Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
9710/13.1TBVNG-G.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: CARLOS PORTELA
Descritores: INOPONIBILIDADE DA NULIDADE E DA ANULAÇÃO
FACTI SPECIES
TERCEIROS PARA EFEITOS DE REGISTO
Nº do Documento: RP202110289710/13.1TBVNG-G.P1
Data do Acordão: 10/28/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Legislação Nacional: ARTIGO 291º DO CCIVIL
Sumário: I - A aplicação da norma contida no art.º 291.º do CC pressupõe a verificação dos seguintes requisitos: (i) declaração de nulidade ou anulação do negócio jurídico que respeite a bens imóveis ou a bens móveis sujeitos a registo; (ii) aquisição onerosa; (iii) por um terceiro de boa-fé; (iv) registo da aquisição a favor do terceiro; e (v) anterioridade do registo de aquisição em relação ao registo da acção de nulidade ou de anulação.
II - O prazo de caducidade previsto no art.º 291º, nº2 do CC inicia-se na data em que foi celebrado o primeiro negócio celebrado.
III - Tendo o terceiro adquirido um imóvel, de boa-fé, a título oneroso, inscrito a sua aquisição no registo predial e mostrando-se decorridos três anos sobre a data da celebração do primeiro contrato, os seus direitos sobre o bem adquirido encontram-se protegidos, não lhe sendo oponível a nulidade do primeiro negócio inválido que dá origem à sequência.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação nº 9710/13.1TBVNG-G.P1
Tribunal recorrido: Tribunal Judicial da Comarca do Porto
Juízo Local Cível de Vila Nova de Gaia
Relator: Carlos Portela
Adjuntos: Joaquim Correia Gomes
António Paulo Vasconcelos

Acordam na 3ª Secção do Tribunal da Relação do Porto

I.Relatório:
B… veio propor a presente acção, sob a forma declarativa comum, contra C…, Unipessoal, Lda. (primeira Ré), D… e E… (segundos Réus), F… e G… (terceiros Réus); e H... e I… (quartos Réus), requerendo a final o seguinte:
Que seja declarada a nulidade ou, subsidiariamente, a ineficácia, dos negócios jurídicos pelos quais os Réus declararam, sucessivamente, vender e comprar, o direito de propriedade sobre a fracção autónoma identificada pelas letras CC do prédio urbano constituído em propriedade horizontal sito na freguesia de …, concelho de Vila Nova de Gaia, inscrito na matriz sob o art.º 3041 e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 1222;
Que seja ordenado o cancelamento dos correspondentes registos, feitos pelas apresentações 1302, de 5 de agosto de 2014, 1748, de 14 de Outubro de 2014, 2570, de 10 de Novembro de 2016, 3295 e 3296, de 22 de maio de 2017, e a repristinação do registo feito pela apresentação n.º 2768, de 20 de Janeiro de 2014;
Que seja ordenada a restituição da fracção autónoma à massa insolvente de J… e à posse/retenção da Autora.
Para tanto e em síntese, alegou o seguinte:
É titular de um crédito de € 206.000,00 sobre o referido J…, o qual foi reconhecido, em sede de reclamação de créditos, no processo em que foi declarada a insolvência do devedor, como beneficiando da garantia dada pelo direito de retenção sobre a identificada fracção autónoma, oportunamente apreendida para a massa insolvente, facto inscrito no registo predial no dia 20 de Janeiro de 2014 (apresentação 2768).
Na fase de liquidação, o administrador da insolvência procedeu à venda da identificada fracção à primeira Ré, pelo preço de € 20 000,00.
A primeira Ré, por seu turno, através de escritura de 14 de Outubro de 2014, vendeu a fracção aos segundos Réus.
Estes, por escritura de 9 de Novembro de 2016, venderam aos terceiros Réus, que venderam aos quartos, por escritura de 22 de Maio de 2017.
Esses negócios foram inscritos no registo predial nos dias 5 de Agosto de 2014 (apresentação 1302), 14 de Outubro de 2014 (apresentação 1748), 10 de Novembro de 2016 (apresentação 2570) e 22 de Maio de 2017 (apresentação 3295), respectivamente.
Acontece que a venda realizada no processo de insolvência foi anulada, por acórdão de 29 de Setembro de 2016, do Venerando Tribunal da Relação do Porto, que determinou a restituição da fracção à massa insolvente, o que importa a nulidade das transmissões ulteriores, nos termos do disposto no art.º 289 do Código Civil.
Os Réus contestaram dizendo, em síntese, que desconheciam os vícios que levaram à anulação da venda da fracção no âmbito do processo de insolvência, tendo agido sempre de boa-fé.
Mais referiram que sendo o registo da acção de 6 de Outubro de 2017, a anulação da primitiva venda é-lhes inoponível, nos termos do disposto no art.º 291 do Código Civil.
Os terceiros e quartos Réus arguiram ainda a excepção dilatória da ilegitimidade activa, argumentando que a Autora não é titular do direito de propriedade sobre a fracção autónoma, pelo que não tem legitimidade para a reivindicar.
Os terceiros Réus arguiram também a excepção dilatória da respectiva ilegitimidade dizendo que não são os atuais proprietários da fracção, pelo que carecem de interesse em contestar a pretensão de reivindicação.
Entretanto, a Autora veio pedir a intervenção, como assistente, da massa insolvente do referido J… e a intervenção, a título principal, como associada dos quartos Réus, da K….
Alegou, em síntese, que a primeira tem interesse na procedência da acção, pois tal permitirá que a fracção reingresse na massa insolvente, e que a segunda procedeu ao registo, através da apresentação 3296, de 22 de maio de 2017, de uma hipoteca sobre a fracção para garantia do cumprimento de um crédito sobre os quartos Réus.
Por despacho de 17 de Setembro de 2018, foi indeferido o pedido de intervenção, como assistente da Autora, da massa insolvente de J… e deferido o pedido de intervenção, como associada dos Réus, da K….
Esta última, citada, veio contestar dizendo que agiu de boa-fé, por desconhecer a anulação da venda realizada pelo administrador da insolvência, pelo que esta não lhe oponível, nos termos do disposto no art.º 291 do Código Civil.
Notificada para se pronunciar sobre as contestações, a Autora veio dizer que o primeiro dos negócios impugnados ocorreu a 17 de Outubro de 2014 e que sendo o registo da acção de 6 Outubro de 2017, os Réus não beneficiam da protecção do art.º291 do Código Civil.
No mais, afirmou a sua legitimidade, dizendo que está a defender a integridade da massa insolvente, que é garantia do crédito que lhe foi reconhecido, e a legitimidade dos terceiros Réus, por não estar em causa a reivindicação da coisa, mas a declaração de nulidade de todos os negócios subsequentes ao que foi anulado pelo acórdão de 29 de Setembro de 2016.
Realizou-se audiência prévia, em que foi proferido despacho saneador, que julgou improcedentes as arguições das excepções dilatórias da ilegitimidade da Autora e da ilegitimidade dos terceiros Réus, seguido da delimitação dos termos do litígio e da enunciação dos temas da prova.
Realizou-se audiência de discussão e julgamento no culminar da qual foi proferida sentença onde se decidiu do seguinte modo:
1.Julgou-se a acção improcedente no que tange aos Réus H… e I… e, bem assim, à chamada K…, absolvendo estes dos pedidos formulados pela Autora, B…;
2.Julgou-se extinta, por inutilidade superveniente em função do decidido no ponto anterior, a instância no que tange aos Réus C…, Unipessoal, Lda. D…, E…, F… e G….
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A Autora veio interpor recurso desta decisão, apresentando desde logo e nos termos legalmente prescritos as suas alegações.
A interveniente K… e os réus H… e mulher I…, F… e marido G… vieram contra alegar.
Foi proferido despacho onde se considerou o recurso tempestivo e legal e se admitiu o mesmo como sendo de apelação, com subida imediata, nos autos e efeito devolutivo.
Recebido o processo nesta Relação emitiu-se despacho que teve o recurso por próprio, tempestivamente interposto e admitido com efeito e modo de subida adequados.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II. Enquadramento de facto e de direito:
Ao presente recurso são aplicáveis as regras processuais da Lei nº 41/2013 de 26 de Junho.
É sabido que o objecto do recurso, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso obrigatório, está definido pelo conteúdo das conclusões vertidas pela autora/apelante nas suas alegações (cf. artigos 698º, nº2, 635º, nº4 e 639º, nº1 do CPC).
E é o seguinte o teor dessas mesmas conclusões:
1- Estamos perante uma credora no processo de insolvência de J…, titular de direito de retenção sobre a fracção autónoma identificada no item 1) dos Factos Assentes (conforme sentença de 08-04-2012, transitada em julgado), cujo crédito lhe foi reconhecido no montante de 206.000€ (correspondente ao dobro do sinal prestado, ut dita sentença) garantido pelo indicado direito de retenção sobre essa fracção, que veio a constituir a verba nº 1 do auto de apreensão de bens;
2- O seu crédito (vide doc. 3 PI- sentença de graduação de créditos), foi graduado em segundo lugar, após o crédito da Fazenda Nacional de IMI (196,36€) para ser pago pelo produto da venda do imóvel, antes do pagamento ao credor hipotecário.
3- Trata-se de um apartamento sito na zona balnear …, concelho de Vila Nova de Gaia, de tipologia T2 com 3 frentes (ut perícia de fls.) pelo qual a autora, em 2011 pagou 103.000,00€ do preço acordado de 118.000€ (conforme dita sentença junta como doc. nº 1).
4- Em desrespeito aos seus direitos de credora garantida [como resulta de acórdão transitado], a indicada fracção autónoma vem a ser transmitida em 30-07-2014 pelo Administrador de Insolvência à 1ª Ré, por 20.000,00€, transmissão essa registada em 05-08-2014;
5- Inconformada e revoltadíssima com o tratamento discriminatório de que foi vítima em relação ao outro credor garantido, a credora, ora apelante, logo peticionou em 26-11-2014 a anulação da venda por violação dos seus elementares direitos de credora garantida.
6- Passado muito pouco tempo após a primeira reclamação, a fracção em causa foi transmitida – como se veio a apurar – pelo gerente da 1ª Ré aos seus sogros (doc.s nºs 4 e 5 juntos com a PI) em 14-10-2014;
7- Apesar da gravidade, a questão da nulidade da venda não foi, como se impunha, apreciada pelo tribunal «a quo», pelo que só após conhecimento de arguição de nulidade por omissão de pronúncia é que, por douto acórdão da Relação do Porto de 29-09-2016 veio a ser devidamente apreciada num brilhante e lapidar acórdão em que aquele superior tribunal determinou: «a nulidade, por preterição de formalidades essenciais, de todo o processado subsequente à assembleia de credores de 09 de Janeiro de 2014, incluindo a venda realizada e a adjudicação do imóvel vendido, regressando o imóvel para a Massa Insolvente.»
8- Cerca de um mês após, em 09-11-2016, os 2ºs RR. transmitem ao casal dos 3ºs RR., com contornos algo inverosímeis, a dita fracção autónoma.
9- Entretanto, vem a ser destituído o Administrador de Insolvência, Dr. L…, por douta decisão de 05-05-2017, despacho que é proferido após insistência nessa destituição por parte da A.
10- Curiosamente, no mesmo mês da destituição do AI, no dia 22-05-2017, escassos 15 dias depois da mesma, os 3ºs RR. transmitem aos 4ºs RR. que apressadamente compram, fazem crédito, registam e arrendam.
11- A presente acção foi proposta em 06-10-2017 e registada em 09-10-2017, nela peticionando a A. ora apelante a invalidação dos três negócios subsequentes [de 14-10-2017, de 09-11-2016 e 05-05-2017] ao negócio já declarado nulo pelo Tribunal da Relação.
12- Em excepção, nas suas contestações, os RR. invocaram a inoponibilidade das suas aquisições, mormente a última da cadeia, pelos 4ºs RR. à A., com base no disposto no artigo 291º do Código Civil.
13- Na sentença em crise, o tribunal «a quo» considerou que se verificavam todos os requisitos desta norma em relação àqueles, condenando ao insucesso a pretensão da autora ao aproveitamento dos efeitos retroactivos da anulação da venda pelo AI em que os seus elementares direitos de credora garantida pelo direito de retenção haviam sido violados, com o fundamento de que o registo da aquisição a favor dos 4ºs RR. é anterior ao registo da presente acção e que este registo foi lavrado quando já haviam decorrido três anos sobre a data do primeiro negócio da cadeia.
14- Não se pode a autora, ora recorrente, conformar com tal entendimento e decisão, que reputa, no seu particular caso, manifestamente injusto, desproporcionado e violador da lei.
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
15- A matéria de facto é muito detalhada nuns pontos, tendo o cuidado, por exemplo, de referir as datas de todos os registos sucessivamente efectuados a favor dos RR., pese embora o nosso sistema de registo seja meramente declarativo, e muito pouco detalhada noutros, porventura tanto, ou mais, importantes para a apreciação da matéria de facto e subsunção jurídica, daí se impugnar a mesma por omitir a seguinte factualidade, a aditar:
16- Apesar de confessado no depoimento de parte da 1ª Ré e dos 2ºs RR. [minuto 02:39 a 03:48, 05:44 a 06:50, de 15:00 a 16:28] e de provado por documento autêntico – que faz prova plena –o parentesco (genro-sogros) entre o gerente da 1ª Ré, S… e os 2ºs RR. – doc. nº 6 – a verdade é que esse facto é omitido da sentença, nem sequer sendo referido na fundamentação da matéria de facto, como se fosse irrelevante, não o sendo, pelo que deve ser aditado aos factos assentes que:
O 1º RÉU, S… É GENRO DOS 2ºS RR. D… E E….
17- A sentença recorrida também não atentou na concreta tramitação que mediou entre os factos a que alude em 12) e 13) da Matéria Provada, a qual, como decorre da sua descrição é importante não ser desconsiderada, tendo relevância para apreciar da iniciativa ou inércia por parte da autora no sentido da restituição do imóvel à massa, importante factor na ponderação a fazer entre a tutela dos seus interesses com os interesses do terceiro, alegadamente, de boa-fé, caso se entenda – como a sentença – que a moratória dos 3 anos começa a contar a partir do primeiro negócio, - ao qual ela reagiu mais do que prontamente – não tendo sido por motivo a si imputável, mas antes ao Tribunal, que a venda só tivesse sido anulada decorridos dois anos.
- Pelo que deve ser aditado aos factos assentes, que, tal como refere o RELATÓRIO CONSTANTE DO DOUTO ACÓRDÃO DA RELAÇÃO DO PORTO DE 29-09-2016, que: - na sequência do requerimento aludido em 12, o tribunal «a quo» por despacho de 13-05-2015 (ref. CITIUS 351636949) declarou finda a liquidação;
- a autora recorreu desse despacho em 15-06-2015 (ref. Citius 19905756), logo arguindo a nulidade cometida pelo tribunal recorrido, por omissão de pronúncia quanto à invocada nulidade da venda;
- o que só foi apreciado, e indeferido, por despacho de 28/04/2016 (ref. Citius 362786251) e, só então, finalmente, foi admitido o recurso e ordenada a sua subida à Relação.
18- Depois, inexplicavelmente, a sentença também não deu como provado o valor do imóvel, facto cuja prova tinha sido considerada relevante, ao ponto de ter sido ordenado, por pertinente, uma perícia ao imóvel tendo por objecto a determinação do seu valor à data de cada uma das transmissões em causa nos autos, tendo o Perito do Tribunal atribuído à fracção em causa o valor de €85.219,00€ no ano de 2014 [em que a 1ª Ré transmitiu aos 2ºs RR. por €30.000,00], de €93.612,00 no ano de 2016 [em que os 2ºs RR. transmitiram aos 3ºs RR. por €36.000,00] e de € 97.987,00 no ano de 2017 [em que os 3ºs RR. transmitiram aos 4ºs RR. por € 50.000,00].
19- Salvo o devido respeito, as justificações dadas pelo Mmo Julgador para desvalorizar o relatório, não colhem, muito menos conjugadas com a demais prova produzida, nomeadamente acerca do estado do imóvel, pois, se é verdade que nas suas contestações todos os réus tentaram justificar o reduzido preço de aquisição e a sucessiva transmissão com o mau estado de conservação do imóvel, que necessitaria de muitas obras, a verdade é que – tal como a sentença refere na sua fundamentação a propósito dos 3ºs RR. – «o montante que depois foi gasto para esse efeito pelos 4ºs Réus não se afigura especialmente elevado» (foram 1.025,97€, de acordo com os doc.s nºs 6,7,8 e 11 da contestação dos 4ºs RR.)
20- Cremos que se impunha ao tribunal, fazendo apelo aos esclarecimentos prestados em audiência pelo Perito, ter dado como provado que o imóvel tinha nos indicados anos, senão os referidos valores de €85.219,00€, €93.612,00 e de € 97.987,00, sempre e pelo menos, os referidos valores deduzidos de € 1.025,97:- o que deve ser aditado aos factos assentes.
21- Por outro lado, a sentença deu como provada matéria que deve ser retirada dos factos assentes, porquanto da análise conjugada da prova, bem como atentando às regras do ónus da prova, é forçoso concluir que se não provou, como é o caso dos pontos 23 a 28 da sentença.
22- Os pontos 23 e 24 dos factos provados da sentença não são exactos ou rigorosos, pois há prova nos autos de que foi do conhecimento, pelo menos, de alguns dos sucessivos adquirentes a decisão judicial que anulou a venda, por lhes ter sido feita, em data que se desconhece, interpelação pelo AI, à qual responderam pelas indicadas missivas que o AI juntou aos autos [ref. CITIUS .1425221], pelo que devem ser dados como não provados.
23- Por outro lado, e no que tange aos pontos 25 a 28 da matéria dada como assente, consistiam em materialidade factual através do qual pretendeu o tribunal inferir ou “divisar, ainda que por presunções ligadas ao princípio da normalidade ou ás regras da experiência comum” (sic sentença), algo que pertence à vida íntima e interior das pessoas, assumindo uma natureza subjectiva, insusceptível de apreensão directa, que era o juízo sobre a boa ou má-fé da conduta dos 4ºs RR., requisito exigido pelo artigo 291º do Código Civil para tutela do 3º adquirente numa sequência de negócios inválidos por invalidade do primeiro, cujo ónus de alegação e prova lhes competia, tal como bem entendeu a sentença.
24- Tal como é pacífico na jurisprudência, a boa-fé a que alude este normativo não é a boa-fé psicológica, porque faz apelo a conceito de culpa. Na boa-fé psicológica não há que ajuizar da conduta, mas apenas decidir do conhecimento do sujeito. Aqui, a lei exige o desconhecimento, sem culpa, do vício precedente. Pelo que a verificação da culpa ou da sua ausência, à luz do critério do da diligência do bónus paterfamilias do art. 497º nº 2 do CC, corresponde a uma questão de facto.
25- Sucede que a sentença, no ponto 3.11, após verificar estarmos perante negócios onerosos, afirma que os 4ºs RR. cumpriram o ónus de provar que, no momento em que adquiriram, desconheciam a anulação do primitivo negócio e as razões que levaram a esse resultado, justificando-o com a linearidade da afirmação seguinte: «E desconheciam sem culpa, tendo em conta, a um tempo, o registo de todos os negócios anteriores da cadeira e, a outro, o lado de tempo já decorrido desde o primeiro deles, factos que são susceptíveis de gerar confiança.»
26- O primeiro erro foi, pois, o de associar a boa-fé à existência ou não de registo prévio, quando o que há a associar é à ignorância dos vícios do título e ser a mesma ou não desculpável., pois «a boa-fé traduz um estado de ignorância desculpável, no sentido de que, o sujeito, tendo cumprido com os deveres de cuidado impostos pelo caso, ignora determinadas eventualidades».
27- Acrescido, para mais, da circunstância do 4º R. marido não fazer, ao longo do seu depoimento [00:00 a 30:10] uma única referência a qualquer cautela tida no sentido de indagar se estava tudo bem na Conservatória, o que não é minimamente avisado em termos de normalidade. Todavia, o fundamento usado pela sentença recorrida para, em 3.11, considerá-lo terceiro de boa-fé, foi precisamente a confiança depositada/gerada pelos registos de aquisição anteriores! Donde é manifesta a absoluta falta de fundamento da sentença em crise para o decidido.
28- «O art. 291º/3 define a boa-fé em termos éticos (...) a referência à culpa implica a presença de deveres de diligência e de cuidado que levam as pessoas, sobretudo perante bens registáveis – já que é esse o âmbito de aplicação do art. 291º em estudo – a um mínimo de precauções, para não incorrer nas consequências de um negócio viciado». A boa-fé em sentido subjectivo, ou em sentido ético, corresponde, como acentua a propósito, Menezes Cordeiro, «a uma ignorância desculpável (...) há desconhecimento indesculpável quando o sujeito ignora certo facto, por ter procedido com desrespeito por certos deveres de cuidado».
29- Sendo necessário emitir um juízo, a cargo do intérprete-aplicador, ou seja, do juiz «a quo», deve este, guiando-se pelas situações típicas tidas por normais e de acordo com o critério do bonus paterfamilias, efectuar uma valoração sujeito- indícios que, no caso, padece de flagrantes erros, pois todos os indícios induzem a concluir que os 4ºs RR. não observaram os deveres de cuidado que lhes eram exigíveis para não incorrerem na prática de um negócio inválido que, no caso, eram acrescidos, por serem pessoas com experiência na compra e venda de imóveis.
30- Porém, tal como resulta confessado do depoimento/ de parte do 4º R. marido, eles fizeram todo o negócio «a correr», em cerca de um mês, o tempo de aprovação do crédito, sem sequer celebrar contrato-promessa e sem um mínimo de verificação do que quer que fosse, nomeadamente do histórico do prédio [minuto 07:30 a 08:00 e 10:20 a 11:30].
31- Acresce, na indispensável valoração «sujeito-índicos» a circunstância destes RR. terem comprado o apartamento a um casal que tinha acabado de o comprar, e ainda não poderem ignorar que já ninguém morava lá no apartamento há muitos anos, ou que até nem lá teria vivido; bem como que tinha provindo de uma insolvência; o que constituem indícios de que tiveram culpa no desconhecimento, pois no mínimo, foram levianos e descuidados no investimento, feito de impulso, sem observarem os necessários deveres de cuidado.
32- Note-se que até o preço de 50.000,00€ ridiculamente baixo para um T2 com três frentes em …, indicia essa falta de observância dos deveres de cuidado, levando a concluir que o negócio se afigurou tão bom para os 4ºs RR., que eles nem quiseram saber de mais nada... e arriscaram.
33- Os 4ºs RR. não tiveram, portanto, como é por demais manifesto, se encarado sob o prisma de um bonus paterfamilias, aqueles deveres de cuidado e de diligência que se impunham para serem tributários desta boa-fé em sentido ético [que equipara a ignorância culposa à má-fé] pois só dela são merecedores aqueles sujeitos que, tendo cumprido com os todos os inerentes deveres de cuidado impostos demonstrem ser, no caso concreto, desculpável a ignorância dos vícios.
34- Mal andou a sentença, nesta análise crítica da prova, ao não verificar que, no caso não lhes é desculpável o desconhecimento dos vícios antecedentes, pelo que não podem os 4ºs RR. ser considerados 3ºs de boa-fé.
35- Atrever-se-ia até a recorrente a afirmar que resultou mesmo demonstrado em audiência, pela sucessão de transmissões, incongruências e inverosímeis coincidências, que os 4ºs RR. até já saberiam do que estava para trás e, por isso, tudo fizeram para, através da sua aquisição, complicar a pretensão anulatória da autora, que estava em curso, quer contraindo um crédito de que não tinham necessidade, quer fazendo apressadamente um arrendamento, o que tudo constitui elucidativo indício do seu conhecimento dos vícios anteriores;
36- Será de recordar, talvez, para melhor contextualizarmos todos estes comportamentos que o douto acórdão da Relação do Porto de 29/09/2016 que anulou a venda à 1ª ré feita pelo AI em 30/07/2014 era conhecido desde Outubro de 2016, nomeadamente do administrador que dele foi notificado por oficio de 03-10-2016 (ref. CITIUS 9883990) e, como tal, dos seus apaniguados e que foi, precisamente, na sequência da destituição daquele Sr. AI, Dr. L…, que a venda pelos 3ºs RR. aos 4ºs RR. apressadamente se deu.
37- Tratam-se de demasiadas “coincidências” para serem inocentemente ignoradas pelo tribunal, para mais numa questão tão exigente como esta, em que o legislador faz apelo a um conceito ético de boa-fé. Em que, como frisa H. E. Horster em parecer publicado na CJ, STJ XII, tomo II (pág. 21), «a lei quer assegurar que apenas fique protegido quem participa de uma maneira cuidada, diligente e honesta no tráfico negocial».
38- Aqui chegados, assente que a lei exige ao terceiro a alegação e a prova ela positiva do desconhecimento, sem culpa, da nulidade sequencial decorrente da anulação da venda de 30/07/2014 feita pelo AI, impõe-se retirar da análise crítica da prova acabada de fazer, as devidas consequências, censurando a sentença recorrida.
39- Na verdade, incumbindo aos 4ºs RR. o ónus de alegação e da prova respectiva por se tratar de facto constitutivo do seu direito, como facto impeditivo do efeito retroactivo da nulidade ou anulação do negócio jurídico em que se fundou a sua aquisição, dúvidas não restam de que os mesmos, de acordo com as regras do ónus da prova previstas no nº 3 do artigo 342º do Código Civil, têm de ficar onerados com as consequências da falta da respectiva prova.
40- Donde, «máxime», na dúvida, o tribunal recorrido deveria ter decidido contra os 4ºs RR., porque sobre eles incumbia o respectivo «onus probandi», dando como não provada a matéria através da qual pretendeu inferir ou divisar o indicado requisito, de acordo com as regras da experiência comum e critérios de normalidade, apesar de, tal como começou por afirmar no 3º § do ponto 3 da sentença, terem sido «parcos os elementos carreados para os autos».
41- Ao não ter onerado os RR. com as consequências da falta da prova da sua boa-fé, ou seja, do desconhecimento, sem culpa, no momento do negócio, do vício do negócio nulo, a sentença violou as regras do ónus da prova (artigo 342º nº 2 do Cod. Civil), pelo que se impõe serem dados como não provados OS FACTOS CONSTANTES DE 25 A 28 DOS FACTOS ASSENTES, A QUE SE REFERE ESTA TEMÁTICA.
O PEDIDO E A SUBSUNÇÃO DOS FACTOS AO DIREITO
42- Estão em causa nos autos os efeitos da anulação da venda de 30/07/2014 que havia sido feita pelo AI no apenso de Liquidação [apenso E] do processo de insolvência, que constituem os autos principais.
43- Todavia, porque essa anulação já fora decidida previamente à presente acção por douto acórdão dessa Relação do Porto de 29/09/2016 junto aos autos, nesta acção a A. peticiona tão-somente, a declaração da nulidade consequente das vendas subsequentemente feitas pela 1ª R. aos 2ªRR, por estes aos 3ºs RR e por estes aos 4ºs RR.
44- A causa de pedir, a que não cremos que o tribunal «a quo» tenha atentado nesta sua especificidade, como poderemos adiante verificar, é só essa, decorrendo do facto de no período que mediou entre 14-10-2014 e 22-05-2017, terem ocorrido negócios subsequentes, as quais são puras «vendas a non domino», por a retroatividade da nulidade do negócio invalidado se lhes estender inelutavelmente por força do disposto no artigo 289º nº 1 do Código Civil que traduz o velho brocado latino: “Nemo plus iuris ad alium tranferre potest quam ipse habet”.
45- Tendo os RR. invocado a inoponibilidade das suas aquisições, mormente a última da cadeia, pelos 4ºs RR. à A., com base no disposto no artigo 291º do Código Civil., o tribunal «a quo», considerou que se verificavam todos os requisitos desta norma em relação àqueles, condenando ao insucesso a pretensão da autora ao aproveitamento dos efeitos retroactivos da anulação da venda pelo AI em que os seus elementares direitos de credora garantida pelo direito de retenção haviam sido violados, com o fundamento de eram terceiros de boa-fé e que o registo da aquisição a favor dos 4ºs RR. era anterior ao registo da presente acção e que este registo foi lavrado quando já haviam decorrido três anos sobre a data do primeiro negócio da cadeia.
46- Qualquer que seja o entendimento que se possa ter acerca do «dies a quo» da moratória a que alude o nº 2 do artigo 291º do Código Civil, mal andou a sentença recorrida, violando a citada norma.
47- Na verdade, o artigo 291º do Código Civil constitui uma norma de excepção em relação ao regime regra do artigo 289º a qual prevê que «pode ficar com o direito adquirido, quem preencher os pressupostos, aliás muito severos, estabelecidos no próprio 291º. Na verdade, o art.291º, como norma de excepção que é, não protege o terceiro adquirente de ânimo leve. Pois na medida em que protege o direito adquirido deste, fica irremediavelmente preterido o direito de quem aproveitaria dos efeitos do regime regra do art. 289º.
É neste conflito de interesses que o art. 291º, em atenção às necessidades de estabilidade do tráfico jurídico no que respeita à atribuição de bens, procura estabelecer um justo equilíbrio.»
48- A jurisprudência não é, de todo, pacífica quanto ao «dies a quo» da moratória a que alude o nº 2 do artigo 291º do Código Civil, havendo na Doutrina, insignes professores que, «data venia» acompanhamos, os quais, ao contrário do entendimento defendido na douta sentença, advogam fundadamente que tal prazo se inicia com referência ao último negócio da cadeia de negócios inválidos por nulidade sequencial, precisamente por ser aquele que o terceiro pretende fazer valer – vide, por todos, o douto ac. STJ de 26/10/2004 in P. 04A1504 in dgsi, para que se remete e de que se citam os seguintes elucitativos excertos pela sua pertinência, até por se tratar de uma situação com muita similitude com a tratada na presente acção:
«Estando em causa bens imóveis, adquiridos onerosamente, o Art.291º protege dos efeitos da declaração de nulidade os direitos adquiridos sobre esses bens por terceiro de boa fé, se o registo da aquisição for anterior ao registo da acção de nulidade (nº 1). Porém o nº 2 do preceito nega essa protecção se a acção for proposta e registada dentro dos 3 anos posteriores à conclusão do negócio ( Heinrich Ewald Horster in parecer publicado na CJ STJ XII, tomo II (pág. 15).
Como é óbvio, a acção que deve ser proposta e registada dentro dos 3 anos posteriores à conclusão do negócio, é a acção de nulidade ou de anulação do negócio originário, no caso, do negócio simulado. Trata-se, pois, do 1º negócio, pois é a nulidade dela que vai afectar a validade do 2º negócio, por via do qual o terceiro subadquirente adquiriu os direitos que se pretende proteger. É o que resulta directamente do texto do nº 2 do preceito ao referir-se à acção, que não pode ser outra senão a acção de nulidade ou anulação referenciada no nº 1.
Mas, por outro lado, os 3 anos referidos no nº 2 do preceito em análise, contam-se desde a conclusão do negócio, sendo que tal negócio há-de ser o que for celebrado entre o simulado adquirente e o terceiro subadquirente, não o negócio original gerador da nulidade sequencial.
É que o terceiro que está em causa quando se trata de fazer valer a protecção do art.291º é o subadquirente depois da celebração do negócio inválido, daí que só o negócio em que este interveio pode interessar. É ele que se consolida.»
49- Deverá ser aplicada nos autos a boa jurisprudência deste acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, pois aqui – tal como naquele caso – a anulação do 1º negócio inválido da cadeia de negócios deu-se em processo distinto e em data anterior, quer à propositura da acção em dissídio, quer em data anterior à própria celebração do negócio pelos 4ºs RR. que pretendem usufruir do benefício do 291º, tendo, de igual forma, a acção sido registada nos três anos posteriores à celebração do negócio em que os terceiros adquirentes intervieram, negócio esse que eles pretendem consolidar.
50- Atente-se que a presente acção foi proposta escassos meses após a escritura de 22-05-2017 entre 3ºs e 4ºs RR. [a acção foi intentada em 06-10-2017, registada em 09-10-2017, menos de cinco meses após o dia 22-05-2017], pelo que no caso concreto não faz qualquer sentido apelar ao interesse na estabilidade do negócio no âmbito do tráfico jurídico – fundamento da protecção do terceiro para efeitos do art.291º – uma vez que, mal adquiriram, os 4ºs RR. foram confrontados com a presente acção.
51- Se alguma estabilidade há a preservar, convenhamos, deve ser a decorrente da decisão proferida pelo Tribunal da Relação em 29-09-2016 que, pondo cobro a uma gravosa situação de violação dos direitos da autora enquanto credora reclamante em insolvência titular de crédito de natureza garantida, anulou todo o inquinado procedimento de venda e adjudicação da fracção autónoma à 1ª Ré pelo AI.
52- Trata-se de uma decisão jurisdicional cuja força de caso julgado externo é incontestável, vinculando erga omnes e que, por isso, deve prevalecer e, dessa sim, ser garantida a estabilidade na Ordem Jurídica, sob pena do seu total esvaziamento da mesma, para além de se promover uma solução em que o Direito e a Justiça não se realizam.
53- Mal andou a sentença recorrida, violando, na subsunção que faz dos factos ao direito, o disposto no artigo 291º nº 2 do Código Civil.
54- Reflicta-se ainda que, mesmo no entendimento (diverso) da douta sentença [o que por cautela de patrocínio de tem de conceber] e se, como aliás a mesma refere, não resulta da lei de forma expressa o termo a quo do prazo de três anos referido durante o qual a acção de nulidade ou anulação pode ser registada, e ainda se não está em causa nos autos a declaração de invalidade do negócio de 30/07/2014, o 1º da cadeia de negócios, cremos, desde logo, não fazer sentido pretender reportar – como faz a sentença – o prazo a que alude o nº 2 do artigo 291º à data daquele negócio cuja apreciação se encontra fora do âmbito da acção, mas sim e diversamente ao primeiro negócio subsequente cuja invalidade (sequencial) é peticionada nos autos, o qual ocorreu em 14-10-2014.
55- No equilíbrio dos interesses que importa fazer, cremos que no caso, mesmo defendendo que o prazo a que alude o nº 2 do preceito se reporta ao 1º negócio inválido da cadeia de negócios, mal andou a sentença recorrida ao não atender à especificidade da situação, que impunha uma decisão mais ajustada também pela teleologia da norma, considerando que a acção parte já de um estádio diferente, em que o negócio inválido já foi declarado NULO, por acórdão transitado. Uma vez que na acção a A. pretendeu, apenas, fossem retirados todos os efeitos decorrentes do artigo 289º do Código Civil quanto aos negócios subsequentes, inquinados de nulidade sequencial, cremos ser ajustado e perfeitamente equilibrado reportar o início do prazo de 3 anos, tão só, ao primeiro dos negócios cuja invalidação a A. peticionou, ou seja, ao ocorrido em 14-10-2014.
56- De facto, a autora intentou e registou a presente acção em 06/09-10- 2017 – decorridos nem cinco meses após a transmissão a favor dos 4ºs RR. que pretendem prevalecer-se da tutela de terceiros de boa-fé e consolidar para si essa transmissão – e dentro do prazo de três anos a partir do 1º negócio dos três negócios cuja invalidade por esta acção veio peticionar.
57- Donde, é por demais evidente, pelo exposto, que em caso algum, podiam os 4ºs RR. se socorrer da tutela excepcional do artigo 219º do Código Civil, na medida em que a acção foi intentada e registada pela A. nos três anos posteriores ao primeiro negócio cuja invalidade a A. peticionou nos autos, assim se não verificando um dos requisitos da aplicação do preceito, concretamente o previsto no seu nº 2, pelo que, assim o não entendendo, a sentença violou o citado normativo.
58- Sempre e de todo o modo, qualquer que seja a corrente doutrinária e jurisdicional que se siga, a sentença também andou mal porque não atendeu à «ratio legis» do preceito e àquilo que efectivamente o legislador pretendeu com o artigo 291º do Código Civil.
59- É entendimento pacífico da Doutrina e da jurisprudência que: i) que a intenção da lei não foi levar a protecção dos terceiros ao ponto de sacrificar gravemente os interessados na nulidade e anulabilidade; ii) que estamos num sistema de registo meramente declarativo, cujas garantias de exatidão são distintas de outros sistemas, como o alemão (tal como recorda a citação de Rui Alarcão; iii) o centro do raciocínio do legislador é o comportamento do verdadeiro titular, considerando a lei que se só se justificará o sacrifício do direito do titular verdadeiro, na medida da sua “própria negligência ou inércia em impugnar o negócio inválido, durante um período de três anos, após a sua conclusão”; iv) a lei pretende, com este prazo, dar ao verdadeiro proprietário uma oportunidade de repor a verdade jurídica material, considerando que decorrido o mesmo, o seu interesse deixa de ter protecção.
60- Tendo presente esta súmula do que constitui a «ratio legis» do preceito, verificamos que a A., credora na insolvência do titular do direito de propriedade, cujos elementares direitos processuais enquanto credora garantida foram gravemente violados pelo AI na venda à 1ª Ré, é alguém manifestamente interessada na nulidade ou anulabilidade desse negócio de 30-07-2014.
61- Como tal, o seu interesse não deve ser sacrificado, como foi, pela sentença em crise, não merecendo ser cominada com uma consequência com a qual a lei, de alguma forma, visa sancionar o primitivo titular que não foi cuidadoso, zeloso do seu direito: atente-se, em primeiro lugar, que ela não é o primitivo titular, aquele de quem a norma exige determinados comportamentos, sob a cominação de deixar de ser merecedor de tutela na manutenção do direito. De seguida, verifique-se que, não obstante, a autora actuou “dentro do prazo de três anos, interpondo a acção de nulidade ou de anulação.” Na verdade, recuando em relação à data em que o 1º negócio da cadeia de invalidades foi celebrado, temos que a escritura pelo AI à aqui 1º Ré ocorreu em 30-07-2014 e que a A. ora apelante, reagiu de imediato, mal tomou conhecimento da mesma, tal como bem descreve o douto acórdão da Relação do Porto de 26-09- 2016, cuja cópia se encontra junta aos autos e para que, por economia, se remete, requerendo ao tribunal a anulação da mesma ainda dentro do ano de 2014.
62- Sendo o fundamento do art.291.º é a estabilidade dos negócios jurídicos e se a apelante, mal foi praticado o negócio pelo AI, em 30-07-2014, reagiu, peticionando juridicamente a sua nulidade ou anulação – o que veio apenas a lhe ser reconhecido pelo Tribunal da Relação, em 29/09/2016 – então não há qualquer inércia ou negligência da sua parte que possa justificar o sacrifício do seu interesse na invalidação dos negócios subsequentes.
63- Refira-se ainda que apenas não foi registada nesse lapso temporal a acção de anulação, porque não foi intentada uma acção de anulação:- a autora reclamou de uma nulidade processual, tendo, por via disso, a venda de 30-07-2014 sido declarada nula por via do disposto no artº 195º do CPC.
64- Daí que, nesse âmbito, se houvesse que registar o que quer que fosse, essa obrigação cabia, em primeira linha, ao tribunal «a quo», por força do disposto no nº 3 do artigo 8º A do Código do Registo Predial, sendo esse – e não a apelante – a censurar, bem como pelo inacreditável atraso na tramitação daquela reclamação.
65- Acresce que o interesse da apelante na produção dos efeitos decorrentes da nulidade do negócio de 30-07-2014 é enorme, pois que é esse o único meio do imóvel regressar à massa insolvente e de, aí, em sede de Liquidação, em novo procedimento de venda, ela poder exercer o seu direito a requerer a adjudicação do mesmo para si, por conta do seu crédito, com dispensa de pagamento do preço (cfr. artigo 815º nº1 CPC), direito que lhe foi reconhecido pela Relação e que só assim pode ser assegurado.
66- Não é justo, adequado, nem proporcionado, sacrificar os interesses da apelante, como fez a sentença recorrida que não verificou, na ponderação dos diferentes interesses em jogo, que o interesse da autora, ora apelante, na anulação de todos os negócios subsequentes, deveria prevalecer, violando assim, não só a «ratio» do artigo 291º do Código Civil, como na interpretação feita da norma, o princípio constitucional da tutela jurisdicional efectiva.
67- A apelante, credora na insolvência interessada na invalidação dos negócios subsequentes, não só pediu a anulação do primeiro negócio da cadeia de invalidades atempadamente (dentro dos 3 anos), como intentou e registou presente acção logo escassos meses após a transmissão a favor dos 4ºs RR., donde é forçoso concluir que, até em concretização do princípio da tutela jurisdicional efectiva, consagrados nos artigos 20.º e 268.º, nsº 4 da Constituição da República Portuguesa, seja merecedora de tutela do seu interesse na invalidação dos negócios subsequentes. 68- A única decisão justa e proporcionada aos interesses em jogo é a de fazer prevalecer os interesses da apelante, reconhecidos já pelo douto acórdão da Relação e cuja concretização dela depende.
TERMOS EM QUE SE IMPÕE, por todo o exposto, a modificação da matéria de facto nos termos supra elencados, aditando-se à matéria provada o que consta das conclusões 16, 17 e 20, supra [para que por economia se remete] e, retirando-se dos factos provados os pontos 23 a 28 da sentença; bem como a revogação da sentença recorrida de modo a que, afastada a aplicação do artigo 291º do Código Civil por não verificação dos requisitos previstos no nº 2 e 3 do preceito, sempre com o mui douto suprimento de Vªas Ex.as, a sentença seja substituída por outra que conceda total provimento à acção, por ser de lei e de sã aplicação da justiça.
*
E é o seguinte o teor da resposta da interveniente K…:
A. Inconformada com a Douta Sentença de fls. …, ref.ª CITIUS …, veio a Autora da mesma interpor o presente Recurso;
B. A Recorrente entende, absolutamente sem razão, que a sentença padece de erros na apreciação de prova e subsunção dos factos ao direito, bem como de violação de lei substantiva, nomeadamente no que respeita à interpretação do artigo 291º enquanto exceção à regra da retroatividade da nulidade ou da anulabilidade consagrado no artigo 289º do Código Civil
C. O presente Recurso, vá-se já clamando e invocando, carece dos mais elementares pressupostos fáctico-jurídicos para poder proceder;
D. É que a Douta Sentença proferida nos Autos supra identificados, pelo Tribunal a quo, não merece reparo;
E. Tendo sido proferida de acordo com a Lei, que no caso em apreço se lhe aplica;
F. A Recorrente, de forma deliberada e habilidosa, faz completa tábua rasa, como soe dizer-se, do Relatório que antecede o elenco dos factos provados;
G. No caso dos Autos, os “temas de prova”, considerando o “objecto do litígio” identificado, acham-se enunciados de forma a contribuir para que o Tribunal a quo, pudesse formar, como bem fez, a sua convicção acerca da questão que se coloca nos presentes Autos;
H. Com os “temas de prova” enunciados não se verificaram quaisquer obstáculos para que fosse – como foi – abordado/indagado/questionado tudo quanto atinente ao que se discute na presente lide.
I. Os “temas de prova” revelam-se adequados a assegurar a justa Decisão da lide, dentro do normal devir da actividade processual, valorizando e enriquecendo a discussão, logrando-se, como já se referiu, uma Decisão que é justa, proferida de acordo com a Lei que no caso em apreço se lhe aplica;
J. O Relatório referido supra, que não merece censura, culmina – assertivamente – na enunciação sintetizada da questão dos Autos: a (in)oponibilidade da anulação da venda da fracção autónoma à 1.ª Ré, aos 2.ºs, 3.ºs e 4.ºs Réus.
K. O JULGAMENTO DA MATÉRIA DE FACTO, igualmente, não merece qualquer reparo ou censura;
L. O Tribunal a quo fundou-se, como não podia deixar de ser, e bem se acha plasmado na Sentença em apreço, na prova OBJETIVAMENTE produzida;
M. Nomeadamente, na prova documental – factos dos pontos 1) a 24), 29) e 30);
N. E, no que tange aos factos dos pontos 25) a 28), 31) e 32), factos que, como bem se acha na Sentença em apreço, “(…) pela sua natureza, pertencem à vida íntima e interior das pessoas ali referidas, assumindo uma natureza subjectiva, insusceptível de apreensão directa. A sua existência apenas pode ser captada através e mediante factualidade material que os possa inferir ou permita divisar, ainda que por presunções ligadas ao princípio da normalidade ou às regras da experiência comum.”
O. E em outros elementos suplementares, com base nos quais foi possível formar a convicção positiva que ficou expressa nos pontos 25) a 28);
P. Nomeadamente o facto, “objectivo, de parte substancial do preço da compra ter sido pago através do recurso ao crédito bancário, o que importa o assumir de responsabilidades financeiras, desde logo com o pagamento dos encargos e juros remuneratórios.”
Q. Para além disso, como também bem se acha plasmado na Douta Sentença, “(…) o Réu H… foi descrito pelas testemunhas M… e N…, funcionários da K… que intervieram no processo de financiamento, como alguém que já conhecem há vários anos e que tem vários investimentos no imobiliário. Tendo em conta o momento em que ocorreu a compra, já ulterior à prolação do acórdão do Venerando Tribunal da Relação do Porto, afigura-se totalmente improvável que fosse correr o risco de perda. Finalmente, estes Réus deram à fracção o destino para o qual a adquiriam – o arrendamento, como resulta evidenciado, a um tempo, pelo contrato que apresentaram e, a outro, pelo depoimento da testemunha O…, administradora do condomínio, que confirmou que a fracção está habitada por inquilinos.”
R. Um qualquer Tribunal forma a sua convicção em documentos, em declarações e depoimentos, em função das razões de ciência, das certezas e das lacunas, contradições, hesitações, inflexões de voz, parcialidade, coincidências, segurança ou inverosimilhança que, porventura, transpareçam em Audiência, das ditas declarações e depoimentos.
S. O Tribunal a quo, no caso dos Autos, assim o fez, tendo presente a matriz da livre apreciação probatória e tendo atendido a todos os meios de prova existentes e referidos, não só pelo seu valor individual, mas também pela conexão geral de todos;
T. A Douta Sentença traduz uma cuidada e ponderada análise de todos os elementos de prova, objectivamente considerados.
U. A Decisão proferida, vista no seu todo, mas em particular sobre a matéria de facto, não enferma de qualquer insuficiência de matéria provada, nem existe qualquer matéria provada a retirar;
V. Tendo apurado, de acordo com a prova produzida, os factos relevantes à questão jurídica em apreço;
W. Absolutamente nenhuma razão assiste, pois, à Recorrente, quando pretende aditar os factos que enuncia;
X. Nenhum deles é importante, relevante ou adequado à apreciação da matéria de facto e subsunção jurídica no caso dos Autos;
Y. A propósito da «suscitada» questão do “valor do imóvel” urge invocar que o Tribunal a quo, de forma lapidar e irrepreensível, com base na prova existente, maxime no depoimento da Senhora Administradora do respectivo Condomínio, O…, na perícia realizada e no depoimento/esclarecimentos prestado(s) em Audiência pelo respectivo perito, P… aborda e dirime tal questão;
Z. Fazendo verter, correta e fundamentadamente, o que a seu propósito se impunha, e nada mais do que isso, ou seja, que “(…) desconhece-se o estado em que a fracção foi apresentada à Autora no ano de 2010 e aquele em que foi apresentada ao Réu H… sete anos depois, sendo certo que, nesse hiato, esteve encerrada, tornando assim mais visíveis as patologias de que padece, algumas delas provenientes das partes comuns do edifício, como salientou a sua administradora, o que torna mais difícil a respectiva resolução, pela falta de meios do condomínio. A perícia realizada – que, com base no método comparativo, atribuiu à fracção os valores de € 85.219,00, no ano de 2014, € 93.612,00, no ano de 2015, e € 97.987,00, no ano de 2017 –, não é um elemento suficientemente esclarecedor, desde logo porque, como admitiu o seu autor, não atendeu às concretas condições da fracção e do prédio em cada um daqueles momentos nem às denominadas oportunidades de negócio que, muito naturalmente, são o que move investidores como o Réu H….”
AA. Portanto, ao contrário do ficcionado pela Recorrente, o Tribunal a quo não desvalorizou o relatório pericial, tendo, outrossim, como no demais, efectuado cuidada e ponderada análise dos referidos elementos de prova, objectivamente considerados, também a propósito de tal questão;
BB. Certo é que, por tudo quanto supra e conforme na Douta Sentença, tal facto; à semelhança dos demais “indicados” pela Recorrente, não tem de ser dado como assente, sendo (como os demais “indicados”) despiciendo para a apreciação da matéria de facto e subsunção jurídica.
CC. Renovando, a Decisão proferida, vista no seu todo, mas em particular sobre a matéria de facto, não enferma de qualquer incorrecta interpretação e apreciação da prova produzida em Audiência, não tendo sido incorrectamente julgados os factos provados 23 a 28.
DD. Tais factos, na realidade, encontram-se correctamente julgados, face à prova produzida, face ao teor dos documentos existentes, e em face dos depoimentos e testemunhos gravados.
EE. Pelo que é entendimento da Recorrida pugnar pela não alteração dos factos que a Recorrente quer, sem razão e infundadamente, retirar do elenco dos PROVADOS, porque é manifestamente exacto, rigoroso, verdadeiro e resulta da prova produzida que, tal como vertido em 23 dos factos provados, a 1.ª Ré não teve qualquer outra intervenção no processo de insolvência para além da intervenção referida em 7) a 9);
FF. Ou seja, que por adjudicação no processo de insolvência, na sequência de venda por propostas em carta fechada, foi a fracção autónoma transmitida, em 30 de Julho de 2014, pelo então administrador da insolvência, Dr. L…, à aqui 1.ª Ré, pelo preço de € 20.000,00, conforme documentos juntos no incidente de liquidação;
GG. E que essa transmissão foi objecto de registo na Conservatório do Registo Predial de Vila Nova de Gaia através da apresentação 1302, de 5 de agosto de 2014, conforme certidão predial apresentada com a petição inicial;
HH. E por fim que a fracção autónoma foi entregue pelo administrador da insolvência à referida adquirente, no apenso de liquidação.
II. Inexiste mentira, inexactidão, omissão ou falta de rigor em tais pontos de facto.
JJ. A Recorrente invocando algo que – bem sabe, – terá ocorrido (08 e 10 de Março de 2017), quando a fracção já se encontrava (e bem) na posse e propriedade dos 3.ºs Réus, registada esta na competente Conservatória em favor destes desde 10 de Novembro de 2016, tenta enganar este Tribunal Superior com uma verdade enviesada;
KK. A fracção em apreço já não estava nas (posse e propriedade) dos 1.ºs Réus, nem nas (posse e propriedade) dos 2.ºs Réus, mas sim na propriedade e posse dos 3.ºs Réus, registada em favor destes, repete- se, desde o dia 10/11/2016;
LL. Portanto, bem se acham PROVADOS os factos 23 e 24;
MM. A Recorrente não se refere, nas suas Alegações de Recurso, uma única vez, à interveniente K…, aqui Recorrida/Respondente;
NN. Fosse em questões de facto, fosse em questões de Direito.
OO. A Recorrente, em relação especificamente à K…, Recorrida, não invoca, nem demonstra, pois não tem qualquer razão ou fundamento para tal, um singelo facto que esteja indevidamente julgado como provado;
PP. A Recorrente, em relação especificamente à K…, Recorrida, não invoca, nem demonstra, pois que não tem qualquer razão ou fundamento para tal, uma única razão ou questão de Direito, que infirme, contrarie ou faça claudicar, em relação à K…, a Sentença proferida pelo Tribunal a quo;
QQ. O TOTAL silêncio da Autora/Recorrente neste Recurso em relação à K…, “ensurdecedor” é sinal e sintoma comprometido, de que a Autora bem sabe, e ficou inequivocamente demonstrada em sede de prova documental e em sede de prova testemunhal, que a Recorrida K… é, como se vem invocando e clamando desde a Contestação e com as devidas e legais consequências, bem acolhidas na Douta sentença proferida, terceiro de boa-fé;
RR. A Recorrente NÃO questiona, NÃO ataca, NÃO infirma, NÃO questiona, nem coloca em causa a bondade, a Justiça e a assertividade da Sentença proferida pelo Tribunal a quo no que tange à K…;
SS. O mesmo se diga em relação a tudo quanto a Recorrente faz verter no seu Recurso em relação à discordância em relação aos pontos 25 a 28;
TT. Lidas e relidas as respectivas Alegações, a Recorrente volta a não dedicar UMA linha, UMA palavra, sequer, a colocar em causa o facto de, tal como bem decidiu o Tribunal a quo, a declaração de nulidade da compra e venda não ser oponível à K… por a situação se enquadrar na previsão do Art.º 291.º, n.ºs 1 e 2, do Código Civil, sendo a K… titular de um direito real, adquirido a título oneroso, que tem por objecto um bem sujeito a registo;
UU. A Recorrente não consegue reagir no Recurso ao facto de Recorrida ser, como é, terceiro de boa-fé;
VV.A Recorrida K…, no momento da aquisição do seu direito desconhecia, sem culpa, o vício do negócio nulo.
WW. A Recorrida K… (também) demonstrou e provou, documental e testemunhalmente, cfr. escritura de fls … e depoimentos das testemunhas M… e N…, que se limitou a contratualizar normalmente o crédito, verificando a respectiva certidão de ónus e encargos e a conformidade dos documentos inerentes à transacção em apreço;
XX. Pelo que, à data da constituição de tal direito real a K… actuou de acordo com os padrões da diligência, da honestidade e da lealdade (boa fé) exigíveis do homem no comércio jurídico.
YY. Acresce que, bem sabe a Recorrente, também, e não o infirma nas suas Alegações de Recurso, a Decisão proferida pelo Venerando Tribunal da Relação do Porto (facto provado 13) não vincula a Interveniente Principal, Recorrida, porque nela não foi sujeito processual;
ZZ. De onde decorre que, como já se verteu nestes Autos, nos seus limites objectivos e subjectivos, tal Decisão do Venerando TRP não abrange o reconhecimento da nulidade do contrato de constituição de hipoteca e o cancelamento do respectivo registo, peticionados na presente acção nem envolveu, como sujeito, a Recorrida, que é, quanto a tal Decisão, terceiro não abrangido pela extensão da identidade jurídica ou da substituição processual.
AAA. Portanto, por muito “contorcionismo argumentativo” que a Recorrente faça, a verdade é que os factos provados 23, 24 e 25, 26, 27 e 28 encontram-se correctamente julgados, face à prova produzida e face ao teor dos documentos e dos depoimentos e testemunhos gravados.
BBB. Pelo que é entendimento da Recorrida pugnar pela não retirada de tais factos do elenco dos (correctamente) julgados provados, na medida em que não há – reitera-se – qualquer desconformidade entre os elementos de prova disponíveis e a decisão proferida sobre a matéria de facto.
CCC. E, como tal – isto é, mantendo-se assentes os factos dados como provados – deve manter-se o correto subsequente enquadramento jurídico que o Tribunal a quo fez em sede de interpretação e aplicação do Direito ao caso sub judice.
DDD. Em projecção do princípio da conservação do negócio jurídico, o Art.º 291.º do Código Civil visa proteger o terceiro de boa-fé da retroactividade dos efeitos de declaração de nulidade ou de anulação do negócio jurídico, traduzindo-se uma excepção ao princípio nemo plus iuris in alium transferre potest quam ipse habet.
EEE. Existindo um conflito entre “terceiros de boa-fé”, um interessado na eficácia geral da declaração de nulidade, o outro na validade do negócio, então a questão que emerge é tão só a de (in)oponibilidade erga omnes do direito do terceiro adquirente de boa-fé, oponibilidade essa que encontra guarida no regime referido, do Art.º 291.º do CC.
FFF. Este regime, sendo um desvio aos princípios que moldam o Direito das Coisas, designadamente os princípios da sequela e imediação, só tem efetiva aplicação desde que verificados os cinco requisitos, cumulativos, que aí se inferem, em valoração de ponderados princípios da publicidade e da protecção da boa-fé, a saber: terceiro de boa-fé; negócio oneroso; bem imóvel ou móvel sujeito a registo; registo de aquisição por esse terceiro de boa-fé anterior ao registo da acção de nulidade ou de anulação; e, estejam decorridos três anos sem que essa acção de nulidade ou de anulação haja sido proposta.
GGG. Ora, as excepções aos princípios da sequela e imediação assumem elevada tutela no campo dos bens imóveis, muito por força do instituto do registo a que estes estão sujeitos, já que, de acordo com o Art.º 5.º, do CRP, “os factos sujeitos a registo só produzem efeitos contra terceiros depois da data do respetivo registo”. Justifica-se uma tal solução pela prioridade do registo: “prior in tempore, potior in jure”.
HHH. O n.º 2 do Art.º 291.º do CC, ao dispor que os direitos do terceiro de boa-fé não serão reconhecidos se a acção for proposta e registada dentro dos três anos posteriores à conclusão do negócio, está a referir-se necessariamente à acção de anulação ou declaração de nulidade do ato ou negócio de que deriva o direito do alienante, não o negócio translativo para o adquirente (terceiro de boa-fé).
III. Neste sentido giza a maioria da doutrina portuguesa e jurisprudência, ou seja, o prazo deve contar-se a partir da realização do negócio inválido causador da cadeia de invalidades.
JJJ. Por um lado, porque o n.º 2 do Art.º 291.º só é susceptível de ser entendido à luz da protecção de terceiros, e o adquirente de boa-fé, naturalmente, não é terceiro perante o negócio em que interveio.
KKK. Por outro, porque admitir que a contagem do prazo de três anos se faça a partir da data do negócio em que interveio o terceiro implica desresponsabilizar os interessados na invalidação do negócio originário, destruir o equilíbrio de interesses visado pelo Art.º 291.º, contrariar a finalidade protectora deste preceito legal e desincentivar o registo por parte dos terceiros adquirentes de boa-fé.
LLL. Consequentemente, havendo já decorrido o prazo de três anos, sobre a data da conclusão do negócio originariamente inválido − sem que seja proposta e registada a respectiva acção de invalidade – consolida-se na esfera jurídica do terceiro, o direito que este já previamente adquiriu quando obteve o registo do respectivo “facto aquisitivo”.
MMM. Acresce, ainda, o facto de o terceiro adquirente que promove o registo da aquisição a título oneroso e de boa-fé desconhecendo o vício do negócio feito pelos anteriores titulares, e tendo o apoio da fé pública registral, vir reforçar a convicção de que o direito é válido e inatacável, devendo-se pugnar pela aplicação do princípio favor negotii o qual encontra a protecção legal no art.º 291 do CC.
NNN. Assim, voltando à Douta Sentença, e acompanhando-a, também pugnamos pelo ali assertivamente vertido quando se refere:
“Enquadrando a matéria de facto que resultou provada nas considerações teóricas que antecedem, não havendo dúvida de que estamos perante negócios onerosos, afigura-se possível afirmar que os quartos Réus cumpriram o ónus de provar que, no momento em que adquiriram, desconheciam a anulação do primitivo negócio e as razões que levaram a esse resultado. E desconheciam sem culpa, tendo em conta, a um tempo, o registo de todos os negócios anteriores da cadeia e, a outro, o lapso de tempo já decorrido desde o primeiro deles, factos que são susceptíveis de gerar confiança.
OOO. Prossegue a Douta Sentença, no que merece também a nossa total, humilde, mas forte adesão, aduzindo que: “Uma vez que o registo dessa aquisição é anterior ao registo da presente acção e que este foi lavrado quando já haviam decorrido mais de três anos sobre a data do primeiro negócio da cadeia, tem de concluir-se que estes Réus adquiriram o direito de propriedade sobre a fracção. Dito de outro modo – e respondendo directamente à questão enunciada – é-lhes inoponível a anulação do primeiro negócio da cadeia.
PPP. Prosseguindo e continuando a acompanhar a Douta Sentença: “Perante isto, não é possível o reingresso da fracção na massa insolvente e fica prejudicado o conhecimento da validade dos negócios intermédios, cuja eventual declaração de nulidade não teria qualquer efeito prático em relação à Autora. Trata-se, portanto, nesta parte, de uma situação de inutilidade da lide de conhecimento superveniente.”
QQQ. Daqui inexiste, ao contrário do invocado pelos Apelantes, violação do disposto no Art.º 291.º do Código Civil, nem do disposto no Art.º 342.º do CPC, nem de qualquer outra norma do nosso ordenamento jurídico.
RRR. A Sentença recorrida, proferida pelo Ex.mo Tribunal a quo, não merece, para a Recorrida, qualquer reparo;
SSS. Nomeadamente e também aqueles que constam do presente Recurso e que emanam das respectivas Conclusões;
TTT. Tendo a dita Sentença sido proferida, reitere-se, de acordo com a Lei que no caso em apreço se lhe aplica e tendo logrando a acertada e justa solução jurídica para a presente lide;
UUU. Aliás, todas as normas aplicáveis ao caso sub judice se revelam irrepreensível e correctissimamente interpretadas e aplicadas na Douta Sentença, errada e injustamente recorrida.
VVV. E porque assim é, não deve a Douta Sentença proferida pelo Tribunal a quo ser revogada, pelo contrário, deve ser mantida.
WWW. Pois que muito bem andou o Tribunal a quo ao “julgar a presente acção improcedente no que tange aos Réus H… e I… e, bem assim, à chamada K…, absolvendo estes dos pedidos formulados pela Autora, B….”
*
E é o seguinte o teor da resposta dos restantes réus/apelantes:
1- Salvo sempre o devido respeito por opinião em contrário, a Douta Sentença Recorrida não merece qualquer reparo ou censura, estando assim, votado ao insucesso, o recurso dela interposto pela Autora/Recorrente;
2- A Recorrente, desde logo, não cumpriu com o ónus de impugnação da matéria de facto previsto no art.º 640.º do CPC, pelo que, deverá ser rejeitado o presente recurso;
3- Ora, no que respeita ao ónus de indicação exacta das passagens da gravação em que funda a impugnação, a Recorrente não forneceu a indicação da sessão na qual foram prestados os depoimentos, o início e termo dos depoimentos, conforme estabelecido em ata, nem apresentou transcrição dos mesmos;
4- Neste preciso circunstancialismo, consideramos que não cumpriu adequadamente o núcleo essencial do ónus de indicação das passagens da gravação tidas por relevantes, já que ocorrem dificuldades sérias na localização dos excertos da gravação em que a Recorrente fundou a impugnação que deduziu, não dispondo de todos os dados necessários para a respectiva localização no suporte técnico que contém a gravação da audiência;
5- Ónus que deve ser cumprido tendo em conta o nível de exigência de exactidão das passagens das gravações, sem se alhear da metodologia ou do modo concreto como os depoimentos foram prestados em audiência;
6- Assim, tendo a Recorrente omitido quanto aos 3ºs RR., a indicação precisa do início e do termo das concretas passagens da gravação visadas, e, quanto aos esclarecimentos do Sr. perito e bem assim, do 4º R. marido, omitida indicação da sessão na qual foram prestados, conforme estabelecido em ata, assim, a transcrição dos excertos dos depoimentos que pretende ver reapreciados, incumpriu o ónus imposto pelo art.º 640º, nºs 1, al. b) e 2, al. a) do Código de Processo Civil, sendo de rejeitar o recurso quanto à impugnação da decisão sobre a matéria de facto;
DA IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO:
7- Ora, análise e apreciação da referida prova efectuada pela Recorrente, com a qual pretende o aditamento do mencionado facto à matéria de facto provada, não tem assento na prova produzida em audiência de julgamento, não podendo da mencionada prova resultar assente o referido facto;
8- Pois que, tal como considerou o Tribunal “a quo”, o Sr. Perito desconhecia as concretas condições, não só da fracção, como também do prédio em cada um daqueles momentos, designadamente, as patologias provenientes das partes comuns do edifício;
9- E, tendo por base o método comparativo utilizado pelo Sr. Perito, e a falta de conhecimento de tais concretas condições, não foi possível apurar o real estado de conservação da fracção, uma vez que, para além, do custo das obras de reparação efectuadas pelos 4ºs RR., era necessário apurar, para deduzir, o custo das obras nas partes comuns do edifício, e, desse modo, concluir, como fez a Recorrente;
10- Assim, não tendo levado tal facto à factualidade assente, bem andou o Tribunal “a quo”, na análise, ponderação e apreciação da prova produzida em audiência de julgamento, não ocorrendo qualquer erro de julgamento sobre tal matéria, devendo, por isso, improceder à impugnação deduzida pela Recorrente, por nenhuma razão lhe assistir quando, pretende, aditar o facto que enuncia;
11- Tendo o Tribunal “a quo”, de forma irrepreensível, com base na prova produzida, nomeadamente, o depoimento da Senhora Administradora do respetivo Condomínio, O… – depoimento gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso, na sessão de 17/12/2020, de 00:01 a 21:29;
12- e, bem assim, na perícia realizada e no depoimento/esclarecimentos prestado(s) em Audiência pelo Sr. Perito, P… – depoimento gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso, na sessão de 17/12/2020, de 00:01 a 51:15;
13- formado a sua convicção, para, correta e fundamentadamente, concluir que “(…) desconhece-se o estado em que a fracção foi apresentada à Autora no ano de 2010 e aquele em que foi apresentada ao Réu H… sete anos depois, sendo certo que, nesse hiato, esteve encerrada, tornando assim mais visíveis as patologias de que padece, algumas delas provenientes das partes comuns do edifício, como salientou a sua administradora, o que torna mais difícil a respectiva resolução, pela falta de meios do condomínio. A perícia realizada – que, com base no método comparativo, atribuiu à fracção os valores de € 85.219,00, no ano de 2014, € 93.612,00, no ano de 2015, e € 97.987,00, no ano de 2017 –, não é um elemento suficientemente esclarecedor, desde logo porque, como admitiu o seu autor, não atendeu às concretas condições da fracção e do prédio em cada um daqueles momentos nem às denominadas oportunidades de negócio que, muito naturalmente, são o que move investidores como o Réu H….”;
14- Pelo que, e ao contrário do que alega a Recorrente, o Tribunal “a quo” não desvalorizou o relatório pericial, antes, fez, cuidada e ponderada análise dos referidos elementos de prova, objectivamente considerados, sobre tal questão, devendo, por isso, improceder à impugnação deduzida pela Recorrente, por nenhuma razão lhe assistir quando, pretende, aditar o facto que enuncia;
Sem prescindir,
15- Quanto à factualidade dada como provada, a Recorrente insurge-se contra os factos vertidos nos pontos 24) a 28) da douta sentença recorrida, considerando que, sobre os mesmos não foi feita a respectiva prova, antes pelo contrário, refere;
16- Desde já se diga que, os Recorridos pugnam pela não alteração dos factos que a Recorrente quer, sem razão, “retirar” do elenco dos provados;
17- A Recorrente, para fundamentar a impugnação da decisão sobre o facto no ponto 24), socorre-se, desesperadamente, de prova documental junta aos autos (cartas remetidas pela 1ª e 2ºs RR. ao AI, datadas, respectivamente, de 08.03.2017 e 10.03.2017), que, no entanto, não comprovam a alegada intervenção no processo de insolvência e notificação para os respectivos termos dos RR., designadamente, dos 3ºs, 4ºs e interveniente K…, nem aos mesmos se refere a Recorrente;
18- Como decidido, tal prova documental, foi cuidadosa e ponderadamente analisada pelo Tribunal “a quo”, que de per si, e conjugada com a demais prova documental, nomeadamente, o teor da escritura de compra e venda outorgada entre os 2ºs e 3ºs RR. outorgada em 09.11.2016, e respectivo registo predial, permitiu com exactidão, segurança e sapiente apreciação, conduziu o Tribunal “a quo” a considerar provados, não só o facto vertido no ponto 24), como ainda os vertidos nos pontos 15) e 16) da Douta Sentença Recorrida, que com aquele estão em perfeita sintonia;
19- De salientar que, o invocado e alegado conhecimento a que se refere a Recorrente na sua impugnação, designadamente, pela 1ª e 2ºs RR., terá ocorrido em 08 e 10 de Março de 2017, respectivamente, ou seja, quando a fracção já se encontrava na posse e propriedade dos 3.ºs Réus, aqui Recorridos, e registada na competente Conservatória a favor destes desde 10 de Novembro de 2016;
20- Assim, muito bem andou o Tribunal “a quo” ao dar como provado o facto vertido no ponto 24) da Douta Sentença Recorrida, que se encontra, pelo exposto, correctamente julgado, face ao teor dos documentos constantes dos autos, improcedendo, em consequência, a impugnação da decisão sobre tal facto ser dado como não provado, como, sem sucesso, enuncia a Recorrente; Prosseguindo,
21- Mutatis mutandis, relativamente a tudo quanto a Recorrente verte nas suas Alegações em relação à discordância quanto aos factos vertidos nos pontos 25 a 28 da douta sentença recorrida;
22- Ora, a Recorrente funda a sua impugnação recursiva nas circunstâncias negligentes, descuidadas e sem observância dos deveres de cuidado exigíveis, em que os 4ºs RR., aqui Recorridos, adquiriram a fracção objecto dos autos, considerando que tiveram culpa no desconhecimento dos vícios antecedentes, não podendo ser considerados 3ºs de boa-fé;
23- No processo lógico e racional de formação da convicção sobre a referida factualidade dada como provada e vertida nos pontos 25) a 28) da douta sentença recorrida, o Tribunal “a quo” começa por dizer, que, tais factos, “pela sua natureza, pertencem à vida íntima e interior das pessoas ali referidas, assumindo uma natureza subjectiva, insusceptível de apreensão directa. A sua existência apenas pode ser captada através e mediante factualidade material que os possa inferir ou permita divisar, ainda que por presunções ligadas ao princípio da normalidade ou às regras da experiência comum.”;
24- Prosseguindo, refere o Tribunal “a quo” que, “No que tange à aquisição pelos quartos Réus, existem elementos suplementares com base nos quais foi possível formar a convicção positiva que ficou expressa nos pontos 25) a 28). Referimo-nos ao facto, objectivo, de parte substancial do preço da compra ter sido pago através do recurso ao crédito bancário, o que importa o assumir de responsabilidades financeiras, desde logo com o pagamento dos encargos e juros remuneratórios. Para além disso, o Réu H… foi descrito pelas testemunhas M… e N…, funcionários da K… que intervieram no processo de financiamento, como alguém que já conhecem há vários anos e que tem vários investimentos no imobiliário. Tendo em conta o momento em que ocorreu a compra, já ulterior à prolação do acórdão do Venerando Tribunal da Relação do Porto, afigura-se totalmente improvável que fosse correr o risco de perda. Finalmente, estes Réus deram à fracção o destino para o qual a adquiriam – o arrendamento, como resulta evidenciado, a um tempo, pelo contrato que apresentaram e, a outro, pelo depoimento da testemunha O…, administradora do condomínio, que confirmou que a fracção está habitada por inquilinos.”;
25- Tendo para tanto, o Tribunal “a quo” de forma cuidada e ponderada, analisado a prova produzida, quer documental (Escritura de Compra e Venda e Mútuo com Hipoteca, constante a fls., lavrada em 22 de maio de 2017, de fls. 67 a 70 do Livro 126-E do Cartório Notarial de Espinho da Notária Q…, e registo predial de aquisição a favor dos 4.ºs Réus, Ap. 3295 de 22/05/2017, e registo predial de hipoteca a favor da K…, Ap. 3296 de 22/05/2017, ficha 1222/19950731-CC da freguesia de …, concelho de Vila Nova de Gaia, da 1.ª Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia, constante a fls.), quer testemunhal (depoimento da Notária Q…, gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso, na sessão de 17/12/2020, de 00:01 a 04:05; os depoimentos das testemunhas M… e N…, funcionários da K…, gravados através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso, na sessão de 17/12/2020, respetivamente de 00:01 a 10:08 e de 00:01 a 07:20; depoimento da Senhora Administradora do Condomínio, O… – depoimento gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso, na sessão de 17/12/2020, de 00:01 a 21:29), quer as declarações de parte do 4º R. marido, H…, gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso, na sessão de 17/12/2020, de 00:01 a 30:40, que demonstram inequivocamente que os 4ºs RR. e a Interveniente K… são, terceiros de boa-fé;
26 - Factualidade apurada de forma irrepreensível e que, não claudica perante os devaneios, suposições e conjecturas com que a Recorrente ataca a decisão sobre a matéria de facto dada como provada, numa tentativa vã a que apelida de “indícios”, e que não encontram sustentação em qualquer meio de prova produzida, tais como que os 4.ºs Réus não trataram de indagar junto da Conservatória se estava tudo bem, bem sabendo que, no âmbito do financiamento bancário junto da Interveniente K… tais diligências foram efectuadas, e que, não poderiam ignorar que tinha provindo de uma insolvência, pelo menos, se tivessem indagado até lá na vizinhança, teriam sabido…, completo disparate que, como bem sabe a Recorrente, tal conjectura é inócua e desprovida de qualquer sentido e valor probatório;
27- Pelo que, os factos provados e vertidos nos pontos 24, 25, 26, 27 e 28 encontram-se correctamente julgados, face à prova produzida e face ao teor dos documentos, dos depoimentos e testemunhos gravados, não ocorrendo qualquer desconformidade entre os elementos de prova disponíveis e a decisão proferida sobre a matéria de facto supramencionada, devendo manter-se assentes os factos dados como provados, improcedendo, assim, a impugnação da decisão enuncia pela Recorrente;
Sem prescindir,
28- Curiosamente, a Recorrente não reagir no seu Recurso contra o facto de a Interveniente K… ser, como é, a par dos aqui Recorridos, terceiro de boa-fé.
29- Aliás, a Recorrente não se insurge contra, nem coloca em causa a bondade, a Justiça e a assertividade da douta Sentença proferida pelo Tribunal “a quo” no que tange à Interveniente K…;
30- Ora, a desassociação recursiva da Recorrente entre os comportamentos dos 4ºs RR e da Interveniente K…, no mesmo momento, a que se refere, por um lado, a compra e venda pelos 4ºs RR. e, a constituição da hipoteca pela interveniente K…, por outro, é desprovida de quaisquer razões factuais ou legais, roçando tal desproposito a má-fé processual da Recorrente;
31- Pelo que, muito bem andou o Tribunal “a quo” ao considerar os 4ºs RR. e a Interveniente K… terceiros de boa-fé, por, sem culpa, desconhecerem, no momento, e no mesmo, negócio, o vicio do negócio nulo. Não ocorrendo qualquer violação às regras do ónus da prova previstas no n.º3 do artigo 342º do C.C.;
32- Assim como, que a Decisão proferida pelo Venerando Tribunal da Relação do Porto (facto provado 13) não vincula os 4ºs RR. e a Interveniente K…, porque nela não foram sujeitos processuais;
33- Pelo exposto, e de manter, por correto, o enquadramento jurídico que o Tribunal “a quo” fez em sede de interpretação, subsunção e aplicação do Direito à decisão sobre a matéria de facto apurada;
34- Pelo que, à questão enunciada: se os segundos, terceiros e quartos Réus e, bem assim, a interveniente K…, devem ser considerados como terceiros adquirentes de boa-fé, sendo-lhes inoponíveis os efeitos retroactivos previstos no art.º 289/1 do Código Civil, só poderia, como fez e muito bem, o Tribunal “a quo” responder afirmativamente;
35- O Tribunal “a quo”, no enquadramento da matéria de facto que resultou provada, não teve dúvidas em considerar verificados todos os mencionados requisitos, designadamente, que em causa nos autos estão negócios onerosos, que, os 4ºs Réus cumpriram o ónus de provar que, no momento em que adquiriram, desconheciam a anulação do primitivo negócio e as razões que levaram a esse resultado, e que desconheciam sem culpa, tendo em conta, a um tempo, o registo de todos os negócios anteriores da cadeia e, a outro, o lapso de tempo já decorrido desde o primeiro deles, factos que são susceptíveis de gerar confiança;
36- Porém, a questão vem, pela Recorrente, colocada quanto às dúvidas sobre o termo a quo do prazo de três anos referido no n.º2 do artigo 291º do C.C., durante o qual a acção de nulidade ou de anulação pode ser registada, fazendo decair o direito do terceiro, não obstante este ter obtido a inscrição do seu “facto aquisitivo” com prioridade;
37- Sucede que, como sapientemente refere a Douta Sentença Recorrida, tal entendimento não é o maioritário da jurisprudência, sendo ainda, entendimento da maioria da doutrina portuguesa, que o prazo deve contar-se a partir da realização do negócio inválido causador da cadeia de invalidades – que, no caso, é aquele que, enquanto ato processual que também, foi anulado pelo acórdão do Venerando Tribunal da Relação do Porto, ou seja, de 30.07.2014; 38 - Ora, tendo a presente acção sido intentada em 06.10.2017 e registada em 09.10.2017, tem de concluir-se, como fez, e bem, o Tribunal “a quo” que os 4ºs Réus adquiriram o direito de propriedade sobre a fracção, sendo-lhes inoponível a anulação do primeiro negócio da cadeia;
39- Consequentemente, e como bem decidido pelo Tribunal “a quo”, havendo já decorrido o prazo de três anos sobre a data da conclusão do negócio originariamente inválido, sem que seja proposta e registada a respectiva acção de invalidade, consolidou-se na esfera jurídica dos 4ºs RR e da Interveniente K…., o direito que estes já previamente adquiriram quando obtiveram o registo dos respectivos “factos aquisitivos/constitutivos”;
40- Inexistindo, por conseguinte, ao contrário do propagado pela Recorrente, violação do disposto no Art.º 291.º do Código Civil, nem de qualquer outra norma do nosso ordenamento jurídico;
41- Assim, a douta Sentença recorrida, proferida pelo Tribunal “a quo”, não merece, qualquer reparo, impondo-se, quer de facto, quer de direito a sua confirmação.
42- Pois que muito bem andou o Tribunal a quo ao “julgar a presente acção improcedente no que tange aos Réus H… e I… e, bem assim, à chamada K…, absolvendo estes dos pedidos formulados pela Autora, B….”
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Perante o antes exposto, resulta claro que são as seguintes as questões suscitadas no âmbito deste recurso:
1ª) A impugnação da decisão da matéria de facto;
2ª) A não verificação dos requisitos previstos nos nºs 2 e 3 do art.º 291º do Código Civil;
3ª) A procedência da acção.
*
São os seguintes os factos dados como provados:
1) Por sentença de 18 de abril de 2012, proferida nos autos de ação ordinária n.º 542/12.5TBVNG, da 1.ª Vara de Competência Mista do extinto Tribunal Judicial da Comarca de Vila Nova de Gaia, transitada em julgado a 24 de setembro de 2012, foi: (i)) resolvido o contrato-promessa que a Autora havia celebrado com J… acerca da fração autónoma designada pelas letras CC, inscrita na matriz predial urbana da freguesia … da Marinha sob o art. 3041.º – CC e descrita na Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia sob o n.º 1222.º – CC da freguesia …; (ii)) Condenado o promitente vendedor ao pagamento do dobro do sinal prestado (€ 103.000,00 x 2); e, uma vez que houve tradição da coisa, (iii)) foi reconhecido à aqui Autora B… o direito de retenção sobre a indicada fração autónoma, para garantia do pagamento por J… do montante de € 206.000,00, acrescido de juros, tudo conforme certidão judicial apresentada com a petição inicial, cujo conteúdo aqui é dado por integralmente reproduzido.
2) A aquisição do direito de propriedade sobre a identificada fração autónoma encontrava-se inscrita, na CRP, a favor do referido J…, conforme certidão predial apresentada com a petição inicial, cujo conteúdo aqui é dado por integralmente reproduzido.
3) Esse J… foi declarado insolvente, por sentença de 28 de novembro de 2013, proferida na acção de insolvência n.º 9710/13.1TBVNG, a que a presente foi apensada, cujo conteúdo aqui é dado por integralmente reproduzido;
4) A fracção autónoma foi apreendida para a massa insolvente, conforme auto junto ao apenso de apreensão (A), sob a referência Citius 6598842, cujo conteúdo aqui é dado por integralmente reproduzido.
5) Essa apreensão foi registada, no registo predial, pela apresentação 2768, de 20 de janeiro de 2014, conforme certidão predial apresentada com a petição inicial, cujo conteúdo aqui é dado por integralmente reproduzido.
6) Por sentença de 28 de abril de 2016, transitada em julgado, proferida no apenso B (reclamação de créditos) da referida ação de insolvência, cujo conteúdo aqui é dado por integralmente reproduzido, foi reconhecido à Autora o indicado crédito de € 206.000,00, garantido por direito de retenção sobre a identificada fração autónoma, que constitui a verba n.º 1 do auto de apreensão de bens.
7) Por adjudicação no processo de insolvência, na sequência de venda por propostas em carta fechada, foi a fração autónoma transmitida, em 30 de julho de 2014, pelo então administrador da insolvência, Dr. L…, à aqui 1.ª Ré, a sociedade C…, Unipessoal, Lda., pelo preço de € 20.000,00, conforme documentos juntos no incidente de liquidação sob as referências Citius 7306782 e 7310370, cujo conteúdo aqui é dado por integralmente reproduzido.
8) Essa transmissão foi objeto de registo na Conservatório do Registo Predial de Vila Nova de Gaia através da apresentação 1302, de 5 de agosto de 2014, conforme certidão predial apresentada com a petição inicial, cujo conteúdo aqui é dado por integralmente reproduzido.
9) A fração autónoma foi entregue pelo administrador da insolvência à referida adquirente, conforme referência Citius 1468474, no apenso de liquidação, cujo conteúdo aqui é dado por integralmente reproduzido.
10) Por escritura de 14 de outubro de 2014, S…, na qualidade de gerente da 1.ª Ré, declarou vender aos segundos Réus, que declararam comprar, pelo preço de € 30.000,00, a identificada fração autónoma, conforme certidão junta com a petição inicial, cujo conteúdo aqui é dado por integralmente reproduzido.
11) Esse facto foi inscrito no registo predial no dia 14 de outubro de 2014, através da apresentação n.º 1748, conforme certidão predial apresentada com a petição inicial, cujo conteúdo aqui é dado por integralmente reproduzido.
12) A Autora apresentou, no dia 26 de novembro de 2014, requerimento, no apenso de liquidação a pedir a anulação da venda, por não ter sido ouvida antes da sua realização, conforme documento com a referência Citius 1025840.
13) Por acórdão de 29 de setembro de 2016, transitado em julgado, naquele apenso, cujo conteúdo aqui é dado por integralmente reproduzido, o Venerando Tribunal da Relação do Porto, declarou “a nulidade, por preterição de formalidade essenciais de todo o processado subsequente à assembleia de credores de 9 de janeiro de 2014, incluindo a venda realizada e adjudicação do imóvel vendido [rectius, da fração autónoma vendida], regressando o imóvel para a massa insolvente.
14) Na fundamentação desse acórdão escreveu-se que “resulta dos autos que o AI. em violação flagrante do disposto no art.º 164º do CIRE, desde 9 de Janeiro de 2014 (...) data em que ocorreu a Assembleia de Credores, nunca mais deu conhecimento de qualquer passo processual à credora reclamante, que bem conhecia ou devia conhecer ante a sentença de graduação de créditos proferida, na qual a mesma figura como beneficiária do pagamento do seu crédito em momento anterior ao do T…, esquecendo por completo que a mesma existe e que tem em relação a ela, como credora com garantia real que é, especiais obrigações, designadamente de a ouvir quanto à modalidade e preço da venda, procedimento que não teve em relação ao credor T….
Assim (...) este notificou o credor hipotecário T… para se pronunciar quanto ao valor a anunciar, disso dando conhecimento ao tribunal, notificou o T… da frustração da venda por meio de propostas, da nova diligência de venda com baixa de preço (critério matemático) “ao melhor preço oferecido, na tentativa de se evitarem despesas com a publicação, convidando-se expressamente o credor hipotecário a requerer a adjudicação, a fim de futuramente não vir alegar que o prédio foi vendido ao desbarato e que ficou prejudicado na sua qualidade de garantido, e bem assim, dos demais credores (que nada recebem).” ... comunicações que nunca o AI cumpriu para com a credora ora reclamante, ela também titular de garantia real sobre o bem imóvel em causa, assim se verificando um tratamento absolutamente desigual entre e para os credores em causa, com evidente prejuízo para a credora reclamante, a qual não pôde reagir em defesa do seu crédito, designadamente requerer a adjudicação, com dispensa de depósito de preço, como lhe assiste nos termos do disposto no artigo 815º nº 1 do CPC, o que não pôde fazer, pois tal possibilidade não lhe foi concedida, por omissão de notificação pelo AI de todas e quaisquer diligências respeitantes à venda da fração (mormente sobre o preço e modalidade da venda e bem assim sobre a data da abertura de propostas e resultado desta).
Assim como também não foi, apesar de credora garantida, notificada da proposta apresentada pela sociedade adquirente, tudo em clara e manifesta violação do disposto nos nºs 2 e 3 do art. 164º e 165º do CIRE e ainda do disposto, nomeadamente, no artigo 815º nº 1 do CPC, aplicável por força do citado art. 165º e que faculta ao credor garantido a possibilidade de pedir a dispensa de pagamento do preço, ao requerer a adjudicação, para além de, nos termos do nº 3 daquele normativo, poder propor a aquisição, por si ou por terceiro, por preço superior ao da alienação projetada ou ao valor base fixado.”
15) Por escritura de 9 de novembro de 2016, os segundos Réus declaram vender aos terceiros Réus, que declararam comprar, pelo preço de € 36.000,00, a identificada fração autónoma, conforme certidão junta com a petição inicial, cujo conteúdo aqui é dado por integralmente reproduzido.
16) Esse facto foi inscrito no registo predial no dia 10 de novembro de 2016, através da apresentação n.º 2570, conforme certidão predial apresentada com a petição inicial, cujo conteúdo aqui é dado por integralmente reproduzido.
17) Por despacho proferido na ação de insolvência no dia 5 de maio de 2017, que aqui é dado por integralmente reproduzido, o administrador da insolvência, Dr. L…, foi destituído.
18) Por escritura de 22 de maio de 2017, os terceiros Réus declaram vender aos quartos Réus, que declararam comprar, pelo preço de € 50.000,00, a identificada fração autónoma.
19) Nessa mesma escritura, N…, na qualidade de representante da K…, declarou, em nome da sua representada, emprestar aos quartos Réus a quantia de € 40.000,00, tendo estes declarado aceitar o empréstimo, para pagamento do preço referido no ponto anterior.
20) Os quartos Réus declararam ainda constituir hipoteca voluntária sobre a fração adquirida em garantia da restituição da quantia que lhes foi emprestada, tudo conforme certidão junta com a petição inicial, cujo conteúdo aqui é dado por integralmente reproduzido.
21) O facto referido no ponto 19) foi inscrito no registo predial na mesma data, através da apresentação n.º 3295, conforme certidão predial apresentada com a petição inicial, cujo conteúdo aqui é dado por integralmente reproduzido.
22) Ainda na mesma data, foi inscrita no registo predial a constituição da hipoteca referida no ponto 20), conforme certidão predial apresentada com a petição inicial, cujo conteúdo aqui é dado por integralmente reproduzido.
23) A primeira Ré não qualquer outra intervenção no processo de insolvência para além da referida em 7) a 9).
24) Os segundos, terceiros e quartos Réus e, bem assim, a interveniente K…, não tiveram qualquer intervenção no processo de insolvência e nunca foram notificados para os respetivos termos.
25) Os quartos e os representantes da interveniente K… não tinham conhecimento dos vícios processuais referidos no acórdão do Venerando Tribunal da Relação do Porto de 29 de setembro de 2016 quando adquiriram a fração autónoma.
26) Não tiveram conhecimento do requerimento apresentado pela Autora a pedir a anulação da venda da fração autónoma no processo de insolvência nem do processado a ele subsequente.
27) Os quartos Réus tomaram conhecimento que a fração se encontrava à venda através de anúncios divulgados pela Internet.
28) Decidiram-se pela sua aquisição com a intenção de a arrendar a terceiros, assim obtendo um rendimento.
29) A petição inicial da presente ação foi apresentada no dia 6 de outubro de 2017.
30) O seu registo foi efetuado no dia 9 de outubro de 2017, através da apresentação 1198, cf. conforme certidão predial sob a ref. Citius 17397514, cujo conteúdo aqui é dado por integralmente reproduzido.
***
Foram tidos como não provados os seguintes factos:
31) O gerente da 1.ª Ré, os segundos e os terceiros Réus não tiveram conhecimento dos vícios processuais referidos no acórdão do Venerando Tribunal da Relação do Porto de 29 de setembro de 2016.
32) O gerente da 1.ª Ré, os segundos e os terceiros Réus não tiveram conhecimento do requerimento apresentado pela Autora a pedir a anulação da venda da fracção autónoma no processo de insolvência nem do processado a ele subsequente.
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Contrariamente ao que defende a interveniente/apelada K… no seu recurso da decisão de facto, a autora/apelante B… cumpre suficientemente os ónus previstos nas várias alíneas dos nos 1 e 2 do art.º 640º do CPC.
A ser assim nada obsta à apreciação deste segmento do referido recurso.
Como já vimos e quanto a este ponto são as seguintes as pretensões recursivas da autora/apelante:
1º) - Que sejam dados como assentes os seguintes factos:
- O 1º Réu. S… é genro dos 2ºs Réus, D… e E….
- Na sequência do requerimento aludido em 12, o tribunal «a quo» por despacho de 13-05-2015 (ref. CITIUS 351636949) declarou finda a liquidação;
- A autora recorreu deste despacho em 15-06-2015 (ref. CITIUS 19905756), logo arguindo a nulidade cometida pelo tribunal recorrido, por omissão de pronúncia quanto à invocada nulidade da venda;
- O que só foi apreciado, e indeferido, por despacho de 28/04/2016 (ref. CITUIS 362786251) e, só então, finalmente, foi admitido o recurso e ordenada a sua subida à Relação.
2º) Que seja dado como provado que o imóvel tinha nos indicados anos “de 2014, 2015 e 2017”, senão os referidos valores de € 85.299,00, € 93.612,00 e de € 97.987,00, sempre e pelo menos, os referidos valores deduzidos de € 1.025,97.
3º) Que sejam dados como não provados os factos constantes dos pontos 23) a 28) dos factos assentes.
*
Perante tal alegação impõe-se recordar aqui o modo como pelo Tribunal “a quo” foi fundamentada a decisão de facto antes proferida.
Assim:
Os factos dos pontos 1) a 24), 29) e 30) estão provados documentalmente, nos termos sobreditos.
Quanto aos factos dos pontos 25) a 28) e, bem assim, quanto aos dos pontos 31) e 32), importa começar por dizer que os mesmos, pela sua natureza, pertencem à vida íntima e interior das pessoas ali referidas, assumindo uma natureza subjectiva, insusceptível de apreensão directa. A sua existência apenas pode ser captada através e mediante factualidade material que os possa inferir ou permita divisar, ainda que por presunções ligadas ao princípio da normalidade ou às regras da experiência comum.
Pois bem, a este propósito, ademais das declarações prestadas pelas próprias partes – que, como era expectável, afirmaram o respectivo desconhecimento acerca dos vícios processuais com base nos quais foi anulada a venda realizada pelo Sr. Administrador da insolvência, em suporte das posições assumidas nos articulados – foram parcos os elementos carreados para os autos.
No que tange à aquisição pela primeira Ré, como elementos objectivos, apenas existem os vários anúncios de imóveis disponíveis para venda que foram apresentados, o que em si mesmo não é suficiente para suportar qualquer juízo comparativo com o preço pelo qual as partes (administrador da insolvência e sociedade adquirente) declararam vender e comprar a fracção autónoma que está em causa nos autos. Tratam-se de anúncios relativos a imóveis situados noutras localidades do país, a maioria no interior, não existindo nada que permita compará-los, pelas suas qualidades, com a referida fracção autónoma.
E isto vale, por identidade de razões, para a aquisição feita pelos terceiros Réus, sendo de notar, quanto a esta, que a tese apresentada para explicar a formação da decisão se afigura algo inverosímil e mesmo contraditória com os respectivos termos: por um lado, afirma-se que a fracção autónoma tinha as condições adequadas para os terceiros Réus, pessoas de idade, habitarem; por outro, diz-se, para justificar o preço pago, que a fracção autónoma tinha problemas estruturais, que se reflectiam em sérias infiltrações de água.
No que tange à aquisição pelos terceiros Réus, notam-se, por um lado, aporias nas explicações por eles dadas para a formação da decisão de compra e da subsequente decisão de revenda e, por outro, contradições com o que foi afirmado pela única testemunha que a esse propósito depôs – a irmã da Ré, U….
Com efeito, quanto às referidas aporias, não se afigura muito conforme às regras do id quod plerumque accidit que um jovem casal invista todas as suas economias na aquisição de uma fracção autónoma sem que previamente tivesse definido as finalidades a que a iria destinar e sem se certificar das condições da mesma e do montante que teria de despender para a realização de obras, sobretudo quando são visíveis várias patologias (segundo disseram, o apartamento estava bastante degradado e necessitava de muitas obras). Por outro lado, tendo afirmado que a dimensão das obras que teriam de ser realizadas e o respectivo custo os levou a decidirem revender a fracção, o certo é que o montante que depois foi gasto para esse efeito pelos quartos Réus não se afigura especialmente elevado.
Quanto às contradições, os Réus afirmaram que a razão da compra foi a de passarem a dispor de uma casa perto da sua para habitação dos pais do Réu, em, contudo, esclarecerem os termos em que tal se processaria (v.g., arrendamento, comodato), ao passo que a identificada testemunha disse que a intenção dos Réus era de passarem a habitar na fracção, vendendo aquela onde habitavam.
Perante isto, não foi possível formar uma convicção positiva quanto aos factos dos pontos 31) e 32).
No que tange à aquisição pelos quartos Réus, existem elementos suplementares com base nos quais foi possível formar a convicção positiva que ficou expressa nos pontos 25) a 28).
Referimo-nos ao facto, objectivo, de parte substancial do preço da compra ter sido pago através do recurso ao crédito bancário, o que importa o assumir de responsabilidades financeiras, desde logo com o pagamento dos encargos e juros remuneratórios.
Para além disso, o Réu H… foi descrito pelas testemunhas M… e N…, funcionários da K… que intervieram no processo de financiamento, como alguém que já conhecem há vários anos e que tem vários investimentos no imobiliário. Tendo em conta o momento em que ocorreu a compra, já ulterior à prolação do acórdão do Venerando Tribunal da Relação do Porto, afigura-se totalmente improvável que fosse correr o risco de perda.
Finalmente, estes Réus deram à fracção o destino para o qual a adquiriam – o arrendamento, como resulta evidenciado, a um tempo, pelo contrato que apresentaram e, a outro, pelo depoimento da testemunha O…, administradora do condomínio, que confirmou que a fracção está habitada por inquilinos.
Elemento relevante em relação a todos os actos seria a discrepância entre o valor da fracção e o valor declarado nas várias compras e vendas.
Neste ponto, de seguro há apenas dois elementos: o preço declarado na última compra e venda (€ 50.000,00) é consideravelmente superior ao preço declarado na compra e venda imediatamente anterior (€ 36.000,00), ocorrida escassos sete meses antes; todos os valores declarados nos sucessivos negócios são consideravelmente inferiores ao preço declarado no contrato-promessa de compra e venda que a Autora celebrou com o insolvente, no ano de 2010.
Contudo, desconhece-se o estado em que a fracção foi apresentada à Autora no ano de 2010 e aquele em que foi apresentada ao Réu H… sete anos depois, sendo certo que, nesse hiato, esteve encerrada, tornando assim mais visíveis as patologias de que padece, algumas delas provenientes das partes comuns do edifício, como salientou a sua administradora, o que torna mais difícil a respectiva resolução, pela falta de meios do condomínio.
A perícia realizada – que, com base no método comparativo, atribuiu à fracção os valores de € 85.219,00, no ano de 2014, € 93.612,00, no ano de 2015, e € 97.987,00, no ano de 2017 –, não é um elemento suficientemente esclarecedor, desde logo porque, como admitiu o seu autor, não atendeu às concretas condições da fracção e do prédio em cada um daqueles momentos nem às denominadas oportunidades de negócio que, muito naturalmente, são o que move investidores como o Réu H….”
*
A autora/apelante sustenta o seu pedido antes identificado em 2º) no relatório pericial, nas declarações prestadas pelo Sr. Perito em julgamento bem assim como nas declarações prestadas em audiência pelos 3ºs réus sobre o estado da fracção em apreço nos autos.
Censura ainda a pouca importância que foi dada ao relatório pericial, sustentando que o desconhecimento das concretas condições da fracção e do respectivo edifício em cada uma das datas em questão, podia e devia ser suprido, chegando-se ao real estado de conservação da fracção, com o valor que resultasse da diferença entre o montante gasto pelos 4ºs réus nas obras que realizaram após a aquisição da fracção e os valores atribuídos no mesmo relatório pelo Perito que o subscreveu.
Não tem no entanto razão nesta sua argumentação, como já de seguida veremos.
Assim e contrariamente ao que agora se afirma, o Tribunal “a quo” não desvalorizou o relatório pericial junto aos autos, antes valorou o conteúdo do mesmo com a restante prova produzida nos autos a tal propósito.
Concretizando:
Desde logo na decisão recorrida foi apreciada de forma correcta o teor da perícia, conjugando-se esta com os esclarecimentos que foram prestados em julgamento pelo seu subscritor, o perito P… (cf. o depoimento registado através do sistema integrado de gravação digital, disponível no programa CITIUS, na sessão de julgamento do dia 17.12.2020, de 00:01 a 51:15).
Quanto a esta matéria, teve-se também em conta o depoimento prestado na sessão de julgamento de 17.12.2020 (cf. gravação de 00.01 a 21.29), pela testemunha O…, a Sr.ª Administradora do respectivo Condomínio.
Como nos era imposto procedeu-se à audição das gravações onde ficaram registados tais depoimentos.
Não deixamos, igualmente, de proceder à análise cuidada do teor do relatório pericial junto aos autos.
E as conclusões a que chegamos são em tudo idênticas às que sustentaram a decisão que quanto a esta matéria foi proferida pelo Tribunal “a quo”.
A ser assim, só resta concluir que não enferma a decisão recorrida de qualquer erro de julgamento que importe agora suprir, aditando aos factos assentes a matéria antes melhor descrita.
Em suma e quanto a este ponto improcedem os argumentos recursivos da autora/apelante.
Cabe agora apreciar os pontos de facto que foram dados como provados (de 23) a 28)) e que a autora/apelante agora pretende ver como não provados.
Desde logo e quanto ao facto do ponto 23) o que importa dizer é o seguinte:
A prova documental produzida nos autos só confirma que a intervenção da 1ª ré no processo de insolvência se limitou ao que consta dos pontos 7) a 9).
Para além desta prova e como mais adiante veremos melhor, nenhuma outra existe no processo que permita concluir no sentido agora requerido.
E a ser assim nenhuma razão existe para considerar como quer a autora/apelante, que tal intervenção foi para além do antes referido.
Para fundamentar a sua pretensão relativamente aos factos contidos no ponto 24) a autora/apelante chama à colação a prova documental junta aos autos (as cartas remetidas pela 1ª e 2ºs réus ao Administrador de Insolvência a 08.03.2017 e 10.03.2017, respectivamente).
No entanto, também nós consideramos que tais cartas, sem mais, não comprovam a alegada intervenção da 1ª ré e dos 2ºs réus no processo de insolvência, o mesmo ocorrendo com a notificação destas e dos restantes intervenientes processuais para os termos do aludido processo.
Ou seja, a análise ponderada e conjugada da prova documental produzida, nomeadamente o teor da escritura de compra e venda outorgada entre os 2ºs e 3ºs réus em 09.11.2016 e o respectivo registo predial conduz à prova não só da matéria de facto contida no ponto 24), como também dos factos inscritos nos pontos 15) e 16).
Em suma, também aqui não procedem os argumentos recursivos da autora/apelante, mantendo-se assim tal facto como provado.
Por último e como já vimos quer a autora/apelante que sejam dados como não provados os factos inscritos nos pontos 25) a 28).
E justifica tal pretensão na seguinte alegação (cf. conclusão 33 das suas alegações):
“Os 4ºs RR. não tiveram, portanto, como é por demais manifesto, se encarado sob o prisma de um bonus paterfamilias, aqueles deveres de cuidado e de diligência que se impunham para serem tributários desta boa-fé em sentido ético (que equipara a ignorância culposa á má-fé) pois só dela são merecedores aqueles sujeitos que, tendo cumprido com todos os inerentes deveres de cuidado impostos demonstrem ser, no caso concreto, desculpável a ignorância dos vícios.”
Perante tal argumentação impõe-se recordar a forma como o Tribunal “a quo” fundamentou a resposta afirmativa a estes pontos de facto.
Assim, deixou referido que tais factos, “pela sua natureza, pertencem à vida íntima e interior das pessoas ali referidas, assumindo uma natureza subjectiva, insusceptível de apreensão directa. A sua existência apenas pode ser captada através e mediante factualidade material que os possa inferir ou permita divisar, ainda que por presunções ligadas ao princípio da normalidade ou às regras da experiência comum.”
Mais referiu que, “No que tange à aquisição pelos quartos Réus, existem elementos suplementares com base nos quais foi possível formar a convicção positiva que ficou expressa nos pontos 25) a 28).
Referimo-nos ao facto, objectivo, de parte substancial do preço da compra ter sido pago através do recurso ao crédito bancário, o que importa o assumir de responsabilidades financeiras, desde logo com o pagamento dos encargos e juros remuneratórios.
Para além disso, o Réu H… foi descrito pelas testemunhas M… e N…, funcionários da K… que intervieram no processo de financiamento, como alguém que já conhecem há vários anos e que tem vários investimentos no imobiliário. Tendo em conta o momento em que ocorreu a compra, já ulterior à prolação do acórdão do Venerando Tribunal da Relação do Porto, afigura-se totalmente improvável que fosse correr o risco de perda.
Finalmente, estes Réus deram à fracção o destino para o qual a adquiriam – o arrendamento, como resulta evidenciado, a um tempo, pelo contrato que apresentaram e, a outro, pelo depoimento da testemunha O…, administradora do condomínio, que confirmou que a fracção está habitada por inquilinos.”
Impõe-se dizer que tal fundamentação merece a nossa total adesão.
Mas para além disso é também relevante salientar que tal convicção resulta igualmente da prova produzida nos autos, a saber, a documental (a Escritura de Compra e Venda e Mútuo com Hipoteca, constante a fls., lavrada em 22 de maio de 2017, de fls. 67 a 70 do Livro 126-E do Cartório Notarial de Espinho da Notária Q…, o registo predial de aquisição a favor dos 4.ºs Réus, Ap. 3295 de 22/05/2017, o registo predial de hipoteca a favor da K…, Ap. 3296 de 22/05/2017, ficha 1222/19950731-CC da freguesia …, concelho de Vila Nova de Gaia, da 1.ª Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia, constante a fls.), a testemunhal (o depoimento da Notária Q…, gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática habitual, na sessão de 17/12/2020, de 00:01 a 04:05; os depoimentos das testemunhas M… e N…, funcionários da K…, gravados através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática habitual, na sessão de 17/12/2020, respectivamente de 00:01 a 10:08 e de 00:01 a 07:20; o depoimento da Senhora Administradora do Condomínio, O…, gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática habitual, na sessão de 17/12/2020, de 00:01 a 21:29), as declarações de parte do 4º R. marido, H…, gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática habitual, na sessão de 17/12/2020, de 00:01 a 30:40, que demonstram inequivocamente que os 4ºs RR. e a Interveniente K….
Assim, tem razão o Tribunal “a quo” quando perante todos estes elementos considerou pela boa-fé quer dos 4ºs réus quer da interveniente K….
Concluindo, também aqui não colhe a argumentação recursiva da autora/apelante B….
E a ser e por não estarem verificados no caso concreto os pressupostos previstos no art.º 662º, nº1 do CPC, confirma-se sem mais a decisão de facto antes proferida.
É pois com esta que vão ser apreciadas as duas restantes questões suscitadas.
Como antes já vimos a terceira questão suscitada reconduz-se ao seguinte:
Saber se os 2ºs, 3ºs e 4ºs Réus e a interveniente K… podem ser considerados como terceiros adquirentes de boa-fé, não lhe sendo assim oponíveis nos termos previstos no nº1 do art.º 291º do Código Civil, os efeitos retroactivos previstos no art.º 289º, nº1 do mesmo código.
Vejamos, pois:
É por demais sabido que a aplicação da regra prevista no citado art.º 291º do CC exige a verificação cumulativa dos seguintes pressupostos:
- Ser o terceiro titular de um direito real;
- Ter o direito como objecto coisa imóvel ou coisa móvel sujeita a registo;
- Ter esse direito sido adquirido a título oneroso;
- Estar o terceiro de boa-fé;
- Ter o terceiro registado a aquisição do direito;
- Ser o registo da aquisição anterior ao registo da acção (ou do acordo sobre a invalidade do negócio);
- Terem a propositura da acção e o registo da acção sobre invalidade ocorrido para além de 3 anos após a conclusão do negócio (cf. o nº2 do art.º 291º);
- Ser o registo de aquisição por esse terceiro de boa-fé anterior ao registo da acção de nulidade ou de anulação; e,
- Que estejam decorridos três anos sem que essa acção de nulidade ou de anulação haja sido proposta.
No sentido exposto cf. o entendimento de Carvalho Fernandes, Teoria Geral do Direito Civil, Vol. II, 5ª ed., Universidade Católica Editora, Lisboa, 2010, pág. 511 e a opinião de Maria Clara Sottomayor, Comentário ao Código Civil – Parte Geral, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2014, anotação ao art.º 291º.
Já vimos que na sentença recorrido, o Tribunal “a quo” tendo em conta a matéria de facto tida como provada e antes melhor enumerada, concluiu no sentido da verificação de todos estes requisitos.
Ora tal entendimento é agora questionado pela autora/apelante neste seu recurso, criticando o modo como foi interpretada e aplicada a regra prevista no citado nº2 do art.º 291º do CC.
A verdade é que na decisão recorrida foi seguida a orientação que é maioritariamente subscrita quer pela doutrina quer pela jurisprudência.
Assim e desde logo, cabe salientar como refere o Prof. Rui de Alarcão, Invalidade dos negócios jurídicos – Anteprojecto para o novo Código Civil, BMJ nº 89, Outubro 1959, pág.199 e seguintes, quer face ao disposto no §1.º, 1ª parte do respectivo projecto-lei, resulta clara a vontade do legislador de confinar a tutela que decorre da mesma norma aos terceiros de boa-fé, adquirentes a título oneroso, de bens sujeitos a registo, que obtivessem a inscrição no registo das respectivas “aquisições” antes de feito o registo da acção de nulidade ou de anulação.
Mais ainda e como ali também se refere, a nota de que “Os direitos de terceiros não serão, todavia, ressalvados, desde que a acção de nulidade ou de anulação seja proposta e registada dentro do prazo de três anos a contar da data do negócio inválido.”
Dúvidas não podem pois restar de que o referido nº 2 do art.º 291º do CC, ao dispor que os direitos do terceiro de boa-fé não serão reconhecidos se a acção for proposta e registada dentro dos três anos posteriores à conclusão do negócio, se está a referir necessariamente à acção de anulação ou declaração de nulidade do acto ou negócio de que deriva o direito do alienante e não ao negócio translativo para o adquirente (terceiro de boa-fé).
Na doutrina e no sentido de que o prazo se deve contar a partir da realização do negócio inválido causador da cadeia de invalidades cf. Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, actualizada por Pinto Monteiro e Paulo Mota Pinto, a pág.370; Oliveira Ascensão, Direito Civil, Reais, a pág.369; Carvalho Fernandes, Lições de Direitos Reais, a pág.151 e Maria Clara Sottomayor, Invalidade e Registo – A Protecção do Terceiro Adquirente de Boa-Fé, a pág.756.
No mesmo sentido e agora na jurisprudência, cf. entre outros os Acórdãos do STJ de 19.04.2016, Processo nº5800/12.6TBOER.L1-A.S1 e de 07.09.2017, Processo nº4363/04.0TBSTS.P1.S1 e o Acórdão da Relação de Guimarães de 27.06.2016, Processo nº1122/11.8TBBCL.G1, todos disponíveis em www.dgsi.pt.
Pode pois dizer-se que nos casos em que tenha já decorrido o prazo de três anos, sobre a data da conclusão do negócio originariamente inválido – sem que seja proposta e registada a respectiva acção quer o quer invalidar – consolida-se na esfera jurídica do terceiro, o direito que este já previamente adquiriu quando obteve o registo do respectivo “facto aquisitivo”.
Regressando ao caso concreto, impõe-se referir o que dado passo foi feito constar e bem na sentença recorrida:
“Enquadrando a matéria de facto que resultou provada nas considerações teóricas que antecedem, não havendo dúvida de que estamos perante negócios onerosos, afigura-se possível afirmar que os quartos Réus cumpriram o ónus de provar que, no momento em que adquiriram, desconheciam a anulação do primitivo negócio e as razões que levaram a esse resultado. E desconheciam sem culpa, tendo em conta, a um tempo, o registo de todos os negócios anteriores da cadeia e, a outro, o lapso de tempo já decorrido desde o primeiro deles, factos que são susceptíveis de gerar confiança.
(…)
Uma vez que o registo dessa aquisição é anterior ao registo da presente acção e que este foi lavrado quando já haviam decorrido mais de três anos sobre a data do primeiro negócio da cadeia, tem de concluir-se que estes Réus adquiriram o direito de propriedade sobre a fracção. Dito de outro modo – e respondendo directamente à questão enunciada – é-lhes inoponível a anulação do primeiro negócio da cadeia.
(…)
Perante isto, não é possível o reingresso da fracção na massa insolvente e fica prejudicado o conhecimento da validade dos negócios intermédios, cuja eventual declaração de nulidade não teria qualquer efeito prático em relação à Autora. Trata-se, portanto, nesta parte, de uma situação de inutilidade da lide de conhecimento superveniente.”
Em suma, bem decidiu o Tribunal “a quo” quando considerou que havendo já decorrido o prazo de três anos sobre a data da conclusão do negócio originariamente inválido, sem que seja proposta e registada a respectiva acção de invalidade, se consolidou na esfera jurídica dos 4ºs RR e da Interveniente K…, o direito que estes já previamente adquiriram quando obtiveram o registo dos respectivos “factos aquisitivos/constitutivos”.
Em conclusão, foram correctamente interpretadas e aplicadas as regras que decorrem do previsto no art.º 291º do Código Civil.
E salvo sempre melhor opinião, também não foi violado o princípio da tutela jurisdicional efectiva previsto nos artigos 20º e 268º, nº4 da CRP.
Assim sendo, improcedem também aqui os argumentos recursivos da autora/apelante.
*
Sumário (cf. art.º 663º, nº7 do CPC):
………………………………
………………………………
………………………………
*
III. Decisão:
Pelo exposto, julga-se improcedente o presente recurso de apelação e, em consequência confirma-se a decisão recorrida.
*
Custas a cargo da autora/apelante (cf. art.º 527º, nºs 1 e 2 do CPC).
*
Notifique.

Porto, 28 de Outubro de 2021
Carlos Portela
Joaquim Correia Gomes
António Paulo Vasconcelos