Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
4291/13.9TBVFR.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JUDITE PIRES
Descritores: CONTRATO PROMESSA
FIXAÇÃO DE PRAZO
NULIDADE
INCUMPRIMENTO
Nº do Documento: RP201605054291/13.9TBVFR.P1
Data do Acordão: 05/05/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º 59, FLS.154-169)
Área Temática: .
Sumário: I - No contrato-promessa está-se perante uma obrigação que tem por objecto uma prestação de facto positivo, um “facere”: duas pessoas obrigam-se a fazer, mais tarde, um certo contrato, diferindo, não já o cumprimento deste, mas a sua própria celebração.
II - Também no contrato-promessa as partes estão vinculadas ao princípio da pontualidade. O devedor cumpre quando realiza a prestação a que se vinculou, ou seja, quando emita a declaração de vontade correspondente ao contrato prometido.
III - Em caso de incumprimento do contrato-promessa, um dos meios de reacção facultados ao promitente não faltoso consiste na resolução do contrato, a qual, porém, não se compadece com uma situação de simples mora – atraso na realização da prestação devida IV -, antes exige o incumprimento definitivo.
V - Este deriva de uma situação de mora, consumando-se pela perda do interesse do credor na prestação, avaliada essa perda de interesse em termos objectivos e não na perspectiva dos interesses subjectivos do credor em causa, ou pela omissão de cumprimento pelo devedor em prazo razoável que lhe haja sido fixado e comunicado pelo credor – interpelação admonitória.
VI - Não tendo as partes estipulado no contrato-promessa prazo certo para o seu cumprimento, não é lícito a fixação do mesmo, unilateralmente, por uma das partes.
VII - Não acordando as partes na fixação do prazo, terá este de ser judicialmente fixado.
VIII - Para a constituição em mora exige-se a prévia determinação do prazo para o cumprimento.
IX - Não é inválido o contrato-promessa relativo a terreno sujeito a loteamento sem que, à data da sua celebração, se mostre comprovado o respectivo licenciamento, sendo este exigível, todavia, no acto da celebração da escritura notarial que confira execução ao contrato prometido ou para a sentença de execução específica, que considere procedente a correspondente acção, que, dispensando a escritura, produz os mesmos efeitos desta.
X - A sanção com que o artigo 892º do Código Civil comina a venda de bens alheios apenas se aplica em relação ao contrato de compra e venda, não ao respectivo contrato-promessa com eficácia obrigacional.
XI - Deve considerar-se abusiva a invocação de nulidade de um contrato-promessa decorridos vinte anos sobre a data da sua celebração sem que antes, em momento algum, a parte que invocou o vício tenha questionado a validade do contrato, criando confiança nos restantes contraentes de que não poria em causa essa validade.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 4291/13.9TBVFR.P1
Comarca de Aveiro
Santa Maria da Feira – Inst. Local – Secção Cível – J3

Relatora: Judite Pires
1º Adjunto: Des. Aristides de Almeida
2º Adjunto: Des. Teles de Menezes

Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I.RELATÓRIO
1. B… e mulher, C… intentaram acção declarativa, sob a forma sumária, contra Junta de Freguesia de …, pedindo:
a) A condenação da Ré no reconhecimento das cessões da posição contratual no contrato-promessa de compra e venda celebrado em 04.09.1996, em consequência das quais os Autores passaram a ocupar exclusivamente a posição de promitentes compradores;
b) Se declare resolvido o contrato promessa em causa nestes autos, celebrado entre a Ré e os antecessores dos Autores, por incumprimento definitivo da Ré;
c) restituir a Ré aos Autores a quantia recebida a título de sinal, em dobro, no valor de € 24.540,86, acrescida de juros legais desde a citação e até efetivo e integral pagamento.
Alegaram, para tanto, que através do contrato-promessa de compra e venda, celebrado em 4 de Setembro de 1996, a Ré prometeu vender a D… e mulher E…, e estes prometeram comprar-lhe, um terreno com projecto para construção urbana devidamente aprovado, sito no Lugar do …, da freguesia de …, concelho de Santa Maria da Feira, do loteamento sito nos referidos lugar e freguesia, designado por lote de terreno nº .., pelo preço de 2.460.000$, equivalente a € 12.270,43.
Mais referiram que os então promitentes compradores e a Ré, na altura em que assinaram o referido contrato, condicionaram-no ao loteamento do terreno, respectiva aprovação e registo predial, da responsabilidade desta, com vista à realização da escritura do contrato definitivo, sendo que logo que aprovado o loteamento, os promitentes compradores poderiam manifestar a vontade em celebrar o contrato definitivo, avisando a Ré com antecedência de 30 dias e em nome de quem queriam que fosse feita a escritura.
Acrescentaram que os promitentes compradores originais efectuaram o pagamento do preço estipulado da seguinte forma: na data da assinatura do referido contrato-promessa, entregaram à Ré a quantia de 984.000$00, equivalente a € 4.908,17, correspondendo a 40% do preço global, a título de sinal e princípio de pagamento; o remanescente do preço, ou seja, 1.476.000$00, equivalente a € 7.362,26, correspondendo aos restantes 60% do preço, foi entregue à Ré em seis prestações, nas datas estipuladas no aludido contrato-promessa de compra e venda, ou seja, em 03.01.1997, 03.03.1997, 03.07.1997, 03.10.1997, 03.01.1998 e 03.04.1998.
Alegaram ainda os Autores que, por contrato de cessão de posição contratual celebrado em 7 de Julho de 1999, os referidos promitentes compradores cederam a posição contratual que detinham no aludido contrato-promessa, ao aqui Autor marido e a F…, em comum e partes iguais, tendo pago ambos, pela referida cessão de posição contratual, na proporção de metade cada um, a quantia global de 2.800.000$00, equivalente a € 13.966,34, sendo que posteriormente, por contrato de cessão de posição contratual celebrado em 7 de Abril de 2006, o aqui Autor marido adquiriu a posição que o F… detinha no contrato de cessão de posição contratual celebrado em 07.07.1999, pelo preço de € 7.000,00, tendo ambas as cessões sido comunicadas à Ré, mediante cartas.
E afirmaram os mesmos Autores que enviaram várias missivas à Ré, com vista à celebração da escritura do contrato definitivo, tendo a Ré respondido alegando que o loteamento não estava aprovado, por razões atinentes a uma acção judicial que obteve o nº 6605/04.3TBVFR, que correu os seus termo no extinto 1º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Santa Maria da Feira, sendo que mediante notificação judicial avulsa (doc. 14), os mesmos notificaram a Ré que tinham prazo de 30 dias para apresentar e notificar aqueles da aprovação camarária de loteamento e o terreno prometido vender loteado, da responsabilidade da Ré, sob pena de não o fazendo no prazo concedido, se considerar a obrigação da promessa de venda por parte da Ré não cumprida em definitivo, e consequentemente, resolvido o contrato-promessa de compra e venda em causa, tendo a Ré informado que o loteamento ainda não estava feito.
A Ré contestou, invocando a excepção dilatória da falta de capacidade judiciária da demandada (Junta de Freguesia de …), alegando que a presente acção foi proposta contra a Junta de Freguesia de …, que é apenas um órgão executivo da autarquia, e não contra a Freguesia de ….
Por impugnação, alegou que os iniciais promitentes compradores, cedentes da sua posição contratual aos ora Autores, sabiam que o terreno, donde sairia o lote prometido vender, tinha sido objecto de um contrato-promessa de compra e venda, celebrado a 14 de Junho de 1995, em que a ora Ré, na qualidade de promitente compradora, celebrou com os herdeiros de G… e mulher H…, sendo que a escritura de venda definitiva dos terrenos que integravam aquela herança, seria outorgada, sem fixação de data, após os promitentes vendedores procederem ao destaque e desanexação de uma parcela de terreno, denominada I…, com a área de cerca de 1.800 m2.
Adiantou que os promitentes vendedores ainda não procederam ao destaque de tal parcela, condição para a Ré adquirir os terrenos para fazer o loteamento, de onde haveria de nascer o lote prometido vender aos ora Autores.
Por fim, alegou que os promitentes vendedores J… e marido K… instauraram a acção judicial acima identificada, peticionando, além do mais, que fosse declarado nulo o mesmo contrato-promessa por impossibilidade legal, contrário à lei e fim nos termos dos artigos 280º, nº 1 e 281º, ambos do Código Civil.
Em resposta, os Autores pugnaram pela improcedência da excepção dilatória da falta de capacidade judiciária da demandada e impugnaram que sabiam que os cedentes da posição contratual e os ora Autores tinham conhecimento que o terreno donde sairia o lote prometido vender tinha sido objecto de um contrato-promessa com os herdeiros de G… e mulher H….
Terminaram, pedindo a condenação da Ré como litigante de má-fé em multa e indemnização a favor dos Autores, incluindo honorários à sua mandatária, numa quantia nunca inferior a € 2.000,00.
Cumprido o contraditório, a Ré não se pronunciou quanto ao pedido de condenação como litigante de má-fé.
Foi proferido despacho saneador, julgando improcedente a excepção deduzida pela Ré, fixando-se o objeto do litígio e enunciando-se os temas de prova.
Realizou-se a audiência de julgamento, após a qual foi proferida sentença que enumerou os factos provados e os não provados, com exposição da respectiva motivação probatória e, conhecendo do mérito da causa, julgou procedente a acção, e:
a) Condenou a Ré a “reconhecer as cessões da posição contratual no contrato promessa de compra e venda celebrado em 04/09/1996, em consequência das quais os Autores passaram a ocupar exclusivamente a posição de promitentes compradores”;
b) Declarou “resolvido o contrato promessa em causa nestes autos, celebrado entre a Ré e os antecessores dos Autores, por incumprimento definitivo da Ré;
c) Condenou a Ré a restituir aos Autores “a quantia recebida a título de sinal, em dobro, no valor de € 24.540,86 (vinte e quatro mil, quinhentos e quarenta euros e oitenta e seis cêntimos), acrescida de juros legais desde a citação e até efetivo e integral pagamento”.
2. Irresignada com tal sentença, dela interpôs a Ré recurso de apelação para esta Relação, formulando com as suas alegações as seguintes conclusões:
“1. O contrato promessa de compra a venda ajuizado é NULO por contrariar as disposições legais, algumas das quais supra citadas nestas despretensiosas alegações por se referir a promessa de compra e venda de lotes, englobados em loteamento não previamente licenciado pelas entidades competentes; Tal nulidade é do conhecimento oficioso deste Venerando Tribunal;
2. Além disso o contrato promessa de compra a venda é ainda NULO por o objecto prometido, à data da celebração do contrato, não pertencer à promitente vendedora, ora recorrente, dado tratar-se de promessa de venda de coisa alheia;
3. Os promitentes compradores sabiam, à data da celebração do contrato promessa que, nessa altura, não estavam concluídas as operações de licenciamento do loteamento, resultando, sem a menor dúvida, esta realidade, também das cláusulas contratuais;
4. E sabiam também que a Junta de Freguesia de …, antes da celebração do contrato prometido, previamente teria de obter a propriedade dos terrenos onde o lote prometido vender estava incluído de acordo com o cróquis do pretendido loteamento junto aos autos;
5. Por isso, dada a incerteza do prazo para cumprir as formalidades que lhe iriam permitir cumprir o contrato, não foi fixado prazo para a outorga da escritura definitiva.
6. Apesar das nulidades invocadas de conhecimento oficioso por este Venerando Tribunal, sempre a recorrente, apesar disso, quis cumprir a obrigação assumida, concretamente a celebração da escritura pois,
7. Pouco tempo após a outorga do contrato promessa, no sentido de abreviar o tempo entre a feitura do contrato promessa e a planeada escritura, logo a recorrente, nos terrenos prometidos adquirir, e porque devidamente autorizada, iniciou a implantação das redes de saneamento e de águas, procedeu à abertura duma estrada que ficou em terra batida, numa extensão de cerca de 200 m. atravessando os terrenos, procedeu à limpeza e terraplanagem dos terrenos, por si, prometidos comprar, mesmo sem prévia autorização municipal;
8. Não pôde concluir as infraestruturas por os promitentes vendedores à Junta de … se terem desentendido, não assinando a escritura no cumprimento do mesmo contrato por todos assinado;
9. Sem a celebração da escritura de compra dos terrenos a lotear, não era possível à Junta de … concluir as infraestruturas, entretanto já começadas, por falta de legitimidade para o requerer junto da Câmara Municipal;
10. Face à pendência da acção nº 6605/04.3TBVFR, instaurada por um dos casais promitentes vendedores à Junta de Freguesia de …, distribuída a 15 de Dezembro de 2004 e com sentença transitada em julgado a 11.06.2013 (fls. 70 e segs.), estava a recorrente impedida, ao contrário do que escreve a M. Juiz na sentença ora posta em crise de, por falta de legitimidade, concluir e obter aprovação municipal do loteamento pretendido, de forma a viabilizar a outorga da escritura definitiva de compra e venda do lote prometido vender;
11. Na própria contestação-reconvenção da supra referida acção, a Junta de …, deduziu pedido reconvencional, alegando ter feito obras de implantação das infraestruturas, para viabilizar o licenciamento do loteamento, para, no caso da hipotética procedência da acçáo, fossem os promitentes vendedores condenados a restituírem à Junta de Freguesia o valor das quantias entregues a título de pagamento, bem como do valor das despesas com a implantação das mesmas infraestruturas;
12. Na sentença proferida e transitada em julgado, deu o M. Juiz como provado que a ali R., procedeu à implantação das obras referidas em 29.,30. e 31. da sentença em valor não concretamente apurado;
13. Após o trânsito em julgado da mesma sentença, a ora recorrente entrou em negociações com os promitentes vendedores dos terrenos, mas tais negociações vieram a frustrar-se;
14. Face ao insucesso das negociações a ora recorrente deu entrada duma acção no Tribunal a 11/02/2014, a que foi atribuído o nº 684/14.2TBVFR que se encontra a correr termos no Tribunal de Santa Maria da Feira, Instância Central, 2ª Secção Cível com o propósito de, em sentença a proferir, ser suprida as declarações dos faltosos promitentes vendedores, com vista a possibilitar à recorrente cumprir o contrato ajuízado, bem como outros, também assinados pela recorrente;
15. Assim a recorrente TUDO FEZ e continua a fazer para criar as condições de facto e de direito para cumprir a promessa constante do contrato ajuízado;
16. Donde o incumprimento imputado à recorrente não é culposo – a sucessão cronológica dos factos aqui invocados e documentalmente provados demonstram-no – e também que o mesmo não é definitivo, embora não lhe repugne aceitar, embora o não considere como provado, que os recorridos tenham perdido o interesse na celebração do contrato definitivo:
17. Donde se conclui que a recorrente não poderá ser julgada como incumpridora culposa do contrato prometido e, mais do que isso, possa ser condenada, como foi, a restituir aos recorridos o valor das importâncias entregues, acrescida duma indemnização de igual quantia, bem como nos juros a partir da citação.
Termos em que deverá conceder-se provimento ao recurso e, em consequência condenar-se os recorridos a ver declarada a nulidade do contrato promessa e a recorrente condenada a restituir aos recorridos a importância que os promitentes compradores lhe entregaram, caso de declare que os promitentes compradores perderam o interesse na celebração do contrato, o que, apesar disso, se julga não ter ficado demonstrado, com juros a partir da interpelação à recorrente para pagamento de tal quantia (ac. Rel Porto, de 24/3/1988, BMJ 375º-443, ac. da RE de 16/05/1996, BMJ 457º, 464, da RP de 31/10/1989, BMJ, 390º, 460,) que , a título meramente exemplificativo, se citam.
A sentença ora posta em crise violou o disposto no artº 10º do DL 46673, de 6 de Julho, em parte alterado pelo D.L. nº 400/84 de 31 de Dezembro e ainda o disposto nos artºs. 280º, 285º e 294º, bem como o no 2 do artº 442º todos do Cod. Civ [...]”.
Os apelados contra-alegaram pugnando pela confirmação integral do decidido.
Colhidos os vistos, cumpre apreciar.

II.OBJECTO DO RECURSO
A. Sendo o objecto do recurso definido pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pela recorrente e as que forem de conhecimento oficioso, sem prejuízo daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras, importando destacar, todavia, que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito.
B. Considerando, deste modo, a delimitação que decorre das conclusões formuladas pela recorrente, no caso dos autos cumprirá apreciar fundamentalmente:
- Se o contrato-promessa em discussão nos autos é nulo;
- Se existe incumprimento definitivo do contrato-promessa, por culpa da Ré, e, na afirmativa, quais os efeitos daí decorrentes.

III- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.
A. Foram os seguintes os factos julgados provados em primeira instância:
1. Por escrito epigrafado “contrato promessa de compra e venda” celebrado em 4 de Setembro de 1996, a Ré, na qualidade de primeiro outorgante, declarou prometer vender a D… e mulher E…, na qualidade de segundo outorgante, que declararam prometer comprar, um terreno com projecto para construção urbana devidamente aprovado, sito no Lugar do …, da freguesia de …, concelho de Santa Maria da Feira, distrito de Aveiro, do loteamento sito nos referidos lugar e freguesia, designado por lote de terreno nº 27, pelo preço de 2.460.000$00, equivalente a € 12.270, 43 (cfr. doc. de fls. 17 a 19, cujo o seu teor se dá por integralmente reproduzido).
2. Nos termos do acordo referido em 1), ficou da responsabilidade da Ré o projecto de loteamento e sua aprovação superior e todas as infraestruturas necessárias, ficando ainda da responsabilidade da Ré os registos prediais dos lotes a construir por loteamento a aprovar, sendo da responsabilidade dos futuros proprietários o registo predial de cada moradia.
3. Ainda nos termos do acordo referido em 1) consta que as escrituras serão lavradas logo que o respetivo terreno esteja loteado e os segundo outorgantes, promitentes compradores, o desejem, devendo para o efeito avisar a Ré com a antecedência de 30 dias e em nome de quem querem que fosse feita a respetiva escritura.
4. O pagamento do preço estipulado, no valor de € 12.270, 43, foi efectuado pelos promitentes-compradores originais, da seguinte forma:a) na data da assinatura do referido contrato-promessa, entregaram à Ré a quantia de Esc. 984.000$00, equivalente a € 4.908,17, correspondendo a 40% do preço global, a título de sinal e princípio de pagamento;b) o remanescente do preço, ou seja, Esc. 1.476.000$00, equivalente a € 7.362,26, correspondendo aos restantes 60% do preço, foi entregue à Ré em seis prestações, nas datas estipuladas no aludido contrato-promessa de compra e venda, ou seja, em 03/01/1997, 03/03/1997, 03/07/1997, 03/10/1997, 
03/01/1998 e 03/04/1998.
5. Por escrito epigrafado “contrato de cessão de posição contratual” celebrado em 7 de Julho de 1999, os referidos promitentes compradores declararam ceder a posição contratual que detinham no escrito referido em 1), ao aqui Autor marido e a F…, em comum e partes iguais, tendo ambos pago, pela referida cessão de posição contratual, na proporção de metade cada um, a quantia global de 2.800.000$00, equivalente a € 13.966,34.
6. Por escrito epigrafado “contrato de cessão de posição contratual” celebrado em 7 de Abril de 2006, o aqui Autor marido declarou adquirir a posição que o F… detinha no escrito referido em 5), pelo preço de € 7.000,00.
7. O referido em 5) e 6) foi dado conhecimento à Ré, mediante as cartas de fls. 23 e 24, cujo o seu teor se dá por integralmente reproduzido.
8. Por diversas vezes, os Autores tentaram falar com os representantes da Ré, designadamente, à data, com o seu Presidente, S…, para indagar da outorga da escritura referente ao lote objecto do escrito referido em 1), sem sucesso.
9. O Autor marido, por carta enviada pela sua mandatária em 4 de Maio de 2006, declarou à Ré que era sua intenção celebrar a escritura do escrito referido em 1), até 30/06/2006 (cfr. doc. de fls. 25 e 26, cujo o seu teor se dá por integralmente reproduzido).
10. Em resposta, através de carta subscrita pelo mandatário da Ré, Dr. L…, e datada de 17 de Maio de 2006, comunicou aquela aos Autores, que não podia outorgar a escritura, atento o facto do loteamento não estar aprovado, por razões atinentes a uma ação judicial que corria neste Tribunal (cfr. doc. de fls. 27, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).
11. Os Autores, novamente por intermédio da sua mandatária, responderam a tal missiva, nos termos que constam do doc. de fls. 29 a 31, cujo o seu teor se dá por integralmente reproduzido.
12. Após a missiva referida em 10), a Ré não mais entrou em contacto com os Autores ou se propôs outorgar a escritura referente ao acordo referido em 1).
13. O Autor marido enviou carta registada com AR à Ré, datada de 21 de Dezembro de 2012, na qual manifesta vontade em outorgar a escritura de compra e venda relativa ao lote 27, declarando pretender celebrar a aludida escritura até 15 de Janeiro de 2013 (cfr. doc. de fls. 32, cujo o seu teor se dá por integralmente reproduzido).
14. Sem que tivessem obtido qualquer resposta por parte da Ré.
15. Os Autores efectuaram notificação judicial avulsa em 23/02/2013, nos termos da qual notificaram a Ré que tinha prazo de 30 dias para apresentar e notificar os Autores da aprovação camarária de loteamento e o terreno prometido vender loteado, da responsabilidade da Ré, sob pena de não o fazendo no prazo concedido, se considerar a obrigação da promessa de venda por parte da Ré não cumprida em definitivo, e consequentemente, resolvido o contrato promessa de compra e venda em causa (cfr. doc. de fls. 33 a 41, cujo o seu teor se dá por integralmente reproduzido).
16. Em resposta, a Ré, através do seu ilustre mandatário, Dr. L…, informou a mandatária dos Autores que o loteamento ainda não estava feito.
17. Até à presente data não foi marcada a respectiva escritura referente ao acordo referido em 1).
18. Por escrito epigrafado “contrato promessa de compra e venda” celebrado em 14 de Junho de 1995, M…, N…, O…, P…, Q… e J…, na qualidade de primeiros outorgantes, declararam prometer vender à Ré, na qualidade de segundo outorgante, que declarou prometer comprar, os terrenos que integravam aquela herança, sendo a respetiva escritura outorgada, sem estabelecimento de data, após primeiro outorgantes terem procedido ao destaque e desanexação duma parcela de terreno, denominada I…, com a área de cerca de 1800 m2 com as confrontações no mesmo contrato promessa indicado já que tal parcela de Terreno “não faz parte do referido artigo (rústico nº 163, da freguesia de …) – cfr. doc. de fls. 114 a 116, cujo o seu teor se dá por integralmente reproduzida).
19. Os primeiros outorgantes do acordo referido em 18) não procederam ao destaque de tal parcela de 1800 m2.
20. Com o destaque de tal parcela permitiria à Ré adquirir os terrenos para fazer o loteamento donde haveria de nascer o lote objecto do acordo referido em 1).
21. Aquando da outorga do acordo referido em 1), não estava feito o loteamento dos terrenos.
22. Os herdeiros outorgantes no acordo referido em 18) fizeram partilhas de parte dos bens da herança dos aludidos G… e H…, tendo a uma das primeiras outorgantes, herdeira dos mesmos G… e H…, Q… e marido no inventário que correu termos pelo extinto 2º Juízo Cível deste Tribunal a que foi atribuído o nº 601/1997, cuja sentença homologatória da partilha transitou em julgado em 22/09/98, sido atribuída a totalidade do terreno que constitui o artigo rústico nº 163, parcialmente declarado prometer vender à Ré.
23. Os herdeiros, primeiros outorgantes do acordo referido em 18), J… e marido K…, intentaram, além do mais, contra a ora Ré uma acção declarativa sob a forma ordinária que obteve o nº 6605/04.3 TBVFR, que correu os seus termos no extinto 1º Juízo Cível, deste Tribunal Judicial, peticionando, além do mais, que fosse declarado nulo o acordo referido em 18), por impossibilidade legal, contrário à lei e fim nos termos dos artº 280º, nº 1 e 281º, ambos do Código Civil.
24. No âmbito desta acção foi proferida sentença, transitada em julgado, nos termos da qual julgou este pedido improcedente (cfr. sentença de fls. 70 a 102, cujo o seu teor se dá por integralmente reproduzido).
B) E deu como não provado o seguinte facto:
1. D… e mulher E…, na qualidade de segundo outorgante do acordo referido em 1), sabiam que o terreno donde sairia o lote que a ré declarou vender, tinha sido objecto do escrito epigrafado de “contrato-promessa de compra e venda” junto como doc. de fls. 114 a 116, cujo o seu teor se dá por integralmente reproduzido.

IV- FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.
Com a acção proposta contra a Ré pretendem os Autores, entre o mais, que se declare resolvido o contrato-promessa celebrado entre aquela e os primitivos promitentes compradores, por incumprimento definitivo da Ré, e que seja esta condenada a restituir aos demandantes a quantia recebida a título de sinal, em dobro, no valor de € 24.540,86, acrescida de juros legais desde a citação e até efetivo e integral pagamento.
Fundamentam tais pretensões no circunstancialismo, que invocam, de o contrato prometido não ter sido celebrado por culpa da Ré, pelo que importa demandar se esta incumpriu culposamente o contrato-promessa e, concluindo-se nesse sentido, as consequências decorrentes desse inadimplemento.
O contrato-promessa - como contrato que é - deve ser pontualmente cumprido, isto é, o solvens deve efectuá-lo ponto por ponto e cumprir a obrigação nos precisos termos em que esta foi constituída. A recusa de outorga do contrato prometido constitui incumprimento do contrato-promessa, acto ilícito civil, motivo por que o promitente incorre em responsabilidade.
Assim sendo, as partes devem obediência ao princípio da pontualidade, o qual, na opinião da maioria dos autores, exprime a regra basilar de que o cumprimento deve ajustar-se inteiramente à prestação, isto é, de que o solvens deve efectuá-la em todos os seus sentidos, nos precisos termos em que foi constituída[1].
O nº 1 do artigo 410º do Código Civil consagra o princípio da equiparação ou princípio da correspondência, segundo o qual, por regra, ao contrato-promessa é aplicável o regime (requisitos e efeitos) do contrato prometido, sendo-lhe geralmente aplicáveis as regras gerais dos contratos e as regras específicas do contrato prometido[2].
O devedor cumpre quando realiza a prestação a que se vinculou. Tratando-se de contrato-promessa, o devedor cumpre essa obrigação através da emissão da declaração de vontade correspondente ao contrato prometido.
Com efeito, com a celebração do contrato-promessa o promitente obriga-se a concretizar uma prestação específica - a “emissão de uma declaração negocial destinada a celebrar o contrato prometido, ou seja, do contrato promessa emerge para os seus outorgantes a obrigação de realizar uma prestação de facto de outorgar no contrato prometido”[3].
O incumprimento/inexecução das obrigações pressupõe que se distinga se a prestação apenas se atrasou ou se, mais do que isso, se tornou definitivamente impossível.
Configura-se a primeira hipótese – retardamento - quando, vencida a prestação, o devedor não a cumpre, mas a mesma pode ainda ser realizada, com interesse para o credor. O devedor não satisfaz a prestação na data em que estava obrigado a fazê-lo, podendo, no entanto, vir ainda a executá-la, porquanto a prestação, na sua forma originária, é ainda materialmente possível e o credor não perdeu o interesse na sua execução.
Na segunda hipótese, a prestação torna-se definitivamente irrealizável, ou porque a sua execução se tornou materialmente impossível, ou porque o credor perdeu o interesse que tinha nela.
O retardamento da prestação, que se traduz em incumprimento temporário, compreende a mora do devedor, ocorrendo esta quando, por causa que lhe seja imputável (quando o retardamento na prestação provenha de culpa sua), a prestação, ainda possível, não foi efectuada no tempo devido[4]. São, assim, requisitos da mora o acto ilícito do devedor, que não realizou oportunamente a prestação, e a culpa, por ser de atribuir ao devedor a imputação dessa inexecução atempada[5].
A simples mora constitui o devedor na obrigação de reparar os danos causados ao credor[6], mas não confere a este o direito à resolução do contrato.
O direito de resolução é um direito potestativo extintivo, que depende de um fundamento: exige a verificação de um facto que crie esse direito, isto é, tem de ocorrer um facto ou situação – no caso, o incumprimento ou inadimplência - a que a lei atribua como consequência o desencadeamento desse direito potestativo[7].
Assim, o direito de resolução está sempre condicionado a uma situação de inadimplência e, à semelhança do que sucede com a generalidade dos contratos, também a resolução legal do contrato-promessa pressupõe uma situação de incumprimento “stricto sensu” que resultará normalmente da conversão de uma situação de mora através de uma das vias previstas no artigo 808º do Código Civil.
Com efeito, a resolução do contrato por iniciativa do credor não se compadece com a simples mora, antes exigindo o incumprimento definitivo. Este deriva de uma situação de mora, ou atraso no cumprimento por uma das partes, consumando-se pela perda do interesse do credor na prestação, avaliada essa perda de interesse em termos objectivos e não na perspectiva dos interesses subjectivos do credor em causa, ou pela omissão de cumprimento pelo devedor em prazo razoável que lhe haja sido fixado e comunicado pelo credor – interpelação admonitória[8] -, tudo como decorre dos artigos 801º e 808º do Código Civil.
O regime geral das obrigações é aplicável ao contrato-promessa de compra e venda, estando para este ainda previsto, em caso de incumprimento, um regime sancionatório específico quando tenha havido constituição de sinal. Neste caso, quando o incumprimento seja imputável a quem prestou o sinal, permite a lei que aquele que o recebeu o faça seu e, verificando-se o incumprimento definitivo da parte que recebeu o sinal, confere a quem o prestou o direito de exigir o dobro do que prestou[9] .
Segundo o artigo 441º do Código Civil, presume-se ter natureza de sinal toda a quantia entregue pelo promitente-comprador a título de antecipação do pagamento do preço, determinando o nº 2 do mesmo dispositivo legal: “se quem constitui o sinal deixar de cumprir a obrigação por causa que lhe seja imputável, tem o outro contraente a faculdade de fazer sua a coisa entregue; se o não cumprimento do contrato for devido a este último, tem aquele a faculdade de exigir o dobro do que prestou, ou, se houver tradição da coisa a que se refere o contrato prometido, o seu valor, ou o do direito a transmitir ou a constituir sobre ela, determinado objectivamente, à data do não cumprimento da promessa, com dedução do preço convencionado, devendo ainda ser-lhe restituído o sinal e a parte do preço que haja pago”.
A cominação prevista neste normativo só é, todavia, aplicável às situações de incumprimento definitivo e culposo, não bastando a simples mora, sendo necessário transformar esta em incumprimento definitivo por via do artigo 808º do Código Civil, posição defendida pela maioria da doutrina e também dominante na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça[10].
O que se tem vindo a expor pressupõe, naturalmente, a validade do contrato de onde emergem as obrigações que cada um dos contratantes através dele assumiram.
O que, no caso em apreço, nos remete para a discussão da validade do contrato-promessa celebrado entre os promitentes compradores e a Ré, promitente vendedora, e que esta, em sede de alegações de recurso, põe em causa. A configurar-se a agora invocada invalidade, sendo a mesma de conhecimento oficioso, pode ela ser conhecida nesta sede, apesar de se tratar de questão nova[11].
Invoca, em primeiro lugar, a Ré, ora recorrente, a nulidade do contrato-promessa que celebrou com os originais promitentes compradores com fundamento no facto de tal contrato ter por objecto um lote, englobado num terreno destinado a operações de loteamento, sem prévia concessão da respectiva licença.
Segundo o nº 1 do artigo 280º do Código Civil “é nulo o negócio jurídico cujo objecto seja física ou legalmente impossível, contrário à lei ou indeterminável”, dispondo, por sua vez, o artigo 294º do mesmo diploma legal que “os negócios celebrados contra disposição legal de carácter imperativo são nulos, salvo nos casos em que outra solução resulte da lei”.
O objecto do negócio é fisicamente impossível quando, no domínio dos factos, envolve uma prestação impossível[12], sendo legalmente impossível se se traduzir num acto tendente a produzir efeitos jurídicos, mas que a lei fere com a invalidade.
Ocorre impossibilidade legal quando a prestação consista num acto cuja realização a lei não permite, podendo impedi-lo; há contrariedade à lei se a prestação consistir num acto que viola uma proibição legal que não pode, em todo o caso, impedir a sua ocorrência[13].
Dispõe, por seu turno, o artigo 281º do Código Civil que “se apenas o fim do negócio jurídico for contrário à lei ou à ordem pública, ou ofensivo dos bons costumes, o negócio só é nulo quando o fim for comum a ambas as partes”.
Neste preceito a invalidade do negócio jurídico não é determinada pelo seu objecto, pelo seu conteúdo, mas antes pelo seu fim, que vai além daqueles[14].
O negócio jurídico só é nulo se o seu fim for ilícito, e desde que ambas as partes contratantes o tenham celebrado tendo por objectivo a ilicitude desse fim.
A ilicitude do fim só adquire relevância para tornar o negócio inválido se ambas as partes tiverem negociado com vista a atingir o fim ilícito[15].
No domínio da vigência do Decreto-Lei n.º 46673, de 29.11.1965, os assentos do Supremo Tribunal de Justiça de 21.07.1987[16] e de 03.10.89[17] fixaram jurisprudência de que a falta de licença de loteamento não determinava a nulidade dos contratos de compra e venda, o primeiro, e dos contratos-promessa de compra e venda, o segundo, de terrenos com ou sem construção, compreendidos no loteamento.
A violação do artigo 10º do referido diploma - onde se impunha a prévia obtenção de licença de loteamento para poder efectuar-se a venda ou promessa de venda de terrenos compreendidos em loteamentos – era, com efeito, nos termos dos artigos 12º e 13º, apenas sancionada com multas.
O Decreto-Lei nº 289/73, de 06.07.1973, que procedeu à revisão do regime consagrado no citado Decreto-Lei n.º 46673, fazia depender de licença camarária a operação que tivesse por objecto ou como efeito a divisão em lotes de qualquer área de um ou vários prédios situados em zonas urbanas ou rurais e destinados à construção - artigo 1º - , considerando nulos e não registáveis os títulos de arrematação e outros documentos judiciais, bem como os instrumentos notariais relativos aos actos ou negócios relativos a terrenos, que não indicassem o número e a data do alvará de loteamento – artigo. 27º, n.º 2.
Dividiu-se a jurisprudência no entendimento a atribuir a esta disposição, tendo o assento do Supremo Tribunal de Justiça de 19.11.1987[18] fixado para ela a seguinte interpretação: “Na vigência do DL 289/73, de 06-06, é válido o contrato-promessa de compra e venda de terreno compreendido em loteamento sem alvará, a menos que no momento da celebração desse contrato haja impossibilidade de obtenção do alvará, por haver lei, regulamento ou acto administrativo impeditivo da sua emissão”.
O Decreto-Lei nº 289/73 viria a ser revogado pelo Decreto-Lei nº 400/84, de 31-12, cujo artigo 1º, nº 1, a) determinava: “Estão sujeitas a licenciamento municipal nos termos do presente diploma as acções que tenham por objecto ou simplesmente tenham por efeito a divisão em lotes de qualquer área de um ou vários prédios, destinados, imediata ou subsequentemente, à construção”.
Segundo o n.º 1 do artigo 2º do referido diploma:
“Não constitui operação de loteamento, não estando, portanto, sujeita ao licenciamento previsto neste diploma, a celebração de negócio jurídico que tenha como efeito a transmissão, através do seu destaque, de uma única parcela de prédio inscrito ou participado na matriz, desde que, cumulativamente:
a) O prédio se situe dentro do aglomerado urbano;
b) A parcela a destacar confronte com arruamento público existente;
c) O interessado disponha de projecto para a construção de edifício com o máximo de 2 fogos, a erigir na parcela a destacar, aprovado pela câmara municipal;
d) A licença de construção expressamente mencione as situações referidas nas alíneas a) e b)”.
Ao Decreto-Lei nº 400/84, de 31.12 sucedeu o Decreto-Lei nº 448/91, de 29.11, em vigor à data da celebração do contrato-promessa de 04 de Setembro de 1996, aqui em causa, cujo regime jurídico é, como tal, aplicável ao referido contrato.
De acordo com o artigo 1º, nº 1 deste último diploma, “Estão sujeitas a licenciamento municipal, nos termos do presente diploma, as operações de loteamento e as obras de urbanização”.
O seu artigo 3º, alínea a) define como operações de loteamento “todas as acções que tenham por objecto ou por efeito a divisão em lotes, qualquer que seja a sua dimensão, de um ou vários prédios, desde que pelo menos um dos lotes se destine imediata ou subsequentemente a construção urbana”.
Segundo o artigo 4º, “São proibidas todas as acções preparatórias das operações de loteamento e de obras de urbanização sujeitas a licenciamento municipal que não sejam efectuadas ao abrigo de alvará previamente emitido nos termos do presente diploma.
E o artigo 5º, sob a epígrafe “Destaque”, dispõe:
1 - Nos aglomerados urbanos e nas áreas urbanas, os actos que tenham como efeito o destaque de uma única parcela de prédio inscrito ou participado na matriz são dispensados do regime de licenciamento previsto no presente diploma, desde que cumpram, cumulativamente, as seguintes condições:
a) Do destaque não resultem mais de duas parcelas que confrontem com arruamentos públicos;
b) A construção a erigir na parcela a destacar disponha de projecto aprovado pela câmara municipal.
2 - Nas áreas situadas fora dos aglomerados urbanos e das áreas urbanas, os actos a que se refere o número anterior são dispensados do licenciamento previsto no presente diploma, desde que sejam cumpridas, cumulativamente, as seguintes condições:
a) Na parcela destacada só seja construído edifício que se destine exclusivamente a fins habitacionais e que não tenha mais de dois fogos;
b) Na parcela restante se observe a área da unidade de cultura fixada pela lei geral para as respectivas regiões”.
Não elucidam os autos, e também esse esclarecimento não se extrai do contrato-promessa de 04 de Setembro de 1996, se o prédio, de onde seria destacada a parcela que a Ré prometeu vender, se situa dentro ou fora de aglomerado ou área urbana.
Parece, todavia, evidente que em causa não está uma mera desanexação de uma parcela de um prédio, já que o próprio contrato-promessa faz expressa referência a projecto de loteamento e sua aprovação, com responsabilidade a cargo da promitente vendedora, mencionando ainda que as escrituras serão celebradas após o terreno estar loteado, tendo sido junta com a petição inicial planta na qual figuram vários lotes, entre eles o que a Ré prometeu vender, a constituir.
Pese embora o facto de à data da celebração do contrato-promessa aqui objecto de discussão já não se achar em vigor o Decreto-Lei nº 289/73, continua actual o entendimento espelhado no assento do Supremo Tribunal de Justiça de 19.11.1987 – sem, todavia, a força obrigatória geral de que gozava à data em que foi proferido, mas com o valor uniformizador da jurisprudência -, já que não sobrevieram, entretanto, argumentos válidos que aconselhem uma mudança na solução de direito nele concretamente colocada.
Acresce que, de acordo com o n.º 1 do artigo 53º do Decreto-Lei n.º 448/91, “Nos títulos de arrematação ou outros documentos judiciais, bem como nos instrumentos notariais relativos a actos ou negócios jurídicos de que resulte, directa ou indirectamente, a divisão em lotes nos termos da alínea a) do artigo 3.º, sem prejuízo do disposto nos artigos 5.º, 64.º e 65.º, ou a transmissão de lotes legalmente constituídos, deve constar o número do alvará, a data da sua emissão pela câmara municipal e a certidão do registo predial”.
É, pois, de concluir pela validade do contrato-promessa relativo a terreno sujeito a loteamento sem que, à data da sua celebração se mostre comprovado o respectivo licenciamento, sendo este exigível, todavia, no acto da celebração da escritura notarial que confira execução ao contrato prometido ou para a sentença de execução específica, que considere procedente a correspondente acção, que, dispensando a escritura, produz os mesmos efeitos desta[19].
A inexistência, à data da celebração do contrato-promessa, de lei, regulamento ou acto administrativo[20] que vedassem a emissão de alvará de loteamento relativamente ao terreno do qual deveria ser desanexado o lote prometido vender pela Ré conferiam validade ao aludido contrato-promessa independentemente de à data da sua celebração ainda não se achar licenciado o loteamento.
Invoca ainda a recorrente, com fundamento distinto, a nulidade do contrato-promessa de 04 de Setembro de 1996, agora com o argumento de que o mesmo se reporta à venda de bens alheios, tendo tal contrato-promessa de compra e venda por objecto bem que não pertencia, nem pertence, à promitente vendedora.
Desde já se adianta que falece a razão à recorrente na invocação da nulidade do contrato-promessa de compra e venda.
Com efeito, a sanção com que o artigo 892º do Código Civil comina a venda de bens alheios apenas se aplica em relação ao contrato de compra e venda, não ao respectivo contrato-promessa, como pacificamente se vem entendendo.
É certo que o artigo 410º, nº 1 do Código Civil consagra um princípio de equiparação entre o contrato promessa e o contrato prometido ao estabelecer que “à convenção pela qual alguém se obriga a celebrar certo contrato são aplicáveis as disposições legais relativas ao contrato prometido, exceptuadas as relativas à forma e as que, por sua razão de ser, não se devam considerar extensivas ao contrato-promessa”.
Uma das disposições que não deve considerar-se extensiva ao contrato-promessa é precisamente a do artigo 892º do Código Civil.
Com a celebração do contrato-promessa de compra e venda as partes apenas se obrigam a celebrar o contrato definitivo. Só com a celebração deste último se opera a transferência da propriedade da coisa objecto do contrato.
Se o bem prometido vender ainda não pertence ao promitente vendedor aquando da celebração do contrato-promessa, não significa que não possa ele entretanto, até à celebração do contrato definitivo, obter a dominialidade sobre o bem em causa.
Como explica o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18.06.2009[21], “...pelo contrato-promessa, dotado de eficácia meramente obrigacional, não ocorre transferência da propriedade da coisa, antes e tão só as partes se vinculam a celebrar o identificado contrato de compra e venda definitivo.
Na verdade, ao contrário do que acontece no caso de celebração dos chamados contratos com eficácia real (como a compra e venda - alínea a) do art. 879º), em que a propriedade ou outro direito real se transferem por mero efeito do contrato - não no sentido de que se transmitem imediatamente, mas de que dependem tão somente da sua celebração -, nada obsta a que o promitente se vincule a alienar uma coisa que não tem legitimidade ou capacidade para alienar, uma vez que sempre pode adquirir entretanto, essa capacidade ou legitimidade; todavia, e se o não fizer, posto que se comprometeu a fazê-lo, incorrerá na violação de um compromisso que assumira.
Em consequência, pode dizer-se que "a promessa (de compra e venda) será válida, visto que o promitente não aliena, apenas se obriga a alienar. A alienação é possível em si, embora não o seja para o promitente. Há, pois, mera impossibilidade subjectiva que não invalida o contrato-promessa. Ou o promitente vendedor vem a estar em condições de poder cumprir, por se ter, entretanto, tornado proprietário da coisa, e cumpre; ou tal não acontece. No primeiro caso, não incorre em qualquer responsabilidade; no segundo torna-se responsável pelo incumprimento de um compromisso validamente assumido" (cfr. Galvão Telles, "Direito das Obrigações", 6ª edição, Coimbra, 1989, pag. 109)”.
Mas ainda que o contrato-promessa pudesse estar afectado por algum dos apontados vícios, sempre a sua invocação pela Ré constituiria abuso de direito[22].
Segundo o artigo 334º do Código Civil, “é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito”. Para Pires de Lima e Antunes Varela[23], o referido normativo adoptou a concepção objectiva de abuso de direito, não sendo necessária a consciência de se atingir, com o seu exercício, a boa fé, os bons costumes ou o fim social ou económico do direito conferido, bastando que se excedam esses limites.
O normativo em causa traduz, assim, a ideia de que não basta ser titular de um direito para, sem limites, o mesmo poder ser exercido. O exercício de qualquer direito está sujeito a limitações e restrições.
Para Cunha e Sá[24] o abuso de direito constitui um fenómeno revelador de que o direito subjectivo não pode ser abstractamente encarado em termos meramente conceitualistas, pois que em certa e determinada situação, experimentalmente concreta, podemos descobrir concordância com a estrutura formal de um dado direito subjectivo e, simultaneamente, discordância, desvio, oposição, ao próprio valor jurídico que daquele comportamento faz um direito subjectivo, concluindo que “neste encobrir, consciente ou inconscientemente, a violação do fundamento axiológico de certo direito com o preenchimento da estrutura formal do mesmo direito é que reside o cerne, a essência do abuso de direito”.
Defende, a propósito, Castanheira Neves[25], que o abuso de direito é um limite normativamente imanente ou interno dos direitos subjectivos, pelo que no comportamento abusivo são os próprios limites normativos-jurídicos do direito particular que são ultrapassados.
Assim, uma das restrições ao exercício de direitos subjectivos é justamente imposta pela necessidade de salvaguarda da boa fé da parte contrária, estando vedado o exercício do direito cujo titular exceda manifestamente os limites da boa fé.
Não basta, todavia, a existência de uma qualquer atitude ou conduta contraditória para que se recaia na figura do abuso de direito.
Para que este possa ocorrer exige-se que aquele contra quem é invocado tenha criado uma situação objectiva de confiança, isto é, que haja adoptado um comportamento que “objectivamente considerado, é de molde a despertar noutrem a convicção de que ele também no futuro se comportará coerentemente, de determinada maneira (…). Para que a conduta em causa se possa considerar causal em relação à criação da confiança, é preciso que ela directa ou indirectamente revele a intenção do agente de se considerar vinculado a determinada atitude no futuro”[26].
Exige-se ainda que, com base nessa situação de confiança, a contraparte tome “disposições ou organize planos de vida de que lhe surgirão dúvidas, se a sua confiança legítima vier a ser frustrada”[27].
Finalmente, exige-se também a boa fé de que quem confiou.
Como se afirma no Acórdão da Relação de Coimbra de 16.11.2004[28], o “instituto do abuso de direito surge como uma forma de adaptação do direito à evolução da vida, servindo como válvula de escape a situações que os limites apertados da lei não contemplam por forma considerada justa pela consciência social em determinado momento histórico e a jurisprudência tem exigido que o exercício do direito se apresente em termos clamorosamente ofensivos da justiça. Há que afrontar o problema em sede da tutela da confiança e do venire contra factum proprium, como uma das manifestações do abuso de direito.
Esta variante do abuso de direito equivale a dar o dito por não dito e radica numa conduta contraditória da mesma pessoa, ao pressupor duas atitudes antagónicas, sendo a primeira (factum proprium) contrariada pela segunda atitude, com manifesta violação dos deveres de lealdade e dos limites impostos pelo princípio da boa fé”.
Para Baptista Machado[29], a ideia que subjaz à proibição do “venire contra factum proprium” é a do “dolus praesens”, que radica nos seguinte pressupostos:
a) - deve verificar-se uma situação objectiva de confiança - o ponto de partida é uma conduta anterior de um sujeito jurídico que, objectivamente considerada, é de molde a despertar noutrem a convicção de que ele também no futuro se comportará, coerentemente, de determinada maneira;
b) - o conflito de interesses e a necessidade de tutela jurídica apenas surgem quando a contraparte, com base na situação de confiança criada, toma disposições ou organiza planos de vida de que lhe surgirão danos, se a sua confiança legítima vier a ser frustada, sendo necessário que se verifique uma situação de causalidade entre o facto gerador da confiança e o investimento dessa contraparte e que este haja sido feito com base na dita confiança, importando que o dano não seja irreversível, ou seja, que a conduta violadora da fides não seja removível através de outro meio jurídico capaz de conduzir a uma solução satisfatória;
c) - que haja boa-fé da contraparte que confiou, o que equivale a dizer que a confiança de terceiro ou da contraparte só merecerá protecção jurídica quando esta esteja de boa fé e tenha agido com cuidado e precauções usuais no tráfico jurídico.
Para Menezes Cordeiro[30] são quatro os pressupostos de protecção da confiança ao abrigo da figura “venire contra factum proprium”:
“(...) 1°- Uma situação de confiança, traduzida na boa-fé própria da pessoa que acredite numa conduta alheia (no factum proprium);
2.° Uma justificação para essa confiança, ou seja, que essa confiança na estabilidade do factum proprium seja plausível e, portanto, sem desacerto dos deveres de indagação razoáveis;
3.° Um investimento de confiança, traduzido no facto de ter havido por parte do confiante o desenvolvimento de uma actividade na base do, factum proprium, de tal modo que a destruição dessa actividade (pelo venire) e o regresso à situação anterior se traduzam numa injustiça clara;
4.° Uma imputação da confiança à pessoa atingida pela protecção dada ao confiante, ou seja, que essa confiança (no factum proprium) lhe seja de algum modo recondutível”.
A Ré celebrou o contrato-promessa aqui em discussão com os originais promitentes compradores no ano de 1996, sabendo, desde então, que não lhe pertencia o terreno do qual devia ser desanexada a parcela objecto desse contrato, e que não tinha sido ainda emitido o alvará de loteamento, cujas diligências com vista à sua obtenção ficaram a seu cargo.
Nunca tendo, ao longo destes vinte anos, questionado a validade do aludido contrato, tendo os promitentes compradores e os Autores, a quem aqueles cederam a sua posição contratual, confiado que não o faria, dado o longo lapso temporal entretanto decorrido, ao fazerem-no agora, e neste concreto contexto, violaram com tal conduta os mais elementares deveres de boa fé, sendo, como tal, ilegítimo o exercício do direito de invocação das denunciadas nulidades.
Concluindo-se, assim, pela inexistência dos vícios apontados ao contrato-promessa aqui em causa, nenhum escolho, resultante de eventual invalidade, obstaria ao seu cumprimento.
Do acervo factual recolhido nos autos resulta comprovada a celebração, a 4 de Setembro de 1996, de um contrato-promessa entre a Ré, enquanto promitente vendedora e D… e mulher, E…, na qualidade de promitentes compradores, tendo por objecto um terreno com projecto para construção urbana devidamente aprovado, sito no Lugar do …, da freguesia de …, concelho de Santa Maria da Feira, distrito de Aveiro, do loteamento sito nos referidos lugar e freguesia, designado por lote de terreno nº 27.
Nos termos estipulados no referido contrato, ficou à responsabilidade da Ré o projecto de loteamento e sua aprovação superior e todas as infraestruturas necessárias, assim como os registos prediais dos lotes a construir por loteamento a aprovar.
Através do mesmo contrato, acordaram as partes que a escritura seria celebrada logo que o respectivo terreno estivesse loteado e os promitentes compradores o desejassem, devendo para o efeito avisar a Ré com a antecedência de 30 dias.
Não resulta do contrato, nem as partes o invocaram nos respectivos articulados, que os contraentes o tenham subordinado a qualquer condição, suspensiva ou resolutiva.
Para além da obrigação principal emergente da celebração do dito contrato-promessa – a emissão da declaração negocial destinada a celebrar o contrato prometido – nele a Ré assumiu outras obrigações – secundárias ou instrumentais da obrigação principal: promover o processo de loteamento do terreno, com vista à sua aprovação, e realizar as infraestruturas para tanto necessárias.
Não fixaram as partes prazo certo para a formalização do contrato definitivo, apenas convencionando que esta se concretizaria, logo que estivesse loteado o terreno, “quando os promitentes compradores o desejassem”, devendo, nesse caso, avisar a promitente vendedora com uma antecedência de 30 dias.
A Ré não promoveu as diligências necessárias ao loteamento, as quais estavam a seu cargo, achando-se o mesmo por aprovar e não tendo sido emitido o respectivo alvará, circunstância que inviabilizou a celebração do negócio prometido.
Poder-se-á ainda assim considerar ter existido retardamento na prestação devida pela Ré e ter essa mora sido convertida em incumprimento definitivo?
Como se disse, as partes abstiveram-se de fixar no contrato-promessa prazo certo para o seu cumprimento, embora não deixassem por definir os parâmetros para a sua determinação: o contrato definitivo realizar-se-ia logo que se mostrasse concretizado o loteamento do terreno, cuja promoção ficou contratualmente a cargo da Ré, e, satisfeita essa obrigação, “quando os promitentes vendedores o desejassem”, incumbindo-lhes, no entanto, avisar a promitente vendedora com uma antecedência mínima de 30 dias.
No contrato-promessa em análise as partes omitiram a referência a qualquer prazo, ainda que meramente indicativo ou estimativo[31], subordinando apenas o seu cumprimento a uma ocorrência futura, temporalmente incerta – o loteamento do terreno de onde devia sair o lote que a Ré prometeu vender, incumbindo a esta promover as diligências necessárias a esse loteamento, mas sujeito a procedimento administrativo, do qual dependia a sua aprovação e licenciamento.
A ausência de prazo certo para o contrato-promessa aqui em causa não pode ser equacionada em termos de deixar na discricionariedade da promitente vendedora a realização da prestação a que vinculou – nesse aspecto, concordando com o que, nesse sentido, se afirma na sentença recorrida -, mas também não admite a solução inversa, isto é, deixar ao critério dos promitentes compradores a determinação do prazo para o cumprimento do contrato, intimando aquela a cumprir a prestação a que se obrigou, na data por eles designada.
Qualquer dessas soluções, dada a bilateralidade do contrato, conduziria necessariamente a um desequilíbrio das posições contratuais, quando num contrato, sobretudo com esta natureza, se exige equilíbrio, proporcionalidade e boa fé relativamente às posições que cada um dos contratantes assume nesse contrato.
Nem sempre as partes ao contratarem estipulam o prazo para o cumprimento das prestações a que por ele se vinculam.
O artigo 777º do Código fornece, nesse caso, regras para a determinação do prazo, tomando como critérios relevantes a natureza da obrigação em causa.
Para as obrigações puras, estabelece o nº 1 deste normativo que o seu cumprimento pode ser exigido a todo o tempo pelo credor, podendo o devedor, também a todo o tempo, dela se exonerar.
Sendo a obrigação a prazo, a exigibilidade do respectivo cumprimento é diferida para momento posterior, como decorre do nº 2 do referido preceito legal: “Se [...] se tornar necessário o estabelecimento de um prazo, quer pela própria natureza da obrigação da obrigação, quer por virtude das circunstâncias que a determinaram, quer por força dos usos, e as partes não acordarem na sua determinação, a fixação dele é deferida pelo tribunal”.
Convencionando as partes que a determinação do prazo fica ao critério do devedor, concedendo-lhe a faculdade de escolha do momento do cumprimento, se este o não fizer, deve o prazo ser fixado pelo tribunal, por aplicação analógica do n.º 3 do citado artigo 777º do Código Civil[32].
Exemplo paradigmático de obrigações a prazo são as que emergem da celebração do contrato-promessa. Este, pela sua própria natureza, ou pelas circunstâncias em que é celebrado, exige a determinação de um prazo, que temporalmente balize o momento do cumprimento das obrigações que do contrato em causa resultam para cada um dos contratantes, determinando até que data o devedor pode cumprir a respectiva obrigação, e a partir de que data o credor pode exigir daquele esse cumprimento[33].
O que determina as partes a celebrarem entre si um contrato-promessa é o facto de não quererem, ou não poderem, celebrar de imediato o contrato prometido, daí que difiram para momento ulterior a celebração deste.
Não fixando o contrato-promessa a data em que o contrato definitivo deve ser cumprido, não é lícito a nenhuma das partes exigir da outra o cumprimento deste, interpelando-a para o efeito[34]. Nesta situação, não acordando as partes na determinação do prazo, caberá ao tribunal fixá-lo. Em caso algum poderá uma das partes, unilateralmente, fixar o prazo que no contrato ficou por determinar, e impô-lo à outra parte, por muito tempo que haja decorrido desde a data da celebração do contrato-promessa.
Revertendo à situação que nos autos se discute, não tendo as partes convencionado no contrato-promessa que celebraram prazo para o seu cumprimento, contendo apenas o mesmo cláusula de termo incerto, e sendo o prazo elemento essencial do contrato, essa falta só poderia ser suprida através do mecanismo previsto no artigo 777º, nº 2 do Código Civil.
Tendo o referido contrato-promessa sido celebrado com termo incerto, não podiam, pois, os Autores resolvê-lo, ou pedir judicialmente a sua resolução, por incumprimento, sem que antes se achasse fixado prazo certo para o seu cumprimento, por acordo com a Ré, ou por recurso à via judicial.
Só após a fixação de um prazo certo, não satisfazendo a Ré a prestação a que estava vinculada no prazo determinado, esta se constituiria em mora, podendo então os Autores recorrer à interpelação admonitória com vista a justificar com razoabilidade e objectividade a perda de interesse na realização da prestação em falta.
Os Autores, ante a incerteza do prazo de cumprimento do contrato-promessa, não promoveram a sua fixação, por acordo com a Ré, ou, na ausência desse acordo, por via judicial.
Ao invés, optaram por fixar eles próprios sucessivos prazos para a Ré cumprir, que a mesma não acatou.
Inadequada e, por isso, desprovida de qualquer eficácia jurídica, foi a via encontrada pelos Autores para suprirem a ausência de estipulação, no contrato-promessa, de prazo certo para a Ré cumprir a obrigação a que se vinculara. Como já se adiantou, dada a natureza bilateral do aludido contrato, não podiam os Autores, unilateralmente, fixar o prazo de cumprimento e impor essa determinação à outra parte.
A indeterminação do prazo de cumprimento só podia por eles ser suprida ou por via consensual – fixando o prazo com o acordo da Ré -, ou com recurso à via judicial.
Da prévia determinação, por uma destas vias, do termo final para o cumprimento do contrato-promessa dependia a definição da data para a Ré cumprir a prestação por ela contratualmente assumida. Só o decurso dessa data, sem satisfação da prestação devida, a constituiria em mora.
Uma vez que ainda se mantém incerto o prazo de cumprimento do contrato-promessa – apesar de celebrado há quase vinte anos! -, a Ré não se constituiu em mora, nenhuma das partes incumpriu o referido contrato, que, assim, se mantém em vigor.
Com efeito, o incumprimento definitivo [que, a existir, poderia justificar a resolução do contrato e a cominação, para a Ré, de restituir, em dobro, o sinal recebido] pressupõe a prévia constituição em mora, pressuposto que, no caso, não se verifica[35], sendo juridicamente ineficaz a interpelação admonitória realizada pelos Autores, fazendo-se notar que sempre ela teria de ter por objecto a obrigação principal, e não uma obrigação acessória ou instrumental daquela.
Consequentemente, teriam de improceder as pretensões formuladas pelos Autores na acção que propuseram contra a Ré, o que conduz à procedência da apelação e revogação da sentença recorrida.
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Síntese conclusiva:
- No contrato-promessa está-se perante uma obrigação que tem por objecto uma prestação de facto positivo, um “facere”: duas pessoas obrigam-se a fazer, mais tarde, um certo contrato, diferindo, não já o cumprimento deste, mas a sua própria celebração.
- Também no contrato-promessa as partes estão vinculadas ao princípio da pontualidade. O devedor cumpre quando realiza a prestação a que se vinculou, ou seja, quando emita a declaração de vontade correspondente ao contrato prometido.
- Em caso de incumprimento do contrato-promessa, um dos meios de reacção facultados ao promitente não faltoso consiste na resolução do contrato, a qual, porém, não se compadece com uma situação de simples mora – atraso na realização da prestação devida -, antes exige o incumprimento definitivo.
- Este deriva de uma situação de mora, consumando-se pela perda do interesse do credor na prestação, avaliada essa perda de interesse em termos objectivos e não na perspectiva dos interesses subjectivos do credor em causa, ou pela omissão de cumprimento pelo devedor em prazo razoável que lhe haja sido fixado e comunicado pelo credor – interpelação admonitória.
- Não tendo as partes estipulado no contrato-promessa prazo certo para o seu cumprimento, não é lícito a fixação do mesmo, unilateralmente, por uma das partes.
- Não acordando as partes na fixação do prazo, terá este de ser judicialmente fixado.
- Para a constituição em mora exige-se a prévia determinação do prazo para o cumprimento.
- Não é inválido o contrato-promessa relativo a terreno sujeito a loteamento sem que, à data da sua celebração, se mostre comprovado o respectivo licenciamento, sendo este exigível, todavia, no acto da celebração da escritura notarial que confira execução ao contrato prometido ou para a sentença de execução específica, que considere procedente a correspondente acção, que, dispensando a escritura, produz os mesmos efeitos desta.
- A sanção com que o artigo 892º do Código Civil comina a venda de bens alheios apenas se aplica em relação ao contrato de compra e venda, não ao respectivo contrato-promessa com eficácia obrigacional.
- Deve considerar-se abusiva a invocação de nulidade de um contrato-promessa decorridos vinte anos sobre a data da sua celebração sem que antes, em momento algum, a parte que invocou o vício tenha questionado a validade do contrato, criando confiança nos restantes contraentes de que não poria em causa essa validade.
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Nestes termos, acordam os juízes desta Relação, na procedência da apelação, em revogar a sentença recorrida, absolvendo-se a Ré dos pedidos que contra ela formularam os Autores.
Custas: a cargo dos apelados.

Porto, 05 de Maio de 2016
Judite Pires
Aristides Rodrigues de Almeida
Teles de Menezes
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[1] Cfr. Antunes Varela, «Das Obrigações em Geral», 692; Galvão Telles, «Direito das Obrigações», 106; M. Andrade, «Teoria Geral das Obrigações», 265.
[2] Cfr., neste sentido, J. Calvão da Silva, ob. cit., pág. 29.
[3] Almeida Costa, “Contrato- Promessa, Uma síntese do Regime Actual, separata da ROA, ano 50, I, pág. 41.
[4] Artigo 804º, n.º 2 do Código Civil.
[5] Galvão Telles, Direito das Obrigações, 5ª edição, Coimbra Editora, pág. 83.
[6] Artigo 804º, n.º 1 do referido diploma.
[7] Cfr. João Baptista Machado, “Pressupostos da Resolução por Incumprimento”, in Obra Dispersa, Scientia Ivridica, Braga, 1991, págs. 130 e seguintes.
[8] Na definição acolhida pelo acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27.09.2001 – CJSTJ, tomo III, pág. 46 – a interpelação admonitória constitui “uma intimação formal, do credor ao devedor moroso, para que cumpra a obrigação dentro do prazo determinado, sob pena de se considerar a obrigação como definitivamente não cumprida”.
[9] Artigos 441º e 442º, n.º 2, ambos do Código Civil.
[10] Cfr., entre outros, Galvão Telles, ob. cit., pág. 95; Calvão da Silva, “Sinal e Contrato-Promessa”, Coimbra, 1988, pág. 81 e “Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória”, 1987, pág. 297; Antunes Varela, “Sobre o Contrato-Promessa”, pág. 70; Almeida Costa, Estudo citado, pág. 54; Januário Gomes, “Tema de Contrato-Promessa”, 1990, AAFDL, pág. 55; Ana Prata, “O contrato-promessa e o seu regime civil”, pág. 780 e, de entre vários, os acórdãos do STJ de 20.01.2005, processo 04B4389, de 22.3.2007, processo 07A543, de 07.02.2008. processo 07A4437, de 10.7.2008, processo 08B1849 e de 10.9.2009, processo 170/09.2YFLSB, todos em www.dgsi.pt.
[11] Cfr. Acórdão da Relação do Porto, 30.05.2011, processo nº 1393/08.7TBMAI.P1, www.dgsi.pt.
[12] Cfr. Pires de Lima/Antunes Varela, “Código Civil anotado”, vol. I, 4ª ed., pág. 258, Galvão Telles, “Direito das Obrigações”, 3ª ed., pág. 317, nota 1.
[13] Antunes Varela, “Das Obrigações em Geral”, 9ª ed., pág. 83.
[14] Pires de Lima e Antunes Varela, ob. cit., pág. 259.
[15] “Ibid”; Castro Mendes, “Direito Civil, Teoria Geral”, 1979, III, pág. 513.
[16] “Boletim do Ministério da Justiça" nº 369, pág. 199.
[17] “Boletim do Ministério da Justiça" nº 390º, pág. 89.
[18] “Boletim do Ministério da Justiça" nº 371º, pág. 105.
[19] Cfr. acórdãos da Relação do Porto de 01.03.2001, processo nº 0130179, e de 12.12.1991, proceso nº 9110419, ambos em www.dgsi.pt.
[20] O procedimento administrativo com vista ao licenciamento do loteamento nem sequer foi desencadeado pelo Réu, que a tal se obrigara, não existindo, por conseguinte, acto administrativo a negar a emissão do alvará do loteamento.
[21] Processo n.º 246/09.6YFLSB.S1, www.dgsi.pt.
[22] Cfr. acórdão da Relação de Lisboa de 09.07.2003, processo nº 4886/2003-6, www.dgsi.pt.
[23] “Código Civil Anotado”, vol. I, 4ª ed., pág. 286.
[24] “Abuso de Direito”, pág. 456.
[25] “Questão de facto – Questão de direito”, nota 46, pág. 526.
[26] Baptista Machado, “Tutela da Confiança e Venire contra Factum Proprium”, RLJ, ano 118º, págs. 171, 172.
[27] Ibid.
[28] Processo nº 2463/04, www.dgsi.pt.
[29] “Obra Dispersa”, I vol., págs. 415 e segs.
[30] Revista da Ordem dos Advogados, ano 58º, Julho de 1998, pág. 964.
[31] Como sublinha o acórdão do STJ de 17.11.2015 – processo nº 255/12.8TCFUN.L1.S1, www.dgsi.pt. - estando em causa um contrato-promessa em que se clausulou que “A escritura que definitivamente titulará a prometida transacção, deverá ter lugar logo que se encontrem reunidas as condições documentais para tal, simultaneamente à de constituição da propriedade horizontal (…)”, a solicitação da Ré, prevendo-se reunidas tais condições até Agosto de 2010”, assumindo a Ré, numa cláusula subsequente, que ““caso não proceda à prevista notificação até ao fim de Agosto ficará responsável pelo pagamento dos juros referentes ao crédito intercalar (reforço de sinal), desde essa data e até fim de Dezembro de 2010, sendo que a partir daí a mesma constitui-se em incumprimento definitivo”- nessa hipótese está-se perante um termo essencial objectivo ou termo essencial subjectivo absoluto, devendo considerar-se fatal o decurso daquele prazo [31.12..2010] para o desencadear do incumprimento definitivo, conferindo à parte contratualmente fiel o direito de resolver o contrato.
Ainda assim, a questão não se apresenta isenta de controvérsia, havendo sempre que questionar se um prazo assim fixado pode considerar-se essencial, final ou peremptório, em que a sua ultrapassagem implicaria de imediato o incumprimento definitivo do contrato ou, não revelando essas características, o facto de ser excedido apenas tinha como consequência a constituição do devedor em mora, exigindo-se, neste caso, a concessão de novo prazo admonitório ou a perda (objectiva) do interesse na prestação em falta.
[32] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11.09.2008, processo nº 08B1547, www.dgsi.pt.
[33] No caso aqui em apreço, essa exigência é especialmente reforçada pelo facto de a celebração do contrato prometido pressupor a prévia operação de loteamento do terreno, sendo que nenhuma data foi indicada, sequer a título de previsão, para a sua conclusão.
[34] Cfr. Ana Prata, “O contrato-promessa e o seu regime civil,” pág. 780
[35] Cfr., entre outros, acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 17.11.2015, processo nº 255/12.8TCFUN.L1.S1, de 20.10.2009, processo nº 1307/06.9TBPRD.S1; da Relação do Porto, 30.01.2014, processo nº 5/14.4YRPRT, de 26.05.2015, processo nº 1075/13.8TBCHV.P1, de 02.05.2005, processo nº 0457252; da Relação de Coimbra de 21.09.2010, processo nº 3106/08.4TBAVR.C1, de 01.03.2016, processo nº 1056/14.4TJCBR.C1; da Relação de Guimarães, de 04.04.2013, processo n.º178/12.0TCGMR.G1, todos em www.dgsi.pt.