Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
259/15.9IDPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: LÍGIA FIGUEIREDO
Descritores: PERDA DE VANTAGENS
PATRIMÓNIO
PREVENÇÃO
ADMINISTRAÇÃO
AUTORIDADE TRIBUTÁRIA
PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CIVIL
Nº do Documento: RP20170531259/15.9IDPRT.P1
Data do Acordão: 05/31/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: PROVIDO
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º 31/2017, FLS.29-37)
Área Temática: .
Sumário: I - O instituto da perda de vantagem patrimonial é uma providência sancionatória de natureza jurídica análoga à das medidas de segurança, não tendo a natureza de pena acessória nem de efeito da condenação, estando ligada prevenção da prática de futuros crimes.
II - Os pressupostos legais da perda de vantagens são apenas o facto antijurídico e a existência de proveitos.
III – As medidas de caracter sancionatório como a perda de vantagem, ainda que devam constar da acusação, têm caracter irrenunciável, sem prejuízo do disposto no artº 112º CP.
IV – O facto de a A.T. ter ao seu dispor meios legais para ser ressarcida das quantias devidas, não é obstáculo à declaração de perda da vantagem patrimonial, porque:
- existe autonomia entre a responsabilidade tributária e a responsabilidade civil originária na prática do crime.
- o decretamento da perda de vantagem não fica dependente do êxito ou não da cobrança tributária nem da dedução do pedido civil.
- a A.T apenas poderá ser ressarcida uma vez das quantias em divida cuja génese é o incumprimento da prestação tributaria.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: 1ª secção criminal
Proc. nº 259/15.9IDPRT.P1
Acordam em conferência no Tribunal da Relação do Porto:
I – RELATÓRIO:
No processo comum (tribunal singular), do Juiz 1 da secção criminal da Instância Local da Comarca do Porto Este foi proferida sentença foi proferida sentença de cuja parte decisória consta o seguinte:
(…)
Pelo exposto, julgo a acusação totalmente procedente, por provada e em consequência:
1) condeno o arguido B…, como autor material, e na forma continuada, de um crime de abuso de confiança fiscal, p. e p. pelo art. 105.°, n.s? 1 e 4 do RG.I.T. (Lei n." 15/01, de 5 de Junho), na pena de pena de 220 (duzentos e vinte) dias de multa, à taxa diária de €6,00 (seis euros), num total de €1.320,00 (mil trezentos e vinte), à qual se terá que imputar a quantia já paga de €900,00.
2) condeno a sociedade arguida "C…, Unipessoal, Lda." pela prática, de um crime continuado de abuso de confiança fiscal, p. e p. pelo art. 105.°, n." 1 e 4 do RG.I.T. (Lei n." 15/01, de 5 de Junho), com referência ao art. T da mesma Lei, na pena de pena de 250 (duzentos e cinquenta) dias de multa, à taxa diária de €10,00 (dez euros), num total de €2.500,00 (dois mil e cem euros), à qual se terá que imputar a quantia já paga de e 2.000,00.
3) condeno os arguidos nas custas do processo, fixando-se a taxa de justiça em 2 (duas) UC's, a reduzir a metade, atenta a confissão do arguido gerente, nos termos do art. 8° do RC.P ..
(…)
*
Inconformado, o Magistrado do Ministério Público interpôs recurso, no qual formula as seguintes conclusões:

(…)
1)Ao condenar os arguidos B…, "como autor material, e na forma continuada, de um crime de abuso de confiança fiscal, p. e p. pelo art. 105. n.s 1 e 4 do R. G.I. T. (Lei nº 15/01, de 5 de Junho), na pena de pena de 220 (duzentos e vinte) dias de multa, à taxa diária de 6,00 (seis euros), num total de €1.320,00 (mil trezentos e vinte) ": e "C…, UNIPESSOAL, LDA.", por seu turno, "pela prática, de um crime continuado de abuso de confiança fiscal, p. e p. pelo art. 1 05 nº1 e 4 do R.G.I. T. (Lei nº. 15/01, de 5 de Junho), com referência ao art.º da mesma Lei, na pena de pena de 250 (duzentos e cinquenta) dias de multa. à taxa diária de é 10,00 (dez euros), num total de 2.500, 00 (dois mil e cem euros", devia o Tribunal a quo ter decretado a perda da vantagem patrimonial correspectiva, nos termos do disposto pelo art. 111, n.º 2, 3 e 4 do Código Penal, como promovido pelo Ministério Público em sede de acusação.
2. A decisão do Tribunal a quo nesse tocante é contraditória, inconsistente, imponderada, e até surpreendente.
3. A sentença não se pronunciou adequadamente sobre a aplicabilidade, ou não, do art. 111.° do Código Penal, visto que o único trecho que se pronuncia em concreto sobre a questão a decidir - "Ora, não foi deduzido pelo Ministério Público pedido de indemnização civil, sendo que se entende que a Autoridade Tributária, sempre tem ao seu dispor dos meios legalmente previstos no art. 1480 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) para cobrança coerciva do imposto em causa." - não explica minimamente as razões de Direito pelas quais aquela norma é prejudicada pela existência de "meios legalmente previstos no art. 1480 do Código de Procedimento e de Processo Tributário.
4. Com efeito, parece considerar - sem a devida ancoragem na lei - que é pressuposto negativo de aplicabilidade do art. 111.° do Código Penal a existência de título executivo prévio, ou que a não dedução do pedido de indemnização civil preclude a aplicação daquele mecanismo.
5 .No que concerne à cobrança coerciva dos impostos, é a sociedade o sujeito passivo, ou seja, a responsável em termos tributários pela entrega do que concerne à cobrança coerciva dos impostos, é a sociedade o sujeito passivo, ou seja, a responsável em termos tributários pela entrega imposto, sendo a responsabilidade dos gerentes, administradores e gestores de facto meramente subsidiária, que para ocorrer pressupõe seja operada a reverão nos termos dos arts. 22.° a 24.° da LGT. 6.Acresce que a execução fiscal só incide sobre os sujeitos passivos e eventuais responsáveis subsidiários, sem afectar o património de terceiros que, em má-fé, tenham integrado no seu património vantagens patrimoniais decorrentes de crime, limitação que o art. 111.° do Código Penal não conhece.
7. O crime pode compensar ao agente quando o pedido de indemnização civil não for requerido ou não for por algum motivo procedente, ou quando a vantagem obtida com o crime (v.g. o bem furtado e não apreendido, a utilização do veículo automóvel durante o período de apropriação ... ) for superior à pena determinada ou à condenação no valor peticionado como indemnização.
8. O confisco das vantagens do crime nos termos do art, 111.° do Código Penal visa recolocar o agente na mesma situação patrimonial antes de ter beneficiado da vantagem patrimonial, causada em consequência de um facto antijurídico, a ocorrer mesmo que o pedido de indemnização civil não tenha sido formulado, por algum motivo tenha sido julgado improcedente, ou seja relativo a valor inferior à vantagem patrimonial que ocorra, motivado pela intensa eficácia preventiva que sinaliza.
9. Não tem por isso paralelismo com o pedido de indemnização civil, que visa a reconstituição natural, isto é, a reposição do lesado na situação em que se encontrava antes do dano.
10. É quando se aplica transversalmente a lei, seja quando o crime compense em €5, seja quando compense em €5.000.000, que melhor se poderá verificar a longo prazo os seus efeitos preventivos, e melhor se poderá circunscrever um espaço onde o Direito, e a igual aplicação da lei a todos, impera.
11. O confisco das vantagens do crime incide sobre os benefícios directos ou indirectos retirados do crime (fructa seeleris, diferente do confisco dos os produtos deles resultados).
12. A lei estruturou a vantagem de um modo amplo, contemplando recompensas dadas ou prometidas, coisas, direitos ou vantagens adquiridos através do facto ilícito típico representantes de uma vantagem patrimonial de qualquer espécie.
13. Por outro lado, as coisas, direitos ou vantagens adquiridos pelo facto ilícito típico são, por exemplo, os bens furtados (coisas), e a vantagem patrimonial obtida por uma burla (vantagens). Sublinhando-se que estará em causa uma vantagem patrimonial de qualquer espécie, o que alarga o espectro de aplicação.
14. Para aplicação do confisco das vantagens, deverá reunir-se de dois pressupostos: o facto jurídico (anti -jurídico doloso), e o proveito patrimonial, considerando "não só as coisas e direitos, mas também as vantagens derivadas do uso ou dos gastos que se deixaram de fazer" ­Leal Henriques e Simas Santos, "Código Penal Anotado", 3.a Edição, 1.º Volume, Parte Geral, Editora Rei dos Livros, 2002, pg, 1161.
15. A lei não erigiu a dedução ou falta dele do pedido de indemnização civil, ou a existência de um título executivo prévio, como um pressuposto negativo, o que já intuíamos da consideração da natureza completamente distinta dos institutos, pelo que a decisão do Mm.º Juiz a quo não tem qualquer fundamento legal.
16. A aplicação do confisco das vantagens do crime é de natureza imperativa ( “toda a recompensa ... é perdida", e "são também perdidos ", numa formulação frásica legal assertiva e inequívoca), pelo que reunidos os dois pressupostos, deve ser decretada, devendo posteriormente considerar-se a compatibilização com eventuais pedidos de indemnização civil procedentes (quer sejam iguais à vantagem patrimonial, caso em que deixa de existir verdadeira vantagem, ou quer sejam inferiores à vantagem patrimonial).
17. No caso concreto, estão reunidos os pressupostos de aplicação do confisco com o incremento registado com o facto de o respectivo valor de €14.529,05, líquido, ter sido alocado para outros fins, determinado pelo arguido B… (cfr. facto n.º 5 da matéria de facto dada como provada).
18. arguido B… (cfr. facto n.º 5 da matéria de facto dada como provada).
18. O Estado não cobrou, em todo o caso, o imposto devido, pelo que em nenhuma perspectiva se pode desconsiderar a existência de uma vantagem patrimonial (como se poderia defender ser teoricamente o caso se a totalidade do imposto fosse voluntária ou coercivarnente pago antes da leitura da sentença).
19. Está em causa, assim, reinstituir os arguidos na posição patrimonial que ocupavam antes da apropriação do valor do imposto, frisando os efeitos preventivos gerais e especiais do confisco das vantagens do crime.
20. A compatibilização com o processo executivo fiscal a correr os seus termos para cobrança coerciva do imposto é uma questão posterior ao decretamento da perda da vantagem patrimonial, de concordância prática dos dois institutos diferentes, mas que têm o mesmo objecto (o processo executivo fiscal e o confisco, incidentes sobre o imposto e sobre a vantagem patrimonial, que são no caso o mesmo), devendo após o decretamento oficiar se o Serviço de Finanças c dar conhecimento da decisão, solicitando-se a indicação sobre se relativamente ao mesmo valor houve já satisfação, e em que medida, do crédito do Estado.
21. Pelo que, quando dado como provado que um arguido integrou no seu património o valor devido a título de imposto (ou, mais genericamente, sempre que apurada uma vantagem patrimonial de qualquer espécie decorrente da prática de um facto ilícito típico), mesmo que não seja peticionado o pedido de indemnização civil (ou quando este for improcedente ou inferior à vantagem), exista ou não título executivo prévio, e conquanto a vantagem patrimonial seja actual, deve ser aplicado o art. 111.°, nºs 2, 3 e 4 do Código Penal como requerido in casu, a par da condenação penal.
22. Ao não decretar a perda, como promovido pelo Ministério Público em sede de acusação, optando por interpretação singular, inconsistente, imponderada e indemonstrada, violou o Tribunal a quo o disposto pelos arts. 9.°,nº 1,2 e 3 do Código Civil e 111.°, nºs 2, 3 e 4 do Código Penal.
23. Deve assim, in casu, ser anulada e substituída a douta sentença nessa parte, por segmento que determine a perda da vantagem patrimonial nos termos do artigo 111.°, nºs 2, 3 e 4 do Código Penal, no valor de €14.529,05, quantia que era devida à Administração Tributária e de que esta ficou desapossada pelo crime por que foram condenados os arguidos.

(…)

Admitido o recurso não foi apresentada resposta.
Nesta instância, o Exmº Procurador-Geral Adjunto acompanhando o recurso do Ministério Público emitiu parecer no sentido do provimento do mesmo.
Cumprido que foi o disposto no artº 417º nº2 do CPP não foi apresentada resposta.

*
Foram colhidos os vistos legais e realizou-se a conferência.
*
A sentença recorrida deu como provados e não provados os seguintes factos, seguidos da respectiva motivação:
(…)
Instruída e discutida a causa, resultaram provados os seguintes factos:
1) A sociedade C…, UNIPESSOAL, LDA., está coletada para o exercício da atividade "Outras atividades e serviços de apoio prestado às empresas N. E.", sujeito passivo de Imposto Sobre o Valor Acrescentado IVA), enquadrado no regime normal de periodicidade trimestral, em sede de IVA.
2) O arguido B… que é o único sócio-gerente da sociedade arguida, não obstante a isso estar obrigado, por si e em representação da sociedade arguida, decidiu não proceder à entrega nos cofres do Estado dos valores do IV A por si liquidados e recebidos antes do fim do prazo legal para entrega à Autoridade Tributária dos referidos valores, relativos ao período de imposto de Abril a Junho de 2014, conforme tabela seguinte:
----------------------------------------
----------------------------------------
----------------------------------------
----------------------------------------
3)Tendo apurado por si e em representação da sociedade arguida, de imposto a entregar ao Estado, os valores €14.529,05, enviou, a declaração periódica de IV A, relativa ao período de imposto acima referido, desacompanhada do respetivo meio de pagamento.
A saber:
---------------------------------------
---------------------------------------
---------------------------------------
---------------------------------------

4) Encontram-se decorridos 90 dias sobre o termo do prazo legal de entrega.
5) Integrando, o arguido por si e em representação da sociedade arguida, no seu património estas quantias por si recebidas a título de IVA, utilizando as mesmas em benefício próprio e da sociedade arguida.
6) A sociedade arguida e o arguido, B…, foram notificados, nos termos do art. 105°, n04 al. b) do RGIT, não tendo a prestação em falta sido paga, acrescida de juros respetivos e do valor da coima aplicável, no prazo de 30 dias.
7) O arguido por si e em representação da sociedade arguida, ao atuar da forma descrita, bem sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei.
Mais se provou:
8) A Sociedade arguida ainda se encontra em laboração, e recentemente e conforme consta da certidão permanente da mesma e do documento junto a fls. 226 e 228, foi aprovado um PER, com vista á sua recuperação.
9) Conforme consta da certidão junta aos autos, o arguido e a sociedade arguida, no âmbito do processo n° 1697/14.OIDPRT, que correu termos nesta Instância Local Criminal de Felgueiras da Comarca de Porto Este, por sentença já transitada em julgado, foram condenados por factos respeitantes à falta de entrega do LV.A., relativo aos períodos de 06/2013T, segundo Trimestre de 2013, no montante de €13.814,96 e período de 12/2013T, 4° trimestre de 2013, no montante de €13.751,04. 10) No âmbito do processo referido em 9), o arguido e a sociedade arguida fora, condenados pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal, p. e p. pelo artigo 105°, nºs 1 e 4 do R.G.LT. (Lei n° 15/2001 de 05.06), respectivamente, o arguido na pena de 150 dias de multa à taxa diária de € 6,00, num total de €900,00, a qual já foi paga, tendo a referida pena sido declarada extinta pelo cumprimento; tendo sido a sociedade arguida condenada na pena de 200 dias de multa à taxa diária de €10,00, num total de €2.000,00; sendo que, e no que concerne à sociedade arguida, a mesma também foi paga, tendo também a referida pena sido declarada extinta pelo cumprimento.
11) A Sociedade arguida nos anos de 2013 e 2014 já vinha sentindo dificuldades financeiras, uma vez que foram períodos e anos em que existiram poucas encomendas, trabalhou abaixo do custo, devido à forte concorrência, optando por manter os postos e trabalho.
12) O arguido B…:
a) é gerente da sociedade arguida, auferindo um vencimento mensal declarado de €505,00;
b) é divorciado e tem dois filhos menores, os quais estão com a mãe e para os quais contribui com uma quantia mensal de cerca de €150 a €200, quando pode;
c) habita em casa de uma irmã, de favor, contribuindo com a quantia de €100 por mês para a alimentação e despesas;
d) tem o 6.° ano de escolaridade;
e) Do seu CRC constam os antecedentes criminais, aí melhor descritos e constantes de fls, 219 a 220, e cujo teor aqui se dá por reproduzido.
13) A Sociedade arguida:
a) continua em laboração e viu aprovado um PER, tendo em vista a sua recuperação;
b) labora em instalações emprestadas, pagando a quantia mensal de 375,00 a título de renda e tem 4 trabalhadores ao seu serviço e efectua serviços na área dos acabamentos de solas;
c) tem uma facturação mensal de cerca de 5 a 7 mil euros;
d) Do seu CRC constam os antecedentes criminais, aí melhor descritos e constantes de fls, 221 a 222, e cujo teor aqui se dá por reproduzido.
Factos Não Provados:
Não se provaram quaisquer outros factos com relevância para a decisão da causa articulados na acusação pública ou alegados em audiência de discussão e julgamento que não se encontrem descritos como provados ou que se mostrem em oposição aos provados ou prejudicados por estes.
3) Convicção do Tribunal:
Na sua convicção, o Tribunal teve em conta, além dos documentos juntos aos presentes autos, nomeadamente, o auto de notícia de fls, 31, certidão do registo comercial permanente da sociedade arguida de fls, 45 a 47 e actualizada de fls, 224 e 225, documentos de fls, 37 a 45, 48 a 49,63 a 67,226 a 228, documentos contabilísticos e extractos de conta de fls, 57 a 61,101 a 129, declarações de IVA de fls, 35 e 36, notificação do arguido de fls, 86, informação da AT de fls, 133 a 134, IES de fls, 141 a 146 e parecer final constante de fls, 153 a 156, certidão de fls, 234 a 247 e a prova produzida em audiência de julgamento, mais concretamente:
- nas declarações do arguido, B…, o qual, de uma forma livre, voluntária, consciente e espontânea confessou o factos constantes da acusação, confirmando o não pagamento do IVA no período referido, bem como em períodos anteriores, e pelos quais já foi julgado, já que nessa altura, ou seja, nos anos de 2013 e 2014, foram anos complicados, com poucas encomendas, e trabalhavam abaixo do custo, tendo optado por ir trabalhando e pagar aos trabalhadores, e optou por não pagar o IV A. Mais referiu que está a regularizar a situação da empresa, tendo para o efeito submetido a mesma a um PER. Mais esclareceu que a sociedade arguida continua a laborar, efectuando trabalhos de acabamentos de solas (pintar e lixar), e tem ao seu serviço 4 trabalhadores, laborando em instalações arrendadas, pela qual paga uma renda mensal de €375,00. Prestou ainda declarações, que se afiguraram credíveis, quanto à sua situação pessoal e económica.
- nas declarações da testemunha de acusação D…, inspector tributário na DF do Porto, o qual fez a recolha de prova no processo de averiguações ou de inquérito, através dos elementos que recolheu, bem como de outros elementos solicitados, tendo confirmado que o IV A constante dos autos e respectivos valores constante da acusação se reporta a IV A efectivamente recebido e que não foi pago, e relativo ao 2° trimestre de 2014. Confirmou igualmente que os valores em causa ainda não estão pagos.
Foi igualmente relevante o CRC do arguido, junto de fls. 219 a 220 e o CRC da sociedade arguida, junto a fls. 2221 a 222.
(…)
Constitui jurisprudência corrente dos tribunais superiores que o âmbito do recurso se afere e se delimita pelas conclusões formuladas na respectiva motivação, sem prejuízo da matéria de conhecimento oficioso.
No caso vertente e vistas as conclusões do recurso, a única questão a decidir é saber se a sentença devia ter determinado a perda da vantagem patrimonial no montante de 14.529,05€.
(…)
Constitui jurisprudência corrente dos tribunais superiores que o âmbito do recurso se afere e se delimita pelas conclusões formuladas na respectiva motivação, sem prejuízo da matéria de conhecimento oficioso.
No caso vertente e vistas as conclusões do recurso, a única questão a decidir é saber se a sentença devia ter determinado a perda da vantagem patrimonial no montante de 14.529,05€.
*
II - FUNDAMENTAÇÃO:
O MP requereu em sede acusação a Perda da Vantagem Patrimonial no montante de 14.529,05€.
Muito embora em sede de fundamentação de direito da sentença se tenha escrito:
Da perda da vantagem patrimonial:
O Ministério Público veio requerer a perda da vantagem patrimonial nos termos do artigo 111 o, nas 2, 3 e 4 do Código Penal, no valor de €14.529,05, quantia que era devida à Administração Tributária e de que esta ficou desapossada pelo crime cometido pelos arguidos de abuso de confiança fiscal p. e p. pelo artigo 6º e 105º, nºl, do Regime Geral das Infracções Tributárias.
Dispõe o artigo 1110, do Código Penal que:
"1 - Toda a recompensa dada ou prometida aos agentes de um facto ilícito típico) para eles ou para outrem) é perdida a favor do Estado.
2 - São também perdidos a favor do Estado) sem prejuízo dos direitos do ofendido ou de terceiro de boa - fé as coisas) direitos ou vantagens que) através do facto ilícito típico) tiverem sido adquiridos) para si ou para outrem) pelos agentes e representem uma vantagem patrimonial de qualquer espécie.
3 - O disposto nos números anteriores aplica-se às coisas ou aos direitos obtidos mediante transacção ou troca com as coisas ou direitos directamente conseguidos por meio do facto ilícito típico.
4 - Se a recompensa) os direitos) coisas ou vantagens referidos nos números anteriores não puderem ser apropriados em espécie) a perda é substituída pelo pagamento ao Estado do respectivo valor".
Ora, como é sabido a perda de vantagens é exclusivamente determinada por necessidades de prevenção.
Como bem ensina Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Código Penal, pág. 315, em anotação ao art. 111°, não se trata de uma pena acessória, porque não tem relação com a culpa do agente, nem de um efeito da condenação, porque também não depende uma condenação. Trata-se de uma medida sancionatória análoga à medida de segurança, pois baseia­-se na necessidade de prevenção do perigo da prática de crimes, "mostrando ao agente e à generalidade que) em caso de prática de um facto ilícito típico) é sempre e em qualquer caso instaurada uma ordenação dos bens adequada ao direito decorrente do objecto" (Figueiredo Dias, 1993: 638, e apontando também nesse sentido, Maia Gonçalves, 2007: 436, anotação 3\ ao artigo 111°, considerando que o preceito tem em vista "mais uma perigosidade em abstracto" e visa a "prevenção da criminalidade em geral", Leal Henriques e Simas Santos, 2002: 1162 e 1164, e Sá Pereira e Alexandre Lafayette, 2007: 299, anotação 6a ao artigo 111°.
Ora, não foi deduzido pelo Ministério Público pedido de indemnização civil, sendo que se entende que a Autoridade Tributária, sempre tem ao seu dispor dos meios legalmente previstos no art. 148° do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) para cobrança coerciva do imposto em causa.
Pelo exposto e, porque assim se entende, afigurando-se que a Autoridade Tributária dispõe de meios legais para ser ressarcida das quantias que lhe são devidas, a perda de vantagem patrimonial requerida pelo Ministério Público terá que improceder.” verifica-se contudo que na parte decisória se omitiu a decisão sobre tal questão. Inexiste pois omissão de pronúncia sobre a questão mas apenas omissão de menção no dispositivo, a qual não configura nulidade nos termos conjugados dos arts º 374º nº3 b) e 379º nº1 al.a), mas tão só irregularidade que se encontra sanada.
Como resulta da fundamentação transcrita, considerou-se na decisão improcedente o pedido de perda alargada por a Autoridade Tributária dispor de outros meios para se ressarcir das quantias devidas.
O artº 111º do CP sob a epígrafe “Perda de vantagens” dispõe no seu nº2 «São também perdidos a favor do Estado, sem prejuízo dos direitos do ofendido ou de terceiro de boa – fé, as coisas, direitos ou vantagens que, através do facto ilícito típico, tiverem sido adquiridos, para si ou para outrem, pelos agentes e representem uma vantagem a qualquer título» e no nº 4 «Se a recompensa, os direitos, coisas ou vantagens referidos nos números anteriores não puderem ser apropriados em espécie, a perda é substituída pelo pagamento ao Estado do respectivo valor.»
Como se escreveu na sentença recorrida o instituto legal da perda de vantagens patrimoniais, é uma providência sancionatória de natureza jurídica análoga à das medidas de segurança, não tendo a natureza de pena acessória nem de efeito da condenação, antes estando ligada à prevenção da prática de futuros crimes.[1]
A vantagem patrimonial pode consistir nas palavras de João Conde Correia “num aumento do activo, numa diminuição do passivo, no uso ou consumo de coisas ou direitos alheios ou na mera poupança ou supressão de despesas. Em causa tanto estão as coisas, como os direitos, os benefícios decorrentes da fruição de um determinado objecto (v.g. a utilização gratuita de um veículo automóvel de decorrente da prática do crime) ou os custos evitados (vg os decorrentes da não realização das obras necessárias ao cumprimento das disposições legais nos crimes ambientais): isto é, tudo o que signifique um enriquecimento patrimonial do visado.”[2]
Constituindo na síntese do mesmo autor, “qualquer benefício, que possa ser economicamente avaliado, emergente da prática de um facto ilícito típico”.[3]
Os pressupostos legais da perda das vantagens são a existência de um facto anti-jurídico e a existência de proveitos,[4] inexistindo nenhum pressuposto positivo ou negativo relativo à dedução do pedido de indemnização civil por parte do lesado.
O que bem se compreende face à natureza essencialmente reparadora da indemnização civil,[5] e a natureza sancionatória preventiva da perda de bens.
Isto, é claro, sem prejuízo de em grande parte dos casos haver coincidência entre o montante da vantagem patrimonial e o montante do dano a atribuir ao lesado.
Porém, como bem se salienta no ac. desta Relação de 22/2/2017,[6] o direito à indemnização é um direito disponível que pode ser ou não exercido, ao passo que as medidas de carácter sancionatório, ainda que devendo constar da acusação, têm carácter irrenunciável, sem prejuízo do disposto no artº 112º do CP.
Por maioria de razão, o facto de a administração tributária ter ao seu dispor meios legais para ser ressarcida das quantias devidas, não é obstáculo à declaração de perda da vantagem patrimonial, desde logo atenta a autonomia da responsabilidade tributária em relação à responsabilidade civil originária na prática do crime, e porque o decretamento da perda da vantagem patrimonial não fica dependente do êxito ou não da cobrança tributária, nem da dedução do pedido cível.
É certo que o artº 111º nº2 ressalva os direitos do ofendido ou terceiro de boa fé; ressalva que está em consonância com o disposto no artº 130º nº 2 do CP ao prever que «Nos casos não cobertos pela legislação a que se refere o número anterior, o tribunal pode atribuir ao lesado, a requerimento deste e até ao limite do dano causado, os objectos declarados perdidos ou o produto da sua venda, ou o preço ou o valor correspondentes a vantagens provenientes do crime, pagos ao Estado ou transferidos a seu favor por força dos artigos 109 e 110º» que ainda que não referindo o artº 111º expressamente se refere às vantagens do crime, sobre as quais disciplina este preceito.
Por outro lado, quando for deduzido pedido cível, a questão que se colocará é a questão da utilidade da declaração da perda da vantagem patrimonial, face à relação de subsidiariedade desta perante o pedido de ressarcimento do ofendido, pois como salienta o Prof. Figueiredo Dias, embora existindo sempre “lugar e justificação autónomos para a perda. (…) sempre que tenha havido pedido civil conexo com o processo penal, poucas serão as hipóteses em que a perda das vantagens poderá vir a ser decretada utilmente.
Esta foi a interpretação perfilhada no acórdão desta Relação 22/3/2017, à qual aderimos, quando debruçando-se sobre o ensinamento do Prof. Figueiredo Dias, aí se escreveu “E como refere o mesmo autor, na reflexão que possa haver no tocante à articulação entre a responsabilidade civil (ou fiscal) e perda de vantagens, o instituto da perda de vantagens marca sempre a sua autonomia. (…) Questionando-se apenas a sua utilidade, mas já não a possibilidade do seu decretamento, nos casos em que tenha sido deduzido pedido cível conexo com o processo penal, pois nestes casos “poucas serão as hipóteses em que a perda das vantagens poderá vir a ser decretada utilmente”. E sendo só nestes casos, em função de uma comprovada e concreta inutilidade, que se poderá verificar uma específica e excepcional subsidiariedade entre os dois institutos”.
Porém e ainda que se admita ser discutível nos casos em que haja dedução de pedido cível, ser de questionar a utilidade da declaração da perda da vantagem, quando esta for totalmente coincidente com o valor daquele pedido, no caso dos autos, não foi deduzido pedido cível, desconhecendo-se as contingências da cobrança tributária, pelo que nem sob esta perspectiva se pode afirmar a inutilidade processual do decretamento da perda da vantagem tributária.
Claro, que numa fase executiva, o ofendido Autoridade Tributária /Estado apenas poderá ser ressarcido uma vez das quantias em dívida, cuja génese é o incumprimento da prestação tributária, integrador também de ilícito criminal gerador de responsabilidade criminal e civil, sob pena de enriquecimento sem causa.
Pensamos ter aqui pertinência o que escreve o Prof. Germano Marques da Silva acerca da impossibilidade de o credor tributário receber o imposto em falta e a indemnização de igual montante ao referir “A indemnização corresponde sempre ao pagamento do imposto evadido e consequentemente paga a indemnização não é mais devido o imposto. Tenha-se em conta que o credor da obrigação é o mesmo e que a responsabilidade civil se destina a satisfazer o interesse do credor da prestação tributária que foi frustrado pela prática do facto ilícito criminal. O recebimento pelos dois títulos representaria um enriquecimento sem causa”.[7]
Em causa, está a perda da vantagem patrimonial com fins preventivos, mas essa vantagem, resulta no caso dos autos ainda da omissão de pagamento da prestação tributária devida, que nunca poderá ser cobrada duas vezes, sob pena de lesão patrimonial dos arguidos não permitida por lei.
Assim, e com respeito por posição contrária, entendemos dever ser decretada a perda da vantagem patrimonial, consistente no montante de 14.529,05€.
III – DISPOSITIVO:
Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em no provimento do recurso interposto pelo Ministério Público alterar a sentença recorrida e nos termos do artº 111 nº2, 3 e 4 do CP determina-se a perda a favor do Estado da vantagem patrimonial que para os arguidos B… e “C…, Unipessoal Ldª”, no valor de 14.529,05€, sem prejuízo dos direitos da ofendida Autoridade Tributária ou de terceiro de boa fé, bem como da dedução de eventuais pagamentos efectuados pelos arguidos para pagamento da quantia em dívida.

Sem tributação

Elaborado e revisto pela relatora

Porto, 31/05/2017
Lígia Figueiredo
Neto de Moura
____
[1] Cf. Prof. Figueireo Dias, Direito Penal Português, As consequências Jurídicas do Crime, pág.638, editorial Notícias 1993
[2] João Conde Correia, “Da Proibição do confisco à Perda Alargada”INCM, pág.81.
[3] João Conde Correia, Apreensão ou Arresto Preventivo dos Proventos do Crime? RPCC 25(2015) pág.516.
[4] Leal Henriques e Simas santos, Código Penal 1º volume 2ª edição, pág.784.
[5] Não se desconsiderando o carácter punitivo da indemnização por danos morais, referido por Menezes Cordeiro, Direito das Obrigações, 2º volume, cit. pág.288.
[6] Ac. de 22/2/2017, proferido no proc. 2373/14.9IDPRT.P1 (relatora Maria Deolinda Dionísio).
[7] Germano Marques da Silva, Direito Penal Tributário, Universidade Católica pág. 326.