Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0634319
Nº Convencional: JTRP00039481
Relator: AMARAL FERREIRA
Descritores: REGISTO
TERCEIRO
Nº do Documento: RP200609210634319
Data do Acordão: 09/21/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: CONFIRMADA A SENTENÇA.
Indicações Eventuais: LIVRO 684 - FLS 92.
Área Temática: .
Sumário: Ocorrendo conflito entre uma aquisição por compra e venda anterior não levada ao registo e uma penhora posterior registada, aquela obsta à eficácia desta última, prevalecendo sobre ela.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I – RELATÓRIO.
1. Por apenso aos autos de execução ordinária, para pagamento de quantia certa, que “B………., S.A.” instaurou, no Tribunal da Comarca de Vila Nova de Gaia, contra C………., e em que foi penhorado em 16/12/99 o imóvel (fracção autónoma) identificado no termo de penhora de fls. 38 dos autos principais, deduziu D………., em 10 de Dezembro de 2001, os presentes embargos de terceiro pedindo que seja declarado que é possuidora de boa fé e proprietária do imóvel penhorado e que seja ordenado o cancelamento do registo da penhora efectuado.

Alega para tanto, em síntese, que adquiriu ao executado e mulher, por escritura pública de compra e venda e mútuo com hipoteca de 18 de Março de 1999, o imóvel penhorado, tendo os respectivos registos de compra e venda e hipoteca, que haviam sido realizados como provisórios, caducado por a respectiva conversão em definitivos ter sido requerida decorridos mais de seis meses, mas que, desde o dia da outorga da escritura, passou a habitar o imóvel comportando-se como sua proprietária, sendo certo que não é parte da execução.

2. Recebidos os embargos contestou apenas a embargada/exequente e, impugnando os factos alegados pela embargante, aduz que a sua pretensão excede os limites impostos pela boa fé, que deve prevalecer a penhora por força da prioridade do registo e que a aplicação do artº 5º do CRPredial deve ser recusada por inconstitucionalidade, terminando pela improcedência dos embargos e consequente prosseguimento da execução.

3. Após resposta da embargante, que concluiu como na petição, seguiu-se a prolação de despacho saneador que, afirmando a validade e regularidade da instância, declarou a matéria assente e elaborou base instrutória, que se fixaram sem reclamações.

4. Procedeu-se a julgamento com observância do formalismo legal e, sem que as respostas dadas à matéria de facto controvertida constante da base instrutória tivessem sido objecto de censura, foi proferida sentença que, julgando os embargos improcedentes, ordenou o prosseguimento da execução.

5. Discordando da decisão, dela apelou a embargante que, nas respectivas alegações, formulou as seguintes conclusões:
1ª: A recorrente adquiriu por escritura pública a fracção autónoma designada pela letra “F”, correspondente ao 2º andar direito do prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito na ………., Lote …., ………., concelho de Sesimbra.
2ª: A recorrente celebrou um contrato de mútuo com a E.......... .
3ª: Ficou esta encarregada de proceder aos registos de aquisição.
4ª: Procedeu-se ao registo provisório.
5ª: É naquela habitação que tem o seu domicílio fiscal, ali recebendo amigos, correspondência, cozinhando as refeições, dormindo, etc..
6ª: Celebrou contratos de fornecimento de água e luz.
7ª: É reconhecida como condómino do prédio.
8ª: Comporta-se perante todos como dona que é.
9ª: Sem que tal seja posto em causa.
10ª: A sua posse é titulada pelo contrato de compra e venda formalizado por escritura pública.
11ª: Paga pontualmente as prestações do empréstimo que contraiu para a aquisição.
12ª: A sua posse é pacífica, titulada e de boa fé.
13ª: Recorrente e recorrida têm entre si direitos incompatíveis, transmitidos por um transmitente comum.
14ª: O registo definitivo não se pode sobrepor à aquisição da recorrente.
15ª: A posse da recorrente é protegida pela lei, designadamente pelo artº 5º do Código do Registo Predial.
16ª: A recorrida é um credor exequente, não assumindo a posição de terceiro de boa fé.
17ª: Não beneficia da protecção jurídica do artº 5º do Código do Registo Predial.
18ª: A sua aquisição é derivada, e não originária, não podendo ser julgada em pé de igualdade com a aquisição da Recorrente.
19ª: A aquisição da Recorrente é originária, provada pela escritura pública.
20ª: Devendo por isso, ser protegida pelos artºs 5º e 17º do Código do Registo Predial.
Face ao exposto, deve a sentença que ora se recorre ser revogada e em consequência
a) Ser declarado que a recorrente é possuidora de boa fé e proprietária da fracção autónoma designada pela letra “F”, correspondente ao 2º andar direito, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito na ………., Lote …., ………., concelho de Sesimbra;
b) Ser ordenado o cancelamento do registo da penhora, efectuado na Conservatória do Registo Predial de Sesimbra, pela apresentação 72/170200, que incide sobre o prédio descrito na ficha nº 01537/090688, da freguesia da ………., concelho de Sesimbra, inscrito na matriz predial urbana sob o nº 2538 “F”, com referência à COTA F – 2.

6. Contra-alegou a embargada/exequente no sentido da confirmação da decisão recorrida.

7. Colhidos vistos legais, cumpre decidir.

II. FUNDAMENTAÇÃO.

1. Na sentença apelada foram considerados provados os seguintes factos:
Constantes da matéria assente:
1) Por escritura pública de compra e venda, lavrada a 18 de Março de 1999, no 1º Cartório Notarial do Barreiro, a A. adquiriu a C………. e F………., a fracção autónoma designada pela letra “F”, correspondente ao 2º andar direito, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, sito na ………., lote …., na ………., Sesimbra (A);
2) ... Fracção essa que faz parte do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Sesimbra, sob o nº 1537, registada sob a inscrição F-1 e aquisição a favor dos vendedores pela inscrição G-4 e inscrito na matriz predial urbana sob o artº. 1538 (B);
3) De acordo com a escritura de compra e venda, o preço da aquisição foi de Esc. 10.000.000$00 (C).
4) A A. celebrou com a E………. um contrato de mútuo, nos termos do qual, o mutuante emprestou à mutuária a quantia de Esc. 10.000.000$00, para pagamento do preço de compra e venda (D).
5) Segundo o disposto na cláusula 3ª da escritura, a A. constituiu a favor da E………. uma hipoteca que incide sobre a fracção id. em 1) (D – 1).
6) A E………. renunciou à hipoteca anterior que incidiu sobre a fracção id. em 1) e que havia sido constituída pelos anteriores proprietários, os vendedores na escritura (E).
7) A aquisição da fracção id. em 1) e a hipoteca a favor da E………. foram registadas, com caracter definitivo, em 06-03-01 (F).
8) Através das cotas G5 e C4, foi registado, provisoriamente, na Conservatória do Registo Predial de Sesimbra, pela apresentação 24/050399, a aquisição a favor da A. e a hipoteca a favor da E………. (G).
9) Pela apresentação 14/16, de 10-09-99, foi requerida a conversão dos registos em definitivos, o que veio a ser indeferido por se ter esgotado o prazo de seis (6) meses (H).
Resultantes das respostas dadas à base instrutória:
10) A A. só teve conhecimento da penhora que incide sobre a fracção id. em 1), quando foi informada por um avaliador que pretendia ir a sua casa para avaliá-la (1º).
11) Tendo-lhe referido que estava ali por força da existência de numa carta precatória emitida no âmbito de um processo executivo, remetido ao Tribunal de Sesimbra, com o objectivo de fazer a avaliação do bem imóvel, uma vez que sobre o mesmo havia sido ordenada uma penhora (1º A).
12) A realização dos registos ficou a cargo da E………. (2º).
13) A A., desde 18-03-1999, habita o prédio id. em 1), tendo ali a sua vida familiar (3º), o seu domicílio fiscal (3º-A), ali recebendo amigos, correspondência, cozinhando as refeições, dormindo (3º-B), celebrou contrato de fornecimento de água e de luz (3º-C), sendo reconhecida como condómino do prédio (3º-D) e comportando-se como dona perante todos (3º-E).

2. Tendo presente que o objecto dos recursos é balizado pelas conclusões das alegações dos recorrentes, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso (arts. 684º, nº3 e 690º, nºs 1 e 3, do C. P. Civil), que neles se apreciam questões e não razões e que não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido, a questão suscitada na presente apelação é a de saber se, tendo a penhora sido efectuada e registada antes do registo de aquisição da propriedade pela embargante/recorrente, é o registo da penhora oponível ao da aquisição da propriedade.
Na verdade, a apelante discorda do entendimento seguido na sentença recorrida de que, face ao disposto no artº 5º do CRPredial, na redacção vigente à data da aquisição do imóvel por parte da embargante e da penhora dos autos de execução principal, assim como ao Ac. do STJ nº 15/97, o direito por ela invocado não é oponível à embargada/exequente, uma vez que não procedeu ao registo do seu direito, prevalecendo, assim, o registo da penhora.
Apreciemos então, havendo ainda a considerar, para além dos factos que foram declarados provados na sentença recorrida, que a penhora sobre o imóvel foi registada como provisória por dúvidas em 17/02/2000 e convertida em definitivo em 10/03/2000, conforme certidão junta a fls. 44 e seguintes.

Como decorre da matéria de facto provada, a embargante adquiriu a C………. e F………., por escritura pública de compra e venda, lavrada a 18 de Março de 1999, no 1º Cartório Notarial do Barreiro, a fracção autónoma designada pela letra “F”, correspondente ao 2º andar direito, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, sito na ………., lote …., fracção essa que faz parte do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Sesimbra, sob o nº 1537, registada sob a inscrição F-1 e aquisição a favor dos vendedores pela inscrição G-4 e inscrito na matriz predial urbana sob o artº 1538 embargante que, desde 18-03-1999, habita o prédio, tendo ali a sua vida familiar, o seu domicílio fiscal, ali recebendo amigos, correspondência, cozinhando as refeições, dormindo, e tendo celebrado contrato de fornecimento de água e de luz, sendo reconhecida como condómino do prédio e comportando-se como dona perante todos.
Essa aquisição, bem como o contrato de mútuo com hipoteca celebrado pela embargante com a E………., foram registadas, com carácter definitivo, em 06-03-01, pois, tendo sido registadas provisoriamente na Conservatória, através das cotas G5 e C4, pela apresentação 24/050399, veio a sua conversão em definitivo a ser indeferida por ter sido requerida depois de se ter esgotado o prazo de seis (6) meses.
Entretanto, aquela fracção veio a ser penhorada no âmbito de uma execução movida pela embargada/exequente contra C………., ou seja, a mesma pessoa que a vendera à embargante, penhora que foi registada como provisória por dúvidas em 17/02/2000 e convertida em definitivo em 10/03/2000.

A questão colocada à nossa apreciação, que se prende com a interpretação do artº 5º, nº 1, do CRPredial (diploma a que pertencerão os demais preceitos legais a citar sem outra indicação de origem), encontra-se lapidarmente tratada no Ac. STJ de 18/12/2003, Proc. 03B2513, em www.dgsi.pt., e, embora, relativa a uma situação de arresto, é aqui inteiramente aplicável, tanto mais que nele são citados, no mesmo sentido, outros arestos do mesmo STJ, com referência a situações de penhora, como no caso em apreço.
Como nele se escreve, em matéria de registo, vigora o princípio prior tempore potior jure (princípio da prioridade), com assento no artº 6º, nº 1: "o direito inscrito em primeiro lugar prevalece sobre os que se lhe seguirem relativamente aos mesmos bens, por ordem da data dos registos e, dentro da mesma data, pelo número de ordem das apresentações correspondentes".
Os factos sujeitos a registo podem ser invocados entre as próprias partes ou seus herdeiros, mesmo que não registados (artº 4º, nº 1).
Já no que respeita à oponibilidade do registo predial a terceiros prescreve o artº 5º, nº 1 que "os factos sujeitos a registo só produzem efeitos em relação a terceiros depois da data do respectivo registo".
Significa isto que, inter partes, os factos sujeitos a registo são plenamente eficazes, mesmo que não registados; para com terceiros interessados, a sua eficácia depende do registo.
Importa, todavia, ter presente que o registo predial se destina essencialmente a dar publicidade à situação jurídica dos prédios, tendo em vista a segurança do comércio jurídico imobiliário (artº 1º), não tendo natureza constitutiva: entre nós, os actos existem fora do registo, sendo o efeito deste simplesmente declarativo, não conferindo, a não ser excepcionalmente, quaisquer direitos.
Assim, a compra da fracção efectuada pela embargante transferiu para ela a respectiva propriedade, nos termos dos artºs 408º, nº 1, e 879º, al. a), do C. Civil, pelo que a penhora posteriormente promovida pela embargada/exequente, é, em princípio, ineficaz em relação à embargante, de todo estranha ao processo executivo.

Mas a aquisição do direito de propriedade sobre imóveis está sujeita a registo [artº 2º, nº 1, al. a)], talqualmente sucede com a penhora [al. n) do mesmo preceito].
Os factos sujeitos a registo só produzem efeitos contra terceiros depois da data do respectivo registo (artº 5º, nº 1).
A solução para a questão prende-se, como se referiu, com a leitura deste preceito ou, dito de outro modo, com a noção de terceiros, para efeitos de registo predial.
O conceito de terceiros deve reflectir, por isso, a função declarativa do registo e ser entendido à luz das finalidades publicitárias deste.
Esse conceito foi objecto de longa e diversificada controvérsia doutrinal e jurisprudencial.

O Acórdão uniformizador de jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça nº 15/97, de 20/05/97 (DR, I Série-A, de 4/7/97), sufragou o chamado conceito amplo de terceiro, para efeito de registo.
Segundo ele, “terceiros, para efeitos de registo predial, são todos os que, tendo obtido registo de um direito sobre determinado prédio, veriam esse direito ser arredado por qualquer facto jurídico anterior não registado ou registado posteriormente”.
Na fundamentação de tal acórdão podemos ler que “só este conceito amplo de terceiros tem em devida conta os fins do registo e a eficácia dos actos que devam ser registados. Na verdade, se o registo predial se destina essencialmente a dar publicidade à situação jurídica dos prédios, tendo em vista a segurança do comércio jurídico imobiliário (cf. artigo 11º do Código do Registo Predial), tão digno de tutela é aquele que adquire um direito com a intervenção do titular inscrito (compra e venda, troca, doação, etc.) como aquele a quem a lei permite obter um registo sobre o mesmo prédio sem essa intervenção (credor que regista uma penhora, hipoteca judicial, etc.)”.
Assim, não importaria apurar se o credor exequente agiu de boa ou má fé ao nomear à penhora a fracção predial em causa. É que, acrescentava-se, a eficácia do registo é independente da boa ou má fé de quem regista.

Todavia, o STJ, através do Ac. nº 3/99, de 18/05/99, (também uniformizador de jurisprudência), revendo a doutrina fixada pelo seu homólogo nº 15/97, veio a firmar nova jurisprudência, sufragando o conceito restrito, tradicional, de terceiro, para efeitos de registo.
É do seguinte teor a conclusão desse douto aresto: “Terceiros, para efeitos do disposto no artigo 5º do Código do Registo Predial, são os adquirentes de boa fé, de um mesmo transmitente comum, de direitos incompatíveis, sobre a mesma coisa”.
Na respectiva fundamentação pode ler-se que “por força do condicionamento da eficácia, em relação a terceiros, dos factos sujeitos a registo é evidente que se alguém vende, sucessivamente a duas pessoas diferentes a mesma coisa, e é o segundo quem, desconhecendo a primeira alienação, procede ao registo respectivo, prevalece essa segunda alienação (...), por ser esse o efeito essencial do registo”; e, mais adiante, “ isto (...) quer a alienação seja voluntária, isto é, livremente negociada, quer coerciva, ou seja, obtida por via executiva. Efectuada a compra, por via da arrematação em hasta pública, ou por qualquer outro modo de venda judicial, este modo de alienação, na perspectiva em causa, tem, pelo menos, a mesma eficácia daqueloutra”.
Noutro passo do mesmo acórdão, pode ler-se: “Sem dúvida, o acórdão unificador (assento) acima transcrito (15/97) recolhe plenamente a intenção expressa no já referido artigo 1º do CRP: publicitar a situação jurídica dos prédios, para alcançar segurança no comércio jurídico imobiliário. Essa é, porém, uma meta ideal que o presente estado legislativo não permite alcançar. É que a segurança resultante de um acto que a generalidade das pessoas não assimila bem, sobretudo desconhece, ou conhece vagamente, os efeitos da falta de registo, é contrariada pela insegurança e intranquilidade do reverso da situação: após se comprar, pagar e cumprir a formalidade, esta sim, ritologia bem assimilada e integrada no acervo cultural das populações, consubstanciada em escritura no notário, depara-se, surpreendentemente, com o objecto da compra a pertencer a outrem, por efeito (constitutivo) de um registo, com a agravante de poder perder-se o valor do preço escrupulosamente pago”.
O registo não tem, entre nós, natureza constitutiva, mas meramente declarativa, como se alcança do disposto no artº 7º, segundo o qual “o registo definitivo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define”.
Esta presunção é juris tantum e, como tal, passível de prova em contrário (artº 350º, nº 2, do CCivil).

Este conceito restrito, tradicional, de terceiro, para efeitos de registo predial, adoptado no citado Ac. nº 3/99, veio a ser legalmente consagrado pelo DL nº 533/99, de 11/12, o qual tomou partido nas divergências jurisprudências existentes sobre tal matéria.
Como se pode ler no respectivo preâmbulo, “aproveita-se, tomando partido pela clássica definição de Manuel de Andrade, para inserir no artigo 5º do Código do Registo Predial o que deve entender-se por terceiros, para efeitos de registo, pondo-se cobro a divergências jurisprudenciais geradoras de insegurança sobre a titularidade dos bens”.
Aquele diploma acrescentou àquele artº 5º, um nº (4), cuja redacção é a seguinte: “Terceiros, para efeitos de registo, são aqueles que tenham adquirido de um autor comum direitos incompatíveis entre si”.
E, como se defende no citado Ac. do STJ de 18/12/2003, “Parece, assim, irrecusável a consideração deste nº 4 como uma norma interpretativa, o que postula a sua integração na lei interpretada, nos termos do nº 1 do art 13º do CC ...”.

Assim, se já não existiam dúvidas quanto ao enquadramento jurídico da questão suscitada nos presentes autos, à luz do referido acórdão nº 3/99 (a penhora foi efectuada por termo de 16/12/1999), essas dúvidas estão, agora, legalmente sanadas com a sua aplicação ao caso em apreço, uma vez que a dedução dos embargos (10/12/2001) ocorreu posteriormente à entrada em vigor do DL nº 533/99 (11/01/2000).
E, decorrendo a solução da questão que nos ocupa, directamente daquele acórdão e também do referido nº 4 do artº 5º do CRPredial, mal se compreende a afirmação constante da sentença recorrida ao referir que, face ao disposto no artº 5º do CRPredial, na redacção vigente à data da aquisição do imóvel por parte da embargante e da penhora dos autos de execução principal, assim como ao Ac. do STJ nº 15/97, o direito por ela invocado não é oponível à embargada/exequente, uma vez que não procedeu ao registo do seu direito, prevalecendo, assim, o registo da penhora, por aplicação do acórdão nº 3/99, a venda judicial prevaleceria sobre a anterior venda não registada, pelo que a acção devia improceder.
Do indicado normativo resulta que a ora recorrida, titular de um direito real de garantia registado sobre imóvel anteriormente vendido à recorrente, mas sem o subsequente registo, não é terceiro para efeitos de registo, uma vez que o seu direito e o da adquirente do imóvel não provêm de um autor comum.
É que, face ao entendimento adoptado pelo Ac. STJ nº 3/99, e consagrado no DL nº 533/99, a inoponibilidade de direitos a um terceiro, para efeitos de registo, pressupõe que ambos os direitos tivessem advindo de um mesmo transmitente comum, excluindo "os casos em que o direito em conflito com o direito em conflito deriva de uma diligência judicial, seja ela arresto, penhora ou hipoteca judicial" – cfr. Ac. STJ de 07/07/99, CJSTJ, Tomo II, pág. 164.
Do que acaba de se expor, flui que, ocorrendo conflito entre uma aquisição por compra e venda anterior não levada ao registo e uma penhora posterior registada, aquela obsta à eficácia desta última, prevalecendo sobre ela.
E, no caso dos autos, a compra efectuada em 15/03/99, pela embargante, aqui recorrente, apesar de ter sido levada ao registo em data posterior ao registo da penhora, produz efeitos contra a embargada, ora recorrida, podendo aquela invocar triunfantemente perante esta o seu direito de propriedade.
Parafraseando o aludido Ac. de 18/12/2003, há que atentar em que o imóvel penhorado, no caso dos autos, já havia saído do património do devedor: a propriedade transferiu-se por mero efeito do contrato de compra e venda, independentemente de qualquer registo. Por isso, não podia garantir dívida daquele perante o credor requerente da penhora. Como bem alheio que era, podia a sua titular embargar de terceiro, sendo que logrou provar a sua posse anterior à do registo da penhora.
Procede, portanto, a apelação.

III. DECISÃO.

Pelo exposto, acordam os juízes que constituem esta Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto em julgar procedente a apelação e revogar a sentença recorrida, que substituem por outra a ordenar o levantamento da penhora e o cancelamento do respectivo registo.
*
Custas pela apelada.
*

Porto, 21 de Setembro de 2006
António do Amaral Ferreira
Deolinda Maria Fazendas Borges Varão
Ana Paula Fonseca Lobo