Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2174/23.3T8AVR-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MANUELA MACHADO
Descritores: JUNÇÃO DE DOCUMENTOS
Nº do Documento: RP202402222174/23.3T8AVR-A.P1
Data do Acordão: 02/22/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Na decisão da admissibilidade da junção de documentos ao processo, apenas relevam o momento da sua apresentação e que os mesmos não se mostrem impertinentes ou desnecessários.
II - Verificados esses requisitos de admissibilidade dos documentos, tem de aceitar-se a sua junção aos autos, independentemente de qualquer juízo sobre a sua aptidão para demonstrar o facto ou os factos cuja prova visam.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação n.º 2174/23.3T8AVR-A.P1

Acordam na 3ª secção do Tribunal da Relação do Porto

RELATÓRIO:
A..., intentou ação declarativa popular de condenação, sob a forma única de processo, contra B..., S.A., através da qual alega, em suma, que o comportamento da ré, melhor descrito na ação, foi causa de danos provocados na esfera dos autores populares.
Através de requerimento de 22-06-2023, a autora veio requerer a junção aos autos de um documento, junção que não foi admitida, por despacho de 30-06-2023.
Foi desse despacho que rejeitou o documento como meio de prova, que a autora e restantes AUTORES POPULARES, vieram interpor recurso, o qual foi admitido como de apelação, a subir imediatamente, em separado e com efeito meramente devolutivo (arts. 629.º, n.º 1, 637.º, n.ºs 1 e 2, 638.º, n.º 1, 641.º, n.º 1, 644.º, n.º 2, al. d), 645.º, n.º 2, e 647.º, n.º 1, todos do Cód. Proc. Civil, na redação dada pela Lei n.º 41/2013, de 26/06).
O despacho recorrido tem o seguinte teor:
“Requerimento de 22-06-2023:
Estando em causa requerimentos relacionados com outro processo e que não visam a prova de quaisquer dos factos alegados nesta acção, sendo, nessa medida, anómalo, desentranhe e devolva ao apresentante.
Custas do incidente a que deu causa pelo requerente com taxa de justiça que se fixa em 1 uc (artigo 7º, n.º 4 do RCP).”.
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Formularam os recorrentes, as seguintes conclusões:
“1. Os recorrentes, autores populares, interpõem o presente recurso por entenderem que o tribunal a quo não fez a melhor e mais correta interpretação dos factos e do direito ao proferir um despacho de rejeição de um meio de prova.
2. O presente recurso é de apelação autónoma e é feito nos termos e ao abrigo do disposto nos artigos 627, 629 (1), 631, 637, 639, 644 (1, d) e 647 (1), todos do CPC, para o VENERANDO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO, o qual subirá de imediato e com efeito meramente devolutivo.
3. Os autores têm legitimidade para interpor o presente recurso acompanhado das respetivas alegações sob a matéria de direito (cf. artigo 631, do CPC) e estão em tempo de o fazer (cf. artigo 638, do CPC).
4. Os recorrentes, mui respeitosamente, discordam do douto despacho que rejeitou um meio de prova, pelas razões de direito vertidas no § 5 supra, para onde se remete para uma completa compreensão e evitando aqui uma repetição fastidiosa e prolixa do que aí se encontra de forma resumida, e com os fundamentos, de facto, depurados nos §§ 3 e 4 supra, para onde também se remente pelas mesmas razões retro apontadas.
5. Mas que, resumindo, se estriba no facto de atentos ao pedido e à causa de pedir, o meio de prova junto aos autos, nunca poderia ser rejeitado pelo tribunal, desde logo atentos aos factos trazidos na petição inicial, nomeadamente, mas não exclusivamente, nos artigos 8, 9, 33 (2), 34, 50 a 52, 59, 119, 121 e 128, todos da petição inicial.
6. Assim como, igualmente, atento o pedido, tal como formulado na petição inicial, percebe-se que tais factos, sendo instrumentais, aos pedidos nas alíneas E., F., I., e L., beneficiariam da prova que o tribunal a quo rejeitou.
7. Portanto, o meio de prova junto, na ótica dos autores e de acordo com a estratégia processual que delinearem e que não querem, neste momento relevar (por uma questão de igualdade de armas, inerente a um julgamento mediante um processo equitativo e justo), é relevante para a fixação da matéria de facto tal como supra descrito e sem prejuízo da prova que venham ainda a fazer e aquela que resultar do poder-dever do julgador, nos termos do artigo 17, da lei 83/95.
8. A prova é um direito, ainda que não absoluto, inerente ao princípio do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva, com assento constitucional, e que encontra desde logo escopo no artigo 417 (1), do CPC e atento à função da prova (cf. artigo 341, do CC).
9. Destarte, não se vislumbrando qualquer razão ponderável para a sua rejeição, muito pelo contrário, o tribunal a quo violou o direito dos autores a um julgamento justo, mediante um processo equitativo, e à tutela jurisdicional efetiva, ao rejeitar um meio de prova sem qualquer fundamento ou razoabilidade – e inclusivamente violou o poder-dever decorrente do artigo 17, da lei 83/95, e da lei adjetiva, no que toca aos artigos 411 e 417 (1), ambos do CPC.
10. Por fim, suscita a inconstitucionalidade da interpretação normativa extraída da conjugação dos artigos 6, 417 (1) e 423 (2), todos do CPC e artigo 341, do CC, no sentido de poder ser rejeitado um meio de prova apresentado pelos autores, de acordo com a sua estratégia processual, como potencialmente útil para a decisão dos factos necessitados de prova e que relevam para as possíveis soluções de direito da causa, ainda sejam meramente instrumentais para a prova dos factos nucleares e para o apuramento da verdade material, por violação do princípio do Estado de Direito, na sua vertente de princípio da segurança jurídica (cf. artigo 2, da CRP) e do princípio do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva, na vertente do direito à produção de prova [cf. Artigo 20 (4) e (5), da CRP].
§8. Pedido
Termos em que, deve o presente recurso ser julgado procedente e em consequência ser revogado o douto despacho e admitida a prova junta. (…)”.
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A recorrida B..., S. A., apresentou contra-alegações, concluindo, pela improcedência do recurso e manutenção da decisão recorrida.
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FUNDAMENTOS DE FACTO:
Os fundamentos de facto são s que resultam do relatório que antecede.
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MOTIVAÇÃO DE DIREITO:
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso – cfr. arts. 635º, nº 4, 637º, nº 2, 1ª parte e 639º, nºs 1 e 2, todos do Código de Processo Civil.
Atendendo às conclusões das alegações apresentadas pelos apelantes, a única questão a decidir é saber se deve, ou não, ser admitida a junção do documento em causa, como meio de prova.

No que diz respeito à prova por documentos, o art. 423.º do CPC, dispõe que:
“1 - Os documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da ação ou da defesa devem ser apresentados com o articulado em que se aleguem os factos correspondentes.
2 - Se não forem juntos com o articulado respetivo, os documentos podem ser apresentados até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, mas a parte é condenada em multa, exceto se provar que os não pôde oferecer com o articulado.
3 - Após o limite temporal previsto no número anterior, só são admitidos os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento, bem como aqueles cuja apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior.”.

Ou seja, a lei prevê, no citado art. 423.º, três momentos para a apresentação de documentos: a) com o articulado respetivo, o que constitui regra geral, sem cominação de qualquer sanção; b) até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, mas com cominação em multa, exceto se a parte provar que não os pôde oferecer com o articulado; c) após este limite temporal e até ao encerramento da discussão em 1ª instância, mas, apenas aqueles documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento ou cuja apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior.

O art. 443.º do mesmo diploma legal, por sua vez, estabelece, no que para o caso interessa, que:
“1 - Juntos os documentos e cumprido pela secretaria o disposto no artigo 427.º, o juiz, logo que o processo lhe seja concluso, se não tiver ordenado a junção e verificar que os documentos são impertinentes ou desnecessários, manda retirá-los do processo e restitui-os ao apresentante, condenando este ao pagamento de multa nos termos do Regulamento das Custas Processuais.”.

Ora, os documentos destinam-se a fazer prova dos fundamentos da ação ou da defesa (art. 423.º, nº 1 do CPC), pelo que, o juiz, apenas não os deve admitir, se não tiver ordenado a junção e verificar que os documentos são impertinentes ou desnecessários.
Devem considerar-se documentos impertinentes aqueles que dizem respeito a factos estranhos à matéria da causa e desnecessários os relativos a factos da causa, mas que não importa apurar para o julgamento da ação. Desse modo, na decisão da admissibilidade da junção dos documentos ao processo apenas relevam o momento da sua apresentação e que os mesmos não se mostrem impertinentes ou desnecessários nos termos referidos.
Verificados esses requisitos de admissibilidade dos documentos, tem de aceitar-se a sua junção aos autos, independentemente de qualquer juízo sobre a sua aptidão para demonstrar o facto ou os factos cuja prova visam (Ac. TRL de 27-04-2006, processo 6904/2006-6, in dgsi.pt).
Citando o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, Processo 2687/05.9TBALM.L1-6, de 26-03-2009, disponível em dgsi.pt, para melhor explicitar o que deve entender-se por documentos impertinentes ou desnecessários, “Consideram-se impertinentes os documentos que, por sua natureza, não possam ter qualquer influência na decisão da causa, ou por dizerem respeito a factos que lhe sejam estranhos, ou por representarem factos irrelevantes para a decisão, ou ainda por o seu conteúdo ser de tal modo inócuo que dele nada possa resultar. Consideram-se desnecessários os documentos que, atento o estado da causa, nada sejam suscetíveis de acrescentar no bom desfecho da lide, ou por dizerem respeito a factos que já se mostrem devidamente comprovados, ou por respeitarem a factos que não constem do elenco a apurar na discussão da causa, ou ainda por os autos já se mostrarem instruídos por documentos de igual ou superior relevo (por ex. juntar a fotocópia do original já nos autos).

Voltando ao caso em discussão nos autos, constata-se que, apesar de o documento cuja junção os Autores pretendem, dizer respeito a outro processo, o mesmo pode, tal como os recorrentes alegam, apresentar-se, de acordo com a estratégia processual dos autores, como potencialmente útil para a decisão dos factos que alegam, os quais, ainda que instrumentalmente, relevam para as possíveis soluções de direito da causa.
Assiste razão aos autores quando referem que a produção dos meios de prova não precisa de incidir apenas sobre os factos nucleares ao objeto da ação para ser admitida, podendo incidir também sobre outros factos que, embora mediata ou indiretamente relacionados, são instrumentais para a prova daqueles primeiros e para o apuramento da verdade material.
No caso, os autores alegam a existência de outras ações propostas pela autora contra a ré, por situações idênticas, embora relativas a produtos diferentes e a localização geográfica dos estabelecimentos comerciais da ré também diferentes, com o que está relacionado o documento em causa.
Assim, estando o documento em causa relacionado com factualidade alegada pelos Autores, não sendo este o momento próprio para averiguar a sua capacidade probatória, somos levados a concluir que a junção do documento não se afigura impertinente ou desnecessária, sendo certo que foi apresentado num dos momentos próprios previstos legalmente, pelo que deve ser admitido.
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DECISÃO:
Nos termos e pelos fundamentos expostos, acorda-se em julgar procedente a apelação, revoga-se o despacho recorrido e, em consequência, determina-se que seja substituído por outro que admita o documento junto, ainda que com condenação em multa, nos termos do nº 2 do art. 423.º do CPC.
Custas pela Recorrida que deduziu oposição.

Porto, 2024-02-22
Manuela Machado
Judite Pires
Paulo Dias da Silva