Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
30/17.3T8VCL-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: CARLOS GIL
Descritores: ACÇÃO DECLARATIVA COMUM
ABSOLVIÇÃO DO RÉU DA INSTÂNCIA
EFEITOS CIVIS
CADUCIDADE
PRESCRIÇÃO
Nº do Documento: RP2018102230/17.3T8VCL-A.P1
Data do Acordão: 10/22/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º682-A, FLS.55-60)
Área Temática: .
Sumário: Quando ocorra a absolvição do réu da instância numa primeira acção ainda que por motivo processual a ele imputável, o disposto no n.º2 do art.º 279.º do Código de Processo Civil é também aplicável no caso de ser a caducidade o efeito civil que se pretenda manter.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 30/17.3T8VLC-A.P1

Sumário do acórdão proferido no processo nº 30/17.3T8VLC-A.P1 elaborado pelo seu relator nos termos do disposto no artigo 663º, nº 7, do Código de Processo Civil:
………………………………………………..
………………………………………………..
………………………………………………..
***
Acordam os juízes abaixo-assinados da quinta secção, cível, do Tribunal da Relação do Porto:
1. Relatório
Em 27 de fevereiro de 2017, no Juízo de Competência Genérica de Vale de Cambra, Comarca de Aveiro, o Condomínio do Prédio Urbano em Regime de Propriedade Horizontal denominado “B…”, sito na Avenida …, nº …, lugar de …, União de Freguesias de …, concelho de Vale de Cambra instaurou ação declarativa sob forma comum contra C…, Lda. pedindo que a ré seja condenada a reconhecer todos os defeitos existentes no prédio sito na Avenida …, nº …, lugar de …, União de Freguesias de … e a proceder às obras de reparação/eliminação dos defeitos existentes no prazo de dois meses ou, em alternativa, que seja condenada a pagar ao autor o montante que vier a ser despendido por este com a realização de todas as obras de reparação necessárias à eliminação dos defeitos existentes no aludido prédio, acrescido dos juros contados à taxa legal e contados desde a citação até efetivo e integral pagamento e, em qualquer dos casos, que a ré seja condenada ao “pagamento dos danos causados com os defeitos existentes”, cujo valor se relega para liquidação em momento ulterior, valor acrescido dos juros contados à taxa legal e contados desde a citação até efetivo e integral pagamento.
Além do mais, o autor alega que em 05 de março de 2016 instaurou ação declarativa contra a ré pedindo a condenação da ré no mesmo pedido e com a mesma causa de pedir deduzida nestes autos, ação que correu termos no Juízo de Competência Genérica de Vale de Cambra, Comarca de Aveiro, sob o nº 40/16.8T8VLC, tendo sido proferido despacho em 02 de dezembro de 2016, transitado em julgado em 16 de janeiro de 2017, que declarou a nulidade de todo o processado decorrente da ineptidão da petição inicial, razão pela qual, visto o disposto no artigo 279º do Código de Processo Civil, a presente acção se deve considerar proposta em 05 de março de 2016.
Citada, a ré veio arguir a nulidade da citação em virtude da petição inicial não vir acompanhada de todos os documentos que a instruem, oferecendo posteriormente contestação, pugnando pela total improcedência da ação.
O incidente de nulidade da citação foi julgado improcedente.
Realizou-se audiência prévia na qual, após frustração da conciliação das partes, se solicitou certidão do processo nº 40/16.8T8VLC, que correu termos no Juízo de Competência Genérica de Vale de Cambra, Comarca de Aveiro.
Após a junção aos autos da certidão do processo nº 40/16.8T8VLC, o autor foi notificado para, querendo, se pronunciar sobre a defesa por exceção invocada pela ré.
Após pronúncia do autor sobre as exceções invocadas pela ré, o autor foi convidado a expor os elementos que o levaram à indicação do valor da causa ou outros que permitam essa fixação, sendo a ré também convidada para, querendo, se pronunciar sobre o valor da causa.
Realizou-se nova audiência prévia, tendo o autor sido convidado a aperfeiçoar a petição inicial, convite que este acatou e sobre o qual a ré se pronunciou.
Em 21 de março de 2018[1], fixou-se o valor da causa no montante de cinquenta mil euros, proferiu-se despacho saneador tabelar, julgou-se improcedente a exceção de caducidade arguida pela ré, identificou-se o objeto do litígio, enunciaram-se os temas de prova, admitiram-se as provas oferecidas pelas partes, relegando-se a marcação da audiência final para depois da conclusão da prova pericial.
Em 07 de abril de 2018, inconformada com a decisão proferida relativamente à exceção perentória de caducidade, C…, Lda. interpôs recurso de apelação, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:
1ª. O artigo 279.º, n.º 2 do CPC exige uma leitura e interpretação conjuntas com os artigos 332.º, n.º 1 e 327.º, n.º 3, ambos do CC, resultando das mesmas que o regime estabelecido na lei civil prevalece sobre o constante no 279.º, n.º 2 do CPC, no que à caducidade diz respeito.
2ª. Assim, os efeitos civis da propositura da acção, impedindo a verificação daquela caducidade, mantêm-se nos dois meses seguintes ao trânsito em julgado da decisão de absolvição da instância, desde que este desfecho não seja imputável ao titular do direito, ou seja, não se deva a culpa da sua parte quanto ao modo como propôs e fundamentou em juízo a acção.
3.ª O Tribunal “a quo” ao aplicar o benefício previsto no artigo 279.º, n.º 2 do CPC, conferiu-lhe uma amplitude que o mesmo, de facto, não tem, já que a disposição legal em apreço terá de ser sempre conjugada com o disposto na lei civil relativamente à prescrição e à caducidade dos direitos. Para que o titular aproveite aquele benefício é necessário que o motivo processual que levou à absolvição da instância não seja imputável ao mesmo.
4.ª Na primitiva acção (processo n.º 40/16.8T8VLC, e na audiência prévia realizada no dia 27 de Junho de 2016, a M.mª Juiz do processo, depois de ponderar que “dos articulados da A. [D…, Lda], não se consegue aferir em que consistiu o invocado contrato (quem é o dono da obra, o empreiteiro, quais as suas cláusulas, quais prazos, qual a obra contratada e a que título surge a A.)”, formulou o convite à A. “para, em dez dias, aperfeiçoar o articulado [petição inicial] apresentado”. O certo é, não obstante o convite feito em sede de audiência prévia, o mesmo não foi atendido.
5.ª Neste sentido, concluiu o Tribunal na sentença proferida no âmbito daquele processo que a petição inicial era inepta, uma vez que «Da análise da petição inicial que está na origem dos presentes autos, concluímos que a mesma carece de causa de pedir, a qual, pese embora o convite efectuado para o efeito em sede de audiência prévia, não foi atendido.».
6ª. O Supremo Tribunal de Justiça no acórdão de 16 de Fevereiro de 2012, relatado pelo Conselheiro Lopes do Rego, processo n.º 566/09.0TBBJA.E1.S1 (vejam-se ainda os acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa, de 23/10/2013, processo n.º 994/13.1T2SNT.L1-4, do Tribunal da Relação do Porto de 9/12/2014, processo n.º 1010/06.0TBLMG.P1), deixa claro que xxxx [sic]
7ª. Segundo se explica naquele Acórdão o regime emergente do citado art. 332º, nº 1, conjugado com o do nº 3 do art.327º do CC, substitui, em sede de caducidade, o que sempre tinha estado previsto no CPC para a sobrevivência ou manutenção dos efeitos civis da propositura da acção que naufragou em consequência da absolvição da instância (perspectivada como simples e automática decorrência da propositura de nova acção no prazo máximo de 30 dias a contar do trânsito da decisão de absolvição da instância) -, ampliando para 2 meses o prazo para voltar a propor a acção, mas passando a condicionar decisivamente tal sobrevivência do efeito impeditivo da caducidade à desculpabilidade do comportamento processual que funcionou como causa da prolação de uma mera decisão de forma na acção originária, tempestivamente movida.
8ª. Ao contrário do que fez o Tribunal “a quo”, o STJ naquele acórdão deixou claro que aquela solução não poderá ser alcançada através da mera análise literal do texto da ressalva introduzida no nº 2 do art. 279º do CPC, já que o mesmo é efectivamente susceptível de leituras antagónicas, implicando antes a ponderação do elemento histórico, perante os trabalhos preparatórios do CC de 1966, e, muito em particular, o apelo a um elemento funcional ou teleológico de interpretação da lei.
9ª. Daqueles trabalhos preparatório do CC revela claramente a intenção legislativa de, em sede de prescrição extintiva e caducidade, substituir o regime que constava do CPC de 1939, reformulando inovatoriamente toda esta matéria e inserindo-a sistematicamente e por inteiro no CC.
10ª. A obtenção automática da sobrevivência dos efeitos civis decorrentes, no âmbito do instituto da caducidade, da proposição atempada da acção originária sói [sic] se justifica quando, tendo o autor agido com a diligência devida, a prolação de mera decisão de forma lhe não possa ser imputável, não resulte de culpa sua – sendo antes de atribuir às contingências de funcionamento do sistema judiciário, nomeadamente a dúvida razoável e fundada sobre determinado pressuposto processual – aquele cuja falta veio a ditar a absolvição da instância – face à doutrina e jurisprudência existentes.
11ª. Neste sentido, e ajudando à interpretação do que se deve entender aqui por “culpa” aquele acórdão do STJ (bem como o acórdão deste douto Tribunal “ad quem” de 9/12/2014, processo n.º 1010/06.0TBLMG.P1), verifica-se que no caso em apreço não estamos perante uma situação em que nenhuma culpa possa ser imputada à parte. Muito pelo contrário!
12ª. Se já se verificava essa culpa pelo facto de a primeira versão da Petição inicial apresentada naquela acção 40/16.8T8VLC ser inepta, não se conseguindo aferir em que consistiu o invocado contrato (quem era o dono da obra, o empreiteiro, quais as suas cláusulas, quais prazos, qual a obra contratada e a que título surge ali Ré), a culpa adensou-se pelo facto de, mesmo após convite ao Autor (aqui Recorrido) “para, em dez dias aperfeiçoar o articulado [petição inicial] apresentado”, o mesmo não ter sido atendido.
13ª. Não estamos, assim, no caso em apreço, perante meras contingências de funcionamento do sistema judiciário, nomeadamente a dúvida razoável e fundada que conduza à absolvição da instância, mas sim perante uma falha culposa na condução do processo que efectivamente desencadeou efeitos cominatórios ou preclusivos, prejudicando de forma proporcional e irremediável o Auto/Recorrido que agiu sem o zelo e diligência devidos.
14ª. Queremos com isto dizer que, em matéria de prescrição e caducidade, para efeitos de aplicação do benefício previsto nos artigo 279.º, n.º 2 do CPC e 332.º, n.º 1 e 327, n.º 3 do CC, vale o princípio da auto-responsabilidade das partes, pelo que, não tendo o Autor actuado com a diligência devida, o seu direito caducou, apesar de a acção que acabou por se frustrar ter sido tempestivamente desencadeada.
15ª. Mesmo que assim não se entendesse, o que só por mero dever de patrocínio se equaciona, sempre se dirá que, em última ratio, nem sequer se poderá equacionar a aplicação daquele benefício pelo simples facto de o Autor nestes autos não ser o Autor naqueles outros (o que sempre afastaria a aplicabilidade do n.º 2 do artigo 279.º do C.P.C.).
16ª. Como o próprio Tribunal “a quo” dá como provado, o Autor da pretérita acção era a entidade com o NIF ……….., D…, Lda, como aliás constava da citação feita à Ré e como constava do requerimento que a mandatária do aqui Autor fez naquele processo, tendo em vista a sua confiança, fazendo acompanhar aquele requerimento de um substabelecimento referente a D…, LDA, sendo por isso diverso do Autor da presente acção, CONDOMÍNIO DO PRÉDIO URBANO DENOMINADO “B…” com o NIF ………..
17ª. A decisão recorrida violou, deste modo, o disposto no artigo 327, n.º 3 ex vi 332.º, n.º 1, ambos do C.C.
Condomínio do Prédio Urbano em Regime de Propriedade Horizontal denominado “B…” contra-alegou pugnando pela total improcedência do recurso.
Atenta a natureza estritamente jurídica do objeto do recurso e a sua relativa simplicidade, com o acordo dos restantes membros do coletivo dispensaram-se os vistos, cumprindo agora apreciar e decidir.
2. Questões a decidir tendo em conta o objeto do recurso delimitado pela recorrente nas conclusões das suas alegações (artigos 635º, nºs 3 e 4 e 639º, nºs 1 e 3, ambos do Código de Processo Civil, na redação aplicável a estes autos), por ordem lógica e sem prejuízo da apreciação de questões de conhecimento oficioso, observado que seja, quando necessário, o disposto no artigo 3º, nº 3, do Código de Processo Civil
2.1 Da manutenção do impedimento da caducidade decorrente da propositura da primeira ação e independentemente da imputabilidade ao autor da absolvição da instância do réu na primeira causa;
2.2 Da impossibilidade de manutenção do impedimento da caducidade em virtude do autor na primeira ação ser diverso do autor nestes autos.
3. Fundamentos de facto exarados na decisão recorrida não impugnados e que se mantêm por não se verificar fundamento legal para a sua alteração oficiosa
3.1
Na ação de processo comum nº 40/16.8T8VLC, que correu termos neste Juízo Local de Competência Genérica de Vale de Cambra, eram autor o Condomínio do B… e ré a sociedade C…, Lda.
3.2
Na referida acção, no formulário Citius, no campo da identificação do autor, o NIF indicado foi ………, que não corresponde ao do autor mas ao da sociedade D…, Lda.
3.3
Por sentença transitada em julgado em 16.01.2017 proferida no referido processo nº 40/16.8T8VLC, a petição inicial foi julgada inepta e, consequentemente, determinada a nulidade de todo o processado e a ré absolvida da instância.
3.4
A petição inicial que deu origem à presente acção foi apresentada em 15.02.2017.
4. Fundamentos de direito
4.1 Da manutenção do impedimento da caducidade decorrente da propositura da primeira ação e independentemente da imputabilidade ao autor da absolvição da instância do réu na primeira causa
Na decisão recorrida, atendendo ao facto da ação de que este apenso de recurso foi extraído ter sido intentada volvidos menos de trinta dias sobre o trânsito em julgado da decisão de absolvição da instância na primeira ação com fundamento em ineptidão da petição inicial e secundando a doutrina do Professor Lebre de Freitas entendeu que se mantinha o impedimento da caducidade advindo da propositura da primeira causa com base no disposto no nº 2, do artigo 279º do Código de Processo Civil.
Ao invés, a recorrente, escorando-se essencialmente no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16 de fevereiro de 2012, relatado pelo Sr. Juiz Conselheiro Lopes do Rego no processo nº 566/09.0TBBJA.E1.S1, acessível nas bases de dados da DGSI, sustenta que o disposto nos artigos 327º, nº 3 e 332, nº 1, ambos do Código Civil prevalece quanto à prescrição e à caducidade sobre o disposto no nº 2, do artigo 279º do Código de Processo Civil que assim seria inaplicável a estes institutos.
Cumpre apreciar e decidir.
Nos termos do disposto no nº 2, do artigo 279º do Código de Processo Civil, “[s]em prejuízo do disposto na lei civil relativamente à prescrição e à caducidade dos direitos, os efeitos civis da proposição da primeira causa e da citação do réu mantêm-se, quando seja possível, se a nova acção for intentada ou o réu for citado para ela dentro de 30 dias, a contar do trânsito em julgado da sentença de absolvição da instância.
De acordo com o disposto no nº 3 do artigo 327º do Código Civil, “[s]e por motivo não imputável ao titular do direito, o réu for absolvido da instância ou ficar sem efeito o compromisso arbitral, e o prazo da prescrição tiver entretanto terminado ou terminar nos dois meses imediatos ao trânsito em julgado da decisão ou da verificação do facto que torna ineficaz o compromisso, não se considera completada a prescrição antes de findarem estes dois meses.
Por seu turno, dispõe o nº 1 do artigo 332º do Código Civil “[q]uando a caducidade se referir ao direito de propor certa ação em juízo e esta tiver sido tempestivamente proposta, é aplicável o disposto no nº 3 do artigo 327º; mas, se o prazo fixado para a caducidade for inferior a dois meses, é substituído por ele o designado nesse preceito.
Os efeitos civis da propositura de uma ação são, entre outros, a cessação da boa-fé do possuidor (artigo 564º, alínea a), do Código Civil), a constituição do devedor em mora quando se trate de obrigação pura (artigo 805º, nº 2, do Código Civil) a interrupção da prescrição nos termos previstos no nº 2, do artigo 323º do Código Civil e o impedimento da caducidade do direito de ação, tal como previsto no artigo 331º, nº 1, do Código Civil.
A questão crucial a que importa dar resposta nesta decisão é a de saber qual é o alcance da ressalva do disposto na lei civil relativamente à prescrição e à caducidade: acaso significa que relativamente a tais institutos rege em exclusivo o que se dispõe no Código Civil ou, pelo contrário, o regime processual não prejudica o aludido regime civil, sendo aplicada a lei adjetiva sempre que a absolvição da instância na primeira causa decorra de motivo processual imputável ao titular do direito, ainda que num prazo mais curto e sendo aplicada a lei civil quando a absolvição da instância se deva a motivo não imputável ao titular do direito?
Que dizer?
A jurisprudência e a doutrina que sobre esta problemática se debruçaram acham-se divididas.
No sentido de que relativamente à prescrição e à caducidade é inaplicável do disposto no nº 2, do artigo 279º do Código de Processo Civil ou o seu antecedente 289º, nº 2, do anterior Código de Processo Civil, havendo lugar à aplicação exclusiva dos artigos 327º, nº 3 e 332º, nº 1, ambos do Código Civil, pronuncia-se o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16 de fevereiro de 2012, relatado pelo Sr. Juiz Conselheiro Lopes do Rego, no processo nº 566/09.0TBBJA.E1.S1, acessível nas bases de dados da DGSI, acórdão secundado pelo proferido no mesmo Supremo Tribunal de Justiça em 16 de junho de 2015, relatado pelo Sr. Juiz Conselheiro Hélder Roque no processo nº 1010/06.0TBLMG.P1.S1, também acessível nas mesmas bases de dados[2].
Esta posição jurisprudencial, afirmada dominante naquele Supremo Tribunal pelos referidos Conselheiros relatores[3], é secundada doutrinalmente no Comentário ao Código Civil, Parte Geral, Universidade Católica Portuguesa, 2014, página 777. Também no Código Civil Anotado de Pires de Lima e Antunes Varela, com a colaboração de M. Henrique Mesquita, Volume I, 4ª edição revista e actualizada, Coimbra Editora, página 297, se refere que a “doutrina do nº 3 do artigo 327, mandada aplicar pelo nº 1 deste artigo 332º, substitui a do artigo 289º, nº 2, do Código de Processo Civil de 1961, na redacção que este tinha antes do Decreto-Lei nº 47 690, de 11 de Maio de 1967.” Na mesma orientação, em anotação ao artigo 289º do Código de Processo Civil de 1961, com as alterações introduzidas pelo decreto-lei nº 47690, de 11 de maio de 1967, navegam Ary de Almeida Elias da Costa, Fernando Carlos Ramalho da Silva Costa e João A. Gomes Figueiredo de Sousa[4], quando referem que “[q]uanto à caducidade e à prescrição, há que atender ao que a lei civil estipula a tal respeito, que prevalece; quanto aos outros possíveis efeitos, regula o disposto no n.º 2 deste artigo.” Finalmente, o Sr. Professor Artur Anselmo de Castro[5] escreve que para “os efeitos civis da prescrição e caducidade passaram a reger os arts. 327.º e 332.º do Cód. Civ. – art. 327.º, n.º 3 - «Se por motivo processual não imputável ao titular do direito o réu for absolvido da instância, ou o compromisso arbitral ficar sem efeito e o prazo de prescrição tiver, entretanto, terminado, ou terminar nos dois meses imediatos ao trânsito em julgado da decisão, não se considera completa a a prescrição antes de findarem estes dois meses – art. 332.º; - e quanto à caducidade, se ela se referir ao direito de propor uma acção em juízo e esta tiver sido tempestivamente proposta, é-lhe igualmente aplicável a regra anterior do art. 327.º, mas se o prazo fixado à caducidade por inferior a dois meses é substituído por ele o designado nesse preceito.»
No sentido da coordenação do regime processual com o regime substantivo em matéria de caducidade pronuncia-se o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 14 de dezembro de 1995, relatado pelo então Juiz Desembargador Ribeiro Coelho, na apelação nº 870/6/95[6].
Na doutrina, no sentido da coordenação da lei adjetiva com a lei substantiva, pronunciam-se os Professores Lebre de Freitas e Isabel Alexandre[7].
A letra da lei processual, na parte em que ressalva o regime previsto na lei civil para a prescrição e a caducidade é compatível com qualquer das interpretações que antes se enunciaram.
Em termos de elemento histórico, resulta dos trabalhos preparatórios do atual Código Civil, que o Sr. Professor Vaz Serra era favorável à manutenção do princípio do então nº 2, do artigo 294º do Código de Processo Civil, correspondente ao atual nº 2, do artigo 279º do vigente Código de Processo Civil, no que respeita ao impedimento da caducidade, apenas quando a absolvição da instância não fosse imputável ao autor[8]. Em conformidade com tal entendimento era proposto um artigo 32º[9] com um alcance normativo similar ao atual nº 1, do artigo 332º do Código Civil, mas com um prazo de trinta dias. Neste contexto, afigura-se patente o intento de substituição do regime jurídico que emergia do Código de Processo Civil para a prescrição e a caducidade quando ocorresse a absolvição do réu da instância por um regime autónomo a constar do Código Civil[10].
Do ponto de vista das consequências das aludidas interpretações resulta claro que a orientação que confere natureza especial aos preceitos relativos à prescrição e caducidade, quando ocorra absolvição da instância numa primeira causa, leva a que consequências civis mais gravosas – a perda do direito seja por via da caducidade, quando de conhecimento oficioso, seja por via da prescrição, neste último caso se invocada –, tenham um regime jurídico mais severo relativamente a outros efeitos civis menos gravosos que, embora sujeitos a um prazo mais curto, prescindem do requisito da inimputabilidade ao autor da causa de absolvição da instância.
Assim, não obstante o elemento histórico que conforta a interpretação dominante[11], tendo em conta a incongruência da tutela mais forte ou, pelo menos, com menor exigência conferida nessa leitura a situações menos gravosas para os beneficiários desse regime e, como curialmente se vincava no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 14 de dezembro de 1995[12], atendendo aos novos ventos do processo civil de prevalência da substância sobre a forma, o lugar em certa medida paralelo do artigo 261º do Código de Processo Civil, ainda em tempos não muito distantes sujeito a um alargamento do âmbito objetivo de aplicação[13] e a prevalência que deve ser dada a argumentos teleológicos relativamente a argumentos históricos, afigura-se-nos mais correta a interpretação que permite que mesmo no caso de caducidade possa operar o regime do artigo 279º, nº 2, do Código de Processo Civil.
Deste modo, na nossa perspetiva, não merece qualquer censura a decisão recorrida no que a esta questão diz respeito já que a ação de que estes autos foram extraídos foi intentada antes de decorridos trinta dias sobre o trânsito em julgado da decisão de absolvição de instância.
4.2 Da impossibilidade de manutenção do impedimento da caducidade decorrente do autor na primeira ação ser diverso do autor nestes autos
A recorrente pugna pela revogação da decisão recorrida afirmando que autor na primeira ação foi a entidade com o NIF ………, “D…, Lda.”, como aliás constava da citação feita à ré, enquanto nestes autos é autor o Condomínio do Prédio Urbano denominado “B…”, com o NIF ………...
Sobre esta questão, o tribunal recorrido escreveu o seguinte: “Tal desconformidade deve-se a mero e evidente lapso, que sempre admitiria correção, sentido no qual, aliás, a Ré se pronuncia no artigo 4.º da contestação por si deduzida naqueloutra acção (cfr. fls. 173). Efetivamente, os erros materiais cometidos pelas partes nos articulados, desde que manifestos (como é o caso), são passíveis de rectificação, por aplicação analógica do disposto no artigo 614.º do Código de Processo Civil (cfr. Acórdão do TRC de 01.02.2005, disponível em www.dgsi.pt).
Cumpre apreciar e decidir.
Ao contrário do que agora a ré vem alegar, na primeira ação a mesma não teve dúvidas sobre a identidade do autor, embora tenha apontado uma discrepância entre o que ficou exarado no formulário Citius, no que respeita ao número fiscal de contribuinte e o que foi alegado na petição inicial (vejam-se folhas 378 e verso destes autos).
Contudo, mesmo atentando no próprio formulário Citius dessa primeira ação (veja-se folhas 325 destes autos), constata-se que é aí identificado como autor o Condomínio B… e que no cabeçalho da petição inicial (veja-se folhas 325 verso) se refere ““CONDOMÍNIO B…”, sito na Av. …, n.º …, freguesia de …, concelho de Vale de Cambra, aqui representado por D…, Lda com sede na Rua … n.º …, em Vale de Cambra, como administradora do mesmo”.
Neste contexto, dúvidas não subsistem de que o autor na primeira causa é o mesmo que intentou a ação de que estes autos de recurso em separado foram extraídos, pelo que improcede também esta questão recursória, devendo assim confirmar-se a decisão recorrida.
As custas do recurso são da responsabilidade da recorrente pois que decaiu (artigo 527º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil).
5. Dispositivo
Pelo exposto, os juízes abaixo-assinados da quinta secção, cível, do Tribunal da Relação do Porto acordam em julgar totalmente improcedente o recurso de apelação interposto por C…, Lda. e, em consequência, em confirmar a decisão recorrida proferida em 21 de março de 2018, nos segmentos impugnados.
Custas a cargo da recorrente, sendo aplicável a secção B, da tabela I, anexa ao Regulamento das Custas Processuais, à taxa de justiça do recurso.
***
O presente acórdão compõe-se de onze páginas e foi elaborado em processador de texto pelo primeiro signatário.

Porto, 22 de outubro de 2018
Carlos Gil
Carlos Querido
Correia Pinto
_____
[1] A decisão foi notificada às partes mediante expediente eletrónico elaborado em 28 de março de 2018.
[2] Já anteriormente, o mesmo Supremo Tribunal, em acórdão de 21 de outubro de 1993, relatado pelo Sr. Juiz Conselheiro Mário Cancela no recurso nº 83429, publicado na Colectânea de Jurisprudência, Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, Ano I, Tomo III – 1993, página79 a 81, abonando-se com a doutrina que dimanava do Código Civil Anotado de Pires de Lima e Antunes Varela, sustentava a exclusividade da aplicação do previsto no Código Civil, em matéria de prescrição e caducidade.
[3] Também no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 07 de dezembro de 2016, relatado pelo Sr. Juiz Conselheiro Abrantes Geraldes, no processo nº 366/13.2TNLSB.L1.S1, acessível nas bases de dados da DGSI, se admite a prevalência desta tese, embora não se chegue a tomar posição concreta sobre esta temática pois que se considerou que no caso aí em análise o motivo processual na origem da decisão de absolvição da instância não era imputável ao autor. Contudo, na obra coletiva de que é co-autor juntamente com Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, intitulada “O Código de Processo Civil Anotado”, Vol. I, Almedina 2018, páginas 326 e 327, anotações 5 e 6, já se refere a admissão pacífica desta tese na jurisprudência.
[4] In Código de Processo Civil Anotado e Comentado, Almedina 1974, 3º Volume, página 584.
[5] In Direito Processual Civil Declaratório, Almedina 1982, Volume II, páginas 274 e 275.
[6] Decisão publicada na Colectânea de Jurisprudência, Ano XX 1995, tomo V, páginas 154 a 158 e na qual se cita em sentido similar o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 04 de novembro de 1980, publicado na Colectânea de Jurisprudência Ano V, tomo V, páginas 173 a 175, acórdão relatado pelo então Juiz Desembargador Manuel de Oliveira Matos, secundado pelo então Juiz Desembargador Alberto Baltazar Coelho e com um voto de vencido do Sr. Juiz Desembargador Fernando Marques Cordeiro.
[7] In Código de Processo Civil Anotado, 3ª edição, Volume 1º, Coimbra Editora 2014, página 552, onde se escreve o seguinte: “O n.º 2 do artigo anotado [trata-se do artigo 279º do Código de Processo Civil] não prejudica estes preceitos da lei civil, aos quais se adiciona, e aplica-se seja ou não imputável ao autor o motivo da absolvição da instância.” Note-se que no Código Civil Anotado, com a coordenação da Sra. Professora Ana Prata, Almedina 2017, Volume I, em anotação aos artigos 327º e 332º do Código Civil, apenas se descreve o que resulta destes preceitos, nada se referindo a propósito da sua conjugação com o artigo 279º do Código de Processo Civil.
[8] Assim veja-se Boletim do Ministério da Justiça nº 107, junho, 1961, páginas 223 e 224.
[9] Veja-se página 299 do Boletim do Ministério da Justiça nº 107, junho, 1961.
[10] Porém, sublinhe-se que esse propósito se frustrou com o regime especial previsto no atual artigo 27º, nº 4, do Código de Processo Civil e que foi introduzido pelas alterações introduzidas ao anterior Código de Processo Civil pelo decreto-lei nº 329-A/95, de 12 de dezembro, no artigo 23º desse Código de Processo Civil.
[11] Na metodologia do direito a na interpretação da lei prevalecem actualmente as orientações telelogicas-objetivas, em detrimento das subjectivistas preocupadas na reconstituição do legislador histórico.
[12] Não se resiste a transcrever deste aresto o seguinte trecho: “Não estamos, pois, em altura em que o espírito da época se coadune com a interpretação de normas, que no seu conjunto não são de sentido unívoco, de modo a retirar às partes a faculdade, que têm tido desde há décadas, de poder rectificar erros técnico-processuais que as façam perder direitos de que eram titulares em benefício de quem não tem nenhuma legítima expectativa nesse sentido.
[13] Referimo-nos ao decreto-lei nº 180/96, de 25 de setembro.