussão da causa, resultaram provados os factos seguintes: A) 1)No dia 24-09-2016, cerca das 19:50 horas, os arguidos B… e C…, que são simpatizantes do D… (doravante D1…), dirigiram-se, integrados num grupo de adeptos deste clube, constituído por cerca de cem membros, ao Pavilhão Municipal E…, onde se iria disputar, pouco depois, uma partida de G1…, entre aquele clube e o F… (doravante F1…), e à qual pretendiam assistir.2) Esse encontro era referente à final da Supertaça de G1…, sendo organizado pela Federação de G…. 3) O arguido B… transportava consigo, pelo menos, um artefacto pirotécnico denominado “facho de mãos”, também conhecido por “tocha”, contendo o mesmo substâncias explosivas e sendo concebido para produzir um efeito luminoso, através de chama, e fumígeno. 4) Esse grupo de adeptos do D1…, onde se integravam os arguidos B… e C…, proveio do lado da Estação de Comboios da CP, a qual atravessaram pela passagem subterrânea destinada a peões, e quando desembocaram, já perto daquele recinto desportivo, avistaram, junto do mesmo, do lado oposto, um grupo de adeptos do F1…. 5) De imediato, esse grupo de adeptos do D1…, incluindo os arguidos B… e C…, apressaram o passo em direção ao grupo de adeptos do F1…, altura em que quatro agentes da PSP em serviço, incluindo os agentes H… e I…, se aproximaram daquele grupo de adeptos do D1…, acabando, juntamente com alguns elementos da GNR, por estacar a sua marcha. 6) Nessa altura, quando os dois grupos de adeptos se encontravam a uma distância de cerca de 40/50 metros, o grupo de adeptos do D1…, onde se integravam os arguidos B… e C…, agindo todos os seus elementos de comum acordo e em conjugação de esforços, entoou cânticos da “claque” e arremessou várias pedras da calçada e objetos em vidro, bem como alguns artefactos pirotécnicos, na direção do grupo de adeptos do F1… e dos agentes da PSP, que caíram no espaço que mediava entre os dois grupos, sendo que: a) O arguido C… arremessou uma pedra na direção do referido agente da PSP H…, a qual passou a curta distância do corpo deste, tendo-se o mesmo desviado repentinamente para não ser atingido; b) O ex-arguido J… arremessou uma pedra na direção do referido agente da PSP I…, tendo atingido este na região do tórax, o qual caiu imediatamente por terra; c) O arguido B… lançou, na direção do grupo de adeptos do F1…, um artefacto pirotécnico denominado “facho de mãos”, também conhecido por “tocha”, que transportava consigo, tendo o mesmo caído a cerca de 10 metros de distância do grupo de adeptos do D1…, junto a um automóvel ligeiro de passageiros que se encontrava estacionado próximo do pavilhão supra referido, ficando aí a arder e a emitir fumos avermelhados durante vários segundos. 7) Nesse mesmo contexto, também o grupo de adeptos do F1… entoou cânticos da “claque” e arremessou várias pedras da calçada e objetos em vidro na direção do grupo de adeptos do D1…, que caíram no espaço que separava os dois grupos. 8) Com tal comportamento, o arguido C… quis atingir a integridade física do agente da PSP H…, bem sabendo que este se encontrava no exercício das suas funções policiais, designadamente de zelar pela ordem pública no decurso de tal evento desportivo e de evitar confrontos entre os dois grupos de adeptos afectos aos clubes envolvidos, sabendo também que essa sua conduta, ao arremessar aquela pedra contra o referido agente, era especialmente censurável, pois atentava contra a integridade física deste e poderia impedi-lo de continuar a desempenhar tais funções, apenas não tendo logrado tal intento por razões alheias à sua vontade. 9) O arguido B… agiu com a intenção de deter, manter na sua posse e utilizar o objeto supra referido, um artefacto pirotécnico, denominado “facho de mãos”, também conhecido por “tocha”, que continha uma substâncias explosiva, sabendo que o não podia possuir, por ser proibido, e cuja perigosidade bem conhecia, o que conseguiu. 10) Ambos os arguidos agiram deliberada, livre e conscientemente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal. B) 11) O arguido B… nasceu no Porto e é o segundo de uma fratria de dois elementos. O seu processo de crescimento decorreu no contexto da família nuclear, tendo a dinâmica familiar sido descrita como ajustada.12) O arguido iniciou o seu percurso escolar em idade regular e apesar de ter frequentado o ensino superior (curso de Gestão e Recursos Humanos e de Psicologia do Trabalho no Instituto Superior de Línguas e Administração …) apenas finalizou o ensino secundário, apresentando como habilitações o 12.º ano de escolaridade. 13) O arguido desenvolveu a suas sociabilidades em contexto de frequência de espaços desportivos (futebol), tendo em 2003 ingressado na claque do D… (D2…). 14) Em 2008 foi pai, na sequência de uma relação afetiva que manteve com a progenitora da criança. 15) Neste período da sua vida envolveu-se no consumo de estupefacientes (haxixe), que manteve até ser preso preventivamente no âmbito do Processo 1015/07.3PULSB, do Tribunal judicial da Comarca de Lisboa - Juízo Central Criminal de Lisboa. 16) Durante o período em que esteve preso, o arguido manteve uma conduta prisional ajustada e integrou ala de reabilitação de consumos de estupefacientes e de comportamentos sociais, tendo no regresso ao meio livre (em 2012) retomado o exercício de atividade laboral (há data da reclusão trabalhava num armazém de tabaco) através do desempenho da profissão de …. 17) No decurso do regime probatório no Processo 1015/07.3PULSB (pena única de 4 anos e 6 meses de prisão, suspensa com regime de prova) foi novamente condenado no domínio do Processo 59/16.9SULSB (pena única de 3 anos de prisão, suspensa com regime de prova), do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa - Juízo Local de Pequena Criminalidade de Lisboa. 18) À data dos alegados factos encontrava-se a residir só, em habitação própria (na morada constante dos autos), pela qual despendia cerca de 390,00€ mensais, estando o seu filho a cargo da respetiva progenitora, enquadramento que se mantém na atualidade. 19) Desenvolvia as funções de …, auferindo cerca de 800,00€ mensais, sendo esta a sua forma de subsistência. 20) Os seus tempos livres eram dedicados à frequência de espetáculos futebolísticos, assumindo a sua ligação emocional ao D…, clube é adepto. 21) Cumpria na altura os regimes probatórios associados aos Processos 1015/07.3PULSB e 59/16.9SULSB, tendo o primeiro findado a 27-07-2017, sendo monitorizado pelos serviços da DGRSP. 22) No âmbito da avaliação final da execução da medida probatória determinada no Processo 1015/17.3PULSB, foi destacado o facto de o arguido ter adotado uma atitude de colaboração, uma vez que compareceu às entrevistas agendadas, deu a conhecer as suas condições pessoais e sociais, mas simultaneamente a circunstância de tal intervenção não se ter constituído como contentora das suas condutas. 23) O arguido continuou a desenvolver atividade como …, a qual suspendeu em novembro de 2019, para cumprimento de pena de prisão na habitação com recurso à vigilância eletrónica aplicada no Processo 31/17.1P5LSB, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa - Juízo Local Criminal de Lisboa. 24) Entretanto, foi proferida decisão no Processo 67/17.2P5LSB do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa - Juízo Local de Pequena Criminalidade de Lisboa, tendo aí sido condenado, por sentença transitada em julgado a 25-10-2018, pela prática do crime de detenção de arma proibida, na pena de 6 meses de prisão, substituída pela prestação de 180 horas de trabalho a favor a comunidade, que foram executadas pelo mesmo, com sucesso, entre 22-05-2019 e 16-07-2019, a favor da Câmara Municipal K…. 25) No plano das suas competências pessoais e sociais, o arguido denota fragilidades que se relacionam com a permeabilidade a pares problemáticos, impulsividade e fraca resistência à frustração, com a consequente incapacidade de adaptação a normas e regras. 26) Não são conhecidos impactos decorrentes situação jurídico-penal nestes autos no contexto de vida do mesmo. 27) Cumpriu desde 09-11-2019, sem registo de incidentes, a pena de prisão na habitação com recurso à vigilância eletrónica, aplicada no referido Processo 31/17.1P5LSB, com termo para 08-02-2020. 28) Cumpre ainda medida probatória relativamente ao Processo 59/16.9SULSB, manifestando uma postura de disponibilidade para com os Serviços da DGRSP, tendo aí sido proposto, pelos mesmos Serviços, a sujeição do arguido a avaliação no domínio da saúde mental. 29) Nesse Processo foi ainda determinada, como condição da suspensão, a formulação de um pedido de desculpa ao ofendido e o pagamento de 500,00€ a favor da Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV), condições que já foram cumpridas (tendo o pagamento sido concretizado pelo arguido a 07-02-2018). 30) O mesmo compareceu a consulta de clínica geral no dia 09-11-2018 (na Unidade de Saúde Familiar Gerações do Agrupamento de Centros de Saúde … - …), tendo em vista a sua referenciação a consulta de psiquiatria, o que veio a suceder a 06-12-2019 no Centro Hospitalar …. 31) Uma vez que o arguido indicou que a médica psiquiatra se havia pronunciado pela inexistência de critérios para prossecução de consulta, a DGRSP interpelou os serviços em causa para confirmar a consistência da informação prestada, tendo-se simultaneamente pedido ao médico de família que efetuasse a referenciação do mesmo a consulta de Psiquiatria. 32) O mesmo manifesta que não sente que possua qualquer problema a esse nível, não necessitando de avaliação e acompanhamento. 33) O filho, atualmente com 12 anos, continua a residir com a progenitora, tendo o arguido a obrigação de contribuir com a quantia de 200,00€ mensais a título de alimentos, além da comparticipação em outras despesas, sendo que desde há cerca de quatro meses, em virtude da situação pandémica, tem deixado de contribuir com tal montante fixo, apenas entregando valores dentro da sua disponibilidade. (… dispensámo-nos de transcrever as condições sociais e económicas respeitantes ao arguido não recorrente) C) 67) O arguido B… foi condenado pelos crimes e penas seguintes:a) Em 30-05-2012, por um crime de roubo, dois crimes de ofensa à integridade física qualificada e um crime de dano com violência, praticados em 31-08-2008, na pena única de 4 anos e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, tendo o acórdão transitado em julgado em 23-01-2013 (já extinta pelo decurso do período de suspensão) – (Proc. 1015/07.3PULSB); b) Em 17-01-2019, por um crime de injúria agravada, praticado em 14-03-2017, na pena de 3 meses de prisão, a cumprir em regime de permanência na habitação com vigilância eletrónica, tendo a sentença transitado em julgado em 12-07-2019 (Proc. 31/17.1P5LSB); c) Em 10-11-2016, por um crime de resistência e coação sobre funcionário e um crime de detenção de armas ou outros dispositivos em locais proibidos, praticados em 10-10-2016, na pena única de 3 anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período, tendo a sentença transitado em julgado em 23-02-2017 (Proc. 59/16.9SULSB); d) Em 06-11-2017, por um crime de detenção de arma proibida, praticado em 14-05- 2017, na pena de 6 meses de prisão, substituída por 180 horas de trabalho comunitário (já cumprida), tendo a sentença transitado em julgado em 25-10-2018 (Proc. 67/17.2P5LSB). (… dispensámo-nos de transcrever as condenações sofridas pelo arguido não recorrente.) Mais nenhum outro facto se provou com relevo para a decisão, nomeadamente os seguintes: a) Que o grupo referido em 1) era constituído (apenas) por quarenta membros; b) Que o artefacto referido em 3) foi concebido para produzir (também) efeitos sonoros; c) Que foram arremessadas pedras, vidros, artefactos pirotécnicos e outros objectos contundentes na direcção de outras pessoas que se encontravam no local; d) Que o artefacto pirotécnico arremessado pelo arguido B… atingiu um automóvel ligeiro de passageiros; e) Que, ressalvado o descrito em 7), os arguidos colocaram em risco a vida e integridade física das pessoas que se encontravam junto ao recinto desportivo supra-referido, nomeadamente os adeptos do F1… e outros agentes policiais que aí se encontravam, tendo também perturbado a tranquilidade e a paz de todas as pessoas que se encontravam junto e nas imediações daquele recinto desportivo, causando-lhes pânico, ansiedade, medo e receio de que as suas integridades físicas fossem colocadas em causa de forma grave, provocando também alarme e inquietação entre a população; f) Os arguidos procederam, nos termos descritos, a fim de colocarem em risco a vida e integridade física dos adeptos do F1… e dos agentes policiais que aí se encontrassem e, necessariamente, de perturbaram a tranquilidade e a paz, de todas as pessoas que se encontravam junto e nas imediações daquele recinto desportivo, bem como de lhes causar pânico, ansiedade, medo e receio de que as suas integridades físicas fossem colocadas em causa, provocando assim alarme e inquietação entre a população, o que conseguiram. A formação da convicção do Tribunal Colectivo baseou-se na globalidade das provas produzidas, em conjugação e confronto, analisadas segundo as regras da experiência comum (art. 127.º do CPP). Assim, - Quanto aos factos descritos em A) foram consideradas: Desde logo as declarações dos arguidos B… e C…, na parte em que confirmaram a sua presença no local, na data e hora indicadas, integrados no grupo de adeptos do D1… (que referiram serem pelo menos na ordem dos 100 elementos), bem como o local para onde se dirigiam e o evento que aí iria ocorrer de seguida, além de confirmarem o trajeto que fizeram e a altura em que avistaram os adeptos do F1… e as forças policiais, além de reconhecerem a ilicitude e punibilidade criminais do tipo de actos que lhe vêm imputados (sendo que não se lhe deu credibilidade na parte em que negaram a prática de qualquer acto de natureza ilícita, atentas as demais provas produzidas, como se irá referir seguidamente). Com especial relevo, foram valorados os depoimentos das testemunhas H… e I… (ambos agentes da PSP, que disseram estar de serviço no local), os quais, aludindo à data, hora aproximada e local dos factos, descreveram o que então se passou e que cada um deles observou, aludindo, designadamente, ao evento desportivo que se ia realizar e local do mesmo, bem como à forma como surgiram os elementos afectos ao D1…, que quantificaram, estando nesse grupo os arguidos B… e C…, cuja identificação não lhe suscitou qualquer reserva (por serem conhecidos à longa data, no âmbito das funções que desempenham de acompanhamento das “claques”), mais descrevendo o que então se passou no confronto entre os dois grupos de adeptos (do D1… e F1…), cuja distância aproximada a que se encontravam uns dos outros indicaram, além do que detinha e fez cada um dos arguidos, designadamente o arguido B… um artigo de pirotecnia (“facho de mão” ou “tocha”), cujas características e finalidade descreveram, além dos efeitos que o mesmo produziu depois de por ele ser atirado, e o primeiro ainda a pedra que lhe foi arremessada pelo arguido C…, tudo isso ambos descrevendo de forma sequencial, clarividente e segura, além de o primeiro ter referido a elaboração do auto de notícia junto, o qual examinou e confirmou em audiência, onde disse ter relatado o essencial do então ocorrido (fls. 3 a 5). Ainda que tenham sido referidos alguns aspectos nem sempre coincidentes entre ambos, importa ter em conta o contexto da ocorrência e situação de tensão que estes episódios provocam, sendo perfeitamente natural não estarem os dois constantemente atentos à mesma situação ou pessoa, além de que, no que respeita à detenção e lançamento de uma “tocha” pelo arguido B…, nada permite concluir que apenas houve um desses artigos na sua mão (ainda que apenas se tenha provado um) e não mais, pois que até foram arremessados vários pela “claque” do D1…. Relativamente ao tipo de artefacto detido e arremessado pelo arguido B…, atento o referido por estas testemunhas, particularmente a primeira, cujas características e efeitos produzidos pelo mesmo descreveu, invocando a sua experiência de longos anos nessas funções, não restaram quaisquer dúvidas relativamente ao seu aspecto, natureza das substâncias que detinha e seus efeitos, vindo a ser totalmente consumido pelo fogo, razão essa porque não era indispensável ou necessária, mas nem sequer exequível, a sua sujeição a exame pericial, como foi aventado pelo arguido C… (em alegações do seu Ilustre Defensor).1 (1.Atente-se que a norma legal que descreve o “artigo de pirotecnia” é muito abrangente, referindo as substâncias ou misturas que contém e efeitos produzidos, o que não implica que tenha de ser individualizado o concreto tipo de substância em causa (al. af) do n.º 5 do art. 2.º do RJAM, abaixo referido). Ademais, não se detetou qualquer sinal de animosidade dessas duas testemunhas para com os arguidos, que pudesse influenciar os seus depoimentos, revelando-se os mesmos absolutamente credíveis e clarividentes. Finalmente, os depoimentos das testemunhas de defesa inquiridas (L… e M…) não tiveram a virtualidade de neutralizar tais depoimentos policiais, pois referiram que nada de anormal viram fazer aos arguidos B… e C…, sendo que faziam parte do mesmo grupo (“claque”) de elementos do D1…, cujo ideal clubístico comum lhes retira a capacidade e serenidade para deporem “contra” os demais e incriminar os seus elementos. No que concerne à voluntariedade desse tipo de actos e consciência da sua ilicitude e punibilidade por parte dos arguidos, os mesmos isso assumiram e reconheceram, sendo que resulta da globalidade dessas provas, particularmente dos depoimentos das testemunhas que com ele tiveram então contactos, que são pessoas capazes e conscientes, sendo manifesta a sua imputabilidade. Nesta parte, ainda que o relatório social do arguido B… aponte nesse sentido, o mesmo negou qualquer problema de índole mental ou psiquiátrica que lhe possa tolher ou perturbar a sua capacidade de atuação e determinação (nem sequer algo resultou indiciado em sentido contrário). - Quanto aos factos descritos em B) foram considerados os relatórios sociais dos arguidos B… e C…, junto aos autos, cujo teor foi examinado em audiência e pelos mesmos confirmado, além dos esclarecimentos então prestados (fls. 624 a 628 e 640 a 643). - Quanto aos factos descritos em C) supra, foram considerados os CRC juntos aos autos (fls. 631 a 639). Relativamente aos factos não provados, enunciados em a) a f), tal foi consequência da ausência de provas que permitissem concluir pela sua veracidade, pois os arguidos não os admitiram e nem as testemunhas ouvidas a tal respeito os confirmaram nesses termos, resultando até, em parte, coisa diferente, não existindo nos autos outros elementos, suscetíveis de valoração, que possam ser considerados pelo Tribunal Coletivo.» B – Fundamentação de direito: Sendo o âmbito do recurso definido pelas conclusões que os recorrentes extraem das respetivas motivações, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, conclui-se que nos presentes autos cumpre inferir se o Acórdão recorrido padece do invocado vício de insuficiência da matéria de facto para a decisão, ou seja, se os factos assentes permitem o juízo seguro de condenação que foi feito.Vejamos antes do mais a forma como o Tribunal recorrido fundamentou a subsunção dos factos ao direito, na parte que interessa ao objecto deste recurso: «Crime de detenção ilegal de arma (artigo de pirotecnia): Dispõe o artigo 86.º do Regime Jurídico das Armas e suas Munições (doravante RJAM), o seguinte (no que agora releva e na redacção em vigor à data): “1 - Quem, sem se encontrar autorizado, fora das condições legais ou em contrário das prescrições da autoridade competente, detiver, transportar, importar, transferir, guardar, comprar, adquirir a qualquer título ou por qualquer meio ou obtiver por fabrico, transformação, importação, transferência ou exportação, usar ou trouxer consigo: (…) d) Arma da classe E, arma branca dissimulada sob a forma de outro objeto, faca de abertura automática, estilete, faca de borboleta, faca de arremesso, estrela de lançar, boxers, outras armas brancas ou engenhos ou instrumentos sem aplicação definida que possam ser usados como arma de agressão e o seu portador não justifique a sua posse, aerossóis de defesa não constantes da alínea a) do n.º 7 do artigo 3.º, armas lançadoras de gases, bastão, bastão extensível, bastão elétrico, armas elétricas não constantes da alínea b) do n.º 7 do artigo 3.º, quaisquer engenhos ou instrumentos construídos exclusivamente com o fim de serem utilizados como arma de agressão, silenciadores, partes essenciais da arma de fogo, artigos de pirotecnia, exceto os fogos-de-artifício da categoria 1, bem como munições de armas de fogo independentemente do tipo de projétil utilizado, é punido com pena de prisão até 4 anos ou com pena de multa até 480 dias.” E segundo o artigo 89.º do mesmo RJAM “Quem, sem estar especificamente autorizado por legítimo motivo de serviço ou pela autoridade legalmente competente, transportar, detiver, usar, distribuir ou for portador, em recintos religiosos ou outros ainda que afectos temporariamente ou ocasionalmente ao culto religioso, em recintos desportivos ou na deslocação de ou para os mesmos aquando da realização de espectáculo desportivo, em zona de exclusão, em estabelecimentos ou locais onde decorram reunião, manifestação, comício ou desfile, cívicos ou políticos, bem como em estabelecimentos de ensino, em estabelecimentos ou locais de diversão, feiras e mercados, qualquer das armas previstas no n.º 1 do artigo 2.º, ou quaisquer munições, engenhos, instrumentos, mecanismos, produtos, artigos ou substâncias referidos no artigo 86.º, é punido com pena de prisão até cinco anos ou com pena de multa até 600 dias, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal.” (sublinhado nosso). Por fim, importa referir que o artigo 2.º, n.º 5, alínea af), do mesmo RJAM, no âmbito das definições legais, refere o seguinte: « “Artigo de pirotecnia” qualquer artigo que contenha substâncias explosivas ou uma mistura explosiva de substâncias, concebido para produzir um efeito calorífico, luminoso, sonoro, gasoso ou fumígeno ou uma combinação destes efeitos, devido a reações químicas exotérmicas autossustentadas”. Trata-se de um típico crime de perigo comum, dado que não é elemento do tipo incriminador a verificação de quaisquer danos em consequência dessas condutas, sancionando-se apenas tais atos devido à perigosidade que essas armas e instrumentos representam para a comunidade, no que respeita à possibilidade de ocorrência de crimes, designadamente contra as pessoas, estando subjacente à previsão e punibilidade a “suscetibilidade de ocorrência de um dano não controlável, difuso, com potência expansiva, apto a causar alarme social, podendo atingir vários bens jurídicos e várias vítimas”. Efetivamente, embora os comportamentos incriminados neste preceito não lesem, de forma imediata, qualquer bem jurídico pessoal, os mesmos têm subjacente a probabilidade de tal vir a ocorrer, pelo que estamos perante um crime de perigo abstrato, “porquanto a realização do tipo não pressupõe a lesão dos bens jurídicos tutelados pela norma, bastando-se com a sua mera colocação em perigo. A produção ou verificação do perigo não é elemento do tipo, mas tão-só fundamento da proibição, sendo a conduta do agente punida independentemente de ter criado ou não um perigo objetivo para os bens jurídicos tutelados.” Os bens jurídicos protegidos são, essencialmente, “a ordem, a segurança e a tranquilidade públicas, mas também a vida, a integridade física e bens patrimoniais dos membros da comunidade, face aos riscos sérios que derivam da livre (ou seja, sem controlo) circulação e detenção, porte e uso de armas, munições, engenhos, instrumentos, mecanismos ou substâncias objetivamente perigosos…”. [cfr. Artur Vargues, in Comentário das Leis Penais Extravagantes, Vol. I, da autoria de Paulo Pinto de Albuquerque e José Branco (Org.), Universidade Católica Editora, págs. 239, 240 e 253]. Tal norma exige o dolo, ainda que genérico, traduzido na consciência e vontade da atuar em alguma dessa formas típicas, bastando mesmo o dolo eventual (art. 14.º do C. Penal). Apreciando a situação presente, resultou provado que o arguido B…, nesse dia 24-09-2016, cerca das 19:50 horas, quando se deslocava para um recinto desportivo, concretamente o Pavilhão Municipal E…, onde iria decorrer um evento desportivo - a final da Supertaça de G1… - entre as equipas do D1… e do F1…, detinha e transportava consigo, um artefacto de pirotecnia, denominado “facho de mãos”, também conhecido por “tocha”, o qual continha substâncias explosivas e era concebido para produzir um efeito luminoso, através de chama, e também efeitos fumígenos, vindo o mesmo a lançar tal objeto na direção do grupo de adeptos do F1…, que distavam cerca de 40/50 metros, sendo que o mesmo acabou por caiu à distância de cerca de 10 metros do grupo do D1…, junto a um automóvel que se encontrava aí estacionado, ficando a arder e a emitir fumos avermelhados durante vários segundos. O arguido B… agiu com a intenção de deter, manter na sua posse e utilizar tal artigo pirotécnico, sabendo da sua perigosidade e agindo de forma deliberada, livre e conscientemente, ciente de que essa sua conduta era proibida e punida por lei penal (factos melhor descritos em 1) a 3), 6-c), 9) e 10) supra). Trata-se, efetivamente, de artigo de pirotecnia que cabe da definição contida naquela disposição legal (al. af) do n.º 5 do art. 2.º), sendo a sua detenção e uso proibidos e punidos criminalmente, além de que tal conduta ocorreu na deslocação para recinto desportivo, onde ia realizar-se um espetáculo desportivo, mostrando-se, por isso, preenchidos os elementos típicos daquela previsão legal. Nessa medida, incorreu o arguido B… na prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de detenção de armas e outros dispositivos, produtos ou substâncias em locais proibidos, previsto e punido pelo artigo 89.º, por referência ao artigo 86.º, n.º 1, alínea d), conjugado com o artigo 2.º, n.° 5, alínea af), todos do Regime Jurídico das Armas e suas Munições (Lei n.º 5/2006, de 23-02, na sua versão constante da Lei n.º 50/2013, de 24-07).» Vejamos! Ficou assente nos autos que : «O arguido B… transportava consigo, pelo menos, um artefacto pirotécnico denominado “facho de mãos”, também conhecido por “tocha”, contendo o mesmo substâncias explosivas e sendo concebido para produzir um efeito luminoso, através de chama, e fumígeno.» «O arguido B… lançou, na direção do grupo de adeptos do F1…, um artefacto pirotécnico denominado “facho de mãos”, também conhecido por “tocha”, que transportava consigo, tendo o mesmo caído a cerca de 10 metros de distância do grupo de adeptos do D1…, junto a um automóvel ligeiro de passageiros que se encontrava estacionado próximo do pavilhão supra referido, ficando aí a arder e a emitir fumos avermelhados durante vários segundos.» «O arguido B… agiu com a intenção de deter, manter na sua posse e utilizar o objeto supra referido, um artefacto pirotécnico, denominado “facho de mãos”, também conhecido por “tocha”, que continha uma substância explosiva, sabendo que o não podia possuir, por ser proibido, e cuja perigosidade bem conhecia, o que conseguiu. Ambos os arguidos agiram deliberada, livre e conscientemente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal.» Ora, como se vê claramente dos excertos do Acórdão recorrido, supra citados, ficou demonstrada a natureza explosiva das substâncias que entravam na composição do artefacto deflagrado pelo arguido. Na verdade, a vulgarmente denominada “Tocha” por vezes usada pelos adeptos desportivos é um objecto explosivo que comporta riscos para a integridade física de terceiros que se encontrem nas imediações do seu arremesso se não mais graves, atento o próprio perigo de incêndio que lhe é inerente. O ora recorrente embora negasse a detenção e arremesso da dita “Tocha”, no seu depoimento, não revelou qualquer dúvida sobre o tipo de objecto cuja detenção e arremesso lhe era imputada na acusação, antes pelo contrário. Por sua vez o agente da PSP, H…, a exercer funções de controle dos adeptos desportivos desde 2005, descreveu o referido artefacto, e relatou que impediu com a sua acção, que o arremesso do mesmo se processasse em velocidade e distância, por ter agarrado o braço do arguido nesse ato, assim originando a queda do objecto pirotécnico. Esta testemunha com a ciência que lhe advém de anos de experiência e visão próxima que teve do objecto em causa atenta a sua intervenção nos factos, afirmou em audiência julgamento, com segurança que mereceu credibilidade ao Tribunal que se tratava do que vulgarmente se apelida de “Tocha”. É certo que a nova versão da Lei 5/2006 dada pela Lei n.º 50/2019, de 24/07, excluí da classificação de arma proibida os fogos-de-artifício das categorias F1, F2, F3, T1 ou P1 previstas nos artigos 6.º e 7.º do Decreto-Lei n.º 135/2015, de 28 de julho. Porém, confrontado o citado DL 135/2015 verificamos que se tratam de artigos pirotécnicos de baixo risco e que a avaliação do risco tem de ser feita pelo Instituto Português da Qualidade. A versão anterior excluía apenas os fogos de artifício de categoria 1. No entanto à data da prática dos factos, (setembro de 2016), estava já em vigor o DL 135/2015, pelo que, a exclusão dos artigos de pirotecnia da categoria das armas proibidas, só opera nos casos em que a avaliação do risco tenha sido feita pela entidade competente nos termos do art. 21 desse diploma,- que é o Instituto Português da Qualidade -, o que, desde logo, não inclui os engenhos e artefactos fabricados manualmente pelos particulares. – art. 6º nº2 do citado diploma legal. Nenhuma dúvida resta, pois, de que o objecto explosivo que vulgarmente é conhecido por “Tocha” e utilizado pelos adeptos desportivos à margem do que é permitido pelas forças de segurança e entidades desportivas, não está contido na excepção do art. 86 al. d) do Regime Legal das Armas e Munições. Afigura-se-nos evidente face aos factos que ficaram provados nos autos que artigo detido e arremessado pelo recorrente se integra na definição da al. af) do art. 2º nº5 do regime das armas e munições: «'Artigo de pirotecnia' qualquer artigo que contenha substâncias explosivas ou uma mistura explosiva de substâncias, concebido para produzir um efeito calorífico, luminoso, sonoro, gasoso ou fumígeno ou uma combinação destes efeitos, devido a reações químicas exotérmicas autossustentadas;, desde logo porque ficou assente que continha substâncias explosivas, relativamente às quais pela sua imensa variedade o legislador não exige a identificação, e não na al.ag) do mesmo preceito : «Fogo-de-artifício das categorias F1, F2, F3, T1 ou P1 previstas nos artigos 6.º e 7.º do Decreto-Lei n.º 135/2015, de 28 de julho» o artigo de pirotecnia destinado a ser utilizado para fins de entretenimento que apresenta um risco muito baixo e um nível sonoro insignificante e que se destina a ser utilizado em áreas confinadas, incluindo os fogos-de-artifício que se destinam a ser utilizados no interior de edifícios residenciais;», porque relativamente ao mesmo não se demonstra qualquer intervenção da entidade certificada e competente para a avaliação do risco. Em face do exposto nenhuma censura merece a conclusão do Acórdão recorrido de que o recorrente incorreu na prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de detenção de armas e outros dispositivos, produtos ou substâncias em locais proibidos, previsto e punido pelo artigo 89, por referência ao artigo 86 n.º 1, alínea d), conjugado com o artigo 2.º, n.° 5, alínea af), todos do Regime Jurídico das Armas e suas Munições, concluindo-se que o Acórdão recorrido não padece do invocado vício de insuficiência da matéria de facto para a decisão nem de qualquer erro de julgamento ou na aplicação do direito. Em sentido semelhante considerando um artefacto pirotécnico vulgarmente denominado “Tocha”, apto a produzir um efeito luminoso e fumígeno, mediante reacção química, arma proibida, veja-se o da Relação de Lisboa de 12/07/2017, relatado por Fernando Estrela. 3 . Decisão Tudo visto e ponderado, acordam os Juízes na 1ª secção criminal do Tribunal da Relação do Porto, em negar provimento ao recurso interposto por B…, confirmando integralmente o Acórdão recorrido.Custas, pelo decaimento do recurso, a cargo do recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 Ucs. Porto, 26 de maio de 2021 Paula Guerreiro Pedro Vaz Pato |