Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | CARLOS GIL | ||
Descritores: | CASO JULGADO AUTORIDADE DO CASO JULGADO LOCAÇÃO ENTREGA DO LOCADO FIANÇA ABUSO DO DIREITO | ||
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Nº do Documento: | RP2023091021303/21.5T8PRT.P1 | ||
Data do Acordão: | 10/09/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | RECURSO IMPROCEDENTE; DECISÃO CONFIRMADA | ||
Indicações Eventuais: | 5. ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I - O principal corolário da obrigatoriedade e da prevalência das decisões dos tribunais, ainda que nele se não esgote, é o instituto do caso julgado, decorrendo da Constituição da República Portuguesa a exigência de que as decisões judiciais sejam, em princípio, aptas a produzir caso julgado. II - Enquanto instância de resolução de conflitos de interesses, a atividade jurisdicional, em ordem a obter a pacificação social, exige que a decisão proferida pelo tribunal sobre a questão colocada seja definitiva, requer, dizendo-o por outras palavras, a atribuição da força de caso julgado à decisão final do caso. III - A definitividade na resolução do conflito de interesses, a força do caso julgado atribuída à decisão judicial que já não admite recurso ordinário ou reclamação (artigo 628º do Código de Processo Civil), determina, por um lado, que a questão decidida não possa ser de novo reapreciada (trata-se do campo próprio de atuação da exceção dilatória de caso julgado ou do efeito negativo do caso julgado) e, por outro lado, impõe o posterior respeito do conteúdo da decisão anteriormente adotada (nisso se traduz a denominada autoridade do caso julgado ou o efeito positivo do caso julgado). IV - Embora a autoridade do caso julgado prescinda da tríplice identidade necessária à verificação da exceção de caso julgado, na sua vertente negativa, afigura-se-nos que dificilmente se poderá prescindir, em regra, da identidade subjetiva, sob pena de, assim não se entendendo, se violarem as exigências do princípio do processo equitativo, na vertente da proibição do princípio da indefesa. V - A obrigação de entrega do arrendado não é uma prestação de facto infungível mas sim uma obrigação de entrega de coisa certa a que é substantivamente aplicável o disposto no artigo 827º do Código Civil. VI - A fiança prestada pela recorrente em benefício da senhoria recorrida, no que respeita à mora na restituição do arrendado, traduz-se na obrigação de pagar à senhoria a indemnização devida nessa vicissitude contratual, uma típica prestação de dare, não estando em causa o cumprimento por parte da fiadora da obrigação de restituição do arrendado mas tão-só a reparação das consequências da mora na restituição do arrendado. VII - Não há abuso do direito por parte da senhoria quando esta se limita a exigir à arrendatária e à sua fiadora o que a lei lhe confere no caso de mora na restituição do arrendado. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Processo nº 21303/21.5T8PRT.P1 Sumário do acórdão proferido no processo nº 21303/21.5T8PRT.P1 elaborado pelo seu relator nos termos do disposto no artigo 663º, nº 7, do Código de Processo Civil: ………………………………… ………………………………… ………………………………… *** * *** Acordam os juízes subscritores deste acórdão, da quinta secção, cível, do Tribunal da Relação do Porto: 1. Relatório[1] Em 28 de dezembro de 2021, no Juízo Local Cível do Porto, Comarca do Porto, A..., Unipessoal, Lda. instaurou ação declarativa sob forma comum, contra AA, ex-arrendatária da autora e BB, fiadora da ex-arrendatária, pedindo que as rés sejam condenadas, solidariamente, ao pagamento da quantia total global de €11.160,00 (onze mil cento e sessenta euros) relativos às indemnizações devidas à autora pela mora na restituição do locado entre os meses de julho de 2018 e dezembro de 2020, inclusive, acrescida dos juros vencidos à taxa legal que nessa data se computaram em €1.114,45 (mil cento e catorze euros e quarenta e cinco cents) e vincendos[2] até efetivo e integral pagamento. Em síntese, a autora alegou que em anterior ação instaurada contra as rés[3]a primeira ré foi condenada a despejar o prédio urbano sito na Travessa ..., ..., freguesia ..., concelho do Porto, descrito na Conservatória do Registo Predial do Porto sob o n.º ...12, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...96, bem como a pagar a quantia de €4.560,00[4], dos quais €1.710,00 se reportavam a indemnizações por mora no pagamento das rendas e €2.850,00 referentes à indemnização devida à autora pelo incumprimento da obrigação de entrega do locado no dia 30 de setembro de 2017, contabilizada desde outubro de 2017 a junho de 2018. Uma vez que a primeira ré não entregou voluntariamente o arrendado, a autora instaurou ação executiva para obter coercivamente essa entrega, o que veio a ocorrer em 30 de dezembro de 2020. Citadas as rés, BB contestou excecionando a exceção de caso julgado relativamente ao pedido de condenação das rés ao pagamento da indemnização pela mora na restituição do locado após a cessação do contrato de arrendamento, já que tal pretensão foi julgada improcedente na ação declarativa que correu termos sob o nº 14106/18.6T8PRT e, além disso, não recaindo sobre a contestante a obrigação de entrega do locado também não pode a mesma ser condenada ao pagamento de indemnização pela mora nessa entrega, nunca tendo a contestante sido contactada para proceder à entrega do arrendado, arguindo a indeterminabilidade da fiança e a sua consequente nulidade, invocando ainda abuso do direito por parte da autora por exigir à contestante prestações que a mesma não pode garantir por estarem fora do seu domínio e serem infungíveis, concluindo pela improcedência da ação. A ré AA veio em 02 de março de 2022 requerer a junção aos autos de comprovativo de ter requerido apoio judiciário na modalidade de nomeação e pagamento de compensação a patrono e de pagamento faseado de taxa de justiça e demais encargos com o processo. Em 25 de maio de 2022 a Segurança Social veio informar ter sido concedido apoio judiciário a AA na modalidade de nomeação e pagamento de compensação a patrono e de pagamento faseado de taxa de justiça e demais encargos com o processo. Em 13 de junho de 2022, a Sra. Patrona nomeada para patrocinar a ré AA veio requerer a suspensão de todos os prazos em virtude de ter requerido escusa e dispensa de patrocínio junto da Ordem dos Advogados. Em 15 de junho de 2022 foi recebida comunicação da Segurança Social informando da substituição da primitiva patrona nomeada à ré AA por nova patrona. Em 12 de julho de 2022 AA contestou invocando a violação do caso julgado pelas mesmas razões indicadas pela segunda ré, alegou não ter restituído o arrendado por não ter outro imóvel para residir e ter problemas de saúde, apenas tendo logrado localizar um imóvel para habitar em 2020, altura em que se registava a pandemia COVID 19, tendo sido editada legislação para tutela dos arrendatários e ex-arrendatários, tudo a impedir a entrega do prédio à autora antes de 30 de dezembro de 2020, concluindo pela total improcedência da ação e pela sua absolvição do pedido. Em 30 de setembro de 2022 foi proferido despacho[5] determinando a notificação de AA para em 20 dias dar cumprimento ao disposto na alínea f) do nº 1 do artigo 10º da Lei nº 34/2004 de 29 de julho. Em 30 de outubro de 2022 AA veio comprovar o pagamento da quantia de €180,00 referentes às prestações vencidas em julho, agosto e setembro, requerendo o pagamento a prestações dos montantes ainda em dívida, e, se possível, a liquidação a final da multa devida, pretensão indeferida por despacho proferido em 10 de novembro de 2022. A autora foi notificada para, querendo, pronunciar-se sobre a invocada exceção de caso julgado, vindo a oferecer articulado em que se pronuncia pela improcedência de tal exceção porquanto a pretensão deduzida nestes autos respeita a momento temporal distinto daquele que foi objeto de apreciação e decisão na anterior ação. Em 25 de fevereiro de 2023 fixou-se o valor da ação no montante de €12.274,45, julgou-se improcedente a exceção de caso julgado arguida pelas rés e foi proferida decisão final[6] com o dispositivo que na parte pertinente ao conhecimento do objeto do recurso se reproduz de seguida: “Por todo o exposto, julga-se a presente ação parcialmente procedente, e, em consequência: a) Condena-se a 1ª Ré, AA a pagar à Autora A..., UNIPESSOAL, LDA. a quantia de €11.160,00 (onze mil cento e sessenta euros) relativa à indemnização devida pela mora na restituição do locado desde julho de 2018 a dezembro de 2020, inclusive, (descontada a quantia já paga de €240,00), acrescida de juros de mora, à taxa legal, vencidos desde a citação e vincendos até efetivo e integral pagamento. b) Condena-se, solidariamente com a 1ª Ré, a 2ª Ré BB, a pagar à Autora A..., UNIPESSOAL, LDA, até à quantia de €7.360,00 (sete mil trezentos e sessenta euros) relativa à indemnização devida pela mora na restituição do locado desde julho de 2018 e até fevereiro de 2020, inclusive, (descontada a quantia já paga de €240,00), e acrescida de juros de mora, à taxa legal, vencidos desde a citação e vincendos até efetivo e integral pagamento.” Em 14 de março de 2023, inconformada com a decisão final cujo dispositivo se acaba de transcrever na parte pertinente ao conhecimento do objeto do recurso, BB interpôs recurso de apelação, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões: “a) O Tribunal “ a quo” decidiu não se verificar a exceção de caso julgado por entender que a questão a dirimir não era a mesma que a da ação do proc. n.º 14106/18.6T8PRT que correu termos no Tribunal da Comarca do Porto, Juízo Local Cível do Porto, Juiz 3, sendo que em ambas (naquela e nesta) as partes são as mesmas e intervêm nas mesmas qualidades (senhoria, inquilina e fiadora), e a pretensão advém do mesmo facto (o contrato de arrendamento que originou o despejo por falta de pagamento de rendas, a falta de entrega e respectivas consequências) ; b) Naquele processo as ali e aqui RR. foram condenadas “a primeira R. despejar o imóvel ...” e ambas as RR. a “pagarem solidariamente à A. 4.560,00 euros”, sendo que o pedido principal formulado pela ali A. e aqui recorrida, consistia em : “A – Condenar as RR. solidariamente a pagar 4.940 euros ….indemnizações por mora no pagamento das rendas … e, bem assim, a indemnização devida pela falta de restituição do locado após o terminus de vigência do mesmo” ; “B – condenar as RR. a despejar o locado, entregando-o …” ; c) O pedido principal “A” daquela ação não procedeu na totalidade quanto ao pagamento – 1ª parte do pedido “A” -, nem procedeu quanto à condenação da indemnização pela falta de restituição do locado após o terminus de vigência – 2ª parte do pedido “A” (que é exatamente igual ao deduzido nos autos da sentença recorrida), assim como também não procedeu o pedido principal “B” no que à recorrente tange ; d) Ao peticionar na presente ação o valor de indemnização pela mora na restituição do locado após a cessação do contrato, a recorrida está a repetir um pedido já anteriormente submetido e apreciado em Juízo sobre o qual incide uma decisão já transitada em julgado, e que foi no sentido da improcedência quanto a esse desiderato, pelo que há também coincidência nos pedidos entre ambas as ações, estando preenchidos os requisitos do caso julgado, donde a exceção invocada deveria ter sido julgada procedente por provada, tendo-se violado ao não a declarar, o artº 580º CPC ; e) O pedido “B” (despejo e entrega) do processo anterior apenas foi procedente quanto à co-R. nesta ação, que não quanto à recorrente, pelo que não pode esta ser responsabilizada pela falta dessa entrega, mesmo sendo fiadora, por se tratar de um facto que não está sob seu domínio nem controlo, além de que tal viola o caso julgado anterior, que afastou a responsabilidade da recorrente pela entrega; f) Sendo a fiança prestada quanto à entrega do locado subsidiária da obrigação principal, e tratando-se a entrega de um facto pessoal e infungível, não pode ser imposto à recorrente um comportamento em que nem foi condenada, nem tal entrega lhe é possível nem exigível por não ter o imóvel na sua posse e disponibilidade, nem por tal não depender de ato seu e da sua vontade, pelo que não pode ser condenada no pagamento de qualquer indemnização, tanto mais que nunca foi sequer contactada para proceder à entrega até esta se verificar, e inexistir quanto a ela e à entrega qualquer título executivo; g) A cl. 14ª do contrato de doc. 3 junto com a PI na parte que respeita à responsabilidade da recorrente relativa à entrega do imóvel não é válida, por se tratar de facto pessoal da inquilina, a quem a recorrente não se pode nesse ato substituir nem fazer cumprir – artº 828º a contrario C. Civil, que se mostra assim violado; h) A referida cláusula quanto à responsabilidade da fiadora pela não entrega é nula por ser indeterminável a obrigação garantida, na medida em que esta não tem qualquer prazo de validade, não podendo a fiadora levar a cabo qualquer ato que leve à entrega nem prever temporalmente a duração do incumprimento, tendo-se violado o artº 280º, nº 1 C. Civil; i) Exigir da recorrente o pagamento que veio a resultar na sua condenação constitui um manifesto abuso do direito, porque se lhe estão a impor obrigações que por serem infungíveis não estão sob o seu domínio; Assim j) Deve a decisão recorrida ser revogada no seu todo e substituída por outra que declare verificar-se a exceção de caso julgado, ou, caso assim se não entenda, que absolva a recorrente do pedido, tudo com as demais consequências legais, já que k) Foram violados os artºs 280º, nº 1 e 828º a contrario C. Civil e 580º CPC.” Não foram oferecidas contra-alegações. O recurso foi admitido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e no efeito meramente devolutivo. Uma vez que o objeto do recurso tem natureza estritamente jurídica, que as questões no mesmo suscitadas se revestem de simplicidade, com o acordo dos restantes membros do coletivo dispensam-se os vistos, cumprindo apreciar e decidir de seguida. 2. Questões a decidir tendo em conta o objeto do recurso delimitado pela recorrente nas conclusões das suas alegações (artigos 635º, nºs 3 e 4 e 639º, nºs 1 e 3, ambos do Código de Processo Civil), por ordem lógica e sem prejuízo da apreciação de questões de conhecimento oficioso, observado que seja, quando necessário, o disposto no artigo 3º, nº 3, do Código de Processo Civil 2.1 Da verificação da exceção de caso julgado; 2.2 Da insuscetibilidade da fiança prestada pela recorrente garantir a obrigação de entrega do arrendado e da nulidade da cláusula contratual relativa à responsabilidade da recorrente pela entrega do arrendado por se tratar de facto pessoal e infungível e por tornar indeterminável a fiança prestada; 2.3 Do abuso do direito da recorrida ao exigir da recorrente o cumprimento de obrigações infungíveis. 3. Fundamentos de facto exarados na decisão recorrida[7] que não se mostram impugnados não se vislumbrando razão para a sua alteração oficiosa 3.1 Factos provados 3.1.1 Em 12 de outubro de 2015, a autora celebrou com a ré um acordo, que reduziram a escrito, mediante o qual lhe cedeu para habitação o gozo do prédio urbano sito na travessa ..., ..., da freguesia ..., no Porto, descrito na Conservatória do Registo Predial do Porto com o n.º ...68 e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...96, pelo prazo de dois anos, com início em 1 de outubro de 2015 e termo em 30 de setembro de 2017, mediante a obrigação de pagamento da renda de €190,00 por mês.3.1.2 Estipularam que a renda devia ser paga por transferência bancária no dia 1 do mês anterior àquele a que dissesse respeito.3.1.3 A segunda ré interveio no acordo declarando constituir-se fiadora e principal pagadora de todas as obrigações emergentes do contrato, renunciando ao benefício da excussão prévia[8].3.1.4 Em 20 de maio de 2017, a primeira ré declarou opor-se à renovação do contrato por carta remetida à autora.3.1.5 A autora recebeu as rendas por transferência bancária nas seguintes datas: 30 de dezembro de 2015; 11 de março de 2016; 11 de abril de 2016; 11 de maio de 2016; 10 de junho de 2016; 11 de julho de 2016; 11 de agosto de 2016; 12 de setembro de 2016; 11 de outubro de 2016; 11 de novembro de 2016; 12 de dezembro de 2016; 11 de janeiro de 2017; 13 de fevereiro de 2017; 13 de março de 2017; 12 de abril de 2017; 12 de junho de 2017; 11 de julho de 2017; 11 de agosto de 2017; 11 de setembro de 2017; 11 de outubro de 2017; 13 de novembro de 2017.3.1.6 Nos autos de processo n.º 14106/18.6T8PRT foi proferida sentença em 10 de fevereiro de 2020, a qual transitou em julgado, que julgou a ação parcialmente procedente e condenou a primeira ré a despejar o imóvel sito na travessa ..., ..., da freguesia ..., no Porto, descrito na Conservatória do Registo Predial do Porto com o n.º ...68 e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...96. Condenou as rés solidariamente a pagar à autora a quantia de €4.560,00. Condenou, ainda, a autora e os réus no pagamento das custas, na proporção do decaimento, fixando o decaimento da autora em €380,00.3.1.7 Resulta da fundamentação da sentença proferida naqueles autos que: “Com a cessação do contrato, emergiu na esfera da autora o direito a exigir imediatamente a restituição do imóvel locado, conforme dispõem os arts. 1038.º, al. i), e 1081.º, n.º1, do Código Civil. Desta forma, para além de reconhecer que lhe assiste o direito a exigir a restituição, cumpre reconhecer que a ré está em mora relativamente ao cumprimento desta obrigação deste tal data.Assim, assiste à autora o direito a haver da ré uma indemnização equivalente ao dobro do valor da renda, atento o disposto no art. 1045.º, n.º3, do Código Civil, até à efetiva entrega do imóvel locado. Na medida em que pagou o equivalente às rendas de Outubro, Novembro e Dezembro de 2017 (em 11 de Setembro de 2017, 11 de Outubro de 2017 e 13 de Novembro de 2017), é devido outro tanto por cada um desses meses, bem como o dobro do valor da renda desde Janeiro de 2017. Assim, à data da propositura da ação, a indemnização ascendia a 2.850,00€, não tendo a autora pedido quaisquer valores vincendos devidos até efetiva entrega do imóvel locado.” 3.1.8 Nos presentes autos a autora alega que é dona e legítima proprietária do prédio urbano sito na travessa ..., ..., freguesia ..., concelho do Porto, descrito na Conservatória de Registo Predial do Porto sob o n.º ...12, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...96. Por contrato de arrendamento para fins habitacionais com prazo certo, datado de 12-10-2015, a autora deu de arrendamento à 1.ª ré o imóvel supra identificado. O referido contrato foi celebrado pelo prazo de 2 anos, com início em 01-10-2015, renovando-se nos termos contratuais. A renda anual acordada foi de €2.280,00 paga em duodécimos mensais de €90,00 à autora, por transferência ou depósito em conta bancária junto do Banco 1..., no dia 1 do mês anterior a que dissesse respeito. A 2.ª ré, pelo referido contrato, constituiu-se fiadora e principal pagadora de todas as obrigações do mesmo emergentes, tanto quanto ao período de duração inicial e subsequentes e eventuais renovações, até efetiva restituição do locado identificado supra. Por missiva datada de 20-05-2017, a Arrendatária, aqui 1.ª ré, nos termos do disposto nos artigos. 1055.º e 1098.º do CC, opôs-se à renovação do contrato de arrendamento em causa, fazendo, por isso, cessar os efeitos do arrendamento no final do período em curso, ou seja, em 30 de setembro de 2017. Tal missiva foi devidamente recebida pela autora, a qual confirmou a sua receção e informou a 1.ª ré de que teria que entregar o locado até ao último dia do mês de setembro de 2017, devoluto de pessoas e bens e no mesmo estado em que foi recebido. A Arrendatária, aqui 1.ª ré, apesar de insistentemente interpelada para o efeito, não procedeu à entrega do locado nem no final do mês de setembro de 2017, motivo pelo qual, em 19-06-2018, a autora se viu na circunstância de recorrer a instâncias judiciais para ver declarados os valores em dívida e a obrigatoriedade de entrega do imóvel, cujo processo correu termos nesta Comarca e Juízo, Juiz 3, sob o n.º 14106/18.6T8PRT. A ação foi julgada procedente e, em consequência, foi a aqui 1.ª ré condenada a despejar o imóvel melhor identificado em 1. supra, bem como a pagar a quantia de €4560,00 dos quais €1.710,00 se reportavam a indemnizações por mora no pagamento das rendas, e €2.850,00 referente à indemnização devida à autora pelo incumprimento da obrigação de entrega do locado no dia 30-09-2017, contabilizada desde outubro de 2017 e junho de 2018. Sucede que, as rés não só não pagaram voluntariamente a quantia na qual foram condenadas, como a 1.ª ré não entregou voluntariamente o imóvel à autora. Perante isso, após o trânsito em julgado da referida Sentença, a autora viu-se na circunstância de avançar com o processo de execução, o qual correu termos nesta Comarca, Juízo de Execução do Porto, Juiz 3, sob o n.º 15665/20.9T8PRT. Finalmente, o locado acabou por ser, definitivamente, entregue à autora em 30-12-2020. A 1.ª ré não procedeu à entrega do locado na data de términus do contrato, incumprindo aquela que é a sua obrigação prevista no art. 1038.º, i) do CC, nem na sequência do trânsito em julgado da decisão que a condenou a despejar o imóvel. De acordo com o prescrito no art. 1045.º, se o locado não for restituído, por qualquer causa, logo que finde o contrato, o locatário é obrigado, a título de indemnização, a pagar até ao momento da restituição a renda que as partes tenham estipulado, sendo que se se constituir em mora, a indemnização é elevada ao dobro, o que se traduz no pagamento de valor correspondente ao dobro da renda. Quer isto dizer que as rés ficaram obrigadas ao pagamento de €380,00 por cada mês que passasse sem que ocorresse a entrega do locado. Entre fevereiro e maio de 2021, a 1.ª ré procedeu ao pagamento de 4 prestações de €70,00 (setenta euros), num total de €240,00 pelo que se impõe a dedução desta quantia ao montante em dívida. Posto isto, à presente data, as rés são devedoras da autora na quantia total global de €11.160,00 (onze mil cento e sessenta euros) a título de indemnização pela falta de restituição do locado referentes aos meses de julho de 2018 e dezembro de 2020, acrescida de juros vencidos e vincendos, calculados à taxa legal em vigor, até efetivo e integral pagamento, os quais, nesta data se computam em €1.114,45 (mil cento e catorze euros e quarenta e cinco cents).3.1.9 A autora é dona e legítima proprietária do prédio urbano sito na travessa ..., ..., freguesia ..., concelho do Porto, descrito na Conservatória de Registo Predial do Porto sob o n.º ...12, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...96.3.1.10 Por contrato de arrendamento para fins habitacionais com prazo certo, datado de 12-10-2015, a autora deu de arrendamento à 1.ª ré o imóvel supra identificado [3.1.9].3.1.11 O referido contrato foi celebrado pelo prazo de 2 anos, com início em 01-10-2015, renovando-se nos termos contratuais.3.1.12 A renda anual acordada foi de €2.280,00, paga em duodécimos mensais de €190,00 à autora por transferência ou depósito em conta bancária junto do Banco 1..., no dia 1 do mês anterior a que dissesse respeito.3.1.13 A 2.ª ré, pelo referido contrato, constituiu-se fiadora e principal pagadora de todas as obrigações do mesmo emergentes, tanto quanto ao período de duração inicial e subsequentes e eventuais renovações, até efetiva restituição do locado.3.1.14 Por sentença proferida em 10 de fevereiro de 2020, transitada em julgado, nos autos de processo n.º 14106/18.6T8PRT que correram termos Juízo Local Cível do Porto - Juiz 3, em que eram partes a aqui autora e as aqui rés, foi decidido condenar a primeira ré a despejar o imóvel sito na travessa ..., ..., da freguesia ..., no Porto, descrito na Conservatória do Registo Predial do Porto com o n.º ...68 e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...96 e condenar as rés solidariamente a pagar à autora a quantia de €4.560,00.3.1.15 A 1.ª ré não entregou voluntariamente o imóvel à autora.3.1.16 A autora instaurou processo de execução, o qual correu termos no Juízo de Execução do Porto, Juiz 3, sob o n.º 15665/20.9T8PRT.3.1.17 O locado foi entregue à autora em 30-12-2020.3.1.18 A 1ª ré pagou à autora entre fevereiro e maio de 2021 o total de €240,00.3.1.19 A 2ª ré foi citada no processo n.º 15665/20.9T8PRT em 30/12/2020.4. Fundamentos de direito 4.1 Da verificação da exceção de caso julgado A recorrente pugna pela revogação da decisão recorrida por, na sua perspetiva, violar o caso julgado formado no processo nº 14106/18.6T8PRT que correu termos no Juízo Local Cível do Porto - Juiz 3, já que aí a autora também formulou o pedido de condenação das rés ao pagamento da indemnização devida pela mora na restituição do locado e até à sua efetiva restituição, pretensão que repete nestes autos depois de ter sido julgada improcedente naqueles autos. Cumpre apreciar e decidir. “Os tribunais são os órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo” (artigo 202º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa). “Na administração da justiça incumbe aos tribunais assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, reprimir a violação da legalidade democrática e dirimir os conflitos de interesses públicos e privados” (artigo 202º, nº 2, da Constituição da República Portuguesa). “As decisões dos tribunais são obrigatórias para todas as entidades públicas e privadas e prevalecem sobre as de quaisquer outras autoridades” (artigo 205º, nº 2, da Constituição da República Portuguesa). O principal corolário da obrigatoriedade e da prevalência das decisões dos tribunais, ainda que nele se não esgote, é o instituto do caso julgado, decorrendo da Constituição da República Portuguesa a exigência de que as decisões judiciais sejam, em princípio, aptas a produzir caso julgado[9]. Enquanto instância de resolução de conflitos de interesses, a atividade jurisdicional, em ordem a obter a pacificação social, exige que a decisão proferida pelo tribunal sobre a questão colocada seja definitiva, requer, dizendo-o por outras palavras, a atribuição da força de caso julgado à decisão final do caso. O prestígio dos tribunais impõe também que a decisão final proferida, ressalvados casos especiais e excecionais legalmente tipificados, não possa ser contrariada ou desautorizada por ulteriores decisões, ainda que judiciais. A definitividade na resolução do conflito de interesses, a força do caso julgado atribuída à decisão judicial que já não admite recurso ordinário ou reclamação (artigo 628º do Código de Processo Civil), determina, por um lado, que a questão decidida não possa ser de novo reapreciada (trata-se do campo próprio de atuação da exceção dilatória de caso julgado ou do efeito negativo do caso julgado) e, por outro lado, impõe o posterior respeito do conteúdo da decisão anteriormente adotada (nisso se traduz a denominada autoridade do caso julgado ou o efeito positivo do caso julgado)[10]. Embora a autoridade do caso julgado prescinda da tríplice identidade necessária à verificação da exceção de caso julgado, na sua vertente negativa, afigura-se-nos que dificilmente se poderá prescindir, em regra, da identidade subjetiva, sob pena de, assim não se entendendo, se violarem as exigências do princípio do processo equitativo, na vertente da proibição do princípio da indefesa[11]. “Transitada em julgado a sentença ou despacho saneador que decida o mérito da causa, a decisão sobre a relação material controvertida fica a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele nos limites fixados pelos artigos 580º e 581º, sem prejuízo do disposto nos artigos 696º a 702º” (artigo 619º, nº 1, do Código de Processo Civil). Trata-se do caso julgado material que se contrapõe ao caso julgado formal que opera apenas dentro do processo e respeita a decisões que apenas incidam sobre a relação processual (artigo 620º, nº 1, do Código de Processo Civil). “A sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga: se a parte decaiu por não estar verificada uma condição, por não ter decorrido um prazo ou por não ter sido praticado determinado facto, a sentença não obsta a que o pedido se renove quando a condição se verifique, o prazo se preencha ou o facto se pratique” (artigo 621º, do Código de Processo Civil). A exceção dilatória de caso julgado[12] visa evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou reproduzir uma decisão anterior (artigo 580º, nº 2, do Código de Processo Civil). No entanto, a contradição que se visa evitar não é uma mera antinomia teórica de decisões, mas antes uma contradição prática que leve a que a decisão posterior inutilize ou inviabilize, na prática, a pretensão salvaguardada na primeira decisão[13]. A exceção dilatória de caso julgado depende da verificação de uma tripla identidade: de sujeitos, do ponto de vista da sua qualidade jurídica, do pedido, isto é da identidade dos efeitos jurídicos peticionados e da causa de pedir, ou seja da identidade do facto jurídico em que se baseiam as pretensões deduzidas (artigo 581º do Código de Processo Civil). Não existe em processo civil, como existiu em certa altura em processo de trabalho um ónus de cumulação inicial de pedidos[14] (artigo 30º, nº 1, do Código de Processo de Trabalho aprovado pelo decreto-lei nº 272-A/81, de 30 de setembro), nem impera em tal domínio o princípio da consunção como sucede em matéria penal, no que respeita os poderes de cognição do objeto do processo por parte do tribunal. Por isso, a título de exemplo, proferida decisão final transitada em julgado que tenha julgado procedente pretensão indemnizatória com base em certo facto ilícito, isso não obstará à dedução de nova pretensão com base no mesmo facto ilícito e relativamente a danos que aí não tenham sido conhecidos[15]. No entanto, importa não perder de vista, no que respeita a posição jurídica do demandado, o reflexo do princípio da preclusão (veja-se o artigo 573º do Código de Processo Civil) e o efeito impeditivo derivado do mesmo relativamente à dedução ulterior de pretensões que pudessem ter sido antes deduzidas. No caso dos autos é inequívoco que existe identidade de sujeitos das partes nestes autos e das partes no processo nº 14106/18.6T8PRT que correu termos no Juízo Local Cível do Porto - Juiz 3. Quanto à identidade da causa de pedir, resulta claro da petição inicial dessa ação que a autora imputou à ex-arrendatária, aqui primeira ré, mora na restituição do arrendado invocando a consequente responsabilidade dessa ré e da sua fiadora pelo pagamento da indemnização devida nessa circunstância (vejam-se os artigos 19 a 25 da referida petição inicial). E quanto ao pedido atente-se que naquela ação o pedido principal foi o seguinte: “Condene as RR., solidariamente, ao pagamento da quantia total global de €4.940 (quatro mil novecentos e quarenta euros) relativos às indemnizações devidas à A. a título de mora no pagamento das rendas ao logo da vigência do contrato de arrendamento objeto dos presentes autos e, bem assim, indemnização devida pela falta de restituição do locado após o términus de vigência do mesmo”. Este pedido, conjugado com os fundamentos antes mencionados, contém inequivocamente a pretensão de condenação de ambas as rés ao pagamento da indemnização devida pela falta de restituição do locado após o termo do arrendamento. A questão que se coloca é a de saber se o pedido visou apenas as indemnizações liquidadas até à propositura da ação ou se envolve também a pretensão de condenação de ambas as rés ao pagamento das indemnizações vincendas e até efetiva entrega do arrendado. Recorde-se que o montante de €4.940,00 correspondia à soma da quantia de €1.900,00, a título de indemnização pela mora no pagamento de algumas rendas que foram pagas para além do dia oito de cada mês, com a importância de €3.040,00, a título de indemnização liquidada pela falta de restituição do locado logo que findo o contrato e até à data da propositura da ação. Se acaso a autora naqueles autos pretendesse a condenação das rés ao pagamento da indemnização pela mora na restituição do locado depois da propositura da ação deveria ter pedido a condenação de ambas ao pagamento da quantia de €380,00 mensais desde julho de 2018 até efetiva entrega do arrendado. Daí que, em sede de fundamentação jurídica da sentença proferida no processo nº 14106/18.6T8PRT que correu termos no Juízo Local Cível do Porto - Juiz 3. se tenha sustentado o seguinte: “Com a cessação do contrato, emergiu na esfera da autora o direito a exigir imediatamente a restituição do imóvel locado, conforme dispõem os arts. 1038.º, al. i), e 1081.º, n.º1, do Código Civil. Desta forma, para além de reconhecer que lhe assiste o direito a exigir a restituição, cumpre reconhecer que a ré está em mora relativamente ao cumprimento desta obrigação deste tal data. Assim, assiste à autora o direito a haver da ré uma indemnização equivalente ao dobro do valor da renda, atento o disposto no art. 1045.º, n.º3, do Código Civil, até à efectiva entrega do imóvel locado. Na medida em que pagou o equivalente às rendas de Outubro, Novembro e Dezembro de 2017 (em 11 de Setembro de 2017, 11 de Outubro de 2017 e 13 de Novembro de 2017), é devido outro tanto por cada um desses meses, bem como o dobro do valor da renda desde Janeiro de 2017. Assim, à data da propositura da acção, a indemnização ascendia a 2.850,00€, não tendo a autora pedido quaisquer valores vincendos devidos até efectiva entrega do imóvel locado [sublinhado nosso].” Pelo exposto, é ostensivo que a pretensão de condenação da ex-arrendatária e da fiadora desta ao pagamento da indemnização pela mora na restituição do arrendado posterior à propositura da ação não foi formulada no processo nº 14106/18.6T8PRT que correu termos no Juízo Local Cível do Porto - Juiz 3 e, como tal, não foi aí conhecida[16], não tendo havido conhecimento de tal pretensão com condenação das rés ou absolvição das mesmas. Por isso, bem andou o tribunal a quo ao julgar inverificada a exceção de caso julgado, improcedendo esta questão recursória. 4.2 Da insuscetibilidade da fiança prestada pela recorrente garantir a obrigação de entrega do arrendado e da nulidade da cláusula contratual relativa à responsabilidade da recorrente pela entrega do arrendado por se tratar de facto pessoal e infungível e por tornar indeterminável a fiança prestada A recorrente pugna pela revogação da sentença recorrida porque entende que a fiança que prestou não pode garantir a obrigação de entrega do arrendado, obrigação que recai exclusivamente sobre o locatário, não podendo o fiador substituir-se ao arrendatário no cumprimento dessa obrigação e, tratando-se do cumprimento de uma obrigação pessoal e infungível e gerando-se por força de tal natureza da obrigação garantida a indeterminabilidade da garantia prestada, a fiança é nula. Cumpre apreciar e decidir. Nos termos do disposto no nº 1 do artigo 623º o fiador garante a satisfação do direito de crédito, ficando pessoalmente obrigado perante o credor. No caso dos autos, como bem resulta da cláusula décima quarta do contrato de arrendamento antes transcrita, a ora recorrente constituiu-se fiadora da arrendatária e principal pagadora de todas obrigações emergentes do contrato de arrendamento relativamente ao período inicial de duração do mesmo e a todos e quaisquer períodos de renovação, sem qualquer limite temporal ou de número de renovações. Além disso, a recorrente renunciou ao benefício da excussão prévia e assumiu o cumprimento de todas as cláusulas do contrato de arrendamento e seus aditamentos, até efetiva restituição do arrendado, livre e pessoas e bens, declarando que a fiança por si prestada subsistiria ainda que se verificassem alterações da renda inicialmente fixada. Finalmente, a ora recorrente declarou que a fiança por si prestada subsistiria após a entrega do arrendado, no caso de se encontrar em mora o cumprimento de alguma obrigação decorrente do arrendamento. Ao contrário do que afirma a recorrente, a obrigação de entrega do arrendado não é uma prestação de facto infungível mas sim uma obrigação de entrega de coisa certa a que é substantivamente aplicável o disposto no artigo 827º do Código Civil. Ao entregar o arrendado o locatário não está a prestar um qualquer facto mas sim a cumprir uma obrigação de restituição de uma coisa a seu dono. No caso em apreço, a fiança prestada pela recorrente em benefício da senhoria recorrida, no que respeita à mora na restituição do arrendado, traduz-se na obrigação de pagar à senhoria a indemnização devida nessa vicissitude contratual, uma típica prestação de dare. Não está em causa o cumprimento por parte da fiadora da obrigação de restituição do arrendado mas tão-só a reparação das consequências da mora da arrendatária na restituição do arrendado[17]. O conteúdo desta obrigação da fiadora define-se com toda a clareza em função do termo da mora na restituição do arrendado por parte da arrendatária e bem assim do valor da renda ajustada entre a senhoria e a locatária. O termo da mora, na falta de cumprimento voluntário da obrigação de restituir, como aliás se verificou no caso dos autos, coincide com o momento em que a obrigação de entrega foi coercivamente realizada no âmbito de ação executiva para entrega de coisa certa. Não existe deste modo qualquer indeterminação da obrigação da fiadora determinante da sua nulidade, nos termos previstos no nº 1 do artigo 280º do Código Civil, sendo a mesma, pelo contrário, perfeitamente determinável no momento em que foi celebrada a fiança. Pelo exposto conclui-se pela improcedência desta questão recursória. 4.3 Do abuso do direito da recorrida ao exigir da recorrente o cumprimento de obrigações infungíveis A recorrente pugna pela revogação da decisão recorrida porque, em seu entender, a recorrida age com abuso do direito ao exigir o cumprimento de obrigações infungíveis. Cumpre apreciar e decidir. Se acaso estivesse em causa nestes autos, como pretende a recorrente, a exigência do cumprimento de obrigações infungíveis e se essa exigência de cumprimento significasse uma execução específica, deparar-nos-íamos com uma impossibilidade jurídica na medida em que, como já se viu, as prestações de facto infungíveis não são passíveis de execução específica. Seria uma situação de não direito incompatível com o invocado abuso do direito invocado pela recorrente, já que este instituto requer sempre a titularidade de um direito ou de uma faculdade jurídica por parte daquele a quem é imputado o abuso no exercício dessa posição jurídica. No caso em apreço, como já se viu, não está em causa qualquer cumprimento coercivo de uma obrigação infungível[18] mas sim o cumprimento pela fiadora da indemnização devida pela mora na restituição do arrendado por parte da arrendatária, restituição que a senhoria teve que obter coercivamente com recurso a ação executiva. A obrigação de indemnização deriva do incumprimento por parte da arrendatária da obrigação de restituir o arrendado no tempo devido. A violação desta obrigação de entrega de coisa certa determina o nascimento da obrigação de indemnizar prevista no nº 2 do artigo 1045º do Código Civil. Assim, é evidente que não se verifica o abuso do direito invocado pela recorrente, limitando-se a recorrente a exigir à arrendatária e à sua fiadora o que a lei lhe confere no caso de mora na restituição do arrendado[19]. Pelo exposto, improcede também esta questão recursória, improcedendo totalmente o recurso e sendo as custas do mesmo da responsabilidade da recorrente (artigo 527º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil). 5. Dispositivo Pelo exposto, os juízes subscritores deste acórdão, da quinta secção, cível, do Tribunal da Relação do Porto acordam em julgar totalmente improcedente o recurso de apelação interposto por BB e, em consequência, em confirmar a decisão recorrida proferida em 25 de fevereiro de 2023, nos segmentos impugnados. Custas a cargo da recorrente, sendo aplicável a secção B, da tabela I, anexa ao Regulamento das Custas Processuais, à taxa de justiça do recurso. *** O presente acórdão compõe-se de dezanove páginas e foi elaborado em processador de texto pelo primeiro signatário.Porto, 09 de outubro de 2023 Carlos Gil Mendes Coelho Fernanda Almeida ___________________ [1] Segue-se, com alterações, o relatório da decisão recorrida. [2] Na petição inicial a autora escreveu “vencidos” mas é ostensivo que pretendia escrever vincendos pois que liquidou os juros vencidos à data da propositura da ação. [3] Trata-se da ação nº 14106/18.6T8PRT que correu termos no Juízo Local Cível do Porto, Juiz 3, Comarca do Porto. [4] Na realidade, como claramente resulta da aludida sentença, ambas as rés foram condenadas a pagar esta importância. [5] Notificado às partes mediante expediente eletrónico elaborado em 03 de outubro de 2022. [6] Decisões notificadas às partes mediante expediente eletrónico elaborado em 27 de fevereiro de 2023. [7] Especificam-se em primeiro lugar os factos dados como provados quando se conheceu da exceção de caso julgado e depois os que serviram de base ao conhecimento do mérito da causa. [8] No que respeita ao acordado quanto à fiadora importa atentar na cláusula décima quarta do contrato de arrendamento, com o seguinte teor: “1. A Terceira Contraente constitui-se fiadora e principal pagadora de todas obrigações emergentes do presente Contrato, relativamente ao período inicial de duração do mesmo e a todos e quaisquer períodos de renovação, sem qualquer limite temporal ou de número de renovações. 2. A Fiadora renuncia ao benefício da excussão prévia, e assume, o cumprimento de todas as cláusulas deste Contrato, e seus aditamentos, até efectiva restituição do LOCADO, livre e pessoas e bens, e declara que a fiança que acaba de prestar subsistirá ainda que se verifiquem alterações da renda agora fixada. 3. Mais declara que a fiança que acaba de prestar, subsistirá após a entrega do LOCADO, no caso de se encontrar em mora o cumprimento de alguma obrigação decorrente do presente Contrato de Arrendamento.” [9] Neste sentido veja-se, Constituição da República Portuguesa Anotada, Tomo III, Universidade Católica Editora 2020, 2ª Edição Revista, Jorge Miranda e Rui Medeiros, páginas 65 a 68, anotação XII. De facto, só desta forma se logra obter a pacificação social e a certeza jurídica que sempre se almeja no termo de uma controvérsia judicial. [10] Neste sentido veja-se, Constituição da República Portuguesa Anotada, Tomo III, Universidade Católica Editora 2020, 2ª Edição Revista, Jorge Miranda e Rui Medeiros, páginas 65 e 66, anotação XII, alínea a). [11] Por esta razão, cremos que foi dada uma extensão à figura da autoridade do caso julgado além do constitucionalmente admissível no caso decidido no acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 28 de setembro de 2010, proferido no processo nº 392/09.6TBCVL.C1 e acessível na base de dados da DGSI. Sobre esta problemática veja-se o estudo do Sr. Conselheiro Urbano Aquiles Dias publicado no blogue do IPPC no dia 13 de novembro de 2019 e cujas críticas são na verdade dirigidas ao acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido no dia 19 de dezembro de 2018, no processo nº 5992/13.7TBMAI.P2.S1, acessível na base de dados da DGSI. [12] Artigo 577º, alínea i), do Código de Processo Civil. O caso julgado era qualificado como exceção perentória na redação do Código de Processo Civil, antes das alterações que lhe foram introduzidas pelo decreto-lei nº 329-A/95 e pelo decreto-lei nº 180/96 (artigo 496º, alínea a), do citado diploma na aludida redação). [13] A propósito vejam-se, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora 1979, Manuel A. Domingues de Andrade, com a colaboração do Prof. Antunes Varela, nova edição revista e atualizada pelo Dr. Herculano Esteves, páginas 317 a 318 e Manual de Processo Civil, 2ª edição revista e atualizada, Coimbra Editora 1985, Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, página 709. [14] O que existe em processo civil é uma previsão legal que faculta ao autor a dedução de pedidos cumulados (veja-se o artigo 555º do Código de Processo Civil). [15] Na eventualidade da primeira ação ter sido improcedente, o Professor Teixeira de Sousa defende que essa improcedência se estende, com fundamento numa relação de prejudicialidade, à parte restante da pretensão não apreciada na primeira ação (veja-se, Estudos sobre o Novo Processo Civil, Lex 1997, Miguel Teixeira de Sousa, páginas 582 e 583). A nosso ver, importa distinguir as razões da improcedência. Assim, se a primeira ação tiver improcedido por inverificação de qualquer dos pressupostos do nascimento da obrigação de indemnizar que não o dano e, nalgumas situações, o nexo causal entre o facto e o dano, verificar-se-á autoridade de caso julgado que obstará à dedução de nova pretensão indemnizatória com base no mesmo facto. Porém, salvo melhor opinião, esse impedimento já não existirá se a primeira ação tiver improcedido por causa da inverificação do pressuposto dano ou do nexo causal entre o facto e o dano, nada obstando, a nosso ver, que nestes casos seja proposta nova ação para reparação de outros danos não invocados na primeira ação (em sentido oposto, mais recentemente, veja-se o artigo do Sr. Professor Teixeira de Sousa publicado no Blogue do IPPC, intitulado Preclusão e Caso Julgado, página 20, IV, 1.). A nosso ver, sem norma que o preveja, não nos parece defensável que exista um ónus de concentração por parte do autor, tanto mais que a dedução de pedidos cumulados é faculdade conferida ao autor e a ação de indemnização é uma causa de pedir complexa em que o dano é um dos seus elementos estruturantes. [16] Claro está que poderia ter ocorrido uma situação patológica de conhecimento desse pedido sem que o mesmo tivesse formulado e se acaso a sentença proferida nesses termos não fosse anulada em consequência da arguição da nulidade por excesso de pronúncia, haveria que respeitar essa decisão. [17] Porque assim é, é descabida a citação do acórdão deste Tribunal da Relação de 28 de abril de 2014, proferido no processo nº 7815/10.0TBMTS.P1, acessível na base de dados da DGSI e que decidiu pela não aplicação ao fiador da sanção pecuniária compulsória prevista no artigo 829º-A do Código Civil e a fim de o constranger a restituir o veículo objeto de aluguer de longa duração que se achava apreendido no âmbito de um processo de insolvência. [18] Como é sabido, as prestações de facto infungíveis têm uma garantia menos forte dos que as prestações de facto fungíveis ou as prestações de coisa determinada no que respeita à sua execução específica, sendo apenas passíveis de imposição de sanção pecuniária compulsória, salvo se se tratar de prestação de facto infungível que exija especiais qualidades científicas ou artísticas do obrigado, caso em que nem esta coerção ao cumprimento é juridicamente admissível (veja-se o nº 1 do artigo 829º-A do Código Civil). No entanto, isso não obsta à responsabilização por perdas e danos do devedor de prestação de facto infungível por parte do respetivo credor (artigo 798º do Código Civil). [19] Na realidade, na decisão recorrida a pretensão da autora e recorrida improcedeu parcialmente relativamente à recorrente, em virtude daquela não ter tido em consideração o regime decorrente dos nºs 5 e 6 do artigo 1041º do Código Civil. |