Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
254/16.0T8FLG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: RAÚL ESTEVES
Descritores: FALSIDADE DE TESTEMUNHO
SENTENÇA CÍVEL
CASO JULGADO
Nº do Documento: RP20170621254/16.0T8FLG.P1
Data do Acordão: 06/21/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: PARCIALMENTE PROVIDO
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º35/2017, FLS.139-143)
Área Temática: .
Sumário: I - A afirmação de que a testemunha mentiu e por essa razão não merece credibilidade não está abrangida pela força pena do caso julgado do documento autêntico que constitui a decisão proferida no processo de natureza civil.
II - Não obstante, não tendo sido colocada em causa a sua veracidade, deve a mesma ser apreciada como prova plena e assim, que o aqui arguido ali prestou falso testemunham já não com base na prova documental, mas na conjugação das regras da livre apreciação, com as regras da experiência subjacentes ao interesse pessoal na prestação de tal depoimento.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam em Conferência os Juízes Desembargadores que integram a 1ª Secção Criminal do Tribunal
1 Relatório
Nos autos nº 254/16.0T8FLG.P1, que correram os seus termos na Comarca do Porto Este, Felgueiras, Inst. Local Secção Criminal J1, foi proferida sentença que decidiu:
Condenar o arguido B…, como autor material, e na forma consumada, de um crime de falsidade de testemunho, p. e p. pelo art. 360°, n° 1 do Código Penal, na pena de 200 (duzentos) dias de multa à taxa diária de €8,50 (oito euros e cinquenta cêntimos), num total de €1.700,00 (mil e setecentos euros).
Não conformado, veio o arguido interpor recurso, alegando para tanto o que consta de fls. 217 dos autos, e que aqui se dá por integralmente reproduzido, concluindo nos seguintes termos:

1ª – O ponto de facto constante de 2) dos Factos Provados da sentença foi incorretamente julgado como provado quando deveria antes ter sido julgado não provado, face à total ausência de prova produzida sobre o mesmo, para além da documental (certidão de fls. 3 a 108), sendo que esta, por si só, não tem virtualidade para provar tal facto.
2ª - A resposta negativa sobre a prova de um facto não implica, necessária e automaticamente, que se tenha demonstrado o facto contrário, ou seja, e concretamente, embora a M.ª Juiz da ação cível tenha considerado como não provado que “No dia 25 de Outubro de 2012, no lugar de Jugueiros, nesta comarca, ocorreu um acidente de viação no qual foram intervenientes os veículos ligeiros Audi …, de matrícula .. – DM - .., pertença da autora e conduzido por B… e o Toyota …, de matrícula MP - .. - .., pertença de C… e por ele conduzido”, daí não se pode concluir, sem mais, que está demonstrado que efetivamente o acidente tal como alegado na P. I. não ocorreu.
3ª – O demais constante dos factos provados (1, 3 a 8 dos Factos Provados) representa juízos conclusivos e não factos concretos, sendo por isso insuficientes para a condenação do arguido, enquanto autor da prática de um crime de falsidade de testemunho já que, consistindo este, concretamente, em o arguido, quando prestava declarações como testemunha numa ação cível em tribunal, ter relatado uma versão de um alegado acidente de viação, bem sabendo que tal era falso, “já que não havia ocorrido qualquer acidente de viação entre as testemunhas” era fundamental a prova de que realmente não ocorreu qualquer acidente de viação entre as testemunhas, prova essa que o recorrente entende não ter sido feita, já que a certidão judicial que constitui a única prova produzida no processo não tem, por si só, tal virtualidade, não sendo prova bastante da não ocorrência do dito acidente.
4ª – Não tendo sido feita a prova dos factos imputados ao arguido, isto é, que ele mentiu quando relatou a sua versão de um acidente de viação, que afinal, segundo a versão da acusação, não teria acontecido, não pode ele ser condenado pela prática de um crime de falsidade de testemunho, como foi.
5ª – Caso assim se não entenda, e por cautela de patrocínio, sempre se dirá que considerando que a ação cível intentada contra a seguradora foi julgada improcedente e ainda os factos provados em 9) da sentença, sempre a pena de multa aplicada ao arguido deveria ser considerada excessiva, reduzindo-se a mesma quer quanto ao número de dias quer quanto ao montante diário em que foi aplicada.
Respondeu ao recurso o Digno Magistrado do Ministério Público, pugnando pela sua improcedência.
Neste Tribunal, o Digno Procurador-geral adjunto teve vista nos autos, emitindo parecer no mesmo sentido.
Foram os autos aos vistos, e procedeu-se à conferência.
Cumpre assim apreciar e decidir.
2 Fundamentação
Resultam assentes e motivados os seguintes factos:

1) C… e B…, no Tribunal Judicial desta cidade e instância local de Felgueiras, quando prestavam declarações como testemunhas em sede de audiência de discussão e julgamento do processo n." 1112/13.6 TBFLG, prestaram depoimentos falsos.
2) Na verdade, as testemunhas relataram uma versão de um alegado acidente de viação, por forma a que a ré nessa acção, D…, S.A. fosse condenada no pagamento de uma indemnização à autora, bem sabendo que os factos eram falsos, já que não havia ocorrido qualquer acidente de viação entre as testemunhas. Assim, ficou provado que as testemunhas forjaram a versão dos factos que apresentaram em sede de audiência de discussão e julgamento, não só pelas contradições existentes entre ambos os depoimentos - in/ existência de amigos no local do acidente, o local do preenchimento da declaração amigável-, como também pelas contradições entre os seus depoimentos e o que disseram aquando da chamada da assistência em viagem.
3) Acresce que a versão apresentada por ambos é ainda afastada pelo depoimento das restantes testemunhas, peritos averiguadores de sinistros.
4) Aliás, da motivação da douta sentença proferida no processo melhor identificado consta que os aqui arguidos mentiram, faltando à verdade.
S) Verifica-se, portanto, que os ora arguidos prestaram um depoimento que sabiam ser inverídico.
6) Os arguidos sabiam, porque para tanto foram advertidos, que prestavam depoimento perante um órgão de soberania e que cometiam um crime se não prestassem depoimento com verdade.
7) Ao prestarem tais depoimentos, que bem sabiam não corresponder à verdade, agiram os arguidos, livre, deliberada e conscientemente, com o propósito de omitir a verdade dos factos, prejudicando deste modo a ponderação da prova produzida em audiência de discussão e julgamento.
8) Sabiam ainda os arguidos que a sua conduta era proibida e punida por lei penal.
Mais se Provou:
9) O arguido:
a) é comerciante de insolvências em nome individual, auferindo rendimento que não foi possível apurar a esse título; sendo que a sua empresa tem 2 funcionárias ao seu serviço;
b) aufere ainda mensalmente a quantia de €1.600,00, e durante 12 anos e relativa ao jogo "E…";
c) é divorciado e vive com a sua companheira, que também é sua funcionária, e que aufere o SMN, e têm um filho maior de 22 anos que ainda vive com eles:
d) habitam em casa própria e têm um terreno, e encontram-se a pagar ao banco e a título de empréstimo a quantia mensal de cerca de €600,00,
e) tem a 5ª classe:
f) Do seu CRC constam os antecedentes criminais, aí melhor descritos e constantes de fls. 199 a 201, e cujo teor aqui se dá por reproduzido.
2- Factos não Provados:
Não se provaram quaisquer outros factos com relevância para a decisão da causa articulados na acusação ou alegados em audiência de discussão e julgamento que não se encontrem descritos como provados ou que se mostrem em oposição aos provados ou prejudicados por estes.
3- Convicção do Tribunal:
A convicção do tribunal, no que concerne aos factos dados como provados, baseou-se, fundamentalmente, no teor da certidão extraída do Processo sumaríssimo com o nº 43/14.7T9FLG (dado que este arguido, num direito que lhe assistia, optou por não aceitar a aplicação do processo sumaríssimo), que por sua vez já continha a certidão extraída do Processo na 1112/13.6TBFLG, que correu termos na Instância local Cível, J2, desta Comarca e junta aos autos de fls. 5 a 19 e 43 a 44 e da transcrição de fls. 52 a 108, e da qual resulta, claro e inequívoco que o arguido, de facto na citada e aí melhor referida audiência de discussão e julgamento prestou um depoimento falso, já que e conforme ali abundantemente é exposto e explanado o aqui arguido prestou um depoimento não verdadeiro - basta ler com a devida atenção a fundamentação da sentença proferida no âmbito do referido processo, para se infirmar e afirmar a conclusão a que se chegou (e sobretudo as contradições entre o seu depoimento e o depoimento da outra testemunha e co-arguido).
O arguido prestou declarações, que se afiguraram credíveis quanto à sua situação pessoal e económica. Teve-se ainda em consideração o CRC do arguido constante de fls. 199 a 201.

Atentas as conclusões do recurso, sendo estas que delimitam o seu objecto, as questões colocadas e que importa apreciar e conhecer são.
a) Erro de julgamento da prova quanto ao ponto 2 dos factos provados;
b) Os factos 1, 3 a 8 representam juízos conclusivos.
c) Medida da pena exagerada.

Cumpre assim apreciar e decidir.
a) Erro de julgamento.

Alega e conclui o recorrente que face ao silêncio do arguido, a única prova que foi considerada foi a certidão extraída do processo cível supra melhor identificado - constituída pelo depoimento do arguido e pela respectiva sentença -, salientando que "nenhuma outra prova foi produzida ou considerada pelo MM Juiz, designadamente ninguém negou a ocorrência de um acidente de viação entre as testemunhas ouvidas na acção cível.".
A questão fulcral no presente recurso é que a dita certidão, com a transcrição dos depoimentos do arguido e do outro condutor envolvido no acidente de viação em causa e a sentença proferida no final, foi considerada prova bastante para a condenação do recorrente como autor da prática de um crime de falsidade de testemunho.
Como se disse e facilmente se constata da análise do processo, nenhuma outra prova foi produzida ou considerada pelo Mº Juiz para condenar o arguido, designadamente ninguém negou a ocorrência de um acidente de viação entre as testemunhas ouvidas na acção cível (nem tal seria possível, já que, como ficou provado na acção de indemnização, em 1) Factos provados, f) “O local referido em c) é isolado.” e “h) não existe qualquer testemunha presencial do acidente.”
Ora, atenta a fundamentação da convicção do Tribunal, dúvidas não ficam que, perante o silêncio do arguido, e na ausência de outras provas, a convicção do Tribunal foi alicerçada na certidão constante dos autos e que contém a transcrição das declarações do arguido nos citados autos cíveis, bem como a sentença ai proferida.

Importa assim fazer algumas considerações sobre a eficácia das sentenças cíveis em processo penal.
Não se encontram, quer nas normas de processo penal, quer nas de processo civil, regulação específica quanto à eficácia no âmbito penal das sentenças proferidas em sede civil.
Diferentemente porém, quanto à eficácia das sentenças proferidas em sede penal, no âmbito da apreciação material dos conflitos de cariz civil, sendo tal matéria regulada pelos artigos 623º e 624º do C.P.Civil e artigo 84º do C.P. Penal.
Nenhuma dúvida merece que as provas permitidas em processo penal estão subordinadas, nos termos do disposto no artigo 127º do CPP à livre convicção do julgador e justificadas enquanto alicerce da convicção, segundo as regras da experiência.
A certidão, onde consta todo o desenvolvimento de produção de prova e de decisão da materialidade do conflito civil, que culminou com a absolvição da ré seguradora porque, não se encontravam reunidos os requisitos da obrigação de indemnizar, e não se encontravam reunidos pelo simples facto de a responsabilidade civil do segurado na ré não ter sido provada pela autora, constitui prova documental cuja apreciação é permitida pela lei processual penal e sobre a mesma recai o referido princípio da livre apreciação da prova.
Sobre a prova documental em causa nestes autos, rege o artigo 169º do CPP, sendo os factos materiais considerados provados enquanto a autenticidade do documento não forem fundamentadamente postos em causa.
Significa isto que, não havendo nos autos nada em contrário alegado pela defesa – repare-se que não só o arguido não apresentou contestação, não arrolou testemunhas, e exerceu o seu direito ao silêncio – temos como plenamente provadas as declarações prestadas pelo arguido em audiência no âmbito do julgamento da acção civil em referência.
Também se terá que ter como plenamente provado – pelo teor das suas declarações - que o veículo conduzido pelo arguido era pertença da autora, que esta autora era sua companheira, que ambos tinham economia comum, e daqui concluir, que ele, enquanto testemunha tinha interesse directo no desfecho da contenda civil.
A sentença proferida nos autos cíveis e junta a estes, é sem dúvida um documento autêntico, e permite dai extrair que a ré seguradora foi absolvida, que o foi pelas razões acima apontadas e que a convicção do julgador cível recaiu na prova produzida, sendo que a não valoração do depoimento do ora arguido assentou na certeza desse julgador quanto ao facto de o mesmo ter mentido em Tribunal.
Ora, a sentença cível apenas pode ser aproveitada em sede penal – enquanto prova plena – quanto aos factos materiais que dela se possam extrair, sendo afastada, como é evidente, quanto ao processo de elaboração cognitiva do seu subscritor da motivação factual, sendo o caso julgado formado apenas e somente quanto aos aspectos que nele tenham lugar.
Ou seja, se a sentença diz que a testemunha A ou B mentiu e por essa razão não mereceu credibilidade, tal afirmação não pode ter lugar no âmbito da força plena que o caso julgado fixado por essa decisão judicial estabelece.
Se assim fosse, seria sempre desnecessária a produção de prova em processo penal autónomo, sendo o preenchimento da tipicidade do crime obtida mediante a convicção do julgador cível.
O princípio da legalidade plasmado no art. 2º do CPP, jamais pode ser ignorado na apreciação de materialidade que resulte assente num contexto processual diferente, sendo os factos constitutivos da responsabilidade criminal, apreciados, fixados e julgados, na acção penal, de acordo com as regras Código de Processo Penal.
Dito isto, importa apreciar a factualidade fixada nos autos e a sua fundamentação.
Contudo, e antes de o fazermos, importa desde já dizer que a acusação formulada pelo Ministério Público não é propriamente um modelo digno de elogio, obrigando a sua interpretação e compreensão à leitura de documentos existentes nos autos, ou seja, carece de integração factual mediante o recurso aos autos, o que iremos fazer, e não retiraremos da mesma consequências pois, o arguido compreendeu a acusação e submeteu-se a julgamento sem levantar qualquer questão sobre a insuficiência da mesma.
Dito isto, a factualidade assente nos autos, e o exame e a apreciação crítica da prova acabou por sofrer do mesmo tipo de insuficiência, obrigando-nos a esclarecer a mesma com o recurso aos documentos dos autos.
Retiramos da fundamentação que o Senhor Juiz do Tribunal a quo fundou a sua convicção, na sentença junto aos autos, e, como iremos transcrevemos: “da qual resulta, claro e inequívoco que o arguido, de facto na citada e aí melhor referida audiência de discussão e julgamento prestou um depoimento falso, já que e conforme ali abundantemente é exposto e explanado o aqui arguido prestou um depoimento não verdadeiro - basta ler com a devida atenção a fundamentação da sentença proferida no âmbito do referido processo, para se infirmar e afirmar a conclusão a que se chegou (e sobretudo as contradições entre o seu depoimento e o depoimento da outra testemunha e co-arguido)”.
Como vimos afirmando, a fundamentação da sentença civil quanto à credibilidade dada à prova ai produzida e a formulação da convicção do julgador civil, não integra a o núcleo da materialidade merecedora da protecção do caso julgado, pelo que a fundamentação do julgador nestes autos crime, não se revela suficiente para o efeito.
As dúvidas levantadas pelo Tribunal Civil, quanto à credibilidade do depoimento da testemunha ora arguido, e as conclusões sobre o preenchimento do tipo de crime em causa, teriam que merecer autonomia, sendo forçoso um exame critico próprio que não se baste com uma mera remissão para o que consta do documento.
E tal podia e devia ter acontecido, pois da referida certidão extraída da acção cível, temos elementos suficientes para concluir pela culpabilidade do arguido recorrente.
Desde logo, e como já o dissemos, haverá que se dar como provado o teor do seu depoimento prestado nos autos civis, depois, o seu manifesto interesse na prova judicial da sua versão, o que nos leva directamente a um objectivo pretendido pela testemunha e a uma resolução criminosa obtida pela falsidade de testemunho.
É esse o enquadramento que nos permite alicerçar a convicção que o ora recorrente mentiu em Tribunal, e não, como aconteceu nos autos, a assunção da certeza pelo facto de outro julgador ter dito que assim era.
Ora, quando o recorrente questiona o erro de julgamento relativamente ao facto alinhado sob o número 2 da factualidade assente, não esta a apontar a sua crítica à fundamentação da convicção do julgador, limita-se a dizer que apenas a certidão junta aos autos é insuficiente para fundamentar a convicção, pois não foi produzida qualquer outra prova.
E neste segmento do recurso, mesmo tendo sido por nós apontadas as deficiências da fundamentação da convicção, não é possível dar razão ao recorrente.
A certidão junta aos autos, como também já referimos, pode e deve ser apreciada como prova plena – pois não foi posta em causa quanto à sua veracidade – e da mesma retira-se factualidade que nos permite, mediante o recurso ao princípio da livre apreciação da prova, a culpabilidade do recorrente nos termos plasmados no facto provado sob o nº 2 que e repete-se a sua transcrição:
“2) Na verdade, as testemunhas relataram uma versão de um alegado acidente de viação, por forma a que a ré nessa acção, D…, S.A. fosse condenada no pagamento de uma indemnização à autora, bem sabendo que os factos eram falsos, já que não havia ocorrido qualquer acidente de viação entre as testemunhas. Assim, ficou provado que as testemunhas forjaram a versão dos factos que apresentaram em sede de audiência de discussão e julgamento, não só pelas contradições existentes entre ambos os depoimentos - in/ existência de amigos no local do acidente, o local do preenchimento da declaração amigável-, como também pelas contradições entre os seus depoimentos e o que disseram aquando da chamada da assistência em viagem.”
A prova deste facto, sobre o teor das declarações prestadas na acção cível quer pelo recorrente quer por outra testemunha que aceitou, no âmbito destes autos e na qualidade de arguido, a suspensão provisória do processo, a causa de pedir e o pedido formulado na referida acção cível, as contradições entre os depoimentos do arguido recorrente e a outra testemunha – que era condutor do veículo que supostamente bateu no que o recorrente conduzia e seria responsável civil pelo acidente – resultam directamente da certidão, e como tal susceptíveis de aproveitamento como prova em sede penal, a prova do uso da mentira, resulta claro, já não da certidão documental, mas da conjugação das regras da livre apreciação, sendo inequívoca que a experiência comum, nos permite concluir que o interesse pessoal do recorrente na prestação de depoimento falso, alicerça a justificação para o efeito.
Assim, e com as reservas acima expostas, quanto à deficiente fundamentação, dúvidas não temos que a argumentação do recorrente quanto à impossibilidade da prova deste facto, não pode proceder, pois é claro que o recorrente terá prestado falso testemunho.
Quanto à segunda questão colocada pelo recorrente, caracter conclusivo da factualidade assente sob os números 1, 3 a 8, não podemos deixar de dar razão ao recorrente.
Na verdade e lendo o artigo 283º nº 3 al. b) do CPP, a acusação não pode conter juízos conclusivos em substituição dos factos que fundamentam a aplicação ao agente de uma pena.
A sentença, ao fixar os factos provados, que fundamentam a decisão, de igual forma, terá que o espelhar na sua essência material, pelo que se impõem expurgar da factualidade assente os juízos conclusivos, sendo certo que, dai não resultará qualquer alteração quanto a subsunção dos factos assentes à tipicidade do crime pelo qual o recorrente foi condenado.

Assim, e quanto ao facto descrito sob o nº 1, a sua formulação será alterada, passando a ler-se no mesmo o seguinte:

1) C… e B…, no Tribunal Judicial desta cidade e instância local de Felgueiras, prestaram declarações como testemunhas em sede de audiência de discussão e julgamento do processo n." 1112/13.6 TBFLG:

São eliminados os factos nº 3), nº 4) e nº 5).
O facto nº 6 mantém-se nos seus precisos termos, não contendo matéria conclusiva, pois nada nos autos nos permite concluir que o recorrente padeça de qualquer impossibilidade de entendimento quanto à sua obrigação de prestar um depoimento verídico, ou de não ter percebido o alcance da advertência que lhe foi dirigida.

De igual forma, mantém-se os factos sob os números 7 e 8, pois reportam-se à motivação subjectiva do recorrente.
A factualidade assim alterada, continua a permitir a subsunção do comportamento do recorrente ao tipo de crime pelo qual foi condenado, sendo certo que as declarações por si prestadas no espaço, tempo e circunstâncias fixadas pelo facto descrito no nº 1, não estão reproduzidas na acusação, mas estão nos autos, documentadas nos termos que já vimos.
Assim, e sendo procedente nesta parte a impugnação factual, não tem a mesma a virtude de alterar a decisão de direito plasmada na sentença.
Por último veio o recorrente impugnar a decisão quanto à medida e quantum diário da pena de multa fixada.
Limita-se a referir, na sua motivação, quanto a esta matéria que, e cita-se: “sempre a pena de multa aplicada ao arguido deveria ser considerada excessiva, reduzindo-se a mesma quer quanto ao número de dias quer quanto ao montante diário em que foi aplicada”.
Ora, as conclusões do recurso, terão que reflectir as alegações da motivação, e neste particular somente nas conclusões é que encontramos as razões da impugnação, embora sem as concretizar, pois, na última conclusão do recorrente é que encontramos a referência aos factos provados sob o nº 9, dando a entender que, segundo essa factualidade a medida da pena deveria ser inferior e o quantum diário da multa também.
Ainda assim, iremos apreciar a questão.
Vejamos a fundamentação do Tribunal quanto à determinação e fixação da pena:
“Qualificados os factos, segue-se a escolha da pena a aplicar ao arguido, bem como a determinação da sua medida concreta.
Nos termos do art.360°, n° 3 do Cód. Penal, o crime de falsidade de depoimento ou declarações, é punido com pena de 6 meses a 3 anos ou com pena de multa não inferior a 60 dias.
Uma vez que tal normativo não nós dá o limite máximo da pena de multa, temos que socorrer-nos do art. 47° do Código Penal, sendo que o limite máximo da pena de multa são os 360 dias.
O art. 70° do Código Penal estabelece que (~e ao crime forem aplicáveis) em alternativa} pena privativa e pena não privativa de liberdade} o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição n.
Segundo o art. 71° n° 1 do Código Penal a determinação da pena far-se-á em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.
A culpa reflecte a vertente pessoal do crime, assegurando que a pena não irá violar a dignidade da pessoa do arguido.
As exigências de prevenção na determinação da pena reflectem-se em dois domínios:
- no domínio da sociedade, visando restabelecer nela a confiança na norma violada e a sua vigência (prevenção geral positiva);
- no domínio pessoal do agente, tentando a sua reintegração e o respeito pelas normas jurídicas (prevenção especial positiva).
Estabelece o art. 40° do Código Penal que "a aplicação de penas e medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e reintegração do agente na sociedade". O n° 2 do mesmo artigo estabelece que "em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da cuipa".
Estes vectores da medida da pena são concretizados pelos factores de determinação da medida concreta da pena que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele. Alguns desses factores são elencados no art. 71 ° n° 2 do Código Penal, a título exemplificativo.
Sendo assim, na determinação da medida concreta da pena valorar-se-ão o grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste, a gravidade das suas consequências, a intensidade dolosa do agente, as suas condições pessoais, a sua conduta anterior e posterior ao facto, as exigências de prevenção e todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor do agente ou contra ele, tendo em conta as exigências de futuros crimes.
No caso, sub judice, verifica-se que o arguido agiu com dolo directo e com plena consciência da ilicitude.
O arguido, além de saber estar a prestar declarações perante um juiz, um órgão de soberania, e apesar de ter afirmado e jurado responder com verdade às perguntas que lhe iriam ser colocadas, prestou declarações totalmente falsas e desconformes a realidade que ali se acabou por apurar, e apesar de advertido para as consequências de tal comportamento, manteve o mesmo.
Acresce que, o arguido tem antecedentes criminais, mas por outro tipo de ilícito.
Por outro lado, actualmente, afigura-se-nos que o mesmo estará inserido socialmente e familiarmente.
Assim sendo, e ainda assim, opta-se por aplicar ao arguido uma pena de multa, já que se entende ser esta a que irá realizar, de forma adequada e suficiente, as finalidades da punição.
Nos termos do art.47°, nº 2 do Código Penal, "cada dia de multa corresponde a uma quantia entre €1 e €500) que o tribunal fixa em função da situação económica e financeira do condenado e dos seus encargos pessoais".
Foi ponderada a situação económica e social do arguido - empresário em nome individual e com um rendimento mensal de €1.600,00.
Assim, e pelo exposto, julga-se proporcional e adequado, condenar o arguido, pela prática de um crime de falsidade de depoimento ou declarações, na pena de 200 dias de multa, à taxa diária de €8,50, num total de €1.700,00.”
Ora, medida da pena e a sua natureza, aplicada pelo Tribunal recorrido e os poderes deste Tribunal para a conhecer em sede de recurso, não é propriamente uma questão pacífica.
Temos defendido que a regra a seguir, deverá ser sempre pautada pelo princípio da mínima intervenção, sendo todo o processo lógico de determinação da pena exacta aplicada aferido em sede de recurso, e, caso seja insuficiente ou desajustado, alterado de acordo com o circunstancialismo factual assente, caso contrário, deverá ser mantido e consequentemente a pena concreta assim fixada.
A fixação da medida concreta da pena envolve para o juiz, escreve Iesheck , in Derecho Penal , pág. 1192 , Vol. II, uma certa margem de liberdade individual, não podendo, no entanto, esquecer-se que ela é, e nem podia deixar de o ser, estruturalmente aplicação do direito, devendo ter-se em apreço a culpabilidade do agente e os efeitos da pena sobre a sociedade e na vida do delinquente, por força do que dispõe o art.º 40.º n.º 1, do CP, o que se mostra suficientemente ponderado na sentença condenatória proferida.
De igual forma a decisão recorrida ponderou devidamente todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo legal de crime cometido pelo recorrente militavam a favor do agente e contra ele, como estava obrigada pelo artigo 71º nº 2 do C. Penal.
A pena fixada ao recorrente, mostra-se assim ajustada à culpa do mesmo e às necessidades de prevenção especial e geral que este tipo de ilícito obriga, e nada na decisão sub judice se mostra digno de censura por parte deste Tribunal.
Quanto à quantia diária fixada, atentos os rendimentos do recorrente, afigura-se a mesma ajustada às suas possibilidades, pelo que e também aqui não se afigura procedente o recurso.
3 Decisão
Face ao exposto, julga-se parcialmente procedente o recurso e consequentemente altera-se a matéria de facto fixada pelo tribunal nos seguintes termos:
O facto descrito sob o nº 1, a sua formulação será alterada, passando a ler-se no mesmo o seguinte:
“1) C… e B…, no Tribunal Judicial desta cidade e instância local de Felgueiras, prestaram declarações como testemunhas em sede de audiência de discussão e julgamento do processo n." 1112/13.6 TBFLG”
São eliminados os factos nº 3), nº 4) e nº 5).
No mais mantém-se na íntegra a sentença proferida nos autos.

Sem custas

Porto, 21 de Junho de 2017
Raúl Esteves
Élia São Pedro