Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
12827/20.2T8PRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JERÓNIMO DE FREITAS
Descritores: PODER DISCIPLINAR
SANÇÃO CONSERVATÓRIA
PRAZO DE EXERCÍCIO
INTERRUPÇÃO
COMPETÊNCIA PARA O EXERCÍCIO DO PODER DISCIPLINAR
Nº do Documento: RP2021101812827/20.2T8PRT.P1
Data do Acordão: 10/18/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: RECURSO PROCEDENTE, REVOGADA A DECISÃO.
Indicações Eventuais: 4.ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: 1
Sumário: I - O procedimento disciplinar que tenha em vista aplicar qualquer outra sanção menos gravosa que o despedimento, em conformidade com a regra estabelecida no n. º 2, do art.º 329.º, “[..] deve iniciar-se nos 60 dias subsequentes àquele em que o empregador, ou o superior hierárquico com competência disciplinar, teve conhecimento da infracção”, mas diversamente do estabelecido no n.º3, do art.º 353.º para o processo disciplinar com intenção de despedimento, não resulta de qualquer normativo que a interrupção desse prazo ocorre com a notificação da nota de culpa.
II - Este procedimento disciplinar menos complexo nem sequer está sujeito a forma escrita. O que é indispensável é que sejam observados os princípios da audiência prévia (art.º 329.º n.º 6), do direito de defesa do trabalhador e da proporcionalidade da aplicação da sanção, bem como respeitados os prazos para o exercício do poder disciplinar (329.º/2), punibilidade da infracção (329.º/1) e aplicabilidade da sanção (329.º/3).
III - No procedimento disciplinar para aplicação de sanção conservatória a lei não toma como referência a notificação da nota de culpa (que até poderá não existir por escrito) para interromper o prazo de caducidade, apenas relevando o que consta do n.º2, do art.º 329.º, ou seja, “O procedimento disciplinar deve iniciar-se (…)”, entendendo-se como tal a decisão de instauração do procedimento disciplinar.
IV - O prazo de 60 dias previsto no art.º 329.º n.º2, do CT, isto é, para a Ré empregadora iniciar o procedimento disciplinar, começou a correr a 28 de Fevereiro de 2019, dia seguinte àquele em que a Direcção Executiva da Direcção de Exploração, o órgão colectivo na estrutura organizacional da Ré com competência para instaurar o procedimento disciplinar em causa, teve conhecimento da infracção imputada ao autor.
V - O procedimento disciplinar visou a aplicação de sanção conservatória, pelo que se considera iniciado com a deliberação da Direcção Executiva, tomada em reunião de 15 de Março de 2019, o que vale por dizer que o prazo de caducidade de 60 dias, que começara a correr a 28 de Fevereiro de 2019, foi interrompido antes de se ter completado, sendo irrelevante que a nota de culpa tenha sido notificada ao Autor no dia 10.04.2019.
VI - Os recursos não visam criar e emitir decisões novas sobre questões novas (salvo se forem de conhecimento oficioso), mas impugnar, reapreciar e, eventualmente, modificar as decisões do tribunal recorrido, sobre os pontos questionados e “dentro dos mesmos pressupostos em que se encontrava o tribunal recorrido no momento em que a proferiu”.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: APELAÇÃO n.º 12827/20.2T8PRT.P1

SECÇÃO SOCIAL

ACORDAM NA SECÇÃO SOCIAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO

I - RELATÓRIO
I.1 No Tribunal Judicial da Comarca do Porto – Juízo do Trabalho do Porto, B… instaurou a presente acção emergente de contrato individual de trabalho com processo declarativo comum, contra C…, E. P. E, a qual veio a ser distribuída ao Juiz 1, pondo em causa o processo disciplinar que lhe foi movido pela Ré e que culminou com a aplicação da sanção disciplinar de 1 dia de suspensão com perda de retribuição e antiguidade.
Pede que seja:
a) declarada a verificada a exceção perentória de caducidade, com todas as consequências legais,
b) declarado nulo o procedimento disciplinar por falta de fundamentação e de prova da NC e da decisão disciplinar, com todas as consequências legais;
c) declarado nulo o procedimento disciplinar por falta de suficiente concretização das acusações, com todas as consequências legais;
d) declarada abusiva a sanção disciplinar aplicada ao Autor, com a consequente condenação da Ré a pagar ao Autor a indemnização prevista no artigo 331.º, n.º 5, do CT, no montante de €367,00;
Ainda sem prescindir,
e) declarar que inexiste fundamento, motivo para o presente PD, revogando a sanção disciplinar, imposta ao Autor - sanção disciplinar de um dia de suspensão com perda de retribuição e de antiguidade;
f) condenar a Ré a pagar ao Autor, a quantia devida, a título de reposição salarial (€36,70), de subsídio de alimentação, de duodécimos de subsídio de Natal, e de antiguidade, por virtude da aplicação daquela sanção;
g) além de custas, procuradoria e tudo o mais que for de Lei.
Refere, para além do mais e no que concerne a arguida caducidade do procedimento disciplinar, que a Nota de Culpa lhe foi remetida, por correio, no dia 09.04.2019, tendo-a sido por si recebida no dia 10.04.2019.
Porém, o “empregador”, ou seja, a Ré, C… teve, de imediato, conhecimento dos factos que lhe imputa, ou seja, no dia 03.02.2019, como resulta dos autos do processo disciplinar.
Assim, verifica-se que a notificação da Nota de Culpa foi efetuada após o prazo de 60 dias para o exercício da ação disciplinar mencionado no n.º 2, do artigo 329.º, do Código de Trabalho, não se aplicando, no caso dos autos, a interrupção daquele prazo prevista no artigo 352.º do mesmo código, ou seja, a instauração do procedimento prévio de inquérito quando esse seja necessário para fundamentar a nota de culpa.
Conclui defendendo que o procedimento disciplinar se encontrava caducado.
Realizou-se audiência de partes, mas sem que tenha sido alcançada a resolução do litígio por acordo, pelo que foi ordenada a notificação da Ré para contestar.
Na sua contestação veio a Ré responder à defesa por excepção, nomeadamente, a caducidade do procedimento disciplinar, nulidade da nota de culpa e caducidade da aplicação da sanção disciplinar, bem assim tomar posição quanto à alegada inexistência de infracção disciplinar.
No que aqui releva, pronunciou-se sobre a invocada caducidade do procedimento disciplinar, referindo que o instaurado ao Autor não seguiu o formalismo legal previsto nos artigos 351.º a 358.º do Código do Trabalho. No caso aplicam-se os artigos 328.º a 332.º, em que o n.º 2 do artigo 329.º do Código do Trabalho determina que “O procedimento disciplinar deve iniciar-se nos 60 dias subsequentes àquele em que o empregador, ou superior hierárquico com competência disciplinar, teve conhecimento da infração.
Sustenta, que estando-se perante um processo disciplinar sem intenção de despedimento, não releva o dia em que o arguido é efetivamente notificado da nota de culpa, mas sim o dia em que o processo disciplinar é instaurado. Ou seja, o processo disciplinar inicia-se com a manifestação clara e objetiva da instauração do processo disciplinar contra o trabalhador e não com a elaboração ou recebimento da nota de culpa.
Mais refere que, diversamente do estabelecido no n.º 3 do art.º 353.º para o processo disciplinar com intenção de despedimento, não resulta de qualquer normativo que a interrupção desse prazo ocorre com a notificação da nota de culpa. No procedimento disciplinar para aplicação de sanção conservatória a lei não toma como referência a notificação da nota de culpa (que até poderá não existir por escrito) para interromper o prazo de caducidade, apenas relevando o que consta do n.º 2, do art.º 329,º, ou seja, “O procedimento disciplinar deve iniciar-se (…)”, entendendo-se como tal a decisão de instauração do procedimento disciplinar.
Conclui, defendendo que no presente processo disciplinar foi respeitado o prazo de 60 dias estabelecido no n.º 2 do artigo 329.º do Código do Trabalho, referindo o seguinte:
- O procedimento disciplinar foi instaurado pela Direção Executiva da Direção de Exploração, entidade com competência disciplinar, no dia 15 de março de 2019, como consta do documento de fls. n.º 1.6 do processo disciplinar que junta;
- Os factos em causa chegaram ao conhecimento daquela entidade no dia 27 de fevereiro de 2019 (cfr. fls. 1.7 a 1.9 do doc. n.º 1).
O Autor pronunciou-se quanto aos documentos juntos pela Ré, referindo que dos mesmos se conclui que os seus superiores hierárquicos, ambos responsáveis com competência disciplinar, tomaram conhecimento da suposta infração que imputavam ao Autor no dia 03.02.2019.
Findos os articulados e atingida a fase de saneamento, foi fixado o valor da acção em 5 000,01€.
I.2 No saneador, na consideração de dispor de “(..) todos os elementos necessários para apreciação da exceção de caducidade invocada”, O Tribunal a quo passou a proferir decisão, concluída com o dispositivo seguinte:
-«Termos em que julgo verificada a exceção de caducidade do procedimento disciplinar instaurado ao Autor, pelos factos ocorridos em 03/02/2029, e em consequência revogo a sanção disciplinar aplicada - um dia de suspensão com perda de retribuição e de antiguidade – e condeno a Ré a repor a quantia descontada no vencimento do Autor a título de reposição salarial, no valor de €36,70, bem como do respetivo subsídio de alimentação, de duodécimos de subsídio de Natal, e de antiguidade, por virtude da aplicação daquela sanção.
Custas pela Ré – cfr. art.º 527.º, ns 1 e 2 do C.P.C..
Registe e notifique.
(..)».
I.3 Inconformado com esta decisão, a Ré interpôs recurso de apelação, apresentando alegações finalizadas com as conclusões seguintes:
………………….
………………….
………………….

I.4 O Recorrido autor contra-alegou e, subsidiariamente, requereu a ampliação do âmbito do recurso, ao abrigo do disposto na segunda parte do nº 2, do art.º636.º, do CPC, mostrando-se as contra-alegações encerradas com conclusões, conforme seguem: ………………….
………………….
………………….

I.5 O Digno Procurador-Geral Adjunto, no parecer a que alude o art.º 87.º 3, do CPT, pronunciou-se no sentido da improcedência do recurso.
I.6 Foram cumpridos os vistos legais, remetido o projecto aos excelentíssimos adjuntos e determinada a inscrição do processo para julgamento em conferência.
I.7 Delimitação do objecto do recurso
Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações apresentadas, salvo questões do conhecimento oficioso [artigos 87.º do Código do Processo do Trabalho e artigos 639.º, 640.º, 635.º n.º 4 e 608.º n.º2, do CPC, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho], as questões colocadas para apreciação consistem em saber se o Tribunal a quo errou o julgamento quanto ao seguinte:
i) Recurso da Ré.
Se o tribunal a quo errou o julgamento na aplicação do direito aos factos, por não ter concluído ter sido respeitado o prazo estabelecido no n.º 2 do artigo 329.º do CT, ou seja, que o procedimento disciplinar foi instaurado pela Direção Executiva da Direção de Exploração com competência para o ato, nos 60 dias subsequentes ao conhecimento da infração disciplinar.
ii) Ampliação do objecto do recurso (art.º 636.º n.º2, CPC).
Para o caso deste Tribunal de recurso “concluir pela insuficiência dos factos provados para a manutenção da decisão proferida [..]” se “devem [..] ser incluídos na fundamentação de facto, “ os factos seguintes:
- “A última diligência probatória requerida na nota de culpa, foi no dia 13.05.2019”;
- “O relatório apresentado pela instrutora o processo disciplinar é datado de 15.07.2019;”;
- “Foi proferida decisão do processo disciplinar pela Recorrida a 14.08.2019”;
- “O Recorrido tomou conhecimento da sanção disciplinar aplicada pela Recorrente em 17.10.2019”.
II. FUNDAMENTAÇÃO
II.1 MOTIVAÇÃO DE FACTO
O Tribunal a quo, na consideração de terem interesse para a decisão e resultarem admitidos por acordo ou documentalmente provados, elencou os factos seguintes:
1. O Autor desempenha as funções de Operador de Revisão e Venda ao serviço e sob direção da Ré, há muito anos, encontrando-se atualmente afeto à Direção de Exploração e o seu centro de trabalho é no Depósito de Revisão de …
2. A Ré moveu ao Autor um Processo Disciplinar pelos seguintes factos:
“ - No dia 3 de fevereiro de 2019, o arguido cumpria a rem de serviço n.º .. da escala PCAR32 que previa a apresentação em Porto … às 14h30m e retirada às 23h15m, na mesma estação, com o seguinte serviço: “722 LSA – (TR) – Resv. –…PCA.
- O arguido ao efectuar o comboio … de Lisboa … com destino a …, após a partida da estação do …, pelas 21h02m, foi contactado via telemóvel de serviço, pelo Inspector do Centro de Operações de Lisboa, D…, para se deslocar à carruagem n.º 5, junto dos lugares .. e ,.., e verificar se se encontravam dois sacos de papel da marca … com roupa no seu interior.
- Os sacos eram pertença de uma cliente que desembarcara na estação do … e se esquecera deles no lugar que ocupava na carruagem n.º 5., lugar .., sendo o lugar n.º .., igualmente ocupado por uma familiar sua que desembarcara na mesma estação.
- Ambas as clientes eram portadoras dos títulos de transporte com os n.ºs 3635-…… e 3635-…….
- O arguido recusou-se a ir ao lugar n.º .. da carruagem 5 referindo que só após a chegada a Porto … irá verificar se havia objectos abandonados, até porque os lugares já estavam ocupados.
- O inspetor D… com receio que os pertences da cliente fossem apropriados por terceiros telefonou para o Depósito de Revisão de … e falou com o inspector E…, no sentido de interceder junto do arguido para recuperar os sacos no local já referido.
- Após contacto telefónico do inspector E…, o arguido recusou-se novamente a procurar os volumes esquecidos voltando a afirmar que os lugares já estavam ocupados por outros clientes, mais concretamente, “já disse que não vou pegar em sacos com as pessoas sentadas nesses lugares, nem vou perguntar-lhes se os sacos que se encontram nas imediações são delas ou não. Só lá vou quando chegar a destino. Se encontrar bagagem abandonada entrego-a conforme se encontra regulamentado.
- À chegada a Porto …, o arguido terminou o seu serviço, e como o comboio seguia para a estação de …, deslocou-se aos lugares .. e .. da carruagem n.º 5 e recolheu um saco de papel, por cima do lugar n.º .., com as indicações referenciadas no artigo 3.º e entregou ao agente de plataformas, Sr. F….
- O saco de papel com a marca … contendo roupas foi entregue no Gabinete de Apoio ao Cliente, da estação de …, com o registo abandonado n.º ….., ficando assim por confirmar se eram dois ou apenas um saco.
- Mais acresce que o lugar n.º .. da carruagem 5 do comboio … seguiu vazio desde a estação do … até Porto ….
- O arguido tem registo de sanções disciplinares.”
(cfr. procedimento disciplinar junto como doc. 1 da contestação)
3. A Nota de Culpa foi remetida ao arguido, por correio, no dia 09.04.2019, tendo-a o Autor recibo no dia 10.04.2019. (cfr doc 1 junto com a petição inicial)
4. O Autor respondeu à Nota de Culpa, (cfr. doc. n.º 2 junto com a petição inicial)
5. O procedimento disciplinar culminou com a decisão de aplicação da sanção disciplinar de 1 (um) dia de suspensão com perda de retribuição e antiguidade.
6. A decisão de aplicação da sanção disciplinar referida, foi proferida no dia 14.08.2019, e somente posteriormente a tal data é que o Autor tomou conhecimento da mesma (cfr. doc. n.º3 junto com a petição inicial).
7. No mês de novembro de 2019 foi aplicada a suspensão disciplinar, com perda de retribuição no montante de €36,70 (cfr. doc. n.º 4 junto com a petição inicial).
8. Consta dos autos de processo disciplinar um documento datado de 15 de março de 2019 dirigido à “Direção Jurídica”, sob “Assunto: Incumprimento do dever de obediência a uma ordem” do qual consta a menção “Instauração de Processo Disciplinar ao Operador de Revisão e Venda, Sr. B… n.º ……-7, pertencente ao Depósito de Revisão de …”, bem como “Face às conclusões a que se chegou através do presente Expediente, a Direção Executiva da Direção de Exploração, decidiu pela instauração de Processo Disciplinar (…)” (cfr. doc. n.º 1, fls. 1.6 junto com a contestação)
9. A Direção Executiva da Direção de Exploração é a entidade com competência disciplinar (cfr. doc. n.º 2, fls. 2.3. junto com a contestação).
10. Consta dos autos de processo disciplinar um documento datado de 27 de fevereiro de 2019 dirigido a “Direção Executiva” relatando os factos em causa nestes autos, onde no final se refere “Face ao exposto, a Direção Executiva da Direção de Exploração, decidiu pela instauração de Processo Disciplinar ao Operador de Revisão e Venda, Sr. B… n.º ……-7, devido ao incumprimento da seguinte regulamentação (…)” (cfr. doc. n.º 1, fls. 1.7 a 1.9 junto com a contestação).
11. Consta dos autos de processo disciplinar um e-mail datado de 03/02/2019 (21:49), enviado de D… para G… sob “Assunto: objetos perdidos a bordo do C.º …”, em que se refere:
«Pelas 21:02 de hoje 3FEV contactei o PRV do C.º … Sr. B…, transmitindo-lhe que na carr. 05 por baixo dos lugares ../ .. tinham ficado dois sacos de papel (…)
Como resposta o ORV Sr. B… disse que apenas iria verificar à chegada se haveria objetos perdidos ou não; Perante tal resposta liguei para o DR. … (…) para que o Inspetor Sr. E…, pudesse interceder junto do ORV, mas a resposta que obtive apenas confirmou o que ORV já tinha dito anteriormente, só verificaria à chegada.»
(cfr. doc. n.º 1, fls. 1.16 junto com a contestação).
12. Consta dos autos de processo disciplinar um e-mail datado de 03/02/2019 (22:08), enviado de E… para H… em que se refere:
«Fui contactado pelo Sr. Inspector D…, do COL, no sentido de entrar em contacto com o ORV B…, que estava em serviço a bordo do comboio …, para lhe dizer que na carruagem 5, junto dos lugares .. e .. tinham viajado dois clientes que desembarcaram no …, tendo deixado dois sacos esquecidos e para os recolher. O sr. Inspector D…, disse-me que já tinha contactado o ORV e que este lhe tinha dito que só procuraria a referida bagagem no fim da viagem. O sr. D… apelou à minha condição de superior hierárquico para resolver a situação o mais rápido possível. Foi o que fiz. Liguei ao ORV B… que me disse já ter falado com o Sr. Inspector D…, e que não ia procurar bagagem nenhuma, porque já se encontravam passageiros nos lugares referidos e não ia pegar em sacos que poderiam não ser o dos passageiros que tinham ficado no …. Fiz ver ao ORV B… que não estava a agir corretamente, pois os sacos poderiam ser apropriados por outros passageiros antes de o comboio chegar ao destino, ao que me respondeu que esse não era problema seu. Posteriormente voltei a contactá-lo para o chamar novamente à razão, tendo obtido a mesma resposta: “já disse que não vou pegar em sacos com as pessoas sentadas nesses lugares, nem vou perguntar-lhes se os sacos que se encontram nas imediações são dessas delas ou não. Só lá vou quando chegar a destino. Se encontrar bagagem abandonada entrego-a como se encontra regulamentado.”
Pelo exposto, deixo à consideração superior a tomada de medidas corretivas ou disciplinares que julguem apropriadas.»
(cfr. doc. n.º 1, fls. 1.20 junto com a contestação).
II.2 ALTERAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO POR INICIATIVA DESTE TRIBUNAL DE RECURSO
No âmbito dos poderes oficiosos de que dispõe este Tribunal de Recurso (art.º 662.º 1, CPC), impõe-se proceder à alteração dos factos 5, 8, 9, 10 e 11, nos quais se dão por provados conteúdos dos documentos do processo disciplinar a que aludem, bem assim do Doc. 2 junto com a contestação, mas sem referirem partes dos mesmos que também se revelam essenciais para melhor elucidar e permitir apreender do seu sentido e alcance, como era devido face ao disposto no art.º 607.º n.º3, do CPC, por isso devendo ser complementadas as transcrições já feitas pelo tribunal a quo.
Para além disso, para circunstanciar devidamente o conteúdo dos factos 11 e 12 – mensagens electrónicas datadas de 03/02/2019 – importa também acrescentar o essencial da cadeia de e-mails a que aquelas conduziram; e, para evidenciar o essencial da tramitação do procedimento até à decisão final, a que se referem os factos provados 5 e 6, cabe aditar um facto respeitante à conclusão do processo disciplinar pela Direcção Jurídica e envio à Direcção Executiva DOP. Para esse efeito aditam-dois novos factos sob os números 13 e 14, cujos conteúdos são igualmente retirados dos documentos constantes do processo disciplinar junto aos autos pela Recorrente ré e não impugnado pelo recorrido autor.
Assim:
i) No facto 5, lê-se: “O procedimento disciplinar culminou com a decisão de aplicação da sanção disciplinar de 1 (um) dia de suspensão com perda de retribuição e antiguidade”.
Redacção que se altera, aditando-se parte do conteúdo do documento onde consta a decisão em causa, passando a constar o seguinte:
[5] O procedimento disciplinar culminou com a decisão de aplicação da sanção disciplinar de 1 (um) dia de suspensão com perda de retribuição e antiguidade, constando do respectivo documento, no essencial, o seguinte:

“DECISÃO DISCIPLINAR
A Direção Executiva da Direção de Operações e Produção, em reunião de 14/08/2019, apreciou as conclusões do Processo Disciplinar N.º 19-…, instaurado ao Operador Revisão e Venda Sr. B…, n.º ……-7 e deliberou:
1 Considerar provada a acusação constante de Nota de Culpa que, no essencial, acusa o arguido de:”

[…]


da instrução n.º ../2015
4. O arguido violou os elementares deveres de zelo, respeito, diligência colaboração denotando falta de profissionalismo no exercício das suas funções.
5. O arguido tem registo de sanções disciplinares
6. Aplicar a sanção disciplinar de 1 (um) dia de suspensão com perda de retribuição e antiguidade, de acordo com o disposto na alínea e) do n.º 1 do artigo 328º da Lei n.º 07/2009, de 12 de fevereiro, que aprovou o Código do Trabalho em conjugação com a alínea d) do n.º 2 do artigo 74º do Acordo de Empresa, publicado em BTE n.º 29, de 08.08.1999 – 1ª série.
Dê-se cópia da decisão ao Arguido e Instrutor do Processo Disciplinar. O original deve ser apenso ao respectivo Processo Disciplinar.
Lisboa, 14 de Agosto de 2019,
A Direção Executiva da Direção de Operações e Produção”

ii) No facto 8, lê-se: “Consta dos autos de processo disciplinar um documento datado de 15 de março de 2019 dirigido à “Direção Jurídica”, sob “Assunto: Incumprimento do dever de obediência a uma ordem” do qual consta a menção “Instauração de Processo Disciplinar ao Operador de Revisão e Venda, Sr. B… n.º ……-7, pertencente ao Depósito de Revisão de …”, bem como “Face às conclusões a que se chegou através do presente Expediente, a Direção Executiva da Direção de Exploração, decidiu pela instauração de Processo Disciplinar (…)” (cfr. doc. n.º 1, fls. 1.6 junto com a contestação)”
Redacção que se altera (aditamento a negrito), passando a ser a seguinte:
[8] Consta dos autos de processo disciplinar um documento datado de 15 de março de 2019 dirigido à “Direção Jurídica”, sob “Assunto: Incumprimento do dever de obediência a uma ordem” do qual consta a menção “Instauração de Processo Disciplinar ao Operador de Revisão e Venda, Sr. B… n.º ……-7, pertencente ao Depósito de Revisão de …”, bem como “Face às conclusões a que se chegou através do presente Expediente, a Direção Executiva da Direção de Exploração, decidiu pela instauração de Processo Disciplinar (…)”, o qual no final, após a data, menciona “A Direção Executiva da Direção de Exploração”, sob essa menção constando manuscritas três assinaturas ilegíveis.(cfr. doc. n.º 1, fls. 1.6 junto com a contestação).
iii) No facto 9, lê-se: “A Direção Executiva da Direção de Exploração é a entidade com competência disciplinar (cfr. doc. n.º 2, fls. 2.3. junto com a contestação”.
Redação que se altera para passar a ser a seguinte:
[9] Na Deliberação do Conselho de Administração n.º 20/2017, com o assunto “Normativa de Delegação de Poderes da C…, EPE, consta “Ficam reservados à Direção Executiva da I… (..): a) proceder à instauração de processos disciplinares, em relação a trabalhadores dos serviços sob a sua dependência” (cfr. doc. n.º 2, fls. 2.3. junto com a contestação).
iv) No facto 10, lê-se: “Consta dos autos de processo disciplinar um documento datado de 27 de fevereiro de 2019 dirigido a “Direção Executiva” relatando os factos em causa nestes autos, onde no final se refere “Face ao exposto, a Direção Executiva da Direção de Exploração, decidiu pela instauração de Processo Disciplinar ao Operador de Revisão e Venda, Sr. B… n.º……-7, devido ao incumprimento da seguinte regulamentação (…)” (cfr. doc. n.º 1, fls. 1.7 a 1.9 junto com a contestação)”.
Redação que se altera (aditamento a negrito) para passar a ser a seguinte:
[10] Consta dos autos de processo disciplinar um documento datado de 27 de fevereiro de 2019, emitido pela “I… NORTE, dirigido a “Direção Executiva”, mencionando como assunto “Incumprimento do dever de obediência a uma ordem”, “Proposta de instauração de Processo Disciplinar ao Operador de Revisão e Venda, Sr. B…, relatando os factos em causa nestes autos, onde no final se refere “Face ao exposto, a Direção Executiva da Direção de Exploração, decidiu pela instauração de Processo Disciplinar ao Operador de Revisão e Venda, Sr. B… n.º 9……-7, devido ao incumprimento da seguinte regulamentação (…)”; sob a data consta a indicação “O Responsável d Produção” e a respectiva assinatura, que se mostra ilegível (cfr. doc. n.º 1, fls. 1.7 a 1.9 junto com a contestação).
v) No facto 11, lê-se: «Consta dos autos de processo disciplinar um e-mail datado de 03/02/2019 (21:49), enviado de D… para G… sob “Assunto: objetos perdidos a bordo do C.º …”, em que se refere:
Pelas 21:02 de hoje 3 FEV contactei o PRV do C.º … Sr. B…, transmitindo-lhe que na carr. 05 por baixo dos lugares ../ .. tinham ficado dois sacos de papel (…)
Como resposta o ORV Sr. B… disse que apenas iria verificar a à chegada se haveria objetos perdidos ou não; Perante tal resposta liguei para o DR. … (…) para que o Inspetor Sr. E…, pudesse interceder junto do ORV, mas a resposta que obtive apenas confirmou o que ORV já tinha dito anteriormente, só verificaria à chegada.”»
(cfr. doc. n.º 1, fls. 1.16 junto com a contestação).
Redação que se altera (aditamento a negrito) para passar a ser a seguinte:
[11] Consta dos autos de processo disciplinar um e-mail datado de 03/02/2019 (21:49), enviado de D… para G… sob “Assunto: objetos perdidos a bordo do C.º…”, em que se refere:
“Pelas 21:02 de hoje 3 FEV contactei o PRV do C.º … Sr. B…, transmitindo-lhe que na carr. 05 por baixo dos lugares ../ .. tinham ficado dois sacos de papel (…)
Como resposta o ORV Sr. B… disse que apenas iria verificar à chegada se haveria objetos perdidos ou não; Perante tal resposta liguei para o DR. … (…) para que o Inspetor Sr. E…, pudesse interceder junto do ORV, mas a resposta que obtive apenas confirmou o que ORV já tinha dito anteriormente, só verificaria à chegada.”
O e-mail, na parte final do texto, contém as indicações permanentes (identificativas) “D…” e “Controlo Operacional do Tráfego /Longo Curso e Regional”.
(cfr. doc. n.º 1, fls. 1.16 junto com a contestação).
vi) Adita-se o facto seguinte:
[13] O E-mail referido em 11, foi remetido por G… , no dia 4 de Fevereiro de 2019, pelas 09:59, para J…, em assunto mencionando-se “Objectos perdidos a bordo do Cº …”, com o texto seguinte “Peço solicitar esclarecimento ao DR do Porto – C”.
Por seu turno, C…, remeteu o mesmo e-mail transcrito no facto 11, no mesmo dia 4 de Fevereiro, pelas 10:43, para K…, com o texto “Para esclarecer”.
Também por seu turno, K…., remeteu o mesmo e-mail transcrito no facto 11, no mesmo dia 4 de Fevereiro, pelas 11:38, para H…, com o texto “Solicito averiguar e esclarecer o sucedido”.
H…, em 13 de Fevereiro de 2019, pelas 16:41, respondeu àquele reenvio de K…, nos termos seguintes:
“De:H…>H…@C….pt>
Enviada:13de fevereiro de 2019 16:41
Para:k…<k…@c….pt
Assunto: RE: objectos perdidos a bordo do ..º ….
Sr. Eng.º K…
Face ao que se faz constar na informação prestada pelo D…, Inspector E… a ORV, B…, somos a informar:
1 . A cliente desembarcada na estação do … , deixou ficar na carruagem 5, por debaixo dos lugares ../..(..), dois sacos de papel contendo roupa;
2. Em face disso e no sentido de serem guardados, foi feito contacto para o COL na pessoa do Sr. D…, que contactou o ORV em serviço no comboio, Sr. B…, a fim de recolher os referidos volumes ;
3. Dado que a resposta do ORV não foi condizente com a urgência em os recuperar, evitando-se uma eventual apropriação por terceiros, foi transmitida essa informação ao Inspector E…em serviço no DR de …. e da linha hierárquica do ORV para que essa indicação fosse por ele atacada;
4. Após o contacto feito pelo inspector E… ao ORV, o mesmo manteve a mesma resposta, ou seja , apenas no final da viagem iria proceder à recolha de ventuais volumes abandonados.
5. Verificou-se que à chegada a … local onde o ORV terminou o serviço nesse comboio, dado quer o destino era …, o ORV dirigiu-se ao local indicado e recolheu um saco de papel contendo roupas, saco esse entregue no GAC de … (Abandonado n.º ….. – 1 saco de papel …. com roupa).
6 Dado que é referido na informação inicial do Sr. D… que a cliente deixou no comboio dois sacos, apenas foi dado como enteregue no GAC de … um saco, ficando por confirmar se era um ou dois sacos
Pelo exposto, há a considerar:
1 . Analisando o conteúdo da IC 99/2015- DGP – Volumes e objectos abandonados e referido pelo OVR que serviu como justificação à recusa na ordem transmitida superiormente, temos que: o Ponto 2 diz que: “nas estações de chegada, após o desembarque do Clientes, os Operadores de Revisão e Venda devem, obrigatoriamente, efectuar a revista cuidadosa às composições dos comboios onde efetuaram serviço , antes da entrada de outras pessoas nas referidas composições”. Ora, o términus do comboio era a estação de …. e o ORV terminava o serviço na estação de ….. Logo, impunha-se que o mesmo se deslocasse à carruagem e lugar indicado a fim de recuperar volumes.
2. No mesmo ponto da referida IC mas noutro parágrafo é indicado que : “os objetos abandonados encontrados nas composições, durante a marcha dos comboios, são guardados e entregues pelos ORV´s nas estações onde terminam a prestação de serviço nos comboios”. No caso presente, os volumes já estavam identificados como deixados pela cliente desembarcada na estação do …, pelo que, nada obstava a que o ORV não cumprisse que a indicação dada.
3. Pelo ponto 7.1, alínea K) da IOP 13 – Serviço do Pessoal da Revisão de Bilhetes, compete ao ORV exercer uma certa vigilância em relação aos passageiros e a sua bagagem Assim sendo e como já era do seu conhecimento que a bagagem da cliente tinha sido deixada na carruagem 5, lugar .., competia ao ORV zelar pela sua guarda e proceder à entrega na estação onde terminava o serviço.
Nestes termos, concluímos que:
1. O ORV, desobedeceu a uma ordem emanada por um superior da mesma cadeia hierárquica, sendo a mesma dada em matéria de serviço, isto é, feita dentro das funções do trabalhador e dentro daquilo que é a normal relação, Incorrendo no artigo 128 do Código do Trabalho.
2. Além disso, houve má fé da parte do ORV, porque o lugar .. da carruagem 5 é junto do lugar 33, sendo que , estes dois lugares foram ocupados de Lisboa a … pela cliente e familiar (IP) bilhetes números ….-…… e ….-…… e à partida do … o lugar 33 foi ocupado até ao Porto … (bilhete número ….-……). Certamente o ORV foi verificar o bilhete deste cliente embarcado nessa estação, o que a ter acontecido, teria visto os sacos por debaixo do banco e facilmente os identificaria como pertença da cliente.
3. O ORV, não tem cumprido com os princípios básicos do atendimento cujos procedimentos orientam a relação dos colaboradores da C… com os clientes na ótica de um atendimento de alta qualidade que visa satisfazer ou mesmo superar as suas expectativas, promovendo a sua fidelização sendo para isso indispensável um atendimento de qualidade que, através de uma correcta atitude comercial transmita uma imagem de modernidade, dinamismo, eficiência amabilidade e simpatia.
4. Acresce informar que o referido ORV foi advertido e sensibilizado sobre o deficiente desempenho em 27/7/2013, quando em serviço no comboio …, à partida de Faro e quando um cliente portador de duas malas que o impediam de se movimentar com rapidez e porque estava na hora de partida do comboio, o mesmo encerrou as portas para início de marcha, impossibilitando o cliente de embarcar, com a agravante que a acompanhante já estava a bordo, tendo o mesmo seguido de táxi para Lisboa Oriente.
Também no 18/08/2013, quando em serviço no comboio …, na estação de … ., ao ser solicitado para auxiliar um cliente no embarque da sua bagagem, por motivo do mesmo apresentar deficiência física num dos braços, tendo respondido que o mesmo deveria trazer a bagagem de acordo com a sua deficiência.
Em face do exposto, é nosso parecer, salvo melhor opinião, que o Sr. B… n.º ……., deve ser responsabilizado disciplinarmente.
H…”
Esta resposta de H… a K…, foi por este reencaminhada, no mesmo dia 13 de Fevereiro, pelas 16:48, para J…, como texto “Envio informação prestada pelo ICSC H… que é clara, objectiva e esclarecedora. Concordo integralmente com a proposta de instauração de PD”.
Por seu turno, J…, no dia 14 de Fevereiro de 2019, pelas 10:43, remeteu aquelas mensagens para G…, com o texto “Junto se envia apuramento realizado sobre este assunto para análise e decisão”.
G…, no mesmo dia 14 de Fevereiro, pelas 10:53, remeteu as mensagens anteriores para J…, com o texto “De acordo. Preparar o procedimento habitual para instauração de PD ao ORV em causa”.
J…, no mesmo dia 14 de Fevereiro, pelas 10:53, reencaminhou as anteriores mensagens para K… com o texto “K…l, para preparação do expediente habitual”.
K…, remete as mensagens, na mesma data e pelas 16:02, para J…, conforme segue:

De: K…,
Enviada: Quinta feira, 14 de fevereiro de 2019 15:16
Para: J…
Assunto FW: Objetos perdidos a bordo do Cº …
Envia-se em anexo proposta de cartas para instauração de PD.
Com os melhores cumprimentos,
K…
Gestão operacional
Gestão de Meios

E, J…, no mesmo dia e pelas 16:02, remete a mensagem para L…, conforme segue:

Assunto: FW: Objetos perdidos a bordo do Cº …
Anexos: Cº …_03_02-2019_volumes abandonados Proposta PD_ B….doc; Instauração de PD.doc; EscalaPCAR32.pdf;Registo de execução_03-2-2019pdf.

De: J…
Enviada: quinta-feira, 14 de fevereiro de 2019 16:02
Para: L…
Cc: G…
Assuntos: FW: Objetos perdidos a bordo do Cº….
Boa tarde Sr.ª L…, para prosseguimento do expediente como habitualmente.

Com os melhores cumprimentos,
J…
Gestão operacional
Responsável

vii) Adita-se, ainda, o facto seguinte:
[14] Em 17 de Julho de 2017, a Direcção Jurídica da C…, referindo ter concluído o processo disciplinar instaurado ao autor, enviou-o à Direcção Executiva DOP, a coberto da comunicação que segue transposta:

C…
Direcção Jurídica

Para: Direcção Executiva DOP
Lisboa, 17 de Julho de 2019

Assunto: Processo Disciplinar - DOP – Porto n.º 19-…, instaurado ao ORV, B…, matrícula n.º ……-7

Exmos, Senhores

Concluída a instrução do processo disciplinar acima identificado, remetemos o mesmo, em anexo, para decisão final.
Chama-se a atenção que relativamente à aplicação da sanção, a mesma deverá ser nos termos do n.º 3 do artigo 329º do Código do Trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro, comunicada e aplicada ao trabalhador até 3 de Fevereiro de 2020, sob pena de prescrição
Igualmente se informa que, entre a decisão dessa Direcção, e a aplicação da sanção, não podem decorrer mais de três meses, sob pena da caducidade.
Com os melhores cumprimentos,

(M…)
Dr. J…
Para análise e parecer.

Eng.º K…, solicito análise e parecer quanto à sanção proposta pela ….
22 Jul 19”

III. MOTIVAÇÃO DE DIREITO
A recorrente insurge-se contra a sentença, defendendo que o tribunal a quo errou o julgamento na aplicação do direito aos factos, por não ter concluído que foi respeitado o prazo estabelecido no n.º 2 do artigo 329.º do CT, ou seja, que o procedimento disciplinar foi instaurado pela Direção Executiva da Direção de Exploração com competência para o acto, em nos 60 dias subsequentes ao conhecimento da infração disciplinar.
Por sua banda, o recorrido começa por sustentar que “Tendo presentes as conclusões da alegação do recurso interposto pela Recorrente, este tem como fundamento; erro de julgamento da matéria de facto – pontos 9, 10, 11 e 12; e erro na aplicação do direito;” [conclusão A], para depois sustentar que “ No que concerne à impugnação da matéria de facto, cumpre começar por notar, por ser questão prejudicial à apreciação deste fundamento de recurso, que a Recorrente não cumpriu o ónus que lhe é imposto pelos números 2 e 3, do artigo 640.º, do CPC” [conclusão F].
Impõe-se, pois, começar por resolver esta questão, assinalando-se desde já que o recorrido não tem razão ao partir do pressuposto, ou pretender sugerir, que a recorrente vem impugnar a decisão sobre a matéria de facto.
Caso pretendesse impugnar a decisão sobre a matéria de facto, cumpria à recorrente observar os ónus de impugnação indicados no art.º 640.º do CPC, ou seja, era-lhe exigível a especificação obrigatória, sob pena de rejeição, dos pontos mencionados no n.º1 e n.º2, enunciando-os na motivação de recurso, nomeadamente os seguintes:
- Os concretos pontos de facto que considerava incorretamente julgados;
- Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
- A decisão que, no seu entender, deveria ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
Mais, como é entendimento pacífico, nas conclusões de recurso, sendo estas não apenas a súmula dos fundamentos aduzidos nas alegações, mas atendendo sobretudo à sua função definidora do objeto do recurso e balizadora do âmbito do conhecimento do tribunal, deveria constar, sob pena de rejeição do recurso, pelo menos uma síntese das alegações referindo necessariamente a indicação dos concretos pontos de facto cuja alteração se pretendesse e o sentido e termos dessa alteração [cfr. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça: de 23-02-2010, Proc.º 1718/07.2TVLSB.L1.S1, Conselheiro FONSECA RAMOS; de 04/03/2015, Proc.º 2180/09.0TTLSB.L1.S2, Conselheiro ANTÓNIO LEONES DANTAS; de 19/02/2015, Proc.º 299/05.6TBMGD.P2.S1, Conselheiro TOMÉ GOMES; de 12-05-2016, Proc.º 324/10.9TTALM.L1.S1, Conselheira ANA LUÍSA GERALDES; de 27/10/2016, Proc.º 110/08.6TTGDM.P2.S1, Conselheiro RIBEIRO CARDOSO; e, de 03/11/2016, Proc.º 342/14.8TTLSB.L1.S1, Conselheiro GONÇALVES ROCHA (todos eles disponíveis em www.dgsi.pt)].
Para além disso, seria também exigível que o recorrente fundamentasse “em termos concludentes, as razões da sua discordância, concretizando e apreciando criticamente os meios probatórios constantes dos autos ou da gravação que, no seu entender, impliquem uma decisão diversa” [cfr. Ac. STJ de 01-10-2015, Proc.º n.º 824/11.3TTLRS.L1.S1, Conselheira Ana Luísa Geraldes, disponível em www.dgsi.pt].
É certo que nada disso se encontra quer nas alegações quer nas conclusões, mas por uma razão que temos por inequívoca, em concreto, a recorrente não pretende impugnar a decisão sobre a matéria de facto, pura e simplesmente pretendendo apenas pôr em causa a decisão na valoração e aplicação do direito aos actos.
Na verdade, em ponto algum a recorrente expressa a intenção de impugnar a decisão sobre a matéria de facto, acrescendo que nem tão pouco pode entender-se que tal decorre implicitamente da argumentação usada. Para que não haja dúvidas, basta atentar nas conclusões m) a r), mormente, na conclusão q), onde se lê: «O Tribunal faz uma interpretação contraditória e violadora da lei, pois no ponto 9 da douta sentença alega e dá como provado que “A Direção Executiva da Direção de Exploração é a entidade com competência disciplinar”, competência esta delegada pelo Conselho de administração da C… em relação a todos os trabalhadores dos serviços sob a sua coordenação, o que se aplica ao Autor, e depois confunde ou desvirtua os conceitos de “superior hierárquico do Autor”, conferindo a estes (mais do que 1!) competência disciplinar».
Por conseguinte, seja qual for a razão, o certo é que o recorrido está a fazer uma interpretação enviesada das alegações e conclusões de recurso da Ré, não lhe assistindo qualquer fundamento ao vir sustentar uma suposta violação dos ónus de impugnação do art.º 640.º n.ºs 2 e 3 do CPC, que só poderia existir caso a recorrente tivesse o propósito de impugnar a decisão sobre a matéria de facto.
Mas como se disse, não é isso que acontece. O objecto do recurso visa apenas a reapreciação da decisão por alegado erro na aplicação do direito aos factos.
III.1 Na fundamentação da sentença, com relevo para a questão em apreço, lê-se o seguinte:
- «Da caducidade do procedimento disciplinar, deduzida pelo Autor:
[..]
Pede que seja:
a) declarada a verificada a exceção perentória de caducidade, com todas as consequências legais,
[..]
Refere, em síntese, que a Nota de Culpa lhe foi remetida, por correio, no dia 09.04.2019, tendo-a o Autor recibo no dia 10.04.2019.
Porém, o “empregador”, ou seja, a Ré, C… teve, de imediato, conhecimento dos factos de que o Autor vem acusado, ou seja, no dia 03.02.2019, como resulta dos autos do processo disciplinar.
Assim, verifica-se que a notificação da Nota de Culpa foi efetuada após o prazo de 60 dias para o exercício da ação disciplinar mencionado no n.º 2, do artigo 329.º, do Código de Trabalho, não se aplicando, no caso dos autos, a interrupção daquele prazo prevista no artigo 352.º do mesmo código, ou seja, a instauração do procedimento prévio de inquérito quando esse seja necessário para fundamentar a nota de culpa.
Conclui que o procedimento disciplinar se encontrava caducado.
A Ré pronunciou-se sobre a invocada caducidade, referindo que o procedimento disciplinar instaurado ao Autor não seguiu o formalismo legal previsto nos artigos 351.º a 358.º do Código do Trabalho. No caso em apreço, aplicam-se os artigos 328.º a 332.º. em que o n.º 2 do artigo 329.º do Código do Trabalho determina que “O procedimento disciplinar deve iniciar-se nos 60 dias subsequentes àquele em que o empregador, ou superior hierárquico com competência disciplinar, teve conhecimento da infração.”
Uma vez que estamos perante um processo disciplinar sem intenção de despedimento, não releva o dia em que o arguido é efetivamente notificado da nota de culpa, mas sim o dia em que o processo disciplinar é instaurado. Ou seja, o processo disciplinar inicia-se com a manifestação clara e objetiva da instauração do processo disciplinar contra o trabalhador e não com a elaboração ou recebimento da nota de culpa.
Mais refere que, diversamente do estabelecido no n.º 3 do art.º 353.º para o processo disciplinar com intenção de despedimento, não resulta de qualquer normativo que a interrupção desse prazo ocorre com a notificação da nota de culpa. No procedimento disciplinar para aplicação de sanção conservatória a lei não toma como referência a notificação da nota de culpa (que até poderá não existir por escrito) para interromper o prazo de caducidade, apenas relevando o que consta do n.º 2, do art.º 329,º, ou seja, “ O procedimento disciplinar deve iniciar-se(…)”, entendendo-se como tal a decisão de instauração do procedimento disciplinar.
Conclui que no presente processo disciplinar aqui junto foi respeitado o prazo estabelecido no n.º 2 do artigo 329.º do Código do Trabalho, ou seja, foi instaurado pela Direção Executiva da Direção de Exploração, com competência para o ato, nos 60 dias subsequentes ao conhecimento da infração disciplinar. O presente processo disciplinar foi mandado instaurar por despacho da Direção Executiva da Direção de Exploração, entidade com competência disciplinar, no dia 15 de março de 2019, como consta do documento de fls. n.º 1.6 do processo disciplinar junto.
Refere ainda que os factos em causa no presente processo disciplinar chegaram ao conhecimento da entidade com competência disciplinar no dia 27 de fevereiro de 2019 (cfr. fls. 1.7 a 1.9 do doc. n.º 1), pelo que o processo foi instaurado no prazo de 60 dias.
O Autor pronunciou-se quanto aos documentos juntos pela Ré, referindo que dos mesmos se conclui que os seus superiores hierárquicos, ambos responsáveis com competência disciplinar, tomaram conhecimento da suposta infração que imputavam ao Autor no dia 03.02.2019.
Cumpre decidir, uma vez que o tribunal entende ter já todos os elementos necessários para apreciação da exceção de caducidade invocada.
Dos autos resultam os seguintes factos com interesse à decisão, admitidos por acordo, ou documentalmente provados:
[..]
Nos termos do n.º 2, do artigo 329.º, do Código do Trabalho “O procedimento disciplinar deve iniciar-se nos 60 dias subsequentes àquele em que o empregador, ou o superior hierárquico com competência disciplinar, teve conhecimento da infração.”
Por sua vez, o n.º 3, do artigo 353.º, do mesmo diploma legal dispõe que: “A notificação da nota de culpa ao trabalhador interrompe a contagem dos prazos estabelecidos nos n.ºs 1 ou 2 do artigo 329.º.”
No caso dos autos, a Nota de Culpa foi remetida ao trabalhador em 09.04.2019, tendo-a este recibo no dia 10.04.2019.
A decisão de aplicação de sanção disciplinar foi proferida no dia 14.08.2019.
Os factos imputados ao arguido ocorreram em 03.02.2019.
Defende a Ré, por um lado, que os factos em causa no presente processo disciplinar apenas chegaram ao conhecimento da entidade com competência disciplinar no dia 27 de fevereiro de 2019.
Por outro lado, entende que, contrariamente ao processo disciplinar com intenção de despedimento, não resulta de qualquer normativo que a interrupção do prazo previsto no art.º 329.º, n.º 2 do Código do Trabalho ocorre com a notificação da nota de culpa. No procedimento disciplinar para aplicação de sanção conservatória a lei não toma como referência a notificação da nota de culpa (que até poderá não existir por escrito) para interromper o prazo de caducidade. O presente processo disciplinar foi instaurado nos 60 dias subsequentes ao conhecimento da infração disciplinar, uma vez que foi mandado instaurar por despacho da Direção Executiva da Direção de Exploração, entidade com competência disciplinar, no dia 15 de março de 2019.
Vejamos.
No que diz respeito ao conhecimento dos factos por parte da Ré, resulta dos factos provados em 11 e 12 que a Ré, na pessoa do superior hierárquico do Autor, tomou conhecimento dos factos no dia em que os mesmos ocorreram, ou seja, em 03/02/20219.
No que diz respeito à interrupção do prazo de caducidade previsto no art.º 329.º, n.º 2 do Código do Trabalho, é certo que o procedimento previsto nos artigos 351.º a 358.º do Código do Trabalho diz respeito ao procedimento disciplinar com intenção de despedimento. Sucede que, na falta de outras disposições legais, este procedimento é igualmente seguido nos casos de aplicação de sanção conservatória. A não ser assim, seria insindicável para o trabalhador e para o tribunal conhecer o momento de instauração do procedimento disciplinar. No caso dos autos a Ré defende que o procedimento disciplinar se iniciou com o despacho da Direção Executiva da Direção de Exploração, entidade com competência disciplinar que, no dia 15 de março de 2019, mandou instaurar tal procedimento. Sucede que este documento é um documento interno da Ré, do qual o trabalhador não tem conhecimento, sendo o mesmo insindicável judicialmente.
O único facto interruptivo daquele prazo de caducidade previsto no art.º 329.º, n.º 2 do Código do Trabalho, sem prejuízo da existência de processo prévio de inquérito, nos termos do disposto no art.º 352.º do Código do Trabalho, que no caso dos autos não releva, uma vez que a Ré não lhe faz qualquer referência, é a notificação da Nota de Culpa, que no caso dos autos ocorreu em 10/04/2019.
Ora, tendo os factos ocorrido em 03/02/2019, sendo do imediato conhecimento da entidade empregadora, aqui Ré, decorreram mais de 60 dias entre tal conhecimento dos factos imputados ao trabalhador e a notificação da Nota de Culpa respetiva, pelo que ocorreu a caducidade do procedimento disciplinar, nos termos conjugados dos artigos 329.º, n.º 2 e 353.º, n.º 3, ambos do Código do Trabalho.
Procedendo a exceção de caducidade do procedimento disciplinar aqui em causa, deve ser revogada a sanção disciplinar imposta ao Autor - um dia de suspensão com perda de retribuição e de antiguidade – condenando a Ré a repor a quantia descontada no vencimento do Autor a título de reposição salarial, no valor de €36,70, bem como do respetivo subsídio de alimentação, de duodécimos de subsídio de Natal, e de antiguidade, por virtude da aplicação daquela sanção».
III.2 - Em suma, o Tribunal a quo chegou à decisão recorrida com base nos pressupostos seguintes:
- “resulta dos factos provados em 11 e 12 que a Ré, na pessoa do superior hierárquico do Autor, tomou conhecimento dos factos no dia em que os mesmos ocorreram, ou seja, em 03/02/20219”;
- O “despacho da Direção Executiva da Direção de Exploração, entidade com competência disciplinar que, no dia 15 de março de 2019, mandou instaurar tal procedimento. [..] é um documento interno da Ré, do qual o trabalhador não tem conhecimento, sendo o mesmo insindicável judicialmente”;
- O único facto interruptivo daquele prazo de caducidade previsto no art.º 329.º, n.º 2 do Código do Trabalho, [..] é a notificação da Nota de Culpa, que no caso dos autos ocorreu em 10/04/2019.
A recorrente reitera a posição defendida na contestação e, argumentando com apoio na jurisprudência citada, discorda em toda a linha com aquele entendimento, sustentando que o conhecimento dos factos pela Ré só ocorreu em 27 de Fevereiro - com a comunicação dirigida ao órgão hierárquico com competência disciplinar-, a partir daí tendo tido início o prazo de 60 dias, o qual foi interrompido em 15 de Março, com o despacho da Direcção Executiva determinando a instauração do processo disciplinar.
Por sua banda, o recorrido autor acompanha a sentença e vem defender que o Dr. G…, responsável pela produção, decidiu instaurar o processo disciplinar, através do documento de 27.02.2019, por si subscrito, pelo que tinha competência disciplinar. E, como já tivera conhecimento dos factos em 03. Fev. 2019, enquanto superior hierárquico com essa competência, o prazo de 60 dias iniciou-se a 4 de Fevereiro de 2019, pelo que o processo disciplinar deveria iniciar-se até ao dia 4 de Abril de 2019, o que não aconteceu, já que a nota de culpa não chegou ao seu conhecimento dentro desse prazo, pois a mesma foi remetida, por correio, no dia 09.04.2019, tendo-a recebido no dia 10.04.2019, quando já caducara o direito ao exercício do procedimento disciplinar, relativamente à matéria dos factos nela constantes.
Passando à apreciação das posições me confronto, importa começar por referir que nesse desiderato seguiremos de perto a fundamentação do acórdão de 29-04-20115, do Tribunal da Relação de Lisboa [Proc.º 4707/13.4TTLSB.L1, disponível em www.dgsi.pt], aqui invocado pela recorrente, que ali foi recorrida, no qual foi apreciada questão similar à dos presentes autos. Releva também referir que, por coincidência, o referido acórdão foi relatado pelo aqui relator, bem assim que os excelentíssimos adjuntos subscrevem o entendimento ali afirmado.
Para ilustrar a similitude dos casos, começaremos por deixar o sumário do referido aresto, na parte que aqui interessa, onde consta o seguinte:
-«[..]
III. Tratando-se de procedimento disciplinar que tenha em vista aplicar qualquer outra sanção menos gravosa que o despedimento, em conformidade com o estabelecido no n. º 2, do art.º 329.º, “O procedimento disciplinar deve iniciar-se nos 60 dias subsequentes àquele em que o empregador, ou o superior hierárquico com competência disciplinar, teve conhecimento da infracção”. E, diversamente do estabelecido no n.º3, do art.º 353.º para o processo disciplinar com intenção de despedimento, não resulta de qualquer normativo que a interrupção desse prazo ocorre com a notificação da nota de culpa.
IV. Este procedimento disciplinar menos complexo nem sequer está sujeito a forma escrita. O que é indispensável é que sejam observados os princípios da audiência prévia (art.º 329.º n.º 6), do direito de defesa do trabalhador e da proporcionalidade da aplicação da sanção, bem como respeitados os prazos para o exercício do poder disciplinar (329.º/2), punibilidade da infracção (329.º/1) e aplicabilidade da sanção (329.º/3).
V. No procedimento disciplinar para aplicação de sanção conservatória a lei não toma como referência a notificação da nota de culpa (que até poderá não existir por escrito) para interromper o prazo de caducidade, apenas relevando o que consta do n.º2, do art.º 329.º, ou seja, “O procedimento disciplinar deve iniciar-se (…)”, entendendo-se como tal a decisão de instauração do procedimento disciplinar.
VI. No caso concreto essa decisão foi tomada em 10 de Janeiro de 2012, quando a direcção executiva da Ré decidiu pela instauração de processo disciplinar ao autor, o que vale por dizer que o prazo de caducidade de 60 dias, iniciado a 29 de Novembro de 2011, foi interrompido antes de se ter completado, sendo irrelevante que a nota de culpa tenha sido notificada ao Autor em 12.03.2012».
Prosseguindo.
Conforme estabelece o n.º2, do art.º 329.º, do CT, o procedimento disciplinar deve iniciar-se nos 60 dias subsequentes àquele em que o empregador ou o superior hierárquico, com competência disciplinar, teve conhecimento da infracção.
Por outras palavras, o empregador, ou o superior hierárquico com competência disciplinar, após ter tido conhecimento da infracção disciplinar e, necessariamente, do respectivo autor, dispõe do prazo de sessenta dias para iniciar o processo disciplinar.
Esta norma não trouxe qualquer inovação em relação às correspondentes normas que lhe antecederam, mais precisamente, na Lei da Cessação do Contrato de Trabalho (DL 64-A/89 de 27 de Fevereiro) e no Código do Trabalho, na versão anterior, aprovada pela Lei n.º 99/2003.
Com efeito, na vigência da Lei da Cessação do Contrato de Trabalho, por remissão do n.º11, do seu art.º 10.º, para o disposto no art.º 31.º n.º1 da Lei do Contrato de Trabalho (DL n.º 49 408, de 24 Novembro de 1969), resultava que a “(..) entidade patronal, ou o superior hierárquico com competência disciplinar (..)” após ter tido conhecimento da infracção disciplinar, dispunha do prazo de sessenta dias para iniciar o processo disciplinar.
E, no Código do Trabalho na versão anterior (03), dispunha o n.º1 do art.º 372.º: “O procedimento disciplinar deve exercer-se nos 60 dias subsequentes àquele em que o empregador, ou o superior hierárquico com competência disciplinar, teve conhecimento da infracção”.
Aparentemente a norma não oferece especial dificuldade de interpretação. Contudo, importa assinalar que legislador nunca tomou posição expressa quanto à natureza do prazo de 60 dias para início do procedimento disciplinar, tornando inevitável que sucessivamente se tenha colocado a questão de saber se é um prazo de caducidade ou de prescrição.
Reportando-se à legislação anterior ao CT/03, mais precisamente à LCCT, o STJ, em Acórdão de Uniformização de Jurisprudência de 21-05-2003 [Proc.º n.º 02S452, Conselheiro Azambuja da Fonseca, disponível em http://www.dgsi.pt/jstj], fixou jurisprudência no sentido de se tratar de um prazo de caducidade, de conhecimento não oficioso, aplicando-se-lhe, consequentemente, o disposto no n.º2, do art.º 298.º do CC, ao decidir o seguinte: "A caducidade do procedimento disciplinar, nos termos do art. 31º, nº 1, do Regime Jurídico do Contrato Individual do Trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei nº 49408, de 24 de Novembro de 1969, não é de conhecimento oficioso".
A questão não foi ultrapassada com o CT/03 nem com a revisão operada àquele pelo CT/09, mantendo a doutrina e a jurisprudência entendimentos distintos. No sentido de se tratar de um prazo de prescrição, pronuncia-se, por exemplo, o Acórdão da Relação de Lisboa de de 10-2010 [proc.º 58/10.4TTPDL.L1-4, Desembargadora ISABEL TAPADINHAS, disponível em www.dgsi.pt].com apoio na doutrina que cita, nomeadamente, Pedro Romano Martinez [Código do Trabalho Anotado, 8.ª edição, 2009, p. 881]
Divergindo, embora sem entrarem nessa discussão, mas assumindo tratar-se de um prazo de caducidade, pronunciam-se António Monteiro Fernandes [Direito do Trabalho, 14.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2009, pp. 281], ao dizer que “A lei estabelece, actualmente, três condicionamentos temporais do exercício da acção disciplinar: dois prazos de caducidade do direito de acção disciplinar (art.º 329.º/1 e 2) e um prazo de prescrição do procedimento disciplinar (art.º329./3”; e, Pedro Furtado Martins [Cessação do Contrato de Trabalho, 3.ªEdição, Princípia, Julho 2012, p. 197] como resulta, para além do mais, desta passagem: “A contagem dos prazos para iniciar o despedimento – tanto do prazo de caducidade como de prescrição – depende do momento em que se deve ter por verificada a infração. (..)».
Na jurisprudência, entre outros, esse entendimento foi seguido nos Acórdãos da Relação de Lisboa, de 18-12-2013 [Proc.º4523/06.0TTLSB.L1-4, Desembargadora ALDA MARTINS, disponível em www.dgsi.pt]; e, de 25 de Setembro de 2013, proferido [proc.º 552/12.2TTLRS-B.L1] e 27-05-2015 [proc.º 2950/12.2TTLSB.L1-5, disponível em www.dgsi] ambos relatados pelo aqui.
No nosso entender, sendo certo que o CT/03 e o CT/09 não trouxeram alterações de relevo no que respeita à redacção e ao regime do prazo para o exercício da acção disciplinar, não vimos razões para nos distanciarmos do Acórdão de Uniformização de Jurisprudência acima citado.
Seja como for, e é isso que importa aqui realçar, a diferente qualificação da natureza do prazo para instauração do procedimento disciplinar estabelecida no n.º2, do art.º 329.º, não é determinante para a apreciação do caso concreto.
Prosseguindo, está em causa saber se caducou o direito de acção disciplinar da entidade empregadora, no âmbito de um procedimento disciplinar que não teve como propósito proceder ao despedimento do trabalhador, mas antes aplicar-lhe uma sanção disciplinar menos gravosa. O ponto tem relevo, posto que, como observa a Senhora Desembargadora Albertina Pereira, a lei laboral distingue este procedimento disciplinar, “(..) mais simples, enunciado em termos genéricos, não sujeito a forma escrita e destinado à generalidade das infracções disciplinares”, daquele outro “(..) mais complexo, obrigatoriamente escrito, com fases expressamente definidas e enunciação dos direitos e deveres das partes, destinado à efectivação do despedimento com justa causa do trabalhador. Qualquer dos procedimentos assume, porém, natureza inquisitória, são-lhe aplicáveis os princípios da audiência prévia, ou direito de defesa do trabalhador arguido, bem como o da proporcionalidade na aplicação de sanções. Continuam ainda a prescrever-se prazos para o exercício do poder disciplinar, punibilidade da infracção e aplicabilidade da sanção” [Procedimento disciplinar – velhas e novas questões, p. 1, disponível em www.trp.pt].
Mas embora a lei não imponha o mesmo formalismo relativamente aos procedimentos disciplinares que não tenham a intenção de despedimento, como defende a autora, em posição que acompanhamos, mesmo nestes casos “(..) será de toda a conveniência que seja escrito, pois de outro modo, não se vislumbra como poderá o trabalhador arguido defender-se convenientemente da acusação, reclamar da sanção aplicada pelo empregador e este demonstrar que foi devidamente assegurado o direito de defesa do trabalhador, que a sanção foi proporcional à infracção, assim como demonstrar no registo escriturado que deve apresentar às autoridades competentes que foram cumpridas as formalidades exigidas pelo legislador (art. 376)”[estudo Cit. p.4].
A prática mostra que as entidades empregadoras, certamente ponderando aquelas mesmas razões, em geral, optam por observar, pelo menos em termos próximos, o formalismo próprio para o procedimento disciplinar com intenção de despedimento, mesmo quanto há apenas o propósito de aplicar sanção disciplinar menos gravosa. Foi exactamente o que aqui aconteceu.
Comecemos, pois, por deixar algumas notas essenciais sobre o procedimento disciplinar com intenção de despedimento, mas necessariamente sem perder de vista que esse não é o caso dos autos. Daí assinalar-se já, como adiante veremos, que há exigências deste procedimento mais complexo que não têm aplicação aos demais casos de procedimento disciplinar, mesmo que a entidade empregadora neles opte por seguir uma tramitação próxima daqueles primeiros.
Em regra, o procedimento disciplinar com intenção de despedimento inicia-se com a comunicação pelo empregador ao trabalhador da intenção de proceder ao seu despedimento. De acordo com o disposto no art.º 353.º n.º1, do CT, essa comunicação deverá ser efectuada por escrito, devendo o empregador juntar-lhe igualmente a nota de culpa com descrição circunstanciada dos factos que imputa ao trabalhador e, que na perspectiva daquele, consubstanciam uma ou mais infrações disciplinares.
Neste procedimento, conforme estabelece o n.º 3 do art.º 353.º do CT, a notificação da nota de culpa interrompe o prazo de caducidade de 60 dias, previsto no n.º 2 do art.º 329.º do CT (bem como o prazo de prescrição do n.º 1 do mesmo artigo).
Mas como decorre expressamente do art.º 352.º do CT, a interrupção do prazo de 60 dias poderá ocorrer, ainda, com a instauração de inquérito prévio, a que pode haver lugar quando o mesmo seja necessário para fundamentar a nota de culpa. Contudo, o procedimento prévio de inquérito só assegura esse efeito desde que, cumulativamente, se verifiquem os pressupostos seguintes: i) “necessário para fundamentar a nota de culpa; ii) “ocorra nos 30 dias seguintes à suspeita de comportamentos irregulares” iii) “seja conduzido de forma diligente”; e, iv) “a nota de culpa seja notificada até 30 dias após a conclusão do mesmo”.
A lei não impõe que o procedimento prévio de inquérito deva ser realizado em determinado prazo, apenas exigindo que seja “seja conduzido de forma diligente”. Porém, embora a questão aqui não se coloque, não é despiciendo relembrar que, conforme estabelece o n.º3, do art.º 329.º CT, “O procedimento disciplinar prescreve decorrido um ano contado da data em que é instaurado quando, nesse prazo, o trabalhador não seja notificado da decisão final”, sendo que este prazo não se interrompe.
Como elucida António Monteiro Fernandes, o prazo de caducidade de sessenta dias « (..) assenta na ideia de que a maior ou menor lentidão no desenvolvimento do processo disciplinar exprime o grau de relevância atribuído pelo empregador à conduta (eventualmente) infractora; o facto de este processo não se iniciar dentro dos sessenta dias subsequentes ao conhecimento da referida conduta constitui presunção iures et jure de irrelevância disciplinar. Assim, o direito de “agir” contra o trabalhador, iniciando o procedimento disciplinar, extingue-se» [Op. Cit, pp. 282].
Para efeitos do início da contagem do prazo, o que releva é o conhecimento pelo empregador, ou o superior hierárquico com competência disciplinar. A interpretação da norma é inequívoca, isto é, não basta que haja conhecimento da infracção disciplinar e do seu autor por um qualquer superior hierárquico. É necessário, cumulativamente, que este, para além dessa posição na estrutura hierárquica da organização, detenha ainda poderes para exercer o direito da acção disciplinar em representação do empregador.
E, tratando-se de um prazo de caducidade do exercício do poder disciplinar, por força do disposto no n.º1, do art.º 342.º do CC, é sobre o trabalhador que recai o ónus de alegar e provar os factos que permitam concluir que decorreram mais de 60 dias entre a data do conhecimento da infracção e aquela em que se iniciou o procedimento disciplinar, uma vez que se trata de um facto constitutivo da pretensão de declaração de ilicitude do despedimento (art.º 342.º, n.º 1, do C.C.) [cfr., Acórdãos do STJ, de 17/10/2007, proc.º 07S2314, Sousa Peixoto; e, de 13/10/2010, proc.º 673/03.2TBRR.L1.S1, Mário Pereira, disponíveis em http://www.dgsi.pt/jstj].
Como facilmente se constata consagravam-se já as soluções que vieram a ser acolhidas no CT/03, que revogou e sucedeu àquele diploma, e que actualmente constam dos art.ºs 329.º n.º2, 352.º e 353.º n.º3. E, como logo se percebe, nos termos expressos da lei, em caso de procedimento disciplinar com intenção de despedimento, é a comunicação da nota de culpa que se repercute sobre o decurso do prazo de 60 dias, interrompendo-o.
O procedimento disciplinar que tenha em vista aplicar qualquer outra sanção menos gravosa que o despedimento, em conformidade com a regra estabelecida no n. º 2, do art.º 329.º, “[..] deve iniciar-se nos 60 dias subsequentes àquele em que o empregador, ou o superior hierárquico com competência disciplinar, teve conhecimento da infracção”, mas diversamente do estabelecido no n.º3, do art.º 353.º para o processo disciplinar com intenção de despedimento, não resulta de qualquer normativo que a interrupção desse prazo ocorre com a notificação da nota de culpa.
Mais, convém manter presente que este procedimento disciplinar menos complexo nem sequer está sujeito a forma escrita. O que é indispensável é que sejam observados os princípios da audiência prévia (art.º 329.º n.º 6), do direito de defesa do trabalhador e da proporcionalidade da aplicação da sanção, bem como respeitados os prazos para o exercício do poder disciplinar (329.º/2), punibilidade da infracção (329.º/1) e aplicabilidade da sanção (329.º/3).
Pedro Furtado Martins, reportando-se ao procedimento disciplinar com intenção de despedimento, mas tendo aplicabilidade quanto à questão, observa o seguinte:
- “Em rigor o procedimento não se inicia com a nota de culpa, nem com a respectiva elaboração, nem com a sua comunicação ao trabalhador, embora seja este último momento que a lei toma como referência para a contagem dos prazos de prescrição e de caducidade. (..) Porém, a determinação do momento em que se inicia o procedimento é relevante para outros efeitos, designadamente para a contagem do prazo estabelecido no artigo 329.º,3.
Pensamos que o ato que marca o início do procedimento de despedimento é a decisão do empregador – ou do superior hierárquico com competência disciplinar – de promover a abertura do procedimento contra dado trabalhador.
É certo que se pode dizer que esta decisão em si não faz parte do procedimento, pois parece situar-se a montante do mesmo, só tendo o procedimento início quando é praticado algum ato subsequente, como por exemplo a nomeação do instrutor ou a realização por este de alguma diligência preparatória da nota de culpa. Contudo, tendo presentes as razões que estão por detrás da imposição dos prazos do procedimento – evitar que a inação do trabalhador se mantenha, depois de ter conhecimento de certo trabalhador praticou determinada infração grave, susceptível de inviabilizar a prossecução da relação de trabalho -, julgamos que se deve entender que, em regra, este se inicia no momento em que é tomada a decisão de instaurar o procedimento» [Op. Cit. Pp. 200/201].
Acompanha-se este entendimento.
Nessa consideração, sendo certo que no procedimento disciplinar para aplicação de sanção conservatória a lei não toma como referência a notificação da nota de culpa (que até poderá não existir por escrito) para interromper o prazo de caducidade, então apenas releva o que consta do n.º2, do art.º 329.º, ou seja, “O procedimento disciplinar deve iniciar-se (…)”, entendendo-se como tal a decisão de instauração do procedimento disciplinar pelo empregador ou superior hierárquico com competência delegada para esse efeito.
Refere o Tribunal a quo que o “despacho da Direção Executiva da Direção de Exploração, entidade com competência disciplinar que, no dia 15 de março de 2019, mandou instaurar tal procedimento. [..] é um documento interno da Ré, do qual o trabalhador não tem conhecimento, sendo o mesmo insindicável judicialmente”, para nessa consideração defender que “O único facto interruptivo daquele prazo de caducidade previsto no art.º 329.º, n.º 2 do Código do Trabalho, [..] é a notificação da Nota de Culpa, que no caso dos autos ocorreu em 10/04/2019”.
Com o devido respeito, cremos que este entendimento não tem apoio na lei, não podendo esquecer-se que o intérprete deve ter em conta a unidade do sistema jurídico, não podendo considerar o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso, e devendo presumir que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (art.º 9.º do CC)
Com efeito, crendo-se ser inequívoco que o legislador não pretendeu sujeitar o procedimento disciplinar para aplicação de sanção conservatória às exigências formais do procedimento com intenção de despedimento, como dissemos, o certo é que não decorre de qualquer preceito legal que àquele primeiro deva aplicar-se a obrigatoriedade de elaboração de nota de culpa. Daí que, em termos lógicos, se tivesse sido intenção do legislador que a nota de culpa fosse, em qualquer caso, o único facto interruptivo do prazo de caducidade previsto no art.º 339.º 2, do CT, então parece-nos que tal não poderia ter deixado de ficar expressamente afirmado.
Poderá questionar-se, como parece estar subjacente à fundamentação do Tribunal a quo, se assim ficam salvaguardados os direitos do trabalhador, designadamente para obstar a que este fique sujeito ao risco do empregador fazer constar artificiosamente dos documentos que comprovem a instauração do procedimento disciplinar uma data que salvaguarde o cumprimento do prazo de caducidade. Porém, salvo melhor opinião, não nos parece que esse risco se perfile como relevante, dado que a sanção disciplinar não pode ser aplicada sem a audiência prévia do trabalhador e que lhe deve ser assegurada a possibilidade de exercer o direito de defesa [art.º 329.º 6, CT], bem assim que “ O procedimento disciplinar prescreve decorrido um ano contado da data em que é instaurado quando, nesse prazo, o trabalhador não seja notificado da decisão final” [art.º 329.º 6 CT), acrescendo que nada obsta a que o trabalhador alegue e demonstre que o procedimento foi instaurado para além do prazo de 60 dias, crendo-se que através destas garantias estará suficientemente salvaguardada a sua posição.
Mas como se disse, ponto incontornável, é que não pode retirar-se de qualquer norma que seja exigível a elaboração de nota de culpa nos casos de procedimento disciplinar para aplicação de sanção conservatória. De resto, como até nem resulta sequer que haja obrigatoriedade do empregador comunicar ao trabalhador a decisão de instaurar o procedimento disciplinar.
Revertendo ao caso, está provado que [9] «Na Deliberação do Conselho de Administração n.º 20/2017, com o assunto
“Normativa de Delegação de Poderes da C…– , EPE, consta “Ficam reservados à Direção Executiva da I… (..): a) proceder à instauração de processos disciplinares, em relação a trabalhadores dos serviços sob a sua dependência».
Vale isto por dizer, que dentro da estrutura organizacional da entidade empregadora, para além do Conselho de Administração, o titular do poder disciplinar, a competência disciplinar – instaurando processos disciplinares -, só pode ser exercida pela Direção Executiva da Direção de Exploração, por via da delegação de poderes por aquele órgão máximo da empresa.
Justamente por isso, conforme se retira do facto 8, a decisão de instauração do procedimento disciplinar foi tomada por aquela Direcção, em 15 de Março de 2019, comunicando-a à Direcção Jurídica para instruir o procedimento, referindo essa comunicação, para além o mais, que “Face às conclusões a que se chegou através do presente Expediente, a Direção Executiva da Direção de Exploração, decidiu pela instauração de Processo Disciplinar (…)” (cfr. doc. n.º 1, fls. 1.6 junto com a contestação)”.
E, também por essa precisa razão, após a conclusão da instrução do procedimento disciplinar e remessa do mesmo pela Direcção Jurídica à Direcção Executiva da Direcção de Operação [facto 14), foi tomada a decisão de aplicação da sanção disciplinar, por deliberação daquele órgão colectivo, em reunião de 14 de Agosto de 2019 [facto 5].
Por conseguinte, sendo inquestionável a quem competia o exercício do poder disciplinar, então tal significa necessariamente que o prazo de 60 dias previsto no art.º 329.º n.º2, do CT, só se iniciou com o conhecimento da infracção por aquele órgão colectivo, não estando correcto o entendimento do Tribunal a quo, ao ter considerado “resulta[r] dos factos provados em 11 e 12 que a Ré, na pessoa do superior hierárquico do Autor, tomou conhecimento dos factos no dia em que os mesmos ocorreram, ou seja, em 03/02/20219”.
Na verdade, todo o encadeamento de e-mails que resulta dos factos provados 11, 12 e 13 (aditado) revelam o conhecimento inicial de factos susceptíveis de constituírem infracção disciplinar por superiores hierárquicos do autor, mas sem que qualquer deles tivesse, só por si, competência para o exercício do poder disciplinar, a que se seguiu um procedimento sumário para averiguação mais detalhada dos factos, o qual foi determinado pelo superior hierárquico com competência para tal – J…, no reencaminhamento de 4 Fev., pelas 10:43., dizendo “Para esclarecer” - mas sem que isso signifique, ou sequer seja confundível, com a competência para a instauração do procedimento disciplinar.
Esse procedimento sumário, que foi realizado por H…, teve como objectivo recolher elementos mais detalhes, ou como neles se lê, “esclarecer” a situação, de modo a possibilitar a formação de um juízo valorativo sobre a gravidade de tais factos, para ponderação da decisão de propor, ou não, à Direcção Executiva da Direcção de Exploração, a entidade com competência para tal, a instauração de procedimento disciplinar. E, conduziu à informação prestada por aquele H…, em 13 de Fevereiro de 2019, pelas 16:41, remetida a K…, na qual são enunciados os factos apurados e no final, em termos de conclusão, a opinião do próprio, fazendo constar “[..] é nosso parecer, salvo melhor opinião, que o Sr. B… [..], deve ser responsabilizado disciplinarmente
Percorrendo a estrutura hierárquica e de competências perceptível nos sucessivos reenvios das mensagens electrónicas efectuados para levar a informação inicial a J… e à decisão deste acima referida – “Para esclarecer” - , K… reencaminhou a mensagem de H… , no mesmo dia 13 de Fevereiro, pelas 16:48, para J…, como texto “Envio informação prestada pelo ICSC H… que é clara, objectiva e esclarecedora. Concordo integralmente com a proposta de instauração de PD”.
Por seu turno, J…, no dia 14 de Fevereiro de 2019, pelas 10:43, remeteu aquelas mensagens para G…, com o texto “Junto se envia apuramento realizado sobre este assunto para análise e decisão”. Este último, no mesmo dia 14 de Fevereiro, pelas 10:53, responde (com o reenvio das mensagens anteriores) àquele J…, com o texto “De acordo. Preparar o procedimento habitual para instauração de PD ao ORV em causa”, deduzindo-se por aquele conteúdo imperativo que estará acima deste na estrutura hierárquica.
Enfim, seguem-se outras mensagens com reencaminhamento referidas no final do facto 13, culminando com a enviada por J… a L…, em 14 de Fevereiro, pelas 16:02, com a indicação “Boa tarde Sr.ª Dr.ª L…, para prosseguimento do expediente como habitualmente”.
Como cremos ter deixado evidenciado, desse conjunto de mensagens electrónicas iniciadas a 3 de Fevereiro de 2019 e que se seguiram sucessivamente até àquela última de 14 de Fevereiro de 2019, não resulta que a Direcção Executiva da Direcção de Exploração, o órgão colectivo na estrutura organizacional da Ré com competência para instaurar o procedimento disciplinar em causa, tenha tido conhecimento da infracção imputada ao autor.
Esse conhecimento só vem a ocorrer com a comunicação dos factos à Direcção Executiva, como resulta do documento de 27 de Fevereiro de 2019, referido no facto provado 10, emitido pela “I… e dirigido a “Direção Executiva”, mencionando como assunto “Incumprimento do dever de obediência a uma ordem”, “Proposta de instauração de Processo Disciplinar ao Operador de Revisão e Venda, Sr. B…”, subscrito pelo Responsável da Produção”.
Com efeito, decorre literalmente do texto - desde logo, do que é feito constar como “Assunto”, mas também do relato factual que se segue -, que o subscritor está a elencar os factos que foram previamente apurados, tendo em vista propor àquela Direcção a instauração de Processo Disciplinar ao autor. É com base nessa comunicação que subsequentemente, em 15 de Março de 2019, a Direcção Executiva da Direcção de Exploração toma a deliberação de instaurar o procedimento disciplinar por aqueles factos, dando essa indicação à Direcção Jurídica, nos termos do documento a que se refere o facto 8, finalizado com mençãoA Direção Executiva da Direção de Exploração”, sob a qual constam manuscritas três assinaturas ilegíveis.
Por esta ordem de razões, não se reconhece razão ao recorrido na construção que faz, assente no pressuposto base de que o Dr. G…, tinha competência disciplinar para instaurar o procedimento disciplinar – alegando que o instaurou através do documento de 27 de Fevereiro de 2019- e que teve logo conhecimento dos factos em 3 de Fevereiro de 2019. Repetindo-nos, para além do Conselho de Administração da Recorrida, o órgão com essa competência delegada é a “Direção Executiva da Direção de Exploração”, com composição colectiva (facto 9). A comunicação de 27 de Fevereiro de 2019 visou provocar a deliberação daquele órgão colectivo no sentido de ser instaurado o procedimento disciplinar relativamente à factualidade comunicada, o que veio a ocorrer em 15 de Março de 2019 (facto). Foi através daquela comunicação que a Direção Executiva da Direção de Exploração tomou conhecimento da matéria susceptível de procedimento disciplinar comunicação.
Assim sendo, conclui-se que o prazo de 60 dias previsto no art.º 329.º n.º2, do CT, isto é, para a Ré empregadora iniciar o procedimento disciplinar, começou a correr a 28 de Fevereiro de 2019, dia seguinte àquele em que a Direcção Executiva da Direcção de Exploração, o órgão colectivo na estrutura organizacional da Ré com competência para instaurar o procedimento disciplinar em causa, teve conhecimento da infracção imputada ao autor.
O procedimento disciplinar visou a aplicação de sanção conservatória, pelo que se considera iniciado com a deliberação da Direcção Executiva, tomada em reunião de 15 de Março de 2019, o que vale por dizer que o prazo de caducidade de 60 dias, que começara a correr a 28 de Fevereiro de 2019, foi interrompido antes de se ter completado, sendo irrelevante que a nota de culpa tenha sido notificada ao Autor no dia 10.04.2019 [facto 3].
Concluindo, procede o recurso, devendo ser revogada a decisão recorrida e, em consequência, determinado o prosseguimento da causa para apreciação das demais questões.
IV. AMPLIAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
O recorrido autor, a título subsidiário, requereu a ampliação do objecto do recurso, nos termos do n.º2, do art.º 636.º, para o caso deste Tribunal de recurso “concluir pela insuficiência dos factos provados para a manutenção da decisão proferida [..]” pretendendo sejam “[..]incluídos na fundamentação de facto, “ os factos seguintes [conclusões II, MM, NN, OO, PP, QQ, e RR].
- “A última diligência probatória requerida na nota de culpa, foi no dia 13.05.2019”;
- “O relatório apresentado pela instrutora o processo disciplinar é datado de 15.07.2019;”;
- “Foi proferida decisão do processo disciplinar pela Recorrida a 14.08.2019”;
- “O Recorrido tomou conhecimento da sanção disciplinar aplicada pela Recorrente em 17.10.2019”.
[Cfr. conclusões II, MM, NN, OO, PP, QQ, e RR]
Uma nota, para assinalar que conforme melhor elucida a conclusão LLL, a ampliação do objecto do recurso assenta no pressuposto de serem “[..] eliminados e a não dar como provados os pontos 10,11 e 12 dos factos provados da Douta Sentença, e tidos como insuficientes para a procedência da causa, os demais factos dados como tal [..]”.
Mas prosseguindo, nas conclusões TT a FFF, o recorrido desenvolve argumentação para sustentar que o prazo de 30 dias, previsto no art.º 357.º n.º1, do CT, aplica-se “(..) necessariamente [..] quer à aplicação do despedimento, quer às sanções conservatórias”.
Nessa consideração, passa a argumentar [conclusões GGG a JJJ] que “ [..] a última diligência probatória requerida na nota de culpa, foi no dia 13.05.2019 (veja-se Doc.1, fls 1.36 a 1.38 junto com a contestação), o relatório apresentado pela instrutora o processo disciplinar é datado de 15.07.2019, tendo sido proferida decisão pela Recorrente supostamente a 14.08.2019 a qual chegou ao conhecimento do Recorrido em 17.10.2019”; “[..] o início do prazo ocorreu no momento do depoimento da testemunha N… a 13.05.2019, o que releva para efeitos do referido preceito legal, não é a data da decisão disciplinar (14.08.2019), mas sim a do conhecimento pelo trabalhador, o que no caso em apreço, só ocorreu no dia 17.10.2019, por isso mais de 30 dias volvidos sobre aquele depoimento, Porquanto, já tinha efetivamente caducado o prazo para a prolação da sanção, tendo caducado o direito da Ré de aplicar sanção em 23.10.2019”.
Conclui que “[..] a Recorrente não podia sancionar o Recorrido, tendo sido ultrapassado o prazo, caducou o direito de proferir decisão condenatória naquele procedimento disciplinar. [..] eliminados e a não dar como provados os pontos 10,11 e 12 dos factos provados da Douta Sentença, e tidos como insuficientes, para a procedência da causa, os demais factos dados como tal, considerados que sejam provados os factos vindos de referir e aditados à factualidade provada, dúvidas não restarão para que conclua pela caducidade para a prolação da sanção disciplinar e, consequentemente, precludido o direito da Recorrente de aplicar sanção em 23.10.2019” [Conclusões KKK e LLL].
Pois bem, em primeiro lugar os factos 10, 11 e 12 não foram dados como não provados e eliminados. De resto, o recorrente parte para esta construção ancorado erroneamente na premissa de que a Recorrente pretendia impugnar a decisão sobre a matéria de facto.
Cremos, pois, que não se preenche o pressuposto que justificou a ampliação do objecto do recurso e, logo, que não há lugar à sua apreciação, por prejudicada.
Não obstante, sendo certo que o recurso procedeu, se entendermos que tal é suficiente para justificar a apreciação da ampliação do objecto do recurso, então outra razão obsta à sua apreciação. Passamos a justificar esta asserção.
Como se retira da argumentação do recorrente, este pretende que se reaprecie a matéria de facto para aditar novos factos, nomeadamente, os seguintes:
A última diligência probatória requerida na nota de culpa, foi no dia 13.05.2019”;
- “O relatório apresentado pela instrutora o processo disciplinar é datado de 15.07.2019;”;
- “Foi proferida decisão do processo disciplinar pela Recorrida a 14.08.2019”;
- “O Recorrido tomou conhecimento da sanção disciplinar aplicada pela Recorrente em 17.10.2019”.
E, com essa alteração ao elenco da matéria de facto visa um propósito que expressa claramente, em concreto, que se “conclua pela caducidade para a prolação da sanção disciplinar e, consequentemente, precludido o direito da Recorrente de aplicar sanção em 23.10.2019”.
Acontece que o Tribunal a quo não se pronunciou sobre essa questão, o que bem se compreende pois não foi suscitada pelo autor na petição inicial. Na verdade, como se constata pela consulta desse documento, o título “1) Caducidade” abrange os artigos 12 a 22, onde é suscitada apenas a questão que foi apreciada pelo tribunal a quo, ou seja, a caducidade do direito de exercício do poder disciplinar. Mais se diga, que percorrendo toda a petição inicial, não se vislumbra que nela tenha sido suscitada a questão agora colocada.
Trata-se, pois, da introdução de uma questão de direito que não foi submetida à apreciação da 1.ª instância, nem esta apreciou, por essa razão não podendo este tribunal de recurso dela conhecer, como tem sido entendimento corrente da doutrina e da jurisprudência. Apenas nos casos expressamente previstos (cfr. artigo 665º nº 2, 608º, nº 2, CPC), pode o tribunal superior substituir-se ao tribunal que proferiu a decisão recorrida.
Com efeito, a jurisprudência tem reiteradamente entendido que os recursos não visam criar e emitir decisões novas sobre questões novas (salvo se forem de conhecimento oficioso), mas impugnar, reapreciar e, eventualmente, modificar as decisões do tribunal recorrido, sobre os pontos questionados e “dentro dos mesmos pressupostos em que se encontrava o tribunal recorrido no momento em que a proferiu” [Cfr. Acórdãos do STJ (disponíveis em www.dgsi.pt): de 22-02-2017, proc.º 519/15.4T8LSB.L1.S1, Conselheiro Ribeiro Cardoso; de 14-05-2015, proc.º 2428/09.1TTLSB.L1.S1, Conselheiro Melo Lima; de 12-09-2013, proc.º 381/12.3TTLSB.L1.S1 e de 11-05-2011, proc.º786/08.4TTVNG.P1.S1, Conselheiro Pinto Hespanhol].
Por conseguinte, rejeita-se a apreciação da ampliação do objecto do recurso.
V. DECISÃO
Em face do exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar o recurso procedente, revogando a decisão recorrida e, em consequência, o prosseguimento da causa para apreciação das demais questões.
Mais decidem, rejeitar a ampliação do objecto do recurso.

Custas do recurso (art.º 527.º CPC) a cargo do recorrido, atento o decaimento.

Porto, 18 de Outubro de 2021
Jerónimo Freitas
Nelson Fernandes
Rita Romeira