Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
7733/14.2T8PRT-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MANUEL DOMINGOS FERNANDES
Descritores: EXECUÇÃO
LEGITIMIDADE
CESSÃO DE CRÉDITOS
Nº do Documento: RP201610177733/14.2T8PRT-A.P1
Data do Acordão: 10/17/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º 634, FLS.2-10)
Área Temática: .
Sumário: I - O preceituado no artigo 54.º, n.º 1, do CPCivil, constitui um desvio à regra geral da legitimidade para a acção executiva, podendo esta ser intentada por e contra pessoas que não figuram no título executivo, por, entretanto, ter ocorrido transmissão no direito ou na obrigação, quer inter vivos, quer mortis causa.
II - Tendo a decisão de habilitação de cessionário transitado em julgado e não tendo a mesma sido objecto de recurso de revisão, a questão da legitimidade para execução ficou definitivamente resolvida.
III - A cessão de créditos é inoponível à execução verificada depois da penhora (artigo 820.º do CCivil) sendo esse acto ineficaz em relação ao exequente cuja penhora do crédito pertencente ao cedente se mantém incólume.
III - A partir da notificação da cessão (assim como a partir da sua aceitação ou do conhecimento da sua existência), a titularidade do crédito passa para a esfera do cessionário, pelo que o devedor apenas se desobriga se efectuar a este a prestação.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 7733/14.2T8PRT-A.P1-Apelação
Origem-Comarca do Porto-Inst. Central-1ª Secção de Execução-J9
Relator: Manuel Fernandes
1º Adjunto Des. Miguel Baldaia
2º Adjunto Des. Jorge Seabra
5ª Secção
Sumário:
I- O preceituado no artigo 54.º, n.º 1, do CPCivil, constitui um desvio à regra geral da legitimidade para a acção executiva, podendo esta ser intentada por e contra pessoas que não figuram no título executivo, por, entretanto, ter ocorrido transmissão no direito ou na obrigação, quer inter vivos, quer mortis causa.
II- Tendo a decisão de habilitação de cessionário transitado em julgado e não tendo a mesma sido objecto de recurso de revisão, a questão da legitimidade para execução ficou definitivamente resolvida.
III- A cessão de créditos é inoponível à execução verificada depois da penhora (artigo 820.º do CCivil) sendo esse acto ineficaz em relação ao exequente cuja penhora do crédito pertencente ao cedente se mantém incólume.
III- A partir da notificação da cessão (assim como a partir da sua aceitação ou do conhecimento da sua existência), a titularidade do crédito passa para a esfera do cessionário, pelo que o devedor apenas se desobriga se efectuar a este a prestação.
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I-RELATÓRIO

Acordam no Tribunal da Relação do Porto:
Na execução que lhe move B…, melhor identificado nos autos veio a executada C…, SA, deduzir oposição mediante a dedução de embargos.
Alega para o efeito e em síntese que o crédito que o exequente pretende executar está penhorado à ordem de outros autos, que não foi notificada para os termos do incidente de habilitação de cessionário requerido nem da decisão proferida nos autos do referido incidente e que o contrato de dação em pagamento, celebrado entre o exequente e a D…, é simulado do que resulta a ilegitimidade do exequente.
Conclui pedindo que se declare a invalidade do contrato de dação em pagamento que serve de título executivo por simulação, que se declare a nulidade de todo o processado nos autos de habilitação de adquirente que correu termos sob o apenso A dos autos principais por não ter sido notificada para os respectivo termos, nem ter sido notificada da decisão aí proferida.
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Recebidos os embargos e notificado o exequente veio o mesmo dizer na sua contestação que a presente execução é de sentença e que o alegado pela embargante não se enquadra em nenhum dos fundamentos explanados no artigo 729.º. do CPCivil; que a “pretensa” simulação do negócio de dação teria que ter sido invocada nos autos da habilitação e que a existência de qualquer penhora não é “impeditivo que a mesma cumpra a condenação que lhe foi imposta”.
Conclui pela improcedência do requerido pela embargante.
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Dispensada a realização da audiência prévia foi, a final, proferida decisão que julgou os embargos parcialmente procedentes, determinando o prosseguimento da execução para pagamento da quantia € 83.889,29 acrescida de juros de mora contados à taxa legal aplicável aos créditos de que sejam titulares empresas comerciais, desde o dia 8 de Outubro de 2010 e até efectivo pagamento, deduzida do valor de € 9104,50, caso a D…, Lda. não obtenha ganho de causa na oposição referida em Factos Provados 15.
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Não se conformando com o assim decidido veio a embargante interpor o presente recurso concluindo as suas alegações nos seguintes termos:
A) O apelado não se habilitou validamente como sucessor da D…, Lda., titular do direito de crédito objecto do alegado negócio de dação, uma vez que a apelada nunca foi notificada para os termos do incidente de habilitação e assim ficou impedida de nele intervir, donde verificar-se nulidade processual que implica a anulação de todo o processado, pelo que carece legitimidade ao apelado para a acção executiva intentada contra a apelante;
B) Nesse âmbito, o Tribunal recorrido decidiu incorrectamente a questão de facto relativa à notificação da apelante quanto aos termos do incidente de habilitação do apelado nos autos principais, considerando demonstrada a matéria de facto indicada em 4, 5 e 6 dos Factos, pois perante a prova constante dos autos–certidão judicial de 21/10/2015 na qual se identifica E… como destinatário das notificações–essa decisão deveria ter sido no sentido da prova da realidade oposta e invocada pela apelante, de que tais notificações nunca foram efectuadas à ora apelante;
C) Ao considerar o apelado parte legítima para a causa o Tribunal recorrido não fez boa aplicação do disposto nos art. 54º, no art. 356º, e no nº 4 do art. 607º do Código de Processo Civil;
D) Por outro lado, ainda que se pudesse considerar que o apelado tem legitimidade processual, o que só se admite à cautela e sem conceder, a verdade é que a quantia penhorada nos autos corresponde ao mesmo direito de crédito com penhora anterior à ordem da acção executiva pendente sob o nº 57/09.9TBVCD, conforme notificação dirigida pelo respectivo Agente de Execução aos autos de acção declarativa com o nº 168719/11.5YIPRT em 6/2/2012 para o efeito de ser considerado penhorado o direito de crédito em causa, sem determinação de valor exacto, consistindo assim a penhora dos presentes autos segunda penhora do mesmo direito;
E) O direito de crédito encontra-se apreendido à ordem do tribunal não podendo a apelante entregar ao apelado a quantia exigida;
F) Decidindo no sentido de que apenas uma parte da quantia correspondente ao direito de crédito em causa se encontrava penhorada na data da comunicação do alegado acordo de dação o Tribunal recorrido fez errada aplicação do disposto no art. 773º do Código de Processo Civil.
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O exequente devidamente notificado veio contra-alegar concluindo pelo não provimento do recurso.
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Corridos os vistos legais cumpre decidir.
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II- FUNDAMENTOS

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (cfr. artigos 635º, nº 3, e 639º, nsº 1 e 2, do C.P.Civil).
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No seguimento desta orientação são as seguintes as questões a decidir:
a)- saber se o apelado carece, ou não de legitimidade para a acção executiva intentada contra a apelante;
b)- saber se a executada está, ou não, obrigada ao pagamento do crédito que foi objecto da cessão, ao exequente.
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A)-FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

São os seguintes os factos que o tribunal recorrido deu como provados:
1º)–Em 29 de Maio de 2013 foi proferida sentença no processo nº. 168719/11.5YIPRT do 2º. Juízo Cível do Tribunal Judicial da Comarca de Vila do Conde condenando a C…, S.A. a pagar à D…, Lda. a quantia de € 83.889,29 acrescida de juros de mora contados à taxa legal aplicável aos créditos de que sejam titulares empresas comerciais, desde o dia 8 de Outubro de 2010 e até efectivo pagamento, sentença essa confirmada pelo Ac. da Relação do Porto de 18 de Dezembro de 2013, transitado em julgado.
2º)–Em 3 de Janeiro de 2014 o exequente e a D…, Lda celebraram um acordo que denominaram de Dação em Pagamento e nos termos do qual esta reconheceu-se devedora da quantia exequenda no valor de € 99.383,84 objecto do processo executivo que corria termos no 3º. Juízo Cível do Tribunal Judicial da Comarca de Vila do Conde sob o nº. 2842/13,8TBVCD que aquele lhe movera e, em pagamento da referida dívida, dava em pagamento o crédito resultante da sentença referida em 1, ainda não transitada em julgado.
3º)–Em 13 de Janeiro de 2014 o exequente enviou à executada a comunicação cuja cópia se mostra junta de fls. 96 e sgs. dos autos dando-lhe a conhecer a celebração do acordo referido em 2, solicitando o pagamento da quantia referida em 1.
4º)–Com fundamento no referido acordo o exequente dirigiu ao processo referido em 1 um requerimento de habilitação de cessionário.
5º)–Notificadas as partes não foi deduzida oposição tendo, em 19 de Fevereiro de 2014, sido proferida sentença a julgar habilitado para prosseguir a causa do processo identificado em 1 B…, no lugar da cedente D…, Lda.
6º)-As partes foram notificadas da sentença, tendo a mesma transitado em julgado em 26 de Março de 2014.
7º)–Em 9 de Fevereiro de 2012 a exequente foi notificada pela Srª. AE a exercer funções nos autos do processo nº. 57/09.9TBVCD de que, nos termos do artº. 856º. do CPC, ficavam penhorados os “créditos–presentes e futuros–vencidos e não vencidos, que seja(m) devedor(es) ao executado abaixo identificado (D…, Lda), até ao montante de € 9.104,50, resultante dos autos nº. 168719/11.5TUPRT que correm termos no 2º. Juízo Cível do Tribunal Judicial de Vila do Conde”.
8º)–Em 6 de Fevereiro de 2012 a Srª. AE dirigiu ao processo referido em 1 um requerimento pedindo fosse lavrado protesto para que constasse “que o direito pertencente à D…, Lda” ficasse “penhorado à Ordem da Acção Executiva para pagamento de quantia certa que, com o nº. 57/09.9TBVCD, corre termos pelo 3º. Juízo Cível de Vila do Conde, que F…, S.A. move contra a referida D…, Lda”.
9º)–Em resposta à notificação referida em 7 a executada dirigiu à Srª. AE comunicação datada de 20 de Fevereiro de 2012, dizendo “que não existe qualquer direito de crédito penhorável, conforme, …, se descreve na contestação da acção identificada na notificação (…)”.
10º)–Em 20 de Janeiro de 2014 a Srª. AE a exercer funções no processo referido em 7 notifica a executada de que “Na sequência da notificação para penhora de créditos (…), ficam pela presente notificados que atenta a cumulação de pedido, o valor actualizado garantido pela penhora é de 60.000,00€”, notificação que esta recebeu em 27 de Janeiro do mesmo mês e ano.
11º)–Em resposta a executada envia à Srª. AE a comunicação datada de 5 de Fevereiro de 2014 dizendo que a sociedade executada no processo nº. 57/09.9TBVCD é credora no montante de € 83.889,29 acrescida de juros à taxa comercial, solicitando, com vista ao cumprimento do ordenado, informação sobre o valor exacto a depositar à ordem dos autos bem como os elementos bancários necessários a tal depósito.
12º)–Em resposta a Srª. AE notifica-a de que “a penhora deverá manter-se sobre a totalidade do crédito reconhecido (83.889,29€ acrescido de juros à taxa comercial) até nossa indicação em contrário. A transferência do montante será oportunamente notificada a V. Exª.”.
13º)–Em 20 de Janeiro de 2014 a Srª. AE elabora, no processo nº. 57/09.9TBVCD, um auto de penhora descrevendo como penhorado a “Expectativa de aquisição de direito de crédito não reconhecido pelo devedor e objecto, que se encontra pendente de decisão no âmbito do processo 168719/11.5YIORT, em que é réu C…, S.A.” no valor de 60.000,00€.
14º)–Em 5 de Fevereiro de 2014 a Srª. AE elabora, no processo nº. 57/09.9TBVCD, um auto de penhora descrevendo como penhorado o “direito de crédito reconhecido pelo devedor no âmbito do processo 168719/11.5YIORT, em que é réu C… e autor D…, Lda” no valor de 83.889,29€.
15º)–A D…, Lda, executada no processo nº. 57/09.9TBVCD deduziu oposição à execução e à penhora.
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III- O DIREITO

Como supra se referiu a primeira questão que no recurso vem colocada consiste em:
a)-saber se o apelado carece, ou não de legitimidade para a acção executiva intentada contra a apelante.
Dúvidas não existem de que o título que serve de base à execução de que estes embargos são apenso é uma sentença.
E também dúvidas não existem de que, fundando-se a execução em sentença, a oposição que a ela se deduza só pode ter algum dos fundamentos elencados nas várias alíneas do artigo 729.º do C.PCivil.
Ora, um desses fundamentos, o constante da alínea c) do citado preceito, diz respeito à falta de qualquer pressuposto processual de que dependa a regularidade da instância executiva, sem prejuízo do seu suprimento.
Alega a este respeito a executada que o apelado não se habilitou validamente como sucessor da D…, Lda., titular do direito de crédito objecto do alegado negócio de dação, uma vez que a apelada nunca foi notificada para os termos do incidente de habilitação e assim ficou impedida de nele intervir, donde verificar-se nulidade processual que implica a anulação de todo o processado, carecendo, por isso, legitimidade ao apelado para a acção executiva intentada contra a apelante.
Vejamos, então, se será de sufragar semelhante entendimento.
Nos termos do artigo 10.º, n.º 1, do CPCivil, “Toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da acção executiva”.
Por outro lado consoante se estatui no 53.º, n.º 1, do mesmo diploma legal “A execução tem de ser promovida pela pessoa que no título executivo figure como credor e deve ser instaurada contra a pessoa que no título tenha a posição de devedor”.
Portanto, este preceito enuncia a regra geral da legitimidade para acção executiva, diversa da que vigora para a acção declarativa (artigo 30.º do CPCivil), conferindo-a a quem figure no título como credor e como devedor, seja este principal ou subsidiário.
É parte legítima como exequente, em regra, a pessoa que no título executivo figura como credor, é parte legítima como executado a pessoa que no título tiver a posição de devedor.
Note-se que o texto legal não diz que é parte legítima como exequente o credor e como executado o devedor; e não o diz, sob pena de confundir a questão de legitimidade com a de procedência.
É que o exequente e o executado podem ser partes legítimas, apesar de não serem credor e devedor.
A legitimidade deriva, em princípio, da posição que as pessoas têm no título executivo. A inspecção deste deve, em regra, habilitar a resolver o problema da legitimidade.[1]
Porque na acção executiva se visa obter a tutela efectiva do direito a uma prestação que se encontra violado, o interesse directo em demandar e o interesse directo em contradizer não radica nas pessoas que são titulares da relação material controvertida, tal como esta é configurada pelo autor.
Antes, serão partes legítimas, quem no título executivo figura como credor e como devedor: o exequente é parte legítima (legitimidade activa) se figura no título como credor da prestação; o executado é, por sua vez, parte legítima (legitimidade passiva) se figura no título como devedor da prestação.
É esta a função de legitimação dos títulos executivos que serve para delimitar subjectivamente a execução.[2]
Mas nem sempre é parte legítima como exequente ou como executado a pessoa a quem o título executivo atribui a posição de credor ou de devedor.
No artigo 54.º do CPCivil, estão previstos desvios à regra geral da determinação da legitimidade.
Nos termos do seu n.º 1, disposição que tem relevância na apreciação do caso vertente, “Tendo havido sucessão no direito ou na obrigação, deve a execução correr entre os sucessores das pessoas que no título figuram como credor ou devedor da obrigação exequenda. No próprio requerimento para a execução deduzirá o exequente os factos constitutivos da sucessão”.
O referido preceito constitui, portanto, um desvio à regra geral da legitimidade para a acção executiva, podendo esta ser intentada por e contra pessoas que não figuram no título executivo, por, entretanto, ter ocorrido transmissão no direito ou na obrigação, quer inter vivos, quer mortis causa.[3]
A legitimidade que é concedida aos sujeitos que constam do título executivo como credor e devedor é igualmente reconhecida aos seus sucessores: se houver sucessão no direito ou na obrigação, são partes legítimas os sucessores dos sujeitos que figuram no título como credor e devedor da obrigação exequenda.
E a sucessão tanto pode ser universal–como aquela que é realizada mortis causa–ou singular–como a que provém da transmissão ou cessão do direito ou da coisa, da assunção da dívida ou do endosso do título cambiário. Em qualquer dos casos, ela pode ser activa ou passiva.[4]
Como diz o Prof. J. Lebre de Freitas,[5] “Tendo havido sucessão, entre vivos ou mortis causa, na titularidade da obrigação exequenda, entre o momento da formação do título e o da proposição da acção executiva, seja do lado activo, seja do lado passivo, devem tomar, desde logo, a posição de parte, como exequentes ou como executados, os sucessores das pessoas que figuram no título como credores ou devedores.
Este enunciado já comporta uma especialidade da acção executiva no que respeita ao caso de transmissão por acto entre vivos do direito litigioso: enquanto na acção declarativa o transmitente continua a ter legitimidade para a causa enquanto o adquirente não for admitido a substituí-lo (art. 271-1), na acção executiva apenas este tem legitimidade para litigar. Compreende-se porquê. No caso de transmissão do direito na pendência da acção declarativa sem subsequente habilitação do adquirente, a manutenção da legitimidade do transmitente encontra justificação na protecção da parte contrária contra a excessiva dilação da acção em curso em consequência da dificuldade de fazer nela intervir o adquirente, máxime quando a transmissão do direito ocorra já na iminência de uma decisão favorável (cf. art. 271.º, nº 2). E a formação de caso julgado quanto ao adquirente (art. 271º, nº 3) constitui obstáculo à eventualidade de nova acção declarativa instaurada por este, ou à necessidade de o autor vir a propor contra ele nova acção declarativa. Mas na acção executiva, que visa a reparação material coactiva do direito do credor/exequente, postulando por isso o emprego, efectivo ou potencial, da força, é necessário garantir, no caso de sucessão na parte activa da obrigação, a vontade do credor actual de recorrer aos dispositivos coercitivos e, no caso de sucessão na parte passiva, a eficácia dessas medidas, pois, sendo o devedor o adquirente, apenas os seus bens estão sujeitos à execução (arts. 601 e 821 CC)”.
Assim, a execução pode correr entre os sucessores do credor e os sucessores do devedor.
Por outro lado, é dispensado o incidente de habilitação no caso de sucessão ocorrida antes da propositura da acção executiva, pois que, como se refere na parte final do nº 1 do artigo 54.º “no próprio requerimento para a execução deduzirá o exequente os factos constitutivos da sucessão”, que foi, aliás, o que apelado fez no seu requerimento executivo como se evidencia pela sua leitura.[6]
Mas, para além disso, ainda na fase declarativa, deduziu o incidente de habilitação de cessionário como decorre dos factos descritos em 4º a 6º da fundamentação factual e que, importa que se diga, a apelante não impugnou nos termos estatuídos no artigo 640.º do CPCivil.
Desse quadro factual resulta que:
- O exequente dirigiu ao processo referido em 1 um requerimento de habilitação de cessionário.
- Notificadas as partes não foi deduzida oposição tendo, em 19 de Fevereiro de 2014, sido proferida sentença a julgar habilitado para prosseguir a causa do processo identificado em 1 B…, no lugar da cedente D…, Lda.
- As partes foram notificadas da sentença, tendo a mesma transitado em julgado em 26 de Março de 2014.
Ora, tendo a referida decisão de habilitação de cessionário transitado em julgado, torna-se evidente que a questão da legitimidade para execução ficou definitivamente resolvida nos termos estatuídos nos artigos 619.º, nº 1 e 620.º do CPCivil.
Com efeito, a alegada falta de notificação (citação) da apelante no âmbito dos mencionados autos de habilitação podia ser motivo de recurso de revisão a interpor da referida decisão (cfr. artigos 696.º e ss. do CPCivil) sendo, por isso, a sua invocação irrelevante nestes autos.
Decorre, assim, do exposto que o apelado é parte legítima na execução instaurada.
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Nestes termos e sem necessidade de outros considerandos, por desnecessários, improcedem as conclusões A) a C) formuladas pela apelante.
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A segunda questão que vem colocada no recurso prende-se com:

b)- saber se a executada está, ou não, obrigada ao pagamento do crédito que foi objecto da cessão, ao exequente.

Não se pode por em causa que, tendo-se dado à execução uma sentença condenatória transitada em julgado, é a mesma exequível não lhe retirando esta qualidade o facto de existir uma execução onde, alegadamente, foi penhorado o crédito que o aqui exequente detém sobre a executada.
Todavia, não obstante as alegadas penhoras não ponham em causa a subsistência da obrigação exequenda, pode decorrer das mesmas que a executada esteja obrigada a entregar a terceiros a obrigação exequenda e, nessa medida, ocorrer facto extintivo da obrigação [cfr. al. g) do já citado artigo 729.º do CPCivil].
Isto dito, decorre da factualidade supra elencada que, em 9 de Fevereiro de 2012, a exequente foi notificada pela Srª. Agente de Execução a exercer funções nos autos do processo nº. 57/09.9TBVCD de que, nos termos do artigo 856.º do CPCivil, ficavam penhorados os “créditos–presentes e futuros–vencidos e não vencidos, que seja(m) devedor(es) ao executado abaixo identificado (D…, Lda), até ao montante de € 9.104,50, resultante dos autos nº. 168719/11.5TUPRT que correm termos no 2º. Juízo Cível do Tribunal Judicial de Vila do Conde” [facto descrito em 7º) da fundamentação factual].
Analisemos a penhora assim efectuada.
Dispõe o artigo 773.º do CPCivil que “A penhora de créditos consiste na notificação ao devedor, feita com as formalidades da citação e sujeita ao regime desta, de que o crédito fica à ordem do agente de execução”, resultando do artigo 777.º, nº. 1 do mesmo dispositivo legal que o devedor que não a haja contestado é obrigado:
a) A depositar a respectiva importância em instituição de crédito à ordem do agente de execução ou, nos casos em que as diligências de execução sejam realizada por oficial de justiça, da secretaria.
Com interesse para o caso dos autos estatui também o artigo 820.º do CCivil que “Sendo penhorado algum crédito do devedor, a extinção dele por causa dependente da vontade do executado ou do seu devedor, verificada depois da penhora é inoponível à execução”.
Concatenando o regime legal que resulta dos normativos citados e aplicando-o ao caso concreto, verifica-se que, sem prejuízo do que vier a ser decidido nos autos de oposição à penhora que a D… deduziu nos autos do processo nº. 57/09.9TBVCD (facto descrito em 15º da fundamentação factual), a executada apelante está obrigada a entregar à Srª Agente de Execução a exercer funções naquele processo a quantia de € 9.104,50 por ter sido essa a medida da penhora efectuada através da notificação (facto descrito em 7º da fundamentação factual).
Com efeito, sendo a referida penhora anterior à dação do crédito da D… ao exequente (facto descrito em 2º da fundamentação factual), tal dação é inoponível (cfr. artigo 820.º do CCivil atrás transcrito) àquela execução, mantendo-se a executada obrigada a cumprir a referida notificação.
Todavia, já o mesmo se não pode dizer em relação procedimento subsequente ocorrido na mesma execução 57/09.9TBVCD, constante dos factos descritos em 10º a 14º da fundamentação factual.
Importa, desde logo dizer que a comunicação feita pelo Agente de Execução descrita no ponto 10º da fundamentação factual não foi feita com as formalidades exigidas na lei processual (cfr. artigo 773.º, nº. 1 do CPCivil).
Acresce que, tendo sido cumulada uma nova execução como aí se refere, o procedimento que havia de adoptar era a realização de uma nova penhora, não podendo, por via da pretendida “ampliação”, considerar-se realizada e, muito menos, beneficiar da anterioridade da penhora efectuada apenas para garantia da cobrança da quantia exequenda requerida inicialmente no montante de € 9.104,50.
Mas ainda que assim não fosse, tal como bem se refere na decisão recorrida, aquando da referida comunicação a executada já se mostrava notificada do acordo celebrado entre a D… e o aqui exequente e nos termos do qual, em pagamento da dívida que aquela tinha para com este e que estava a ser executada no processo que corria termos sob o nº. 2842/13.8TBVCD, fora cedido o crédito objecto da sentença exequenda (facto descrito em 3º da fundamentação factual) tendo aquele acto produzido, a partir daquela notificação, os seus efeitos em relação ao devedor.
Efectivamente, como resulta do disposto no artigo 583.º, nº. 1 do CCivil “A cessão produz efeitos em relação ao devedor desde que lhe seja notificada, ainda que extrajudicialmente, ou desde que ela a aceite”.
Como se sabe através da cessão de créditos, o credor pode transferir para terceiro a titularidade do crédito, independentemente do consentimento do devedor, a não ser que lei ou convenção o impeçam (artigo 577.º do CCivil).
A cessão de créditos não é em si um contrato, antes um efeito de um negócio jurídico causal de contornos e de âmbito variável.[7] Traduz uma modificação da relação jurídica, passando a titularidade do direito de crédito da esfera do cedente para a do cessionário. Desde que a cessão seja notificada ou aceite pelo devedor ou seja dele conhecida, nos termos do art. 583º do CC, o cumprimento da correspectiva obrigação deve ser feito perante o cessionário.
Para o efeito importa ponderar que ficou afastada do nosso sistema a solução segundo a qual a cessão de créditos se decompunha em duas fases, sendo a primeira integrada pelo acordo de cessão e a segunda pela notificação do devedor.
O desenho da figura da cessão de créditos que emerge dos artigos 577.º e segs. do CCivil permite concluir, com alguma segurança, que a cessão e a correspondente modificação subjectiva operada na relação creditícia se consumam com a outorga do acordo causal (contrato atípico, compra e venda de créditos, factoring, doação, trespasse, etc.), sendo a sua notificação ou a aceitação mera condição de eficácia externa em relação ao devedor.
A partir da notificação da cessão (assim como a partir da sua aceitação ou do conhecimento da sua existência), a titularidade do crédito passa para a esfera do cessionário, pelo que o devedor apenas se desobriga se efectuar a este a prestação.[8]
Aliás, diga-se, que a referida construção jurídica já advinha do Código de Seabra, afirmando então Cunha Gonçalves[9] ser incontestável a legitimidade do cessionário desde que “haja alegado na petição inicial que a origem do seu crédito é a cessão que lhe foi feita pelo anterior credor
Como refere Menezes Leitão[10], a “ineficácia do contrato em relação ao devedor constitui um mero limite à tutela do direito de crédito, que não prejudica o facto de o cessionário passar logo a ser perante o cedente o efectivo titular do direito transmitido”.
Trata-se de uma solução sobre a qual a doutrina nacional se manifesta em absoluta uniformidade.[11]
Sem necessidade de mais ilustração, basta que se mencione o que refere Brandão Proença[12]: “Sobre a questão de saber se a eficácia translativa da cessão é processada em duas fases (eficácia imediata em relação às partes do contrato de cessão e eficácia diferida relativamente ao devedor), se há apenas uma eficácia diferida para o momento da notificação do devedor (tese de Mancini) ou se a eficácia translativa é imediata, podendo, no entanto, não ser eficaz em relação ao devedor, é de optar por aquela que nega valor constitutivo à notificação feita pelo cedente ou pelo cessionário, salvaguardada que está a posição do devedor de boa fé que pagou ao credor aparente, isto é, do devedor que não tenha sido notificado ou aceite a cessão nem tenha tido conhecimento dela. Dito de outra forma, o direito de crédito transmite-se imediatamente com o negócio de alienação passando o cessionário a titular do direito”.
Postos estes breves considerandos verifica-se que, a partir a partir de 13 de Janeiro de 2014, data em que apelante foi notificada da cessão de créditos ocorrida no dia 3 do mesmo mês, a mesma só se desobrigaria da prestação a que foi condenada prestando-a ao exequente, sem prejuízo do atrás referido quanto à penhora de € 9.104,50.
Diante do exposto resulta que, aquando do recebimento da comunicação supra referida (constante do facto descrito em 10 da fundamentação factual), a executada em 27 de Janeiro de 2014, em vez de ter respondido à Srª. Agente de Execução nos termos que constam do facto descrito em 11º da fundamentação factual, em cumprimento do disposto no artigo 773.º, nº. 2 do CPCivil, deveria ter informado que o crédito havia sido dado em pagamento ao exequente, pelo que, ao não o ter feito sibi imputet, estando aqui obrigada a pagar ao exequente a quantia de € 83.889,29 acrescida de juros de mora contados à taxa legal aplicável aos créditos de que sejam titulares empresas comerciais, desde o dia 8 de Outubro de 2010 e até efectivo pagamento, deduzida do valor de € 9104,50, caso o D…, Lda. não obtenha ganho de causa na oposição que deduziu à execução nº 57/09.9TBVCD.
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Improcedem, assim, as conclusões D) a F) formuladas pela apelante e, com elas, o respectivo recurso.
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IV-DECISÃO

Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente por não provada a apelação e, consequentemente, confirmar a decisão recorrida.
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Custas pela apelante recorrente (artigo 527.º, nº 1 do C.P.Civil).
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Porto, 17 de Outubro de 2016.
Manuel Domingos Fernandes
Miguel Baldaia de Morais
Jorge Seabra
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[1] Cfr. Prof. Alberto dos Reis, Comentário ao Código de Processo Civil, vol. 1.º, pág. 90.
[2] Cfr. Dr. J. P. Remédio Marques, in Curso de Processo Executivo Comum à Face do Código Revisto, Outubro, 2000, pág. 110.
[3] Cfr. o Acórdão da Relação de Coimbra, de 22 de Janeiro de 2002, in Col. Jur., Ano XXVII, (2002), Tomo I, págs. 14-16.
[4] Cfr. Prof. Miguel Teixeira de Sousa, in Acção Executiva Singular, 1998, pág. 136.
[5] In Código de Processo Civil Anotado, volume 1.º, 1999, de J. Lebre de Freitas, João Redinha e Rui Pinto, págs. 112-113.
[6] Importa, todavia, dizer que este entendimento não é uniforme. Para Lebre de Freitas in A Acção Executiva depois da Reforma, 4.ª edição, págs. 123 nota 4 “(…) constituindo a legitimação das partes para o processo executivo uma das funções do título executivo (supra, 3.1), mal se compreenderia que dela não tivesse de ser feita prova complementar no caso de sucessão na posição de credor ou de devedor, sem prejuízo de o executado só em oposição à execução (art. 814-c) poder vir a tomar sobre ela posição. Enquanto não estiverem estabelecidos os factos constitutivos da sucessão, o juiz não pode, quando haja lugar a despacho liminar, proferir o despacho de citação, devendo mandar aperfeiçoar e, em último caso, indeferir a petição, por ilegitimidade da parte (arts. 812, n.ºs 2-b e 5; ver também os arts. 812-A-3-b e 820), não só quando não forem alegados os factos em que a sucessão se funda (ac. de 10-1-84), mas também quando não for oferecida a respectiva prova
Diferente é a posição do Cons. Eurico Lopes-Cardoso, como se passa a expor:
O artigo 56.º do Código de 1939, (…), estabeleceu, para o caso de, antes de proposta a acção executiva, ter havido sucessão no crédito ou na dívida, uma habilitação a deduzir no requerimento inicial da execução e que, até ser julgada, suspendia os termos da execução propriamente dita. O Código actual aboliu esse preliminar.
Agora, na acção executiva, o problema da legitimidade resultante de sucessão no crédito ou na dívida é discutido e dirimido por forma semelhante àquela pela qual se discute e dirime na acção declarativa. O exequente continua a ter que alegar no requerimento inicial a dita sucessão, sempre que a haja, como tem que alegar todas as outras condições da sua legitimidade ou da do executado: «No próprio requerimento para a execução deduzirá o exequente os factos constitutivos da sucessão»–diz o último período do n.º 1 do artigo 56.º. Não tem que oferecer logo prova deles, embora lhe seja lícito apresentá-la, quando meramente documental. O executado não tem, porém, articulado especial destinado a contestar a alegação. Só pode impugná-la em embargos fundados na ilegitimidade da parte à qual o exequente atribuiu a qualidade de sucessor – artigo 813.º, alínea c). Se o não fizer, a questão da legitimidade fica encerrada” (Manual da Acção Executiva págs. 120/121).
[7] Cfr. Assunção Cristas, Transmissão Contratual do Direito de Crédito, págs. 77 e 78, com citação de diversos autores no mesmo sentido, entre os quais Menezes Cordeiro, Menezes Leitão ou Pinto Duarte.
[8] Cfr. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, II vol., 7ª ed., págs. 310 e segs.
[9] Tratado de Direito Civil, vol. V, pág. 68.
[10] In Direito das Obrigações, vol. II, pág. 22.
[11] Cfr. Antunes Varela (CC anot. e Obrigações em Geral, vol. II), Menezes Leitão (Direito das Obrigações, vol. II), Assunção Cristas (Transmissão Contratual do Direito de Crédito) e Menezes Cordeiro (Direito das Obrigações, vol. II).
[12] In Direito das Obrigações-Relatório.