Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP00029419 | ||
Relator: | RIBEIRO DE ALMEIDA | ||
Descritores: | DIREITO DE TAPAGEM SERVIDÃO DE PASSAGEM | ||
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Nº do Documento: | RP200102190051634 | ||
Data do Acordão: | 02/19/2001 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recorrido: | T J AMARANTE 3J | ||
Processo no Tribunal Recorrido: | 9/99 | ||
Data Dec. Recorrida: | 05/25/2000 | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO. | ||
Decisão: | REVOGADA PARCIALMENTE. | ||
Área Temática: | DIR CIV - DIR REAIS. | ||
Legislação Nacional: | CCIV66 ART1568 N1 ART1356. | ||
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Sumário: | O dono do prédio serviente pode vedá-lo ou tapá-lo com portão ou cancela, mesmo fechada, desde que seja apenas com o trinco e aberta à mão com toda a facilidade, de modo a não estorvar o uso da servidão de passagem. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação do Porto 1. No Tribunal Judicial da Comarca de Amarante, António .......... e mulher intentaram acção declarativa sob a forma sumária contra Manuel António .......... e mulher, pedindo que seja declarado que usam uma servidão de passagem através do prédio dos Réus e que têm justo receio de entre os pilares referidos na petição coloquem um portão, intimando os Réus a absterem-se de colocar o aludido portão. 2. Alegam em síntese que são proprietários de um prédio confinante com outro prédio pertencente aos Réus. Através de escritura pública celebrada com os Réus, constituíram sobre o quintal do prédio destes e em beneficio do seu prédio uma servidão de passagem a pé e de qualquer veículo através de um caminho com a largura e comprimento de 35m. Há cerca de seis anos os Réus colocaram nas extremidades do aludido caminho, dois pilares de granito. Há cerca de 4 meses que os Réus, têm feito constar que entre os pilares vão colocar um portão e com isso os Autores verão cerceada a sua passagem. Mesmo que facultassem uma chave teriam que estar sempre a abrir e fechar o portão. 3. Os Réus contestaram e deduziram pedido reconvencional, pedindo que seja declarado que são donos e legítimos possuidores do identificado prédio, e ser-lhes reconhecido que gozam de exclusivo e pleno direito de uso e fruição do prédio, com as restrições da aludida servidão. Mais pedem que lhes seja reconhecido que gozam da possibilidade de colocar portão ou cancela nos aludidos pilares, desde que apenas fechada com trinco ou gozam do direito de manterem o portão cravado nos pilares, mantendo-o permanentemente aberto. 4. Após resposta foi proferido despacho saneador sentença que julgou a acção parcialmente procedente e procedente a reconvenção. Inconformados com tal decisão dela apelam os Autores que, alegando concluem assim: 4.1- O direito do proprietário de vedar (ou tapar) o seu prédio não se pode sobrepor ao direito que o proprietário do prédio dominante tem de exercer passagem livre e desembaraçadamente sobre o caminho de servidão existente no prédio serviente. 4.2- Perante aquela aparente colisão de direitos, há que encontrar um justo equilíbrio entre ambos mas este equilíbrio não é exclusivamente o que resulta da colocação de um portão com entrega das chaves ao proprietário do prédio dominante, nem igualmente tal justo equilíbrio é encontrado com a colocação de um portão com trinco (como normalmente acontece relativamente ás servidões de passagem para prédios rústicos que normalmente se exercem em determinadas épocas do ano, para cultivo de géneros agrícolas, cortes de matos, lenhas, ou fins semelhantes). 4.3- O justo equilíbrio, nomeadamente quando se trata de prédios dominantes designadamente, quando destinados a habitação - como no caso dos presentes autos - com as habituais passagens permanentes ou contínuas, tanto a pé como com veículos, tem antes de ser encontrado caso a caso, e perante as situações em concreto nessa medida, o direito de vedação ou tapagem (este direito do proprietário, que não é absoluto) poderá mesmo ceder relativamente ao direito de servidão, nos casos de passagem permanente a pé e com veículo. 4.4- E designadamente quando nas servidões constituídas por contrato no respectivo título não se reserve o direito de vedar o caminho por onde se exerce a servidão, designadamente com a colocação de portão. 4.5- No caso dos autos os apelantes por um preço acordado, pagaram aos apelados pela constituição de servidão de passagem a pé e com veículos, permanentemente, sobre o prédio destes e para o seu prédio. 4.6- E não foi por qualquer modo limitado esse direito de passagem para o prédio dos apelantes, nem reservado pelos Autores o direito de colocarem qualquer portão no inicio da trajectória do caminho de servidão. 4.7- E é bem diferente um prédio dominante (urbano para habitação) estar beneficiado com um acesso – caminho - permanentemente aberto ou estar antes beneficiado com uma passagem cujo exercício se encontra continuamente dificultado - pela colocação de portão - de modo a constituir embaraço ou estorvo. 4.8- Também um prédio dominante beneficiado com uma servidão cujo exercício de passagem se encontra dificultado pela colocação de um portão tem um valor diferente daquele que teria caso não existisse essa limitação de passagem. 4.9- Acresce que o fim visado pelos Apelados com a colocação do portão ( evitar que o caminho de servidão fosse confundido com público e desse modo impedirem que veículos automóveis fossem dar a volta em frente à casa dos Apelados) pode ser conseguido por outras vias, como alegado na resposta, podendo também os Apelados, para obterem à mesma o aludido fim, construir o portão na extremidade do caminho de servidão atento o sentido Estrada/Casa dos RR . 4.10- Deste modo, os Apelados ao pretenderem a colocação do portão junto à estrada, não lhe advindo daí qualquer outro alegado beneficio, manifestam um único propósito, o de prejudicar os Apelantes, desvalorizando o seu prédio pelo que, e também por abuso de direito, poderá a acção improceder . 4.11- Face aos elementos constantes dos autos, não se podia ter decidido de mérito no despacho saneador, atento designadamente o alegado pelos apelantes nos artigos 31 °a 46° da p. i. e 7° a 18° da resposta. 4.12- Para a decisão da causa, e porque se não trata apenas de questão de direito, importa elaborar despacho saneador, donde conste os factos assentes e a base instrutória ( ou seja convocada audiência preliminar) para então e depois, em sede de audiência julgamento, e mediante a prova produzida, se decidir de mérito. 4.13- Na decisão recorrida foi feita uma errada interpretação do disposto no artigos 1356°,1564° e 1568° do C. Civil e uma errada aplicação do art.º 510°, n. 1, al. b) do Código de Processo Civil, tendo sido violados estes preceitos legais. 4.14- A decisão recorrida, na parte em que se declarou que os apelados podiam colocar o portão “mediante a entrega de chaves aos apelantes “ é nula pois, os apelados não formularam este pedido – art.º 668 n.º 1 al. e) do Código de Processo Civil. 4.15- Os apelados pediram apenas que fosse declarado que gozavam do direito de colocar portão ou cancela apenas com trinco e aberto à mão com toda a facilidade ou em alternativa lhes fosse reconhecido o direito de manterem portão ou cancela, permanentemente aberta de modo a não obstruir por qualquer modo a passagem de quem quer que seja, nomeadamente os Autores; 5. Nas suas contra alegações os recorridos entendem que o julgado se deve manter. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir. 6. São estes os factos tidos como provados, resultantes do acordo das partes e dos documentos juntos: 6.1 - Encontra-se inscrita na Conservatória do Registo Predial de Amarante, mediante apresentação n° 5 de 19.6.94, a aquisição a favor dos AA do prédio urbano, sito em .........., Vila .........., composto de uma casa destinada a habitação de rés do chão, e um andar, com a superfície coberta de 102m2, e logradouro com a área de 574m2, inscrito na matriz sob o art° 456 e descrito naquela CRP sob o n° 49.187, conforme certidões de fls. 9-12; 6.2- Os AA construíram a casa referida em 1., num lote de terreno que adquiriram a António Augusto .......... e mulher Maria José, mediante escritura pública realizada no Cartório Notarial de Amarante, em 2.9.71, conforme certidão de fls. 14 e 18; 6.3- Encontra-se inscrita na Conservatória do Registo Predial de Amarante, mediante apresentação n° 6, datada de 1.4.85, a aquisição a favor dos RR, do prédio misto sito em .........., Vila .........., composto de rés do chão e nadar, com área coberta de 66 m2 e "Cerrado da casa do Património", composto de ramada, pinhal, pastagem e dependências agrícolas, com a área de 6.000m2, por sucessão e compra, inscrito na matriz sob o art° 347 urbano e 848 rústico, descrito naquela CRP sob o n° ..../...., conforme certidão de fls. 18-21; 6.4- Mediante escritura pública realizada no Cartório Notarial do Marco de Canaveses, em 27.12.83, AA e RR constituíram sobre o quintal do prédio urbano dos RR identificado em 3, e em benefício do prédio dos AA referido em 1., uma servidão de passagem permanente a pé e para qualquer veículo através de um caminho com a largura de 4.5m e comprimento de 35m, no sentido Nascente-Poente e com inicio na estrada camarária, que se encontra inscrita na CRP de Amarante nos prédios referidos, conforme certidão de fls.23-25; 6.5- Na extrema Sul do prédio referido em 1., os AA fizeram duas aberturas, uma do lado Poente com 2,5m de comprimento, onde colocaram um portão em ferro com cerca de 1,5m de altura - para acesso ao seu prédio a pé e com veículos automóveis - e outra do lado Nascente, com cerca de 1m de comprimento, onde colocaram um portão de ferro com cerca de 1,5m de altura - para acesso a pé ao seu prédio; 6.6- Há cerca de 6 anos, atenta a data da entrada da PI em Tribunal, os RR colocaram no caminho referido em 4., junto à estrada camarária e a cerca de 2 m desta, dois pilares de granito, cada um deles com cerca de 1,5m de altura e com 30 cm de largura, que, atento o sentido Poente-Nascente do aludido caminho, situam-se um do lado direito (Sul) e outro do lado esquerdo (Norte), encontrando-se distanciados um do outro cerca de 4,5m; 6.7- O prédio dos AA referido em 1, confronta, a Sul com o caminho referido em 4., a Poente com a estrada camarária, a Nascente com o prédio dos RR referido em 3. e a Norte com António Augusto ..........; 6.8- O prédio dos Réus referido em 6.3), confronta a poente com prédio dos Autores e com a estrada camarária; 6.9- Os Réus pretendem colocar um portão entre os pilares referidos em 6.6), fechado apenas por um trinco ou sempre aberto; 6.10- Pelo caminho constituído pela escritura junta os Autores fazem a passagem para e do seu prédio para a estrada, sendo por ele que passam os prestadores de serviços, familiares e amigos; 7. Das conclusões das alegações de recurso, que delimitam o âmbito da sua apreciação, são duas as questões colocadas: - nulidade da sentença por ter condenado em coisa diferente da peticionada; - Existência de factos controvertidos que não permitiam a decisão no despacho saneador. 8. Não vem questionada a servidão de passagem constituída no prédio dos Autores a favor do prédio dos Réus. Ambos os prédios são mistos, por existirem edifícios aí construídos. Do processo resulta que conflituam dois direitos, o de tapagem e o possível estorvo para o exercício do da servidão. Ambos estes direitos estão consagrados na lei, o de tapagem no art.º 1356 e aquele outro no art.º 1568, n.º 1, ambos do Código Civil. Tem-se entendido que o dono do prédio serviente pode fazer vedação do seu prédio, não podendo impedir ou de qualquer modo dificultar o uso da servidão. Na servidão de passagem não pode tornar-se mais onerosa para o dono do prédio dominante, admitindo-se que nas entradas se possa colocar portão, desde que o acesso se mantenha com a mesma facilidade. Não se deve confundir esse direito com o incómodo com a abertura do portão. (neste sentido, Pires de Lima, Direitos Reais, pag. 346, Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado Vl. III, pág. 616 e Tavarela Lobo, Mudança e Alteração de Servidões pag. 205 ). Esta conflitualidade deve ser apreciada em função do caso concreto, para daí se concluir se passará ou não a existir maior onerosidade no uso da servidão e consequentemente prejuízo para o prédio dominante. É facto notório e público que servindo o prédio dos Réus o prédio urbano dos Autores, por aí se fará a passagem de veículos e pessoas que normalmente demandam a casa de qualquer pessoa. Com a colocação de um portão, o que irá passar a existir é um maior incómodo para os utentes, mas não uma dificuldade do uso da servidão. A largura da servidão constituída no prédio dos Réus é de 4,5m, pelo que a colocação de um portão deixará livre toda a sua largura. Mas pelas características que se referiram, a servidão não poderá ser afectada pela colocação de um portão com chave, pois isso implicaria uma de duas coisas. Ou que os Autores teriam que se deslocar para abrirem essa porta a todos os que fossem a sua casa, ou que todos aqueles que lá se deslocavam teriam que deter uma chave, o que de todo é impossível e iria dificultar o uso da servidão. Do mesmo modo, a admitir a colocação de um portão este não poderá de qualquer modo ser de peso considerável. Ora os factos dados como provados são os necessários e suficientes para que a reconvenção possa ser julgada como foi. Não se pode afirmar que existem factos controvertidos, como seriam aqueles que se referem ao modo como a vedação deveria ser feita e à justificação que os apelados dão para quererem essa finalidade. Efectivamente o direito de tapagem pertence ao proprietário e não a terceiros, sendo certo que, no caso da existência de uma servidão esse direito terá que ser apreciado nos termos que se deixaram expostos, ou seja, tem que ser exercido de modo a não estorvar o uso da servidão. De qualquer modo, tem que se ter presente que os Autores também têm portões que vedam o acesso a sua casa. Portões estes que têm que ser abertos e fechados por todos aqueles que utilizem o acesso à sua casa. Não se vê assim, que a colocação de um portão possa causar o efeito de se ver estorvado o uso da servidão. Em vez de um portão tem que ser aberto um outro. Concluiu-se assim que os factos que os apelantes dizem ser controvertidos, não têm qualquer influencia na decisão tomada. 9. Coisa diferente é a declaração feita na sentença no que se refere à possível colocação do portão, com chave a entregar aos apelantes. Nesta parte a sentença é nula, pois não foi feito.. ( art. 668, n.º 1 al. e) do CPC ) Como deixamos já dito, os elementos que constam dos factos que este tribunal teve como provados, poderá alterar-se o decidido. Assim, acorda-se em dar provimento parcial ao recurso, e revogando-se a sentença recorrida só nesta parte, declara-se : que os apelados ( Réus reconvintes ) gozam da possibilidade de colocarem portão ou cancela nos aludidos pilares, mesmo fechada conquanto que seja apenas com o trinco e aberta à mão com toda a facilidade. Custas por apelantes e apelados na proporção de metade. Porto, 19 de Fevereiro de 2001 Manuel David da Rocha Ribeiro de Almeida Bernardino Cenão Couto Pereira António Augusto Pinto dos Santos Carvalho |