Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
8169/03.6TBMAI-D.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JOSÉ MANUEL DE ARAÚJO BARROS
Descritores: HONORÁRIOS A ADVOGADO
LAUDO
LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA
PRESCRIÇÃO PRESUNTIVA
Nº do Documento: RP201809138169/03.6TBMAI-D.P1
Data do Acordão: 09/13/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 3ªSECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º144, FLS.80-89).
Área Temática: .
Sumário: I – Não obstante o laudo sobre honorários emitido pela Ordem dos Advogados se encontre sujeito ao princípio da livre apreciação, deve ele todavia ser sempre especialmente valorado, atenta a qualificação de quem o subscreve.
II - As prescrições presuntivas são presunções de pagamento cuja base é o decurso do tempo.
III – O seu escopo essencial é a protecção do devedor, que pode ter dificuldade de prova de um pagamento ao qual normalmente não é dada quitação.
IV - Quando se invoca a prescrição presuntiva, não se está verdadeiramente a excepcionar com a prescrição, mas antes com o cumprimento da obrigação.
V – Dispensando o devedor da prova do cumprimento, a sua repercussão imediata situa-se a nível da prova, que não da alteração da ordem jurídica.
VI - Por essa razão, não bastará invocá-la, sendo necessário acompanhar essa declaração com a alegação da verdadeira excepção, o cumprimento, posto que aquela invocação não supre a falta de alegação do facto que se quer ver presumido.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação do Porto
3ª SECÇÃO – Processo nº 8169/03.6TBMAI-D.P1
Tribunal Judicial da Comarca do Porto – Juízo Local Cível da Maia – Juiz 3
SUMÁRIO
(artigo 713º, nº 7, do Código de Processo Civil)
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Acordam no Tribunal da Relação do Porto
I
RELATÓRIO
B… intentou a presente acção declarativa comum contra C…, alegando, em síntese, que no exercício da sua actividade de advogado, na sequência de contrato de mandato que celebrou com a ré, prestou serviços àquela, mostrando-se por liquidar a título de honorários e despesas a importância de 40.665,56€, quantia em cujo pagamento pede que a ré seja condenada, acrescida de juros, à taxa legal, vincendos após a citação e até integral pagamento.
Citada, apresentou a ré contestação na qual excepciona a prescrição e impugna parte dos factos alegados, nomeadamente alegando que o número de horas referidas pelo autor como tendo gasto no cumprimento do mandato não é exacto, que nunca recebeu quaisquer valores como resultado das acções judiciais propostas, que nunca foi informada do valor hora dos honorários praticado pelo autor, concluindo que o crédito por este invocado já se encontra por si pago.
Teve lugar audiência prévia, sendo o processo saneado e condensado. Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença que condenou a ré no pedido.
Inconformada, interpôs esta recurso, o qual foi admitido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.
O autor contra-alegou.
Foram colhidos os vistos legais.
II
FUNDAMENTAÇÃO
1. FACTOS
FACTOS PROVADOS
1. O Autor dedica-se de modo exclusivo à actividade de advocacia na comarca D…, onde tem escritório na Praceta …, ../.., D…, fazendo da advocacia profissão habitual e lucrativa, para a qual se encontra devidamente habilitado pela Ordem respectiva, sendo titular da cédula profissional n.º ….-.;
2. No exercício dessa actividade, a Ré solicitou ao Autor, em 2003, a prestação de serviços jurídicos tendentes à defesa numa acção declarativa de condenação, que contra ela havia sido instaurada e que correu termos sob o processo n.º8169/03.6TBMAI, pelo 3.º Juízo do Tribunal da Maia;
3. Através da acção referida no número anterior, os Autores solicitavam a condenação da Ré no pagamento da quantia de €313.429,68, correspondente ao dobro do sinal relativo à promessa de cessão de quotas e de trespasse de um estabelecimento comercial, e reclamavam o reconhecimento do direito de retenção do estabelecimento até pagamento da indemnização peticionada;
4. O Autor reuniu com a Ré, por forma a aconselhá-la juridicamente, e ainda por forma a preparar a defesa e o julgamento, por diversas vezes, num mínimo de 30 horas;
5. O Autor prestou à Ré serviços jurídicos, no âmbito do mandato que ela lhe cometeu, designadamente os seguintes:
a) Analisou a referida acção declarativa de condenação;
b) Instruiu e examinou diversos documentos;
c) Estudou juridicamente a questão;
d) Elaborou e apresentou em juízo contestação com reconvenção, com o valor de €332.181,54;
e) Elaborou e apresentou em juízo tréplica, em resposta à réplica oferecida pelos Autores;
f) Elaborou e apresentou em juízo requerimento de prova;
g) Instaurou um procedimento cautelar que correu termos sob o apenso A;
h) Realizou a audiência de julgamento no apenso A, no dia 25/07/2005, entre as 14.00 horas e as 16.20 horas;
i) Instaurou um procedimento cautelar que correu termos sob o apenso B;
j) Realizou a audiência de julgamento no apenso B, no dia 25/11/2005, entre as 14.00 horas e as 17.15 horas;
k) Realizou a audiência de julgamento no apenso B, no dia 16/12/2005, entre as 14.00 horas e as 15.30 horas;
l) Realizou a audiência de julgamento no apenso B, no dia 04/01/2006, entre as 14.00 horas e as 15.15 horas;
m) Realizou a sessão de audiência de julgamento no processo principal, em 08/02/2006 – 13.30 horas às 17.30 horas
n) Realizou a sessão de audiência de julgamento no processo principal, em 23/02/2006 – 13.30 horas às 17.00 horas;
o) Realizou a sessão de audiência de julgamento no processo principal, em 02/03/2006 – 13.30 horas às 16.00 horas;
p) Impugnou o valor e a idoneidade da garantia que os Réus prestaram no apenso C;
q) Realizou a audiência de julgamento no apenso C, no dia 11/12/2007, entre as 10.00 horas e as 11.00 horas;
r) Elaborou e entregou em juízo as contra-alegações no recurso de apelação interposto pelos Réus para o venerando tribunal da Relação do Porto;
s) Analisou as alegações do recurso oferecido pelos Réus para o Supremo Tribunal de Justiça;
t) Reclamou da conta de custas final;
u) Instaurou execução para entrega da fracção/estabelecimento comercial, que correu termos sob o processo n.º4110/07.5TBMAI, nos juízos de execução da Maia;
v) Acompanhou a entrega extrajudicial da fracção e estabelecimento comercial e elaborou auto de entrega;
x) Instaurou execução para pagamento de quantia certa, no montante de €34.915,97, que correu termos sob o processo n.º4111/07.3TBMAI, nos juízos de execução da Maia;
y) Elaborou diversos requerimentos e acompanhou as diligências junto do agente de execução.
6. No estudo da defesa, na análise de documentos, na elaboração dos diversos requerimentos oferecidos na acção principal e na preparação das diversas sessões de audiência de julgamento, o Autor despendeu 75 horas (exceptuando o tempo despendido na realização das audiências de julgamento e nos procedimentos cautelares, impugnação de idoneidade de garantia, recursos e acções executivas);
7. Na sequência do trabalho desenvolvido pelo aqui Autor, foi proferida sentença no âmbito do processo referido em 2), a absolver a Ré do pedido formulado pelos Autores e a declarar parcialmente provada e procedente a reconvenção oferecida pela Ré, condenando os Reconvindos a:
a) Reconhecer à Ré o direito a reter as quantias entregues a título de sinal, no montante de €98.761,98;
b) A entregar imediatamente o estabelecimento comercial e a fracção;
c) A pagar a quantia de €5.985,57, correspondente à compensação pelo uso da fracção desde Julho de 2003 até à data da instauração da acção;
d) E de €997,60, mensais, desde a data da notificação dos Autores/Reconvindos até à efectiva entrega da fracção;
e) A pagar a quantia em sede de execução de sentença, correspondente à deterioração e utilização do estabelecimento comercial e equipamentos;
8. Os Reconvindos apresentaram recurso para o Tribunal da Relação do Porto, o que determinou que o Autor tivesse que estudar as alegações dos mesmos e elaborar contra-alegações de recurso, no que despendeu um mínimo de 30 horas;
9. Na sequência do Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto, que absolveu parcialmente os Reconvindos, recorreram estes para o Supremo Tribunal de Justiça;
10. O que determinou o Autor a estudar as alegações de recurso, e a analisar jurisprudência, não oferecendo contra-alegações de revista, por julgar desnecessário, no que despendeu um mínimo de 10 horas;
11. No decurso do processo referido em 2), a Ré solicitou ao Autor que este instaurasse procedimento cautelar para lhe ser restituída a posse da fracção e do estabelecimento comercial, o que o Autor fez, sob os apensos A e B, despendendo na análise e estudo jurídico de cada um dos procedimentos cautelares e, bem assim, na instrução de documentos e na preparação dos seus julgamentos, um mínimo de 15 horas, num total de 30 horas;
12. O Autor impugnou ainda a idoneidade da garantia prestada pelos Réus, para que não fosse de imediato executada a sentença, em cuja análise, elaboração e requerimento despendeu um mínimo de 5 horas;
13. Ainda antes de transitada em julgado a sentença proferida em primeira instância, a Ré solicitou ao Autor que de imediato executasse a sentença;
14. O Autor instaurou, assim, duas acções executivas, visando obter o cumprimento coercivo da sentença que havia sido declarada, sendo uma para entrega da fracção e estabelecimento comercial e a outra para pagamento da quantia em que Reconvindos haviam sido condenados;
15. A acção de execução para entrega de fracção e estabelecimento comercial, a que foi atribuído o valor de €10.000,00, correu termos sob o processo n.º4110/07.5TBMAI, pelos Juízos de execução da comarca da Maia;
16. Ainda antes de ser realizada a entrega judicial, o Autor foi contactado pelos mandatários dos Reconvindos/executados, que propuseram a entrega da fracção e do estabelecimento comercial, o que foi realizado no local, e na presença do Autor, que elaborou auto de entrega e recepção, e da Rés;
17. Na instauração da referida acção de execução para entrega de fracção e estabelecimento comercial e ainda nas diligências junto do agente de execução e nas diligências junto do mandatário da parte contrária, deslocação ao local e entrega extrajudicial, o Autor despendeu um mínimo de 8 horas;
18. A acção de execução para pagamento da quantia em que os Reconvindos foram condenados, a que foi atribuído o valor de €34.915,97, correu termos sob o processo n.º4111/07.3TBMAI, pelos Juízos de execução da comarca da Maia;
19. Em 12 de Maio 2014, o agente de execução, no âmbito do processo referido no número anterior, veio informar os autos de execução das diligências de buscas e de penhora, que resultaram na comprovação da inexistência de bens ou rendimentos penhoráveis dos Reconvindos;
20. Na instauração da referida acção de execução para pagamento de quantia certa e ainda nas diligências junto do agente de execução e em buscas junto de conservatórias de registo predial e finanças, o Autor despendeu um mínimo de 12 horas e trinta minutos;
21. A Ré solicitou ao Autor que aguardasse pela conclusão final do processo judicial, declarativo e executivos que se lhe seguiram, para obter o pagamento dos seus serviços;
22. A Ré entregou ao Autor, quando contratou os seus serviços, a quantia de €3.500,00, destinada a provisionar despesas e honorários;
23. O Autor prestou todos os serviços identificados supra, tendo dedicado o estudo e empenhamento necessários à boa execução dos mesmos;
24. O Autor despendeu em telefonemas, deslocações a tribunal para as diferentes audiências de julgamento, correspondência, cópias e taxas de justiça de execução a quantia de € 1.500,00, acrescida de IVA à taxa legal em vigor, num total de €1.845,00;
25. O Autor, após ter tomado conhecimento da inexistência de bens penhoráveis no processo em que patrocinou a Ré, dirigiu a esta uma carta registada, em 22.06.2014, a dar-lhe conhecimento da inexistência de bens penhoráveis, enviando-lhe a nota de despesas e honorários – junta sob a forma de cópia a fls. 38 e 39, que aqui se dá por reproduzida – e a factura n.º 29, correspondente aos serviços prestados;
26. Através da nota de honorários referida no número anterior, o Autor solicitou à Ré o pagamento da quantia de €40.665,56, fixando o preço por hora em aproximadamente €150,00;
27. A Ré dirigiu uma carta ao Autor, datada de 30.07.2014, a comunicar que já havia liquidado os valores de despesas e honorários acordados, no montante de €3.500,00;
28. O Autor não acordou com a Ré qualquer valor a título de despesas e honorários;
29. O Autor desconhecia a totalidade e a complexidade dos serviços e despesas que suportaria no exercício do mandato que lhe foi confiado pela Ré;
30. A filha da Ré dirigiu uma carta ao Autor, datada de 30.07.2014, a comunicar que o valor reclamado a título de honorários era absurdo e que julgava estarem liquidados os honorários e as despesas com o pagamento inicial da quantia de €3.500,00;
31. Mais comunicou a filha da Ré, na referida carta, que não contactava o Autor há cerca de 8 anos e que sempre que lhe perguntava se havia valores para pagar que o Autor respondia que não havia nada a pagar e que estava tudo certo;
32. Dos €3.500,00 que a Ré entregou ao Autor, este despendeu as seguintes importâncias em taxas judiciais:
- €638,48 em taxa de justiça inicial devida pela contestação;
- €638,48 em taxa de justiça inicial devida pela reconvenção;
- €1.068,60 em taxa de justiça subsequente;
33. Até à presente data, a Ré não entregou ao Autor qualquer outra importância, apesar de instada por este a fazê-lo.
34. O processo n.º 8169/03.6 TBMAI, 3.º Juízo, processo ordinário, findou em 16 de Setembro de 2010, com visto em correcção;
35. O processo n.º 8169/03.6 TBMAI, 3.º Juízo, apenso A, findou nem 30 de Novembro de 2009, com visto em correcção;
36. O processo n.º 8169/03.6 TBMAI, 3.º Juízo, apenso B, findou em 30 de Novembro de 2009, com visto em correcção;
37. O processo n.º 8169/03.6 TBMAI, 3.º Juízo, apenso C, findou em 30 de Novembro de 2009, com visto em correcção;
38. O processo n.º 4110/07.5 TBMAI, Juízos de Execução da Maia, findou em 2007, com a entrega extrajudicial da coisa.
FACTOS NÃO PROVADOS
Com interesse para a decisão da causa, não se provaram os seguintes factos alegados pelas partes:
a) O contrato promessa de trespasse de estabelecimento e de cessão de quotas em discussão nos autos não havia sido solicitado ou elaborado pelo Autor, nem tampouco a anterior correspondência trocada entre as partes a propósito do mesmo, o que determinou trabalho acrescido do Autor na análise de documentação;
b) A Ré pretendia que o Autor representasse ainda a sua filha, mas esta não tinha possibilidades para suportar os encargos com a taxa de justiça, pelo que o Réu elaborou requerimento de apoio judiciário em representação daquela filha da Ré, que preencheu nas duas vertentes de dispensa de pagamento de taxa de justiça e de nomeação de patrono, que aceitou;
c) A Ré nunca teve conhecimento da marcha e andamento processual dos processos judiciais patrocinados pelo Autor.
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2. CONCLUSÕES DAS ALEGAÇÕES DE RECURSO
A Recorrente não se conforma com o teor da sentença proferida pelo Tribunal de 1.ª instância, por não ter sido apreciada devidamente a prova produzida nos autos e não ter sido aplicado correctamente o direito aos factos e à situação concreta;
A R., ora Recorrente, impugna todos os factos dados por provados, que estejam em contradição com o que tem defendido nos autos, designadamente, todos os factos dados como provados, a partir do facto provado nº 2;
Não se pode conformar a Recorrente com o teor da sentença, com a apreciação que o Tribunal a quo, faz das declarações da prova testemunhal arrolada pela R./Recorrente e produzidas em sede de audiência de julgamento e com a análise jurídica que realiza do instituto da prescrição e da sua não aplicabilidade ao presente caso;
Existe um ponto prévio ou preliminar, que convém destacar e realçar e que o Tribunal a quo, não parece ter dada grande ênfase e relevância, que é o de o laudo emitido pela Ordem dos Advogados, ser, apenas, meramente indicativo;
É o que resulta da parte final do laudo emitido pela Ordem dos Advogados, onde se diz que os valores são meramente indicativos e que a prova do dispêndio horário do Advogado com os casos e demais complexidade dos mesmos, serão produzidas e efectuadas pelo próprio interessado, em audiência de julgamento;
Contra tal conclusão, o Tribunal a quo, de forma declarada, dá por assentes dados fornecidos pelo A., que carecem de prova a produzir e que não foi produzida;
Segundo resulta da sentença, na página 27 da mesma, o Tribunal a quo, decide que: (…)” não pode este Tribunal ser alheio ao facto de os serviços jurídicos prestados pelo Autor se terem prolongado no tempo, durante cerca de dez anos, (…) despendendo com os processos em análise, no total, 219 horas e 50 minutos a prestar serviços à Ré. (…)”;
Salvo melhor opinião, o laudo apenas refere que o valor de dispêndio horário apresentado pelo Autor, não se mostra excessivo, o que não quer dizer, que seja um gasto de horas com os assuntos, equilibrado e justo;
No próprio laudo se refere a necessidade de prova em julgamento, do alegado pelo profissional liberal;
É por isso, que, cremos que 219 horas e 50 minutos, é, por demais, um exagero;
Isso corresponde a 6 semanas ininterruptas de trabalho, a 35 horas semanais de trabalho e apenas se dedicando a este cliente e aos seus casos;
Parece ser claramente desproporcional e não tem correspondência com a realidade;
Não nos parece credível e razoável e, mais que tudo, verosímil;
E, decidindo o Tribunal a quo, com base em critérios de equidade (Ver, página 24), não teve o Tribunal em questão, a análise devida e rigorosa a nível de ponderação equitativa dos interesses em presença e, designadamente, do interesse da Recorrente, em ver provados e demonstrados que foram despendidas seis semanas de trabalho com os seus assuntos;
O número de horas apresentado pelo Recorrido, como tendo sido gastas em trabalho, 219 horas e 50 minutos de trabalho, que resultam num valor de €40.665,56, fazem com que tenha sido fixado um valor-hora de €184,84 pelo profissional;
O valor fixado pelo Recorrido, é um valor hora de tal magnitude que seria ajustado em escritórios de média-grande dimensão dos grandes centros urbanos, das cidades do Porto e Lisboa e, eventualmente, profissionais de grande lastro e de grande notoriedade intelectual, fora desses centros urbanos, não se ajustando ao presente caso;
Pelo que, o Tribunal a quo deveria ter efectuado uma redução do montante exigido pelo A./Recorrido, a título de equidade, atento o facto do dispêndio horário dos serviços prestados se revelar desadequado e desproporcionado, impondo-se, em tais circunstâncias, uma redução do seu montante;
Nos termos do art.º 1158.º, n.º 2 do Código Civil, se o mandato for oneroso, a medida da retribuição, não havendo ajuste entre as partes, seria determinada pelas tarifas profissionais e, na falta destas, pelos usos; e, na falta de uns e outros, por juízos de equidade;
Parece-nos mais sensato, que esse juízo de equidade pudesse ter, reduzido o montante reclamado, justamente, e passe a redundância, para ser mais equilibrado e compor de forma mais justa o litígio, atento o facto de o número de horas reclamado e valor hora peticionado se mostrar não suficientemente proporcionado e ajustado, sendo razoável admitir, ser excessivo;
A fundamentação para a qualificação do número de horas como provado, pelo Tribunal a quo, parece-nos, assim, manifestamente escassa e incompleta, reproduzindo o alegado pelo A./Recorrido, sendo insuficiente para se qualificar o número de horas apresentado pelo Autor, como facto provado;
Dizer uma testemunha arrolada pelo Recorrido, apenas que o Autor/Recorrido reuniu algumas vezes com o cliente e deslocou-se algumas vezes a Tribunal, e, isso, ser prova suficiente, para o Tribunal a quo, para se provar a apresentação de 219 horas e 50 minutos de trabalho e o Tribunal basear-se nessas declarações para qualificar como provado esse facto, não nos parece sensato e, mais do que tudo e, para isso se recorre, justo;
Impugna-se a qualificação como provado deste facto, tendo a decisão judicial do Tribunal a quo, incorrido num vício, vício esse de não julgar correctamente este concreto ponto de facto (Art.º 640.º, n.º 1, alínea a) do C.P.C.);
Não foi produzida prova suficiente para prova do número de horas despendidas pelo Recorrido, em audiência de julgamento, como lhe competia e solicita-se a reapreciação da prova gravada;
As testemunhas arroladas pela R., ora Recorrente, disseram, ambas, ao Tribunal, que não se encontra nenhum valor em dívida, tendo sido pago todo o valor de honorários ao Autor;
Ambas confirmaram, que todo o valor foi pago em numerário, sem quitação, tendo uma das testemunhas (E…), adiantado que ela própria ajudava a sua mãe a entregar os pagamentos, tendo concretizado, que, alguns deles, ocorreram no escritório do Autor e outros ocorreram em casa da Ré, ora Recorrente, onde o Autor se deslocava para receber;
A referida testemunha, concretizou, ainda, que é do seu conhecimento concreto, que o valor total entregue ao A./Recorrido, foi entre €39.000 e €40.000, tendo sido entregues €3.500 de provisão;
Disse a testemunha E…, que (…)” o Dr. B… ia lá a casa buscar honorários, dinheiro e também cheguei a ir com o meu marido ao escritório dele na D… (…)”;
E mais acrescentou a referida testemunha à pergunta do mandatário da R./Recorrente, sobre se essas deslocações para pagamento de honorários foram uma vez ou por diversas vezes, que: (…)” Não, foi por diversas vezes. Não sei precisar quantas, mas foram várias.(…)”;
E a nova pergunta do mandatário da R./Recorrente, sobre se a Recorrente também tinha entregado pagamentos em sua casa, respondeu: (…)”Sim, sim, em casa (…)”;
A testemunha F…, confirmou que inexiste valor em dívida, tendo sido efectuado o pagamento do valor e ele próprio ajudou a fazer alguns dos pagamentos ao Recorrido e que, numa das vezes, foi a uma caixa multibanco, pelas 11 horas da noite, realizar um pagamento de €1.800, a pedido do recorrido;
Foi, pois, claramente provado, pela prova produzida pela Recorrente, designadamente, testemunhal, que, porque inexistiam quitações das entregas em numerário, diversos pagamentos foram realizados, umas vezes, no escritório do Recorrido, outras na casa da Recorrente, à qual o Recorrido se deslocava, para receber;
E ficou claramente provado pela referida prova testemunhal, que todo o valor peticionado pelo Recorrido, foi pago, com essas entregas de dinheiro;
A prova testemunhal arrolada pela Recorrente, confirmou em Tribunal, que nenhum valor em dívida persiste, tendo sido pagos os valores peticionados, sem comprovativo de quitação;
Nenhuma prova testemunhal arrolada pelo Recorrido, foi de molde a confirmar ou saber se a totalidade do valor peticionado teria sido já pago ou não;
Referiu a testemunha-secretária, arrolada pelo Recorrido, que, tinha conhecimento de que o Recorrido se deslocava a casa da Recorrente, desconhecendo, em concreto, as razões dessa deslocação;
A alegação de que o valor em dívida foi pago, foi feita pela Ré, ora Recorrente, inexistindo qualquer contradição entre essa alegação e o requerimento da Ré, a indicar ao Tribunal, que foi pago um montante de €3.500 a título de provisão;
Aliás, nunca é referido ou comunicado ao Tribunal, que o referido montante (€3.500) foi o único montante pago pela Recorrente ao Recorrido, foi comunicado ao Tribunal, que esse valor foi pago ao Recorrido mas não que foi o único valor a ser pago;
Caberia ao Recorrido, provar ao Tribunal, a existência do valor em dívida, designadamente, através de prova da falta de emissão de recibo de recepção do valor em dívida;
O ónus da prova, caberia ao Recorrido e não à Recorrente e tal prova nunca foi realizada pelo Recorrido;
A prescrição presuntiva funciona como um benefício concedido ao devedor, dispensando-o da prova de pagamento, a que normalmente, se encontra obrigado, nos termos do art.º 342.º, n.º 2 do Código Civil, se estiver provado o decurso do prazo;
Em consequência, passa a recair sobre o credor o ónus de ilidir essa presunção. Se o não fizer, o Réu tem que ser absolvido do pedido, nos termos do artº 576.º, n.º 3 do Código de Processo Civil;
A decisão do Tribunal incorreu, pois, em vício de não julgar correctamente estes concretos pontos de facto (Art.º 640.º, n.º1, alínea a) do C.P.C.);
E, tendo sido violado o art.º 342.º, n.º 2 do Código Civil, porquanto, o Tribunal a quo, não se conformou com a não apresentação de prova de pagamento, por parte da Recorrente, esse dispositivo legal deveria ter sido aplicado, in casu, e, com isso, ser de sentido diferente a decisão final;
Inexistiu qualquer prova nos autos, que indicie que existiu acordo entre A. e R., para que os honorários de todos os assuntos, fossem pagos no final do último caso;
Se assim fosse, poderia dar-se a circunstância do último dos casos, findar apenas mais de 10 anos após o seu início, sendo que o A., esperaria mais de 10 anos, pelo pagamento do seu trabalho;
O A. não procedeu à junção de qualquer documento ou testemunho, que provasse que existia acordo, com a R., ora Recorrente, para que, esta, procedesse ao pagamento dos seus honorários, relativamente aos processos, que fossem sendo encerrados, apenas quando o último dos processos judiciais tivesse findo;
Não tendo o Tribunal a quo, sequer, se pronunciado, sobre esta temática, omitindo um seu dever, nos termos do art.º 615.º, n.º 1 do C.P.C., sendo nula a sentença;
O Tribunal a quo deveria ter-se pronunciado e analisado esta questão e iria chegar, inelutavelmente, à conclusão de que nenhuma prova foi feita, de qualquer acordo, para espera pelo encerramento do último processo judicial, para se cobrar honorários por todos os outros processos já findos;
Como resulta do teor da sentença, e como escreve Cunha Gonçalves, na publicação aí mencionada, as dívidas a que se referem as prescrições presuntivas, como as prescrições de créditos de profissionais liberais, costumam ser pagas, ou na época dos seus vencimentos ou sem demora alguma, por assim o exigir a natureza das obrigações, ou por decorrer das praxes sociais;
Como resulta do Acordão do STJ, de 14.10.1999, processo n.º 99B573, in http://www.dgsi.pt: “VI - Não há, por parte do Réu, qualquer reconhecimento expresso ou sequer tácito da subsistência da dívida, ao afirmar que a dívida já fora paga e que a exigência agora de um novo pagamento esbarraria, pelo decurso do prazo superior a dois anos, com a prescrição presuntiva contemplada no art.º 317.º do Código Civil.”;
O mesmo Acordão proferiu a seguinte conclusão: “A R. não alegou o pagamento de importância inferior à reclamada sob pretexto de que o mesmo corresponde à liquidação integral do débito e não alegou a gratuitidade dos serviços prestados”;
Já outro Acordão do STJ, proferido em 12.09.2006, processo n.º 06ª1764, in http://www.dgsi.pt, debruçou-se sobre o assunto e dispôs o seguinte: “(…) IV – Ao falar em “actos incompatíveis” com a presunção de cumprimento no art.º 314.º do Código Civil, norma que remete sem dúvida para os textos que disciplinam a confissão como meio probatório (arts.º 352.º e ss.) e para as modalidades possíveis de declaração negocial (art.º 217.º), o legislador pretendeu deixar claro que a concludência dos factos em sentido contrário à presunção de cumprimento terá de ser inequívoca, como é próprio da declaração confessória (arts.º 217.º, n.º 2 e 357.º, n.º 1 do CC)”;
O Supremo Tribunal de Justiça, debruçou-se sobre esta matéria, no sentido de considerar que a concludência dos factos em sentido contrário à presunção de cumprimento, terá de ser inequívoca e sem margem para dúvidas, equivalente a uma declaração confessória;
Não se admite que a apreciação que o Tribunal a quo, realizou sobre a existência de acto incompatível com a presunção de cumprimento (a R. indicar que pagou €3.500 como provisão), seja suficientemente concludente e inequívoco, para se afastar a presunção presuntiva, nos termos já abordados e clarificados na corrente jurisprudencial atrás melhor retratada;
Reproduz-se o teor da sentença proferida, no que diz respeito ao teor do Acordão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 29.01.2013, relatado por Sílvia Pires (processo n.º 593/09.7 TBCTB.C1), que dispõe o seguinte: “A razão de ser das prescrições presuntivas tem a ver com a natureza das obrigações em causa que dizem respeito a créditos gerados pelo exercício de actividades profissionais cujos pagamentos são usualmente reclamados pelos credores em prazos curtos, por se tratar de receitas creditícias necessárias à manutenção do giro regular dos mesmos ou até à sua sobrevivência, e em que os devedores, por regra, cumprem a sua obrigação, também em prazo curto e sem exigirem recibo de quitação ou não guardando tal recibo durante muito tempo”;
Assim se compreende, que, decorrido o prazo legal (de seis meses ou de dois anos, conforme a situação caia, respectivamente, no âmbito da previsão dos artigos 316.º ou 317.º do Código Civil), presume a lei que o pagamento foi efectuado, ficando, assim, o devedor dispensado da sua prova, dado que pelas razões expostas isso poderia tornar-se-lhe difícil;
Dito de outro modo, a prescrição presuntiva, funciona como um benefício concedido ao devedor, dispensando-o da prova do pagamento, a que normalmente se encontra obrigado (cfr., artigo 342.º, n.º 2, do Código Civil), se estiver provado o decurso do prazo legalmente estatuído;
No que releva para o caso dos autos, resulta do artigo 317.º, alínea c) do Código Civil, que prescrevem no prazo de dois anos “Os créditos pelos serviços prestados no exercício de profissões liberais e pelo reembolso das despesas correspondentes”;
A lei presume que o pagamento foi efectuado e passa a recair sobre o credor o ónus de ilidir essa presunção. Se o não fizer, é o Réu absolvido do pedido (Cfr., artigo 576.º, n.º 3 do Código de Processo Civil);
A R./Recorrente, não necessita de provar que pagou, porque essa presunção actua a seu favor;
A invocação da prescrição presuntiva pressupõe, todavia, o reconhecimento pelo devedor – no caso pela Recorrente – de que a dívida existiu e a alegação de que a pagou, isto é, a invocação do pagamento apresenta-se como um pressuposto do funcionamento da prescrição em análise;
O Recorrido não conseguiu ilidir a presunção de pagamento e, por conseguinte, a Recorrente teria que ter sido absolvida do pedido, nos termos do art.º 576.º, n.º 3 do Código de Processo Civil;
Foi violada este norma, pela sentença de que ora se recorre, devendo o referido dispositivo legal ter sido aplicado, mas não o foi.
O Tribunal a quo não analisou devidamente as razões do requerente e a prova arrolada, e determinados pontos de facto, tendo julgado os mesmos incorrectamente, não tendo aplicado correctamente o direito existente.
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3. DISCUSSÃO
Uma nota preliminar, concernente à pouca clareza da argumentação da recorrente. Tentaremos eleger e analisar separadamente cada uma das questões sobre as quais prolixa e confusamente se debruça.
3.1. Começa por discordar da decisão relativa à matéria de facto, defendendo que o tribunal não ajuizou devidamente o volume do trabalho despendido pelo autor, concretamente o tempo nele gasto. Alude ainda à prova de que teria pago a totalidade da dívida de honorários ao autor.
Como preceituado no artigo 662º, nº 1, do Código de Processo Civil, a decisão do tribunal de 1ª instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pela relação «se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa». Dispõe, por sua vez, o nº 1 do artigo 640º que, «quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas». Sendo que no nº 2 e sua alínea a) se esclarece que «no caso previsto na alínea b) do número anterior, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes».
A alegação da recorrente não prima pela concisão. Nesse particular, limita-se à alusão genérica aos factos relativos a cada uma daquelas questões, sem precisar os concretos pontos que repudia. Dando desde logo o mote, ao referir que “impugna todos os factos dados por provados, que estejam em contradição com o que tem defendido nos autos, designadamente, todos os factos dados como provados, a partir do facto provado nº 2”.
Assim, embora apresente extensa e prolixa alegação, não cumpre integralmente o preceituado nos artigos supra. Iremos, não obstante e dentro do possível, ponderar a sua argumentação.
Quanto ao número de horas pelo autor despendido com o mandato, a recorrente limita-se a reputar absurdo o terem-se provado as 219 h e 50 m que o autor alegara. Tal corresponderia a 6 semanas de 35 horas de trabalho. Corrijamos, porém, a perspectiva. O que na sentença se refere é que tal número de horas, ao longo de 10 anos, não será exagerado. E, na verdade, corresponderá a 22 horas por ano. Ou a menos de 2 horas por mês. Assim desmistificado o único fundamento de discordância da recorrente, quanto a esse ponto, apenas nos resta remeter para a bondade dos demais motivos em que a senhora juiz a quo se louva, quais sejam as considerações indicativas do laudo, os documentos e o depoimento da secretária do autor.
O outro ponto que a recorrente chama à colação reporta-se aos pagamentos efectuados ao autor. Reclamando a prova, com base em depoimentos das testemunhas E…, filha da ré, e F…, marido desta, que transcreve um pouco desgarradamente, de que teria sido pago o montante pedido na presente acção. Na sentença, tais depoimentos são postos seriamente em dúvida, nesse particular. Com toda a justeza. Aliás, como se verá adiante, na defesa por si apresentada, a ré limita-se a dizer que os honorários devidos são de 3.500,00€, não sendo devido o pagamento do restante a tal título pelo autor pedido. Posição que reforçou a fls 148, quando notificada para concretizar os factos em que estribava a excepção peremptória do pagamento.
Pelo exposto, não colhem as propostas alterações da sentença, em sede de facto.
3.2. Relativamente à alegada exorbitância dos honorários apresentados pelo autor, a recorrente aduz tão só que o montante a que correspondem apenas seria devido a escritórios de grande dimensão dos centros urbanos de Lisboa e Porto ou a profissionais de renome.
De fls 25 a 27, a sentença recorrida tece desenvolvidas considerações quanto às razões pelas quais aceita o montante peticionado, com base na equidade e por apelo ao princípio da boa-fé, sempre por referência aos artigos 105º, nº 3, do Estatuto da Ordem dos Advogados e 3º, nº 1, do Regulamento dos Laudos de Honorários. Enfatiza o laudo favorável aprovado pelo Conselho Geral da Ordem dos Advogados. Ao que a recorrente contrapõe o facto de tal consubstanciar prova meramente indiciária. Nada que na sentença em apreço tenha sido descurado, nesse aspecto aliás expressamente remetendo para os preceitos do artigo 2º do supra referido Regulamento e 389º do Código Civil.
Por tudo o que nada haverá também a censurar na sentença recorrida, no que concerne à adequação dos critérios que presidiram ao cálculo do montante dos honorários.
3.3. A recorrente insurge-se ainda contra a não procedência da excepção peremptória da prescrição por si alegada.
Dispõe o artigo 317º, e sua alínea c), do Código Civil que «prescrevem no prazo de dois anos (...) os créditos pelos serviços prestados no exercício de profissões liberais e pelo reembolso das despesas correspondentes». Tal previsão reporta-se a prescrições presuntivas. As quais, como referido no artigo 312º do mesmo código, se fundam na presunção do cumprimento.
Vaz Serra, Prescrição e Caducidade, in BMJ nº 106, pág. 45, explica que “as prescrições presuntivas são presunções de pagamento, e fundam-se em que as obrigações a que se referem costumam ser pagas em prazo bastante curto e do pagamento não é costume exigir quitação; decorrido o prazo legal, presume, pois, a lei que o pagamento está efectuado, dispensando, assim, o devedor da prova deste, prova que poderia ser-lhe difícil, dada a ausência de quitação” (cfr. o mesmo autor, in RLJ, Ano 98, pág. 241, e Ano 103, pág. 246).
Importa atentar na real natureza das prescrições presuntivas. Não são verdadeiras prescrições. São presunções cuja base é o decurso do tempo. Elemento que sugere a denominação de prescrição. No entanto, esse decurso do tempo não cria qualquer direito na esfera do beneficiário da prescrição. Não lhe dá a possibilidade de, como nas prescrições extintivas, com a invocação do instituto se opor eficazmente ao exercício do direito. A sua repercussão imediata verifica-se a nível da prova e não da alteração da ordem jurídica. Elas fazem presumir o cumprimento da obrigação. Presunção legal, juris tantum, cuja prova em contrário é limitada, no plano dos meios, a certas formas de confissão – cfr. artigos 312º a 314º, 347º, 349º e 350º do Código Civil.
Esta diferenciação fundamental tem de estar sempre presente na análise da disciplina jurídica da prescrição presuntiva, sob pena de se vir a incorrer em graves equívocos. Vaz Serra, no estudo atrás citado, lançou as bases que vieram a conformar o tratamento legal da disciplina da prescrição no Código Civil de 1966. No que especialmente concerne à diferenciação de regimes entre as prescrições presuntivas e as extintivas, são poucos os elementos que fornece. Refere, de uma maneira vaga, no BMJ nº 106º, pág. 74: “Excluídas as regras essenciais das prescrições presuntivas, são aplicáveis a estas as regras gerais de prescrição extintiva, dado que o fundamento e razão de ser destas são extensivas às prescrições presuntivas. Assim, são aplicáveis às prescrições presuntivas as regras legais sobre suspensão e interrupção da prescrição, sobre inderrogabilidade da disciplina legal da prescrição, sobre renúncia à prescrição, sobre não conhecimento oficioso da prescrição, etc.”
Quanto ao fundamento da prescrição, em geral, refere no BMJ nº 105, pág. 32, que esta se baseia em considerações de vária ordem, nomeadamente na probabilidade de ter sido feito o pagamento, na presunção de renúncia do credor, na necessidade de sanção para a negligência deste e de consolidação das situações de facto, na dificuldade de prova do pagamento, ou noutras atinentes à segurança jurídica e certeza dos direitos. Ora, se é certo que todas essas considerações podem valer para fundamentar as prescrições presuntivas, a verdade é que a razão essencial destas é a protecção do devedor que pode ter dificuldade de prova de um pagamento ao qual, normalmente, não é dada quitação (cfr. BMJ atrás citado, pág. 45).
Pelo exposto, decorrido o prazo da prescrição presuntiva, que não foi interrompido, e não tendo o réu renunciado a ela, outrossim a invocando, presume-se que o pagamento foi efectuado (artigo 312º do Código Civil). Presunção legal, juris tantum, que só admite prova em contrário por confissão, exceptuada a extrajudicial não realizada por escrito - artigos 313º e 314º.
A confissão pode ser judicial ou extrajudicial, conforme seja feita em juízo ou não - artigo 355º. A judicial pode ocorrer nos articulados ou em outro acto de processo (espontânea), bem como em depoimento de parte ou em prestações de informações ou esclarecimentos ao tribunal (provocada) - artigo 356º.
Anote-se que a confissão do devedor para efeitos de ilidir a presunção do cumprimento introduz uma especialidade em relação à disciplina geral da confissão. Enquanto o artigo 357º, nº 2, do Código Civil dispõe que o tribunal apreciará livremente a conduta da parte em caso de recusa do depoimento de parte ou do juramento, no tocante às prescrições presuntivas, essa atitude por parte do devedor implica a confissão da dívida - artigo 314º. Compreende-se a severidade, tendo em conta as limitações do credor para ilidir a presunção do cumprimento, só o podendo fazer através da confissão do devedor.
O decurso do tempo faz presumir determinado facto - o cumprimento. Daí deriva que, quando se invoca uma prescrição presuntiva, não se está a excepcionar com a prescrição mas com o cumprimento da obrigação. No entanto, a incidência da prescrição presuntiva dá-se tão só a nível da prova - ela dispensa o devedor da prova do cumprimento. E, por esta razão, não bastará invocá-la. Será necessário acompanhar essa declaração com a alegação da verdadeira excepção: o cumprimento. A inserção desta presunção na secção referente às prescrições decorre de a base da presunção ser o decurso do tempo. Entendemos que, como meio de prova, deveria antes constar da secção relativa às presunções. Ou, quando muito, do capítulo referente ao cumprimento e não cumprimento das obrigações. Dessa incorrecta inserção sistemática, derivam imprecisões terminológicas. Na verdade, as prescrições presuntivas não se fundam na presunção de cumprimento (cfr. artigo 312º); são verdadeiras presunções de cumprimento. E os créditos previstos nos artigos 316º e 317º não prescrevem nos prazos aí mencionados; presumem-se pagos. Aliás, como compreender o disposto no artigo 315º, que prevê aplicação cumulativa das prescrições presuntivas e das prescrições extintivas, senão atendendo à diversa natureza de umas e de outras? Aquelas são presunções e estas são prescrições (cfr. anotação a este preceito, no Código Civil Anotado de Pires de Lima e Antunes Varela, onde se aflora a questão).
Encarando desta maneira a figura da prescrição presuntiva, na sua verdadeira sede, que é a da prova, forçoso será concluir que a sua invocação não supre a não alegação do facto que se quer ver presumido. Se assim não fosse, e não competindo ao credor alegar os factos extintivos da obrigação, caberia perguntar como poderia o devedor vir a prestar o seu depoimento sobre matéria não alegada por qualquer das partes.
Tendo também em conta o disposto nos artigos 342º e 344º do Código Civil, a lógica do litígio deverá estruturar-se do seguinte modo: o autor terá de fazer a prova dos factos constitutivos da obrigação; ao réu incumbirá a prova dos factos extintivos daquela, in casu, o cumprimento; presumindo-se este, caberá ao autor não só a prova dos factos constitutivos da obrigação, como também ilidir aquela presunção; o que só poderá ser feito através da confissão do réu.
Enfoquemos, à luz do supra enunciado, os presentes autos.
O autor alegou e provou os factos constitutivos da obrigação de pagamento, admitindo que este foi efectuado apenas no montante de 3.500,00€. A ré confessou os factos no que concerne à existência do mandato, alegando porém que os honorários pelos serviços prestados não deveriam ser fixados em montante superior àquele, assim nada devendo ao autor. Frise-se que o que a ré ora sustenta em recurso, quanto a alegada prova de que teria pago 30 ou 40 mil euros, é inflexão por ela introduzida em audiência de julgamento, reportando-se a factos que não foram por si aduzidos nos articulados. Nessa sequência pretendendo a não confissão da falta de pagamento. Julgamos que, nesse particular, atendendo a que tal não tinha sido alegado, não caberia sequer ao tribunal pronunciar-se, como fez, sobre essa ausência de prova.
No que ora interessa, cumpre chamar à colação o preceito do artigo 314º do Código Civil, quando considera confissão a prática em juízo de actos incompatíveis com a presunção de cumprimento. Como a discussão do montante pedido na acção de honorários. Nesse sentido, o acórdão do STJ de 22 de Abril de 2004 (Oliveira Barros), in www.dgsi.pt. – “invocada a prescrição presuntiva, o demandado, para que de tal possa beneficiar, terá de produzir afirmação clara de que o pagamento reclamado já foi efectivamente feito”. E a verdade é que a ré, expressamente notificada para concretizar o alcance da excepção do pagamento por si efectuado, veio esclarecer que este se cifrou em 3.500,00€.
Em suma, estando provados os factos constitutivos da obrigação e tendo a confessado o não cumprimento da sua obrigação de pagar, não pode validamente invocar preceito que faça presumir um pagamento, facto já ilidido pela sua própria confissão.
Não temos, desse modo, dúvidas quanto à bondade da decisão recorrida, no que concerne a não beneficiar a ré da presunção de pagamento que subjaz ao instituto da prescrição presuntiva.
III
DISPOSITIVO
Na improcedência do recurso, confirma-se a sentença recorrida.
Custas pela recorrente – artigo 527º do Código de Processo Civil.

Notifique.

Porto, 13 de Setembro de 2018
José Manuel de Araújo Barros
Filipe Caroço
Judite Pires