Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2620/10.6PFAVR.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MARIA LUÍSA ARANTES
Descritores: PRESCRIÇÃO DA PENA
PENA DE MULTA
SUSPENSÃO DA PRESCRIÇÃO
Nº do Documento: RP201612152620/10.6PFAVR.P1
Data do Acordão: 12/15/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: PROVIDO
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º1039, FLS.33-35)
Área Temática: .
Sumário: I - Os atos do procedimento executivo destinados a fazer executar a pena de multa não são a execução da pena de multa [art.º 125.º, n.º 1, al. a), do CPP].
II - A execução da pena de multa só tem lugar com a sua materialização, com a efetivação do sacrifício nela implicado para o condenado, ou seja, com o começo do seu cumprimento.
III - Assim, o período que decorreu entre o trânsito em julgado da decisão e o termo final para o pagamento voluntário da multa não consubstancia causa de suspensão da prescrição da pena.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 2620/10.6PFAVR-A.P1
Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto:
I – RELATÓRIO
No processo comum [com intervenção do tribunal singular] n.º2620/10.6PFAVR, do qual foi extraído o presente apenso, por sentença proferida e depositada em 22/5/2012, o arguido B… foi condenado pela prática de um crime de condução de ciclomotor sem habilitação legal p. e p. pelo art.3.º, n.º1, do DL n.º2798, de 3/1, na pena de 60 dias de multa, à taxa diária de €6,00.
Por despacho proferido em 27/3/2016, foi convertida a pena de multa aplicada em 40 dias de prisão subsidiária, a qual não foi cumprida.
Em 22/6/2016, o Ministério Público promoveu que se declarasse extinta, por prescrição, a pena de multa, o que foi indeferido por despacho judicial, de 28/6/2016, do seguinte teor:
«Salvo o devido respeito por diverso entendimento, não ocorreu ainda prescrição da pena aplicada no presente processo, porquanto o curso do respectivo prazo esteve suspenso entre 22.06.2012 e 11.01.2013 (cfr. elementos dos autos referidos no despacho de 27.03.2015, a fls. 175 e seg.), por força do disposto nos artigos 125°, n.º1, al. a), do Código Penal e no artigo 491.º, n.º1, do Código de Processo Penal, podendo vir a ocorrer prescrição da pena em 11.01.2017 (artigos 125°, n.º2, e 122°, n.º 1, al. d), do Código Penal.
Não se declara, portanto e ao menos por ora, extinta a pena nem se determina o arquivamento dos autos.»
Inconformado, o Ministério Público interpôs recurso, extraindo da motivação, as seguintes conclusões [transcrição]:
1.º
Por despacho de 28 de Junho de 2016 o tribunal a quo decidiu que o prazo de prescrição da pena de 60 dias de multa em que B… foi condenado nos presentes autos esteve suspenso entre 22 de Junho de 2012 e 11 de Janeiro de 2013, ou seja, entre a data do trânsito em julgado e o termo do prazo para pagamento voluntário da multa constante das guias de pagamento.
2.º
Sob o entendimento que, nos termos previstos no art. 125.º, n.º1, al. a), do Código Penal, por força lei, a execução [da pena de multa] não pode começar ou continuar a ter lugar enquanto perdurar o prazo para pagamento voluntário da multa indicado nas guias de pagamento.
3.º
Ao concluir deste modo, o tribunal a quo fez implícita distinção entre a execução das penas pecuniárias e das penas não pecuniárias ou medidas de segurança.
4.º
Por "execução da pena" deve entender-se cumprimento da pena, seja ele através do pagamento, voluntário ou coercivo, no caso da multa ou outra forma de cumprimento, por exemplo através de reclusão no caso da pena de prisão.
5.º
O tribunal a quo com o despacho recorrido, ao concluir que o prazo de prescrição esteve suspenso entre a data do trânsito em julgado e o termo do prazo para pagamento voluntário da multa constante das guias de pagamento, fez uma incorrecta interpretação do disposto nos art.s 122.º, n.º2, e 125.º, n.º1, al. a), do Código de Processo Penal.
6.º
Não é legalmente admissível, por força do disposto no art.122.º, n.º1, al.d), que o condenado seja notificado para proceder ao pagamento voluntário da multa decorridos mais de 4 anos sobre a data do trânsito em julgado.
7.º
A dilação de tempo decorrida entre a data do trânsito em julgado da condenação e as datas de elaboração da conta e de notificação do condenado para proceder a pagamento voluntário não tem a virtualidade de suspender o prazo de prescrição.
8.º
Na verdade, a notificação para pagamento voluntário constitui uma forma de promoção da execução da pena multa (a pena é executada com o pagamento), nos termos previstos no art.º 469.º do Código de Processo Penal.
9.º
Com o despacho recorrido, o tribunal a quo confundiu a execução da pena com a cobrança coerciva da pena de multa, esta sim não pode iniciar-se antes de decorrido o prazo para pagamento voluntário.
10.º
Pelo que, deve ser revogado o despacho recorrido e declarada extinta a pena de 60 dias de multa em que B… foi condenado nos presentes autos, por prescrição, nos termos previstos no art. 122.º, n.º1, al. d), do Código de Processo Penal, com o que será feita, JUSTIÇA.
O arguido respondeu ao recurso, pugnando pelo provimento do recurso [fls.11 a 14].
Remetidos os autos ao tribunal da relação e aberta vista para efeitos do art.416.º, n.º1, do C.P.Penal, o Sr.Procurador-Geral Adjunto apôs visto.
Colhidos os vistos legais, foram os autos à conferência.
II – FUNDAMENTAÇÃO
Dados processuais relevantes para a decisão a proferir no presente recurso
● Por sentença proferida em 22/5/2012, o arguido foi condenado na pena de 60 dias de multa à taxa diária de €6,00, pela prática de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, p. e p. pelo art. 3.º, n.º 1 e 2, do DL 2/98 de 3/1.
● A sentença condenatória transitou em julgado em 21/6/2012.
● O arguido foi notificado pessoalmente para proceder ao pagamento da multa em 27/12/2012, com indicação do termo de pagamento no dia 11/1/2013.
Apreciação
O âmbito do recurso é delimitado pelo teor das conclusões extraídas pelo recorrente da motivação apresentada, sem prejuízo da apreciação pelo tribunal ad quem das questões de conhecimento oficioso.
No caso em apreço, a questão trazida à apreciação deste tribunal é a de saber se está prescrita a pena de multa em que foi condenado o arguido.
Nos termos do disposto no art.122.º, n.º1, alínea d) e n.º2 do C.Penal, o prazo de prescrição da pena de multa é de 4 anos, contados desde o trânsito em julgado da decisão que tiver aplicado a pena.
Nos autos não está em causa a inexistência de causas de interrupção da prescrição, uma vez que não se iniciou a execução da pena e também não houve declaração de contumácia – cfr.art.126.º, n.º1, do C.Penal.
A questão que se coloca é se ocorre, como entendeu o tribunal recorrido, a causa de suspensão do prazo prescricional prevista no art.125.º, n.º1, alínea a), do C.Penal.
Vejamos.
A decisão recorrida considerou que o prazo prescricional se suspendeu entre 22/6/2012 e 11/1/2013, ou seja, no período que mediou entre o trânsito em julgado da sentença e o termo final para o pagamento voluntário da multa, por não poder começar a execução da pena de multa.
De harmonia com o disposto no art.125.º, n.º1, alínea a), do C.Penal, a prescrição da pena suspende-se durante o tempo em que, por força da lei, a execução não puder começar ou continuar a ter lugar.
Importa, desde logo atentar no significado a atribuir a «execução».
Em relação à pena de prisão, o termo «execução» sempre foi entendido como início do cumprimento da pena, com a correspondente privação da liberdade.
Já quanto à pena de multa, o termo revelou-se equívoco, tendo sido tratado com um duplo sentido: execução patrimonial e cumprimento da pena.
O Supremo Tribunal de Justiça, no AUJ n.º2/2012, a propósito da interpretação da expressão «execução da pena» contida no art. 126.º, n.º 1, alínea d) do C.Penal, explanando argumentos que valem na interpretação da mesma expressão utilizada no art. 125.º do C.Penal, atribui ao termo “execução” o sentido de começo de cumprimento. Tal como a execução da pena de prisão só se inicia com a privação da liberdade, também não há execução da pena de multa enquanto não houver pagamento voluntário ou coercivo, por conta do valor da multa. «Por outras palavras, a pena entra em execução com o início do seu cumprimento. (…) Essa materialização da pena, ou início do seu cumprimento, exige a prática no processo de determinados actos idóneos a esse fim.
Assim, no caso de pena de multa, transitada a decisão que a aplica, o condenado é notificado para proceder ao seu pagamento em 15 dias, excepto se o pagamento houver sido diferido ou autorizado pelo sistema de prestações (artigo 489º do Código de Processo Penal). Não tendo sido requerida a substituição por dias de trabalho, findo o prazo para pagar a multa ou alguma das suas prestações sem que o pagamento esteja efectuado, procede-se à execução patrimonial, que é promovida pelo Ministério Público (artigos 490º, nº 1, e 491º do mesmo código).
Estes actos situam-se já na fase da execução da pena de multa, inserindo-se no capítulo I (Da execução da pena de multa) do Título III (Da execução das penas não privativas da liberdade) do Livro X do Código de Processo Penal (Das execuções). Pertencem ao procedimento executivo da pena de multa. Mas não constituem ainda a sua execução; têm-na como fim. A execução da pena, como se disse, só tem lugar com a sua materialização, com a efectivação do sacrifício nela implicado para o condenado, ou seja, com o começo do seu cumprimento. São, pois, actos destinados a fazer executar a pena de multa. Tanto a instauração da execução patrimonial como a notificação do condenado para em certo prazo pagar a multa (ambas com idêntico alcance, nesta matéria). Execução da pena e actos destinados a fazê-la executar são realidades distintas, como até as próprias palavras indicam. Estes são apenas um meio para realizar aquela, não sendo raro que, como aconteceu nos casos sobre que incidiram os acórdãos fundamento e recorrido, o fim visado não seja atingido.» - AUJ n.º2/2012.
Revertendo ao caso em apreço, o período que decorreu entre o trânsito em julgado da decisão e o termo final para o pagamento voluntário da multa não consubstancia a causa de suspensão da prescrição da pena prevista na alínea a) do n.º1 do art.125.º do C.Penal, sendo que o Sr.Juiz confundiu a “execução” da pena de multa com os atos destinados a fazê-la executar. Aliás, o prazo da prescrição, como preceitua o n.º2 do art.122.º do C.Penal, inicia-se com o trânsito em julgado da decisão e não com o termo do prazo legal para pagamento voluntário da multa.
Por outro lado, o prazo inicial previsto na lei para pagamento voluntário da multa [art.489.º, n.º1, do C.Penal] não cabe no conceito de dilação do pagamento da multa – causa de suspensão da prescrição da pena prevista na alínea d) do citado art.125.º, n.º1, do C.Penal - uma vez que «não existe qualquer prorrogação, mas antes se trata do prazo normal fixado na lei para o pagamento da multa.» -Ac.R.Porto de 15/6/2016, proc. n.º440/10.7GDAFR-A.P1, relatado pela Desembargadora Maria dos Prazeres Silva.
Em conclusão, no caso concreto, o prazo prescricional da pena de multa iniciou-se no dia 21/6/2012 e não ocorreu qualquer causa de suspensão ou interrupção da prescrição, pelo que se completou em 21/6/2016. Nesta decorrência não devem prosseguir as diligências para execução da prisão subsidiária, posto que a mesma representa apenas uma última forma de execução da pena pecuniária.
III – DISPOSITIVO
Pelo exposto, acordam os juízes da 1ªsecção criminal do Tribunal da Relação do Porto em julgar procedente o recurso e em consequência revogam o despacho recorrido e declaram extinta, por prescrição, a pena de multa em que foi condenado nestes autos o arguido B….
Sem custas.

[texto elaborado pela relatora e revisto pelos seus signatários]

Porto, 15/12/2016
Maria Luísa Arantes
Renato Barroso