Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
88694/22.6YIPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: CARLOS GIL
Descritores: SUSPENSÃO DA INSTÂNCIA
CAUSA PREJUDICIAL
AÇÃO DE RESOLUÇÃO
ACÇÃO DE INCUMPRIMENTO
Nº do Documento: RP2023091188694/22.6YIPRT.P1
Data do Acordão: 09/11/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Uma causa é prejudicial relativamente a outra, além do mais, sempre que a sua procedência determina a ineficácia da fonte das pretensões deduzidas na causa dependente.
II - A ação de cumprimento de certo contrato é dependente relativamente a outra ação em que seja pedida a resolução do mesmo contrato com fundamento em perda do interesse na prestação em consequência da mora da outra parte.
III - Sendo pedida em certa ação a resolução de contrato diverso daquele que é referenciado como fonte das pretensões deduzidas noutra ação inexiste qualquer prejudicialidade da ação de resolução relativamente à ação de cumprimento contratual.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 88694/22.6YIPRT.P1

Sumário do acórdão proferido no processo nº 88694/22.6YIPRT.P1 laborado pelo seu relator nos termos do disposto no artigo 663º, nº 7, do Código de Processo Civil:
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Acordam os juízes subscritores deste acórdão, da quinta secção, cível, do Tribunal da Relação do Porto:

1. Relatório
Em 11 de outubro de 2022, no Balcão Nacional de Injunções, A..., Unipessoal, Lda. apresentou requerimento de injunção contra B..., Lda. requerendo a notificação da requerida a fim de lhe pagar a quantia de € 8.129,23, sendo € 7.595,25 de capital, € 185,98 a título de juros de mora, € 246,00 a título de indemnização por custos e € 102,00 a título de taxa de justiça por si paga, com base em contrato de 07 de janeiro de 2021 e relativamente ao período compreendido entre essa data e 10 de outubro de 2022, alegando para o efeito o seguinte:
1 –A Requerente tem por objecto social "Desenvolvimento de programas informáticos. Desenvolvimento e manutenção de softwares, páginas de internet, portais e páginas de comércio eletrónico. Processamento de dados, domiciliação de informação e tratamento de bases de dados. Assistência e reparação a programas informáticos. Atividades de design, fotografia e multimédia. Reprodução, recuperação e replicação de suportes informáticos ou de audiovisuais. Serviços de publicidade e marketing, comissões e consignações. Projetos, estudos, auditorias, consultoria e formação no domínio da comunicação, informática, marketing e redes sociais. Outras atividades na área da comunicação."
2- No exercício das respectivas actividades comerciais, a Requerente forneceu à Requerida, a solicitação desta, determinados bens e serviços da sua acrividade.
3- Emergente desses fornecimento, com relevância para a presente injunção, a Requerida é devedora à Requerente das quantias seguintes:
-€ 5.904,00, correspondente à fatura FT 9/2565, vencida em 23/09/2022, nesse valor;
-€ 584,25, correspondente à fatura FT 9/2551, vencida em 05/08/2022, nesse valor;
-€ 1.107,00, correspondente à fatura FT 1/2333, vencida em 07/01/2021, nesse valor.
4-Até ao momento, as referidas quantias não foram pagas pela Requerida, não obstante
ter sido interpelada para o efeito.
5 – Assim, com relevância para a presente injunção, a Requerida deve à Requerente a
quantia de € 7.595,25.
6 – Acresce que a Requerente tem ainda direito a haver da Requerida juros de mora à
taxa legal aplicável às operações comerciais em vigor, sobre as importâncias em dívida, desde
a data de vencimento das referidas quantias até efectivo e integral pagamento.
7 – A dívida actual da Requerida para com a Requerente, relacionada com os documentos acima discriminados, é, assim, a seguinte:
Capital inicial: € 7.595,25
Total de juros (calculados até 10/10/2022): € 185,98
Indemnização por custos (DL 62/2013): € 246,00
Capital acumulado: € 7.595,25”.
Notificada do requerimento de injunção, B..., Lda. veio deduzir oposição impugnando alguns dos factos alegados no referido requerimento e alegando, em síntese, que em 09 de junho de 2020, a requerida adjudicou à aqui requerente o desenvolvimento de uma plataforma informática pelo preço de € 54.800,00 (cinquenta e quatro mil e oitocentos euros) acrescido de IVA e que consistia na criação da versão 4 do software ... utilizado pela requerida e essencial na prossecução da sua atividade, com vista à sua evolução tecnológica e à sua segurança; a plataforma ... utilizada pela requerida tem as seguintes principais caraterísticas: a) realização de campanhas ... para diversos agentes da rede C... com integração na plataforma do cliente; b) abertura de campanhas para realização de chamadas para diversos clientes; c) realização de chamadas para Cliente D...; d) abertura de campanhas para receção de chamadas para diversos clientes; o desenvolvimento da nova plataforma por parte da requerente pressupunha uma modernização da plataforma já utilizada pela requerida e a manutenção das suas caraterísticas principais, por forma a assegurar a continuidade da atividade da requerida; a manutenção de clientes como a D... pressupunha o funcionamento pleno da nova plataforma, com a manutenção das funcionalidades já existentes na plataforma ... utilizada pela requerida; desde o momento em que foi apresentada a nova plataforma “...” por parte da requerente que a mesma apresentou uma série de problemas e defeitos que impediam a sua plena utilização, vícios e defeitos que sempre foram reportados pela requerida e que impedem, até aos dias de hoje, a sua utilização por parte da requerida; face aos problemas inerentes à plataforma desenvolvida pela requerente – e várias vezes denunciados pela requerida – esta viu-se obrigada a usar o ... por forma a assegurar a sua viabilidade e funcionamento; a aqui requerida prestou serviços à requerente e tendo em conta a prestação mútua de serviços, a requerida emitiu a fatura 2022/039 e respetivo recibo 2022/60 por forma a operar uma compensação (deduzindo o montante daquela fatura ao montante a liquidar pela requerida à requerente evitando-se pagamentos recíprocos); a requerida conclui a sua oposição pedindo que seja julgada procedente a exceção de não cumprimento, com as devidas consequências legais, condenando-se a requerente na reparação dos defeitos em prazo não inferior de 15 dias e, sem prescindir, pede que a ação seja julgada totalmente improcedente por não provada e a opoente absolvida do pedido.
Os autos foram remetidos à distribuição sendo distribuídos ao Juízo Local Cível do Porto – Juiz 5, Comarca do Porto.
A requerente do procedimento de injunção foi notificada para, querendo, pronunciar-se sobre a defesa por exceção deduzida pela requerida.
A requerente pronunciou-se suscitando a litigância de má-fé da requerida e alegando, em síntese, que a ré invoca para fundamentar a exceção de não cumprimento supostos defeitos relacionados com os serviços de desenvolvimento da plataforma informática faturados na fatura FT9/2486 junta como documento nº 3 com a oposição, quando na presente injunção não se reclama qualquer quantia relativa ao contrato subjacente a essa fatura FT9/2486, sendo que essa fatura está paga pela ré; os serviços contratados inicialmente entre autora e ré que foram objeto da fatura junta como documento nº 3 com a oposição, a prestar pela autora à ré, foram os seguintes serviços: “…”, “…”, “…” e “...”; estes serviços foram sendo prestados e ficaram concluídos em 31 de março de 2022; em março de 2021, entre a autora e a ré foi celebrado um outro contrato, nos termos do qual a autora prestou à ré o serviço “Modos de Funcionamento”, a que respeita a FT9/2565 (Doc. 9), sendo que, para a sua implementação a ré enviou o email que constitui o documento nº 10; a ré verificou sempre o que lhe foi entregue e aceitou-o sem reservas e não apresentou qualquer denúncia de defeitos no prazo de 30 dias, pelo que um eventual direito a este título teria prescrito; tudo o que foi contratado entre a autora e a ré foi entregue e executado pela autora concluído e tudo sem defeitos ou vícios; por questões de cortesia e razões comerciais, a autora veio a prestar gratuitamente serviços não contratados, designadamente alguns desenvolvimentos bem como serviços de assistência; a C... trabalha há mais de um ano na plataforma referida na oposição, tendo feito a transição da ... para a ...; relativamente à abertura de campanhas para receção de chamadas para diversos clientes a ré nunca enviou dados (parâmetros dos servidores da E...) e por esse motivo imputável à ré (alegando esta que a E... é que não lhos enviava) não entrou em funcionamento essa funcionalidade, mas ficou tudo preparado para entrar em funcionamento; as questões suscitadas pela ré eram alheias aos serviços prestados pela autora à ré; o pedido formulado pela ré é inadmissível pois como que surge também como uma reconvenção encapotada e que sempre seria inadmissível à luz do artigo 266.º, n.º 2, do Código de Processo Civil; finalmente, alega que nunca seria admissível a resolução do contrato a que a opoente alude na oposição à luz da lei, concluindo pela total improcedência da defesa por exceção.
Designou-se dia para realização da audiência final.
Em 22 de fevereiro de 2023, B..., Lda. ofereceu o seguinte requerimento:
A- DA CAUSA PREJUDICIAL
1. A Requerida tomou conhecimento da resposta às exceções apresentada pela Requerente,
2. Bem como, da posição que a mesma mantém quanto ao software que entregou à Requerida.
3. Face a essa posição manifestada e ausência de qualquer contacto com a Requerida para concretizar o software,
4. A verdade é que, após as interpelações efetuadas pela Requerida sem qualquer sucesso e volvido todo este tempo sem que a Requerida possa utilizar o software contratado à Requerente por culpa a esta imputada,
5. A Requerida deu entrada de uma ação judicial onde peticiona a resolução do negócio celebrado com a Requerente, por ter perdido qualquer interesse no mesmo.
6. A referida ação corre termos na Instância Central Cível do Porto, juiz 4, processo n.º 3414/23.4T8PRT – cfr. documento n.º 1 que ora se junta e cujos dizeres aqui se dão por integralmente reproduzidos para os devidos efeitos legais.
7. Sucede que, a causa de pedir em ambos os processos assenta no contrato de prestação de serviços para desenvolvimento de um software (...) celebrado entre a Requerida e a Requerente.
8. Nos presentes autos, a Requerente, com base no contrato celebrado com a Requerida, peticiona o pagamento de uma alegada fatura por alegados serviços prestados naquele âmbito.
9. Por sua vez, no processo que corre termos sob o n.º 3414/23.4T8PRT a aqui Requerida peticiona a resolução do negócio celebrado com a Requerente e a consequente devolução de tudo o que foi prestado (pagamento do preço).
10. Resulta, assim, que ambos os processos têm como discussão o contrato de prestação de serviços celebrado – desenvolvimento pela Requerente de um software para a atividade da Requerida (...),
11. E a decisão a proferir no processo n.º 3414/23.4T8PRT tem relação direta com a causa de pedir em discussão nos presentes autos,
12. E pode interferir com a decisão que irá ser proferida na presente demanda,
13. Na medida em que, considerando-se a resolução do negócio, sempre terá a aqui Requerente de devolver os montantes pagos pela Requerida por conta do contrato celebrado – (nomeadamente, em caso de procedência dos presentes autos, os montantes aqui peticionados).
14. Ora, Entende-se por causa prejudicial aquela onde se discute e pretende apurar um facto ou situação que é elemento ou pressuposto da pretensão formulada na causa dependente, de tal forma que a resolução da questão que está a ser apreciada e discutida na causa prejudicial irá interferir e influenciar a causa dependente, destruindo ou modificando os fundamentos em que esta se baseia. – Neste sentido, acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, processo n. º 25645/18.9T8LSB.L1-6
15. Desta forma, a discussão dos presentes autos é dependente daquele processo,
16. Pois, a sentença a proferir na presente lide é dependente daquele resultado (conforme seja, ou não, resolvido o negócio).
17. Nestes termos, e verificando-se um juízo de prejudicialidade, deve dar-se sem efeito a audiência de discussão e julgamento agendada para o próximo dia 23 de Fevereiro de 2023,
18. Suspendendo-se a presente instância por existência de causa prejudicial até ser proferida sentença no processo n.º 3414/23.4T8PRT
19. Com vista à economia e a coerência dos julgamentos entre as duas ações pendentes e que
apresentem entre si uma especial conexão.
Ouvida sobre o requerimento que precede, A..., Unipessoal, Lda. pronunciou-se nos seguintes termos:
1.
Não corresponde à realidade e, por isso, se impugna o alegado pela R. nos referida), 7º a 13º, 15º a 19º, do requerimento a que agora se responde.
2.
A acção mencionada pela R. não configura uma causa prejudicial em relação à presente acção.
3.
Com efeito, na presente acção, a A. peticiona o pagamento à R. das quantias discriminadas no requerimento de injunção que respeitam às facturas FT1/2333, FT9/2551 e FT9/2565, emitidas pela A. à R. – Docs. 7 a 9 juntos com a resposta à matéria de excepção.
4.
Ora, na oposição, como resulta expressamente do alegado no art. 5º da mesma, a R. invoca para fundamentar a excepção de não cumprimento supostos defeitos relacionados com os serviços de desenvolvimento da plataforma informática facturados na factura FT9/2486 junta como Doc. 3 com a oposição.
5.
Ora, na presente injunção não se reclama qualquer quantia relativa ao contrato subjacente a essa factura FT9/2486 junta como Doc. 3 com a oposição, sendo que essa factura encontra-se paga pela R..
6.
Por conseguinte, desde logo, da mera análise da oposição decorre que a pretensão da A. e a pretensão da R. respeitam a contratos distintos.
7.
Sem conceder, contata-se que a R. intentou a acção contra a A. no dia 22/02/2023, ou seja, na véspera da data designada para o julgamento nos presentes autos.
8.
Isto é, num momento em que a presente acção se encontrava extremamente adiantada e com o único objectivo de se obter a suspensão da presente acção e protelar o pagamento à A. da quantia reclamada na mesma.
9.
Note-se que a R. tem conhecimento da resposta da A. às excepções desde 14/12/2022, pelo que não faz sequer sentido o que a R. alega.
10.
Deste modo, sem conceder como se disse, não deverá ser ordenada a suspensão da presente acção – art. 272.º, n.º 2, CPC”.
Em 09 de março de de 2023 foi proferido o seguinte despacho[1]:
Por requerimento de 23/02 veio a ré requerer a suspensão da instância, alegando
ter instaurado acção contra a autora, onde peticiona a nulidade do contrato de prestação
de serviços que constitui causa de pedir nos autos.
Mais alega que, “nos presentes autos, a Requerente, com base no contrato celebrado com a Requerida, peticiona o pagamento de uma alegada fatura por alegados serviços prestados naquele âmbito. Por sua vez, no processo que corre termos sob o n.º 3414/23.4T8PRT a aqui Requerida peticiona a resolução do negócio celebrado com a Requerente e a consequente devolução de tudo o que foi prestado (pagamento do preço).
Na sua resposta a autora pronuncia-se pela improcedência do pedido, alegando que
na referida acção, intentada já quando estava agendada a audiência de julgamento nestes
autos, está em causa uma factura que não corresponde àquela que fundamenta o pedido aqui formulado.
Ora analisada, através da plataforma CITIUS, a petição inicial do processo supra
identificado – do Juízo Central Cível do Porto – J4 – constatamos que, efectivamente, se peticiona a nulidade do contrato celebrado entre as partes, sendo a factura que fundamenta
o presente processo emitida no âmbito de tal contrato.
Assim, uma eventual procedência daquela acção terá, como implicação, a inutilidade
superveniente da lide.
Pelo exposto, e nos termos dos artigos 269º, n.º1, c) e 272º, n.º 1 do CPC, declaro
suspensa a instância, até que seja proferida decisão naquele processo, transitada em julgado.
Em 24 de março de 2023, inconformada com a decisão que precede, A..., Unipessoal, Lda. interpôs recurso de apelação, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:
1) Da mera análise das peças processuais constantes dos autos decorre que a pretensão da Autora deduzida nestes autos e a pretensão da Ré deduzida no Proc. 3414/23.4T8PRT, J4 – Juizo Central Cível do Porto respeitam a facturas e contratos diferentes.
2) Com efeito, na presente acção, a Autora peticiona o pagamento das quantias relativas às facturas FT1/2333, FT9/2551 E FT9/2565, com data de 07/01/2021, 05/08/2022 e 23/09/2022 respectivamente, juntas como Docs. 7, 8 e 9 com o requerimento da Autora de 14/12/2022 Ref.ª Citius 44156822.
3) E a acção acima referida instaurada pela Ré, respeita à factura FT9/2486, com data de 31/03/2022, junta como Doc. 3 com a oposição da Ré.
4) Essa factura FT9/2486 não é reclamada na presente acção porque está paga pela Ré.
5) Deste modo, a decisão que venha a ser proferida na acção acima referida instaurada pela Ré naquela acção em nada interfere com a presente acção.
6) Não ocorre nenhuma causa prejudicial à presente acção, inexistindo assim, justificação para a suspensão da instância.
7) Sem conceder, constata-se que a Ré intentou a acção contra a Autora no dia 22/02/2023, ou seja, na véspera da data designada para o julgamento dos presentes autos, portanto, num momento em que a presente acção se encontrava extremamente adiantada e com o único objectivo de se obter a suspensão da presente acção e protelar o pagamento à Autora da quantia reclamada da mesma.
8) Pelo que não deveria ter sido ordenada a suspensão ao abrigo do disposto no art. 272.º, n.º 2, do CPC.
9) A douta sentença violou assim o disposto no art. 272.º, do CPC.
Não foram oferecidas contra-alegações.
O recurso foi admitido como de apelação, com subida nos próprios autos e no efeito meramente devolutivo.
Uma vez que o objeto do recurso é de natureza estritamente jurídica e se reveste de simplicidade, com o acordo dos restantes membros do coletivo dispensam-se os vistos, cumprindo apreciar e decidir de seguida.
2. Questões a decidir tendo em conta o objeto do recurso delimitado pela recorrente nas conclusões das suas alegações (artigos 635º, nºs 3 e 4 e 639º, nºs 1 e 3, ambos do Código de Processo Civil), por ordem lógica e sem prejuízo da apreciação de questões de conhecimento oficioso, observado que seja, quando necessário, o disposto no artigo 3º, nº 3, do Código de Processo Civil
A única questão a decidir é determinar se estão reunidos os requisitos legais para ser decretada a suspensão da instância nestes autos com fundamento em pendência de causa prejudicial.
3. Fundamentos de facto
Além dos factos constantes do relatório que antecede e que resultam dos próprios autos de que este recurso foi extraído, autos que nesta vertente adjetiva têm força probatória plena, relevam-se os seguintes factos apurados com base na funcionalidade citius de seguimento de processo e de modo a suprir a inobservância pelo tribunal recorrido do disposto no artigo 412º, n 2 do Código de Processo Civil[2], aplicado por identidade de razão:
Em 20 de fevereiro de 2023, no Juízo Central Cível do Porto, Comarca do Porto, B..., Lda. instaurou ação declarativa sob forma comum contra A..., Unipessoal, Lda., a que veio a caber o nº 3414/23.4T8PRT, pedindo a resolução do negócio celebrado entre a autora e a ré, com fundamento em alegada perda de interesse na prestação e a condenação da ré a devolver-lhe a quantia de € 67.404,00 paga pela autora à ré por conta do aludido negócio que foi adjudicado pela autora à ré em 09 de junho de 2020.
4. Fundamentos de direito
A recorrente pugna pela revogação da decisão recorrida porque o negócio objeto da pretensão deduzida pela recorrida é diverso do que é objeto destes autos e, ainda que assim não fosse, porque a ação declarativa comum nº 3414/23.4T8PRT que corre termos no Juízo Central Cível do Porto, Juiz 4, Comarca do Porto, foi instaurada apenas para obter a suspensão destes autos.
Cumpre apreciar e decidir.
De acordo com o disposto na alínea c) do nº 1 do artigo 269º do Código de Processo Civil, a instância suspende-se quando o tribunal ordenar a suspensão ou houver acordo das partes.
O tribunal pode ordenar a suspensão quando a decisão da causa estiver dependente do julgamento de outra já proposta ou quando ocorra motivo justificado” (artigo 272º, nº 1, do Código de Processo Civil).
Não obstante a pendência de causa prejudicial, não deve ser ordenada a suspensão se houver fundadas razões para crer que aquele foi intentada unicamente para se obter a suspensão ou se a causa dependente estiver tão adiantada que os prejuízos da suspensão superem as vantagens” (artigo 272º, nº 2, do Código de Processo Civil).
Nas palavras claras e sempre atuais do Professor Alberto dos Reis, “[u]ma causa é prejudicial em relação a outra quando a decisão da primeira pode destruir o fundamento ou a razão de ser da segunda”[3].
Na realidade, se a ação de resolução intentada pela aqui ré visar a extinção do negócio jurídico de que derivam as pretensões formuladas nestes autos pela autora é manifesto que deixando esse negócio de produzir efeitos por força da resolução, não é viável a exigência do cumprimento do mesmo contrato. Se assim for, a ação instaurada pela aqui ré em 20 de fevereiro de 2023 será prejudicial relativamente a esta pois que destruirá a fonte dos principais pedidos formulados pela autora nestes autos.
No caso em apreço, confrontando o que consta no requerimento de injunção como fonte dos créditos cujo pagamento é exigido nestes autos[4] com o contrato cuja resolução[5] foi pedida na ação nº 3414/23.4T8PRT que corre termos no Juízo Central Cível do Porto, Juiz 4, Comarca do Porto, é manifesto que a ação instaurada pela ré em 20 de fevereiro de 2023 não é prejudicial relativamente a esta pois que não existe qualquer identidade de cada um dos contratos objeto de uma e outra ação.
Assim, ao contrário do que afirmou o tribunal recorrido, a procedência da ação instaurada pela aqui ré em 20 de fevereiro de 2023 não terá qualquer repercussão neste pleito[6], não havendo qualquer fundamento legal para a suspensão da instância decretada pelo tribunal recorrido.
Por isso, o recurso procede, devendo revogar-se a decisão recorrida e, em consequência, indeferir-se o requerimento da recorrida de 22 de fevereiro de 2023 para suspensão da instância com fundamento em pendência de causa prejudicial.
As custas do recurso são da responsabilidade da recorrida já que embora não tenha respondido ao recurso deu causa à decisão recorrida e à subsequente interposição do recurso, decaindo nesta instância (artigo 527º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil).
5. Dispositivo
Pelo exposto, os juízes subscritores deste acórdão, da quinta secção, cível, do Tribunal da Relação do Porto acordam em julgar procedente o recurso de apelação interposto por A..., Unipessoal, Lda. e, em consequência, em revogar a decisão recorrida proferida em 09 de março de 2023 que se substitui por outra a indeferir o requerimento de 22 de fevereiro de 2023 formulado por B..., Lda. no sentido da instância nestes autos ser suspensa com fundamento em pendência de causa prejudicial.
Custas do recurso a cargo de B..., Lda. sendo aplicável a secção B, da tabela I, anexa ao Regulamento das Custas Processuais, à taxa de justiça do recurso.
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O presente acórdão compõe-se de dez páginas e foi elaborado em processador de texto pelo primeiro signatário.

Porto, 11 de setembro de 2023
Carlos Gil
Miguel Baldaia de Morais
Ana Paula Amorim
___________________
[1] Notificado às partes mediante expediente eletrónico elaborado em 09 de março de 2023.
[2] Recorde-se que o tribunal recorrido afirma na decisão sob censura que “analisada, através da plataforma CITIUS, a petição inicial do processo supra identificado – do Juízo Central Cível do Porto – J4 – [trata-se do processo nº 3414/23.4T8PRT] constatamos que, efectivamente, se peticiona a nulidade do contrato celebrado entre as partes, sendo a factura que fundamenta o presente processo emitida no âmbito de tal contrato”, mas não cuidou de extrair certidão da referida peça processual e de determinar a sua junção a estes autos.
[3] Citação extraída do Comentário ao Código de Processo Civil, Vol. 3º, Coimbra Editora, Lda. 1946, página 268, último parágrafo.
[4] Sublinhe-se que a requerente do procedimento de injunção indica inicialmente como data do contrato o dia 07 de janeiro de 2021, data que corresponde à da primeira fatura cujo pagamento foi exigido nestes autos. Porém, já no articulado de resposta à matéria de exceção vertida na oposição ao procedimento de injunção, a mesma requerente identifica tantos contratos quantas as faturas por si emitidas para titular os seus direitos (veja-se o artigo 17 da referida resposta).
[5] O tribunal a quo na decisão sob censura afirma que consultada a petição inicial do processo nº 3414/23.4T8PRT que corre termos no Juízo Central Cível do Porto, Juiz 4, Comarca do Porto verificou que a ré nestes autos pede a declaração de nulidade do contrato celebrado entre as partes, “sendo a factura que fundamenta o presente processo emitida no âmbito de tal contrato”. Ora, a não ser que tenha sido consultada outra petição inicial que não consta naqueles autos, não é isso que resulta do referido articulado, como se deu conta em sede de fundamentos de facto deste acórdão. Além disso, nestes autos indica-se como fonte das três faturas cujo pagamento é peticionado um contrato alegadamente celebrado em 07 de janeiro de 2021, enquanto o contrato cuja resolução é pedida naquela ação foi nas palavras da aqui ré adjudicado em 09 de junho de 2020.
[6] Anote-se que se acaso existisse o referido nexo de prejudicialidade, a procedência da ação prejudicial não determinaria a inutilidade superveniente da lide dependente mas antes absolvição da instância da ré com fundamento em caso julgado na vertente da autoridade de caso julgado.