Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
404/13.9TAFLG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JOÃO PEDRO NUNES MALDONADO
Descritores: CRIME DE LENOCÍNIO
BEM JURÍDICO
NECESSIDADE PENAL
INCONSTITUCIONALIDADE
Nº do Documento: RP20170208404/13.9TAFLG.P1
Data do Acordão: 02/08/2017
Votação: UNANIMIDADE COM 1 DEC VOT
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: PROVIDO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (LIVRO DE REGISTOS N.º 707, FLS.1-26)
Área Temática: .
Sumário: I – A definição do bem jurídico-penal desempenha o papel de critério da decisão legislativa criminalizadora a qual deve ser efectuada com o recurso a uma concepção ético-social mediatizada pela constituição democrática, mediatizada no quadro referencial dos direitos inerentes à dignidade da pessoa humana e os deveres essenciais à funcionalidade e justiça do sistema social.
II – O crime de lenocínio do artº 169º1 CP, é um crime de perigo abstracto, onde não se exige que o bem jurídico tenha sido efectivamente posto em perigo uma vez que este não faz parte do tipo, mas tão só, da motivação da proibição.
III - Sendo o bem jurídico visado pela norma a autonomia e liberdade da pessoa que se prostitui (ou a liberdade sexual), as condutas previstas no tipo em analise não traduzem em si uma perigosidade típica de lesão de tal bem jurídico, pelo que se exigiria para a incriminação a identificação precisa do bem jurídico e a sua grande importância.
IV- Mesmo sendo a motivação da proibição legítima, importaria demonstrar estar tal bem jurídico necessitado de tutela penal por inexistência ou insuficiência de outras reacções sociais para a sua protecção.
V- A incriminação e punição do artº 169º1 CP é inconstitucional por violação do artº 18º2 CRP.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº404/13.9TAFLG.P1

Acórdão, deliberado em audiência, na 2º secção criminal do Tribunal da Relação do Porto
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I. B…, C… e o MºPº vieram interpor recurso da sentença proferida no processo comum singular nº404/13.9TAFLG da instância local, secção criminal – J1, Felgueiras, Tribunal da Comarca do Porto Este, que:
1) Condenou a arguida B…, como co-autora material, e na forma consumada, de um crimes de lenocínio, p. e p. pelo art. 169°, nº 1 do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 9 (nove) meses de prisão.
Nos termos dos artigos 50°, nºs. 1, 2 e 5 do Código Penal, decide-se suspender a execução da pena de prisão aplicada de 2 anos e 9 meses, por igual período, mediante a sujeição da arguida às seguintes regras de conduta:
A) de a arguida se submeter a regime de prova assente num plano individual de reeducação para o direito, assente na consciencialização e interiorização, por parte da arguida, da ilicitude da sua conduta e no sentido do respeito pelos outros seres humanos, a elaborar e executar sob vigilância da D.G.R.S., que deverá dar conhecimento trimestral ao Tribunal relativamente à forma de execução do plano e adesão ao mesmo pela arguida, bem como assente ainda no dever de não alojar no estabelecimento "D…" pessoas conotadas com a prática da prostituição, e ainda no dever de proceder à entrega, no prazo de 2 anos da quantia de €2.000,00 a uma Instituição Particular de Solidariedade Social que se dedique à protecção e apoio de mulheres vítimas de violência e a indicar igualmente pela DGRS.
2) Condenou o arguido C…, como co-autor material, e na forma consumada, de um crime de lenocínio, p. e p. pelo art. 169°, n01 do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 9 (nove) meses de prisão.
Nos termos dos artigos 50°, ns. 1, 2 e 5 do Código Penal, decide-se suspender a execução da pena de prisão aplicada de 2 anos e 9 meses, por igual período, mediante a sujeição da arguida às seguintes regras de conduta:
A) de o arguido se submeter a regime de prova assente num plano individual de reeducação para o direito, assente na consciencialização e interiorização, por parte do arguido, da ilicitude da sua conduta e no sentido do respeito pelos outros seres humanos, a elaborar e executar sob vigilância da D.G.R.S., que deverá dar conhecimento trimestral ao Tribunal relativamente à forma de execução do plano e adesão ao mesmo pelo arguido, bem como assente ainda no dever de não alojar no estabelecimento "D…" pessoas conotadas com a prática da prostituição, e ainda no dever de proceder à entrega, no prazo de 2 anos da quantia de €2.000,00 a uma Instituição Particular de Solidariedade Social que se dedique à protecção e apoio de mulheres vítimas de violência e a indicar igualmente pela DGRS.
3) Condenou o arguido E…, como cúmplice da prática de um crime de lenocínio, p. e p. pelo art. 169°, n01 do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 9 (nove) meses de prisão, suspensos na sua execução, por igual período, nos termos do art. 50° do Código penal.
4) Condenou o arguido F…, como co-autor material, e na forma consumada, de um crime de lenocínio, p. e p. pelo art. 169°, n01 do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos de prisão.
Nos termos dos artigos 50°, nºs. 1, 2 e 5 do Código Penal, decide-se suspender a execução da pena de prisão aplicada de 2 anos, por igual período, mediante a sujeição da arguida às seguintes regras de conduta:
A) de o arguido se submeter a regime de prova assente num plano individual de reeducação para o direito, assente na consciencialização e interiorização, por parte do arguido, da ilicitude da sua conduta e no sentido do respeito pelos outros seres humanos, a elaborar e executar sob vigilância da D.G.R.S., que deverá dar conhecimento trimestral ao Tribunal relativamente à forma de execução do plano e adesão ao mesmo pelo arguido.
No seu recurso, os arguidos B… e C… declararam manter interesse na apreciação dos recursos interlocutórios interpostos:
1º da decisão que indeferiu a arguição da nulidade do despacho que determinou a prestação de declarações para memória futura das testemunhas inquiridas em sede de inquérito e:
2º da decisão que apreciou a nulidade arguida do despacho que autorizou a busca efectuada em sede de inquérito.
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DOS RECURSOS DOS ARGUIDOS B… E C….
1º RECURSO INTERLOCUTÓRIO.
I.1. Decisão recorrida (transcrição integral).
Pese embora o requerido pela defesa dos arguidos B… e C…, afigura-se-nos que o ora requerido não tem qualquer fundamento legal, com efeito o crime pelo qual os arguidos vêm acusados, designadamente o crime previsto no artigo 169º, do C.P. encontra-se inserido no capítulo V do C.P., o qual sistematiza os crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual.
Por sua vez e como muito bem refere o Dr. Paulo Pinto de Albuquerque, no seu comentário do C. P., em anotação ao referido artigo 169º, e ao contrário do alegado pela defesa este ilícito protege um bem jurídico, no caso a liberdade sexual da pessoa que se dedica à prostituição conforme aí é referido pelo citado autor - cfr. comentário penal Paulo Pinto de Albuquerque - pag. 464.
Acresce que e concordando na integra com as considerações tecidas pela Digna Procuradora Adjunta, entende-se que as declarações para memória futura sempre seriam possíveis neste caso, uma vez que foi respeitado o previsto no artigo 271º, do C.P.P., uma vez que estamos perante um crime contra a liberdade e autodeterminação sexual, mostrando-se assim que inexiste qualquer violação do principio da legalidade e como tal indefere-se o requerido pela defesa dos arguidos B… e C…, atento o acima exposto por falta de fundamento legal.
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I.2. Recurso do arguido (conclusões que se transcrevem).
1º - O despacho judicial que determina a diligência consignada no artº271º deverá ser devidamente fundamentado nos termos do artº97º-5 ambos do CPP;
2º - É nulo o despacho judicial proferido nos autos ainda em fase de Inquérito, que decidiu no sentido de serem prestadas declarações para memória futura, uma vez que se não encontra fundamentado nos termos conjugados dos artºs 379º-1-c), 380º-3 e 97º do CPP;
3º - Não se evidencia justificação suficiente para ocorrerem e muito menos serem lidos tais depoimentos para memória futura, pois para além da falta de fundamentação na eclosão de tal despacho judicial na fase de Inquérito, não se infere se à data do julgamento existia algum previsível impedimento em as testemunhas comparecerem se acaso tivessem sido notificadas para o efeito, como se não infere nem resulta a existência de alguma doença grave ou deslocação para o estrangeiro, afastada que fica a motivação atinente a um ilícito imputado que não ofende bens jurídicos alguns, tratando-se de um crime sem vítimas, o que por si só determinará inclusivamente a respectiva despenalização da conduta ínsita no nº1 do artº169º do CP, uma vez que essa norma é, além do mais, inconstitucional no segmento em que se não justifica a incriminação e colide na relação angular com o princípio da autonomia da vontade da pessoa humana, com os princípios da necessidade e adequação, inclusivamente colide com a liberdade pessoal de cada um, necessariamente viola a reserva da intimidade privada de cada um, de cada indivíduo;
4º - Face ao exposto, deverá o despacho proferido em audiência de julgamento e ante o qual se reagiu processualmente nos termos constantes da acta respectiva, que ordenou a leitura de tais depoimentos, ser revogado nessa conformidade e não serem os mesmos susceptíveis de serem tidos em conta, sob pena de se violar o princípio da legalidade vertido no artº125º do CPP.
I.3. Resposta do MºPº.
Pugnou pela confirmação do despacho.
I.4. Parecer do MºPº nesta Relação.
No mesmo sentido da resposta referida.
II. Objecto do recurso e sua apreciação.
Para melhor compreensão do objecto do recurso teremos que apreciar o requerimento que suscitou o despacho recorrido e constante do registo áudio com a referência 20160112114935 deduzido na sessão de audiência de julgamento do dia 12.01.2016. No mesmo, pedem os arguidos a não leitura, em audiência de julgamento, das declarações para memória futura sob pena de violação do artigo 118º, nº1, do Código de Processo Penal, com fundamento na nulidade da decisão judicial que determinou a prestação das declarações.
Foi proferido o despacho judicial recorrido, que indeferiu tal pretensão. Posteriormente outro despacho determinou a leitura das declarações para memória futura na sessão de julgamento do dia 15.02.2106 (cfr. acta de fls. 1581).
O objecto do recurso, posto que o despacho que ordenou a leitura das referidas declarações não foi objecto de recurso algum (nomeadamente por ausência de fundamentação em relação à impossibilidade de comparência dos declarantes) consiste, tão só, na apreciação da nulidade do despacho do juiz de instrução que autorizou e procedeu à inquirição das testemunhas no decurso do inquérito.
É este o pedido formulado pelos recorrentes que foi indeferido, não extensível à matéria da ausência de fundamentação do despacho que permitiu a leitura das declarações.
A prestação de declarações para memória futura com violação dos pressupostos formais consagrados no artigo 217º, nº1, do Código de Processo Penal constitui mera irregularidade por força do principio da legalidade das nulidades, prevista no artigo 118º, nº1, do Código de Processo Penal.
A referida prestação foi ordenada por despacho judicial (cfr. fls.502), com fundamento na possibilidade real de as testemunhas se ausentarem para os respectivos países de nacionalidade ou outros (requisito formal comum a todos os tipos legais de crime em investigação), notificada aos recorrentes e mandatário judicial por cartas de 30.06.2014.
Não foi pelos recorrentes arguida qualquer irregularidade em relação ao referido despacho de que foram notificados e sua execução, acto processual a que assistiram (cfr. artigo 121º, nº1,do Código de Processo Penal) motivo pelo qual não se vislumbra qualquer violação do princípio da legalidade da concreta prova em causa, não proibida (cfr. artigos 125º e 126º do Código de Processo Penal).
Não assiste, nestes termos, razão aos recorrentes, sendo certo que a referida inconstitucionalidade do artigo 169º, nº1, do Código Penal não releva para o estrito plano da questão colocada para apreciação, motivo pelo qual improcede o recurso.
2º RECURSO INTERLOCUTÓRIO.
I.1. Decisão recorrida (transcrição integral).
Em sede de julgamento e apenas nesta sede vem a defesa dos arguidos B… e C… invocar a nulidade insanável, nas suas palavras dos elementos probatórios resultantes ou provenientes da busca a qual entendem ferida de nulidade, entendendo como tal que não deverão ser consideradas em termos probatórios nos termos das citadas disposições legais.
Com efeito, e aderindo na íntegra à douta promoção, nesta sede emitida pela Srª. Procuradora Adjunta, de fato e do cotejo das nulidades insanáveis previstas no artigo 119º, co C.P.P., não se verifica que a alegada nulidade se enquadra em qualquer uma dessas mesmas alíneas; o mesmo sucedendo com as nulidades plasmadas no artigo 120º, do C.P.P.
A existir qualquer irregularidade/ilegalidade do despacho que autorizou a busca nos presentes autos, o qual consta de folhas 184 a 188, a mesma deveria ter sido arguida nos termos do artigo 123º, do C.P.P., não o tendo sido "sibe imputet", ou seja, uma vez que os arguidos foram devidamente notificados, não só dos mandados de busca como do despacho que autorizou a mesma e, se entendiam que tal não se mostrava de acordo com o legalmente estipulado poderiam, na altura, no prazo do artigo 123º, do C.P.P., ter reagido em conformidade, se não o fizeram preclude o direito.
Por outro lado, afiguram-se-nos que o despacho que autorizou as buscas de folhas 184 e 188 se mostra bem fundamentado e sustentado legalmente, não se vislumbrando qualquer irregularidade do mesmo, a qual a existir, repita-se deveria ser invocada no prazo a que alude o artigo 123º, do C.P.P.
Pelo exposto, indefere-se a requerida invocação de nulidade, por absoluta falta de fundamento legal.
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I.2. Recurso do arguido (conclusões que se transcrevem).
1ª) O despacho de folhas 184 a 188 que autorizou a realização de buscas domiciliárias, não contém os requisitos que a lei impõe, tendo-se alicerçado em considerações generalizadas, não ao domínio concreto investigado no presente processo, fundamentando-se no artigo 177º, nº 1 e 2, al. a), quando manifestamente o artigo 1º, al. f), igualmente do C.P.P., retira o crime de lenocínio ao âmbito da criminalidade especialmente violenta ou altamente organizada, estes sim previstos nas alíneas l) e m) do C.P.P.
2ª) Dai se infere, pela concatenação concreta dos artigos 118º, n/º 1, 119º, nº 1, 177º, nº 1, 126º, nº 3, todos do C.P.P. e 169º, nrº 1, este do C.P., a existência da nulidade totalmente insanável, tudo nos sobreditos termos e até da expressa proibição de utilização de prova, uma vez que conclusivamente a busca domiciliária, sob o ponto de vista formal, passa a ser uma total intromissão da vida privada e portanto contrariada pela lei.
3ª) Face ao exposto, deve ser reconhecida a mencionada nulidade nos sobreditos termos, ser estabelecido o domínio da proibição de prova dai adveniente e por via das consequências legais implícitas, não deverão ser considerados, em termos probatórios nem dos elementos dai provenientes.
I.3. Resposta do MºPº.
Pugnou pela confirmação do despacho.
I.4. Parecer do MºPº nesta Relação.
No mesmo sentido da resposta referida.
II. Objecto do recurso e sua apreciação
Seguindo idêntica metodologia para a compreensão do objecto do recurso teremos de partir do requerimento que provoca a decisão recorrida. O mesmo foi efectuado na sessão de julgamento de 14.01.2016 e consta do registo áudio com a referência 20160114102422 e nele se pede a declaração de nulidade do despacho do juiz de instrução de fs. 184 a 188 que autorizou a busca à parte habitacional do estabelecimento comercial D….
O despacho judicial em causa autoriza a produção de um meio de obtenção da prova – a busca (artigo 174º, nº2, do Código de Processo Penal) – num local de acesso restrito ligado a um estabelecimento comercial (bar) composto por quartos e onde poderiam residir mulheres, entre as 21.00 e as 07.00 horas, com fundamento na natureza do crime investigado –lenocínio.
O despacho judicial em causa, exercido no âmbito das competências legais do juiz de instrução (cfr. artigo 177º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Penal), não é susceptível de ser declarado nulo (absoluta ou relativamente) ou sequer irregular. O despacho em causa, com ou sem fundamento legal, é proferido no âmbito de uma competência própria, assegurada pela lei constitucional e ordinária.
Teriam os recorrentes que dele recorrer, nomeadamente com os fundamentos que agora expõem, no sentido de convencer o tribunal superior, na altura devida (isto é, nos trinta dias contados da notificação de tal decisão) que o mesmo não foi proferido de acordo com os requisitos legais (referimo-nos aos pressupostos estabelecidos no artigo 177º, nºs 1 e 2, alínea a), do Código de Processo Penal).
Questão distinta, que poderá ser invocado pelo interessado em qualquer momento e independentemente da ausência de reacção ao despacho que a autoriza (como o fizeram os recorrentes e sem necessidade de utilizar a via em causa ), será a avaliação da existência dos pressupostos formais que determinaram tal despacho uma vez que, na sua inexistência, o concreto meio de prova utilizado será considerado proibido, de acordo com a conjugação dos artigos 125º e 126º, nº3, do Código de Processo Penal, caso em que as provas obtidas por tais meios serão nulas. Isto porque a lei constitucional protege, com cominação da nulidade, as provas obtidas mediante a abusiva intromissão na vida privada ou domicílio do arguido (cfr. artigo 32º, nº8, da Constituição da República Portuguesa, princípio vertido no artigo 126º, nº3, do Código de Processo Penal) e a exclusão de provas proibidas pode ser conhecida pelo tribunal de julgamento e de recurso independentemente da reacção do visado ou, até, da existência de decisão judicial prévia ao julgamento que sobre a mesma verse em sentido divergente (cfr. artigo 310º, nº2, do Código de Processo Penal).
A busca autorizada, e na amplitude nela definida, visava a recolha de prova no âmbito de um crime de lenocínio, crime catalogado no artigo 1º, alínea l) do Código de Processo Penal, como inserido na criminalidade especialmente violenta (crime contra a liberdade e autodeterminação sexual, por referência ao artigo 169º do Código Penal, integrado no Capítulo V - Dos crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual, do mesmo diploma). No âmbito dos requisitos legais que determinam a realização de buscas domiciliárias entre as 21 e 07 horas (cfr. artigo 177º, nº2, alínea a), do Código de Processo Penal) não há rigorosamente nada a corrigir em relação ao juízo proferido pelo juiz de instrução de acordo com os indícios disponíveis investigatórios e, diga-se, exigíveis, em função da natureza do crime investigado.
Não assiste razão alguma aos recorrentes em relação à divergência manifestada (para além da irrelevância, neste caso, novamente, da inconstitucionalidade da norma incriminadora, que infra apreciaremos), de acordo com a natureza do crime (então) investigado, improcedendo o recurso apreciado.
3º RECURSO PRINCIPAL.
I.1. Decisão recorrida (sentença que se transcreve parcialmente).
O M.P. para serem julgados em processo comum e com a intervenção do Tribunal singular acusou:
1) B…,
2) C…,
3) D… e
4) F…,
imputando-lhes a prática, em co-autoria material e na forma continuada de um crime de Lenocínio, p. e p. pelos arts. 30°, nº2 e 169°, nºl ambos do Código Penal (…).
Os arguidos B… e G…, a fls. 1397 e ss. apresentaram contestação, tecendo considerações sobre o ilícito pelo qual vêm acusados, referindo ser ilegítima a ingerência do direito penal nos termos do n° 1 do art. 169°, afirmando que a protecção de bens jurídicos transpersonalistas de étimo moralista não cumpre nem cabe ao direito penal. Mais referem os arguidos que apenas auferem o ganho resultante de as pessoas pernoitarem, alimentarem-se e permanecerem no espaço "D…”, desconhecendo se as pessoas que ali se hospedam vendem ou não os corpos para fins sexuais ou outros; além de que o referido bar "D…" é um bar com características cosmopolitas, onde o que se faz é conviver e tomar bebidas, assim como assistir a shows diversos de natureza sensual. Mais referem que, ainda que ocorra entendimento diverso na qualificação jurídica dos factos que previerem da audiência de julgamento, sempre ocorreria situação de exclusão da ilicitude, uma vez que os arguidos exploram o dito estabelecimento no âmbito de um exercício de um direito, nos termos do art. 31°, n° 1 e 2 al. b) do Código Penal. Mais invocam a inconstitucionalidade do art. 169°, nº l do Código Penal, por violar os arts. 9°, al. b), 13°, nºsl e 2, 6°, nº2, 18°, nºs 2 e 3 e 26°, no segmento em que tipifica a existência de um crime de forma antagónica aos princípios basilares do Estado de Direito Democrático, nomeadamente ao criminalizar uma conduta sem qualquer vítima, sem qualquer ofendido, sem fazer periclitar qualquer bem jurídico consagrável pelo direito penal. Mais refere que o estabelecimento nunca forneceu serviços ou actos sexuais a ninguém e nem vive ou viveu de serviços sexuais que eventualmente sejam prestados por quem quer que seja e que ali se desloque ou ali permaneça ou pernoite ou fique hospedado. Concluem que a acontecer algum acto enquadrável no que se continua a apelidar de prostituição, sempre os mesmos estarão no domínio da vontade de quem os pratique, sendo que a acontecerem se inserem na livre iniciativa, propósito e vontade de que os protagonize, estando incertos na privacidade de cada qual e não sendo susceptíveis de censura nos tempos actuais. Arrolaram prova testemunhal.
Os arguidos F… e E…, a fls, 1407 e ss., também vieram apresentar contestação, aderindo aos argumentos aduzidos na contestação apresentada pelos outros dois arguidos, no que se refere à invocada inconstitucionalidade do art. 169º do Cód. Penal. No mais refere o arguido F… que exercia a sua actividade no "D… Bar" com a categoria de empregado de balcão, em regime de contrato a tempo parcial, auferindo salário por tal prestação de trabalho; a quem a arguida B… procedia aos respectivos descontos legais. No que se refere ao arguido E…, o mesmo no dia da operação policial encontrava-se á porta a entregar cartões, mas não possuía quaisquer funções no referido bar, e estava, de facto a entregar cartões, o que até já tinha acontecido em 2 ou 3 ocasiões anteriores, mas a título de favor solicitado pela arguida B….
II - PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
Inexistem nulidades ou excepções, ou questões prévias ou incidentais que obstem ao conhecimento do mérito da acção penal, com excepção da invocada inconstitucionalidade do art. 169º do Código Penal, a qual desde já se passa a conhecer.
Da inconstitucionalidade invocada do art. 169º do Código Penal
Esta questão não é nova e tem vindo a merecer tratamento jurisprudencial nos Tribunais superiores; os quais sempre pugnaram e acabaram por considerar a norma de acordo com a constituição.
Sem muitas delongas dado que tal questão é perfeitamente pacífica, cumpre citar o Acórdão do Venerando Tribunal da Relação do Porto, datado de 19.11.2008, e cujo Relator é o Exmo. Sr. Desembargador Dr. Ernesto Nascimento (…).
Só pode ser crime o comportamento que viola ou ameaça violar o quadro de valores constitucionalmente consagrados. Em consequência, a definição do crime em sede de direito ordinário deve reportar-se àquele quadro de valores constitucionais sob pena de inconstitucionalidade material. Na previsão o normativa do nº 1 do artigo 170º C Penal o que está em causa, mais do que tudo, é a exploração de uma pessoa por outra, uma espécie de usura ou enriquecimento ilegítimo fundado no comércio do corpo de outrem por parte do agente.
Inculca tal entendimento o facto do apontado tipo legal de crime prescrever que o agente actue "profissionalmente ou com intenção lucrativa (…).
Donde, nada havendo mais a acrescentar quanto ao juízo acerca da não inconstitucionalidade da norma contida no artigo 170°/1 C Penal na versão dada pela Lei 65/98 e a que corresponde hoje o artigo 169°/1 C Penal, na versão dada pela Lei 59/2007, daqui se conclui, da mesma forma, pela sua não inconstitucionalidade.
Assim sendo e sufragando-se o vertido no citado Acórdão e que se acabou de transcrever e dando aqui por reproduzidos os seus argumentos e fundamentos, brevitatis causae, e aderindo aos mesmos, entende-se, assim, não existir qualquer inconstitucionalidade da referida norma (…).
III - FUNDAMENTAÇÃO
1 - Factos Provados:
1) Desde data não concretamente apurada, mas pelo menos desde Julho de 2010, que a arguida B… e o seu marido, o arguido C…, exploram o estabelecimento comercial denominado "D… BAR", sito na Rua …, n." .., na freguesia de …, no concelho de …, na área desta Comarca de Porto Este.
2) A arguida B… e o arguido C…, em colaboração, activa e permanente com o arguido F…, e mais esporádica e menos permanente, com o arguido E…, seus colaboradores, procediam à exploração sexual de mulheres no aludido estabelecimento, pelo menos desde Julho de 2010, com o intuito de obterem para si próprios proveitos económicos, que posteriormente dividiam entre si, de forma não concretamente apurada.
3) Assim, aos arguidos B… e C… cabia a gestão diária de tal estabelecimento, nomeadamente a organização e funcionamento do bar e dos quartos existentes no piso superior, a contratação de mulheres para ali se prostituírem e a gestão do dinheiro entregue pelas várias mulheres que ali se prostituíam a título de "diária" ou hospedagem.
4) Ao arguido F… competia a preparação de bebidas ordenadas pelas várias mulheres, a sua entrega aos clientes e a recepção do dinheiro pago pelos clientes, pelas bebidas, e ao arguido E… competia desempenhar as funções de porteiro, permitindo o acesso dos clientes ao estabelecimento "D… Bar", entregando e recebendo os cartões de consumo.
5) Ora, no referido estabelecimento, o qual se encontrava aberto ao público todos os dias, no período compreendido entre as 1 O horas e as 2 horas, os arguidos B… e C…, com a colaboração dos arguidos F… e E…, desde Julho de 2010 até pelo menos 25 de Maio de 2014, mantinham a presença de diversas mulheres, de diversas nacionalidades, em número não concretamente apurado, as quais se encontravam no interior do estabelecimento, aguardando o convite dos clientes, ou contactando com os clientes que aí se deslocavam diariamente para com elas praticarem relações sexuais, a troco da quantia de, pelo menos, 20,00€ (vinte euros), ou para os mesmos lhes pagarem "copos", os quais dividiam na percentagem de 50% para elas e 50% para os arguidos.
6) Sucede que, de forma a possibilitar a exploração da actividade acima referida, os arguidos B… e C…, organizaram o aludido estabelecimento da seguinte forma:
a. No rés-do-chão do estabelecimento encontrava-se um bar, com balcão, bebidas e mobiliário adequado a receber os clientes, com luzes e equipamento próprios de bar/ discoteca, bem como um varão metálico de "Striptease";
b. No piso superior, de acesso condicionado aos clientes e às mulheres que aí se prostituíam, acesso controlado pelos arguidos, encontravam-se 9 (nove) quartos e casa de banho, destinados a acolher a prática das relações sexuais geradas pelo movimento do estabelecimento, equipados, cada um destes quartos, com o mobiliário adequado a essa actividade, nomeadamente camas e respectivos colchões, sendo que alguns dos quartos possuem duche e equipamento sanitário;
c. O acesso ao piso superior onde se encontravam instalados os quartos realizava-se através de uma porta equipada com uma fechadura electrónica, com código de acesso.
7) As mulheres em actividade em tal estabelecimento, vestiam geralmente roupas curtas e decotadas, e contactavam com os clientes, todos do sexo masculino, na zona do bar, sugerindo-lhes o consumo das bebidas que o estabelecimento tinha para vender, e questionavam ainda os vários clientes sobre o seu interesse a com elas manterem relações sexuais, a troco de dinheiro, no valor mínimo de 20,00€ (vinte euros) e máximo de 40,00€ (quarenta euros).
8) Assim, no interior do referido estabelecimento, eram as próprias mulheres, entre elas, H…, I…, J…, K…, L…, M… e N…, quem questionavam os vários clientes sobre o seu interesse a com elas manterem relações sexuais, a troco de dinheiro.
9) Caso os clientes aceitassem e quisessem manter com elas relações sexuais, tal processava-se da seguinte forma: as idas aos quartos pelos clientes, cujo acesso era feito através de uma porta equipada com código de acesso que a mulher marcava, sendo que a mulher escolhida, subia até ao quarto com o cliente, praticavam as relações sexuais, o cliente entregava o dinheiro por tal acto sexual à mulher e, após, regressavam, pela mesma porta ao bar, onde o cliente recolhia o cartão de consumo.
10) O pagamento das quantias relativas às relações sexuais era efectuado pelos clientes às mulheres com as quais mantinham relações sexuais e se prostituíam em tal estabelecimento, dinheiro esse que era guardado pelas mesmas até ao encerramento diário do estabelecimento, entregando as mesmas, cada uma, diariamente à arguida B… a quantia de 40,00€ (quarenta euros); quantia essa correspondente ao aluguer do quarto e respectiva alimentação, designadamente, pequeno almoço, almoço e jantar.
11) A descrita actividade ocorreu, pelo menos desde Julho de 2010 até 24 de Maio de 2014.
12) No estabelecimento "D… Bar", no período compreendido entre as 9 horas do dia 23 de Maio de 2014 e as 7 horas do dia 24 de Maio de 2014, encontravam-se no seu interior as mulheres O…, P…, Q…, S…, M…, N…, T… e I…, na zona do bar e na zona dos quartos, no piso superior do estabelecimento, L…, U…, K…, J…, V… e H… e, disponíveis para manterem relações sexuais com os clientes que ali se deslocassem, tal como acontecia todos os dias, a troco de uma quantia em dinheiro, no valor mínimo de 20,00€ (vinte euros) e máximo de 40,00€ (quarenta euros).
13) No dia 23 para o dia 24 de Maio de 2014, encontravam-se no interior dos quartos do aludido estabelecimento, no piso superior do mesmo, os clientes W…, X…, Y…, Z… e AB…, na companhia das mulheres prostitutas, respectivamente, J…, L…, U…, K… e V…, após terem pago quantias monetárias, às referidas mulheres, que consigo estavam para manterem relações sexuais com os mesmos.
14) No período referido em 12) e 13), encontravam-se no referido estabelecimento, na posse e na disponibilidade dos arguidos e das mulheres que ali se prostituíam, entre o mais, os seguintes objectos, com vista a serem usados na actividade da prostituição:
No Balcão do bar:
- Um cartão com a inscrição "D… Bar", com a referência …., com as inscrições: "AC…" contendo treze rúbricas, sendo perceptível o nome "AD…" e o número "..";
- Metade de uma folha A4, com os nomes "AE…, AF…, AC…, AG…, AH…, AI…, AJ…, AK…, AL…, AM…, AN…, AO…, AP… e AQ…", mulheres que se encontravam no dia no interior do estabelecimento;
- Metade de uma folha A4, com as inscrições "AO…" e o número ".." rasurado e "AL…", seguida do número ".." rasurado.
Junto à caixa registadora:
- Diversos papeis manuscritos com as inscrições "30€ W…", entre outras;
- três maços de cartões de acesso/consumo com a referência "D… Bar", numerados de …. a …., …. a …. e …. a …..
No computador que se encontrava no escritório, encontravam-se digitalizados diversos documentos referentes a bilhetes de identidade, passaportes e títulos de residência referentes às cidadãs: AR…, AS…, AT…, AU…, AV… e AW….
No quarto n." 2:
- Duzentos e catorze preservativos de marca "AX…";
- Uma bisnaga de creme vaginal marca "AY…";
- Uma embalagem de gel lubrificante de marca "AZ…";
- Uma embalagem de toalhitas de marca "BA…";
- Trezentos e trinta euros na carteira de J….
No quarto n." 3:
- Vinte e sete preservativos;
- uma embalagem de toalhitas de marca "BB…".
N o quarto n. ° 4:
- Cento e setenta e nove preservativos;
- Uma embalagem de gel da marca "BC…";
- Trinta euros na carteira de U….
No quarto n." 5:
- Cento e cinquenta e sete preservativos;
- Seis preservativos femininos;
- Quarenta euros, na carteira de K… e Vinte euros, na carteira de Q….
No quarto n." 6:
- Cento e dezoito preservativos;
- Um preservativo feminino;
- Quatrocentos e oitenta euros, juntamente com um recibo de transferência da "BD…" com o nome M….
15) Os arguidos B… e C… fizeram da exploração do "D… Bar", a funcionar nos moldes supra referidos, o seu modo de vida, gerindo a actividade em moldes empresariais, como se de vulgar actividade comercial se tratasse, encarando as mulheres que aí comercializam relações sexuais como prestadoras de um serviço, consistente na cedência do próprio corpo para trato sexual e os clientes que as procuravam e com elas se relacionavam sexualmente como meros consumidores desse serviço.
16) Os arguidos B… e C…, exploravam o referido bar, mediante a disponibilização e manutenção de um estabelecimento, o qual tinha todas as condições necessárias para a prática da prostituição.
17) Os arguidos E… e F… estiveram sempre cientes da actividade que no estabelecimento foi implementada pelos arguidos B… e C…, e eram seus colaboradores, bem sabendo estar vedado por lei o exercício de tal actividade; apesar de tal, não se coibiram de dar a sua colaboração a troco de remuneração, não concretamente apurada, assim fomentando e facilitando aqueles o desenvolvimento da referida actividade.
18) Os arguidos persistiram na mesma senda criminosa, a viver à custa da exploração do ganho das prostitutas, situação que apenas cessou com a intervenção dos inspectores da Polícia Judiciária no dia referido em 12).
19) Agiram todos os arguidos sempre de foram livre, voluntária e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei, não se abstendo porém de assim actuar.
Mais se provou:
20) O arguido F…, para efeitos fiscais e de Segurança Social, tinha a categoria profissional de empregado de balcão, em regime de contrato a tempo parcial, auferindo um salário pela prestação do seu trabalho, e arguida B… procedia aos descontos para efeitos de IRS, assim como efectuava os pagamentos das contribuições e cotizações à Segurança social do mesmo.
21) A arguida B…:
a) é comerciante e continua a explorar o "Bar D…", auferindo um vencimento mensal de €1.000,00;
b) é casada com o arguido C… que trabalha no BE…, onde aufere o vencimento mensal de cerca de €700,00;
c) têm dois filhos menores, com 6 e 17 anos de idade;
d)habitam em casa própria;
e)tem o 8° ano de escolaridade;
f)o teor do relatório social elaborado à arguida e constante de fls. 1491 a 1496 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
g) do seu CRC constam os seguintes antecedentes criminais:
- no processo comum com o n° 704/03.6TAEVR do 1° Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Évora, por sentença de 26.11.2009, transitada em julgado, pela prática de um crime de lenocínio, p. e p. pelo art. 169°, nºl do Código Penal, na pena de 2 anos de prisão, suspensa na sua execução com regime de prova, a qual já foi declarada extinta pelo cumprimento.
22) O arguido C…:
a) trabalha no BE…, onde aufere o vencimento mensal de cerca de €700,00;
b) é casado com a arguida B…, a qual é comerciante e continua a explorar o "Bar D…", auferindo um vencimento mensal de €1.000,00;
c) têm dois filhos menores, com 6 e 17 anos de idade;
d) habitam em casa própria;
e) tem o 12° ano de escolaridade;
f)o teor do relatório social elaborado ao arguido e constante de fls. 1499 a 1504 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido
f) do seu CRC constam os seguintes antecedentes criminais:
- no processo comum com o n° 704/03.6TAEVR do 1° Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Évora, por sentença de 26.11.2009, transitada em julgado, pela prática de um crime de lenocínio, p. e p. pelo art. 169°, nºl do Código Penal, na pena de 2 anos de prisão, suspensa na sua execução com regime de prova, a qual já foi declarada extinta pelo cumprimento.
23) O arguido E…:
a) é serralheiro, auferindo um vencimento mensal de €550,00;
b) é solteiro, não tem filhos e vive com os seus pais, contribuindo com a quantia mensal de cerca de €100,00 para as despesas da casa;
c) habita em casa própria dos pais;
d) tem o 9° ano de escolaridade;
e) o teor do relatório social elaborado ao arguido e constante de fls. 1508 a 1511 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido
f) do seu CRC não constam antecedentes criminais;
24) O arguido F…:
a) actualmente encontra-se desempregado, e sem receber qualquer subsídio, uma vez que o subsídio de desemprego acabou em Janeiro;
bé casado e esposa também se encontra desempregada;
cvivem com a ajuda dos sogros, os quais têm uma empresa de construção;
d) do agregado familiar do casal, fazem parte um filho do arguido de um anterior relacionamento, dois filhos de um anterior relacionamento da sua esposa e ainda um filho comum do casal;
e) habitam numa casa arrendada, e pela qual pagam uma renda mensal de cerca de €185,00;
f) tem o 6° ano de escolaridade;
g) o teor do relatório social elaborado à arguida e constante de fls. 1514 a 1518 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido
h) do seu CRC constam os seguintes antecedentes criminais:
- no processo comum com o n° 75/03.0GBBAO, do Tribunal Judicial de Baião, por sentença de 17.05.2007, transitada em julgado, pela prática de um crime de lenocínio, p. e p. pelo art. 170° do Código Penal, na pena de 18 meses de prisão suspensa por 2 anos, a qual já foi declarada extinta.
2- Factos não Provados:
Não se provou:
1) Que os arguidos tivessem actuado em conjugação de esforços e que tivessem delineado entre si um plano, com vista ao referido no item 2) dos factos dados como provados.
2) Que os arguidos tivessem a gestão do dinheiro recebido dos clientes pelas prostitutas.
3) Que nos cartões de consumo fossem registados os serviços sexuais prestados pelas mulheres que se prostituíam no interior dos vários quartos existentes no estabelecimento.
4) Que o acesso referido no item 6), ponto c) fosse controlado pelos arguidos que diariamente se encontravam no "D… Bar" e que a aí referida fechadura electrónica estivesse equipada com leitor de impressão digital.
5) Que para execução da actividade de exploração sexual, as mulheres em actividade em tal estabelecimento eram contratadas directamente pelos arguidos B… e C…, que lhes exigiam que se vestissem com roupas muito curtas e decotadas;
6) Que o controlo de cada acto sexual com os clientes e respectivas idas aos quartos, cujo acesso era feito através de uma porta equipada com código de acesso que a mulher marcava, fosse efectuado pelos arguidos.
7) Que posteriormente os arguidos B… e C… procediam à distribuição de tais quantias por todos os arguidos, de acordo com os critérios por si estabelecidos.
8) Que todos os arguidos tivessem agido em comum acordo, na execução de um plano que previamente arquitectaram;
9) Que tivessem ainda todos os arguidos, agido em comunhão de esforços e intentos, com o propósito concretizado de obterem lucro, partilhando os respectivos rendimentos, mediante a definição do valor que as ofendidas deveriam cobrar por cada acto sexual e, ainda, da retenção dos valores arrecadados para si próprios.
10) Que os arguidos B… e C… desconhecessem que as pessoas que se hospedavam no Espaço "D…" vendiam o corpo para actos sexuais e que a cedência do corpo para actos sexuais de relevo das pessoas que ali se hospedavam fosse externa e indiferente aos arguidos, os quais se limitavam a proporcionar um espaço de características multifacetadas e virado para os tempos actuais.
11) Que o estabelecimento "Bar D…" nunca tenha fornecido serviços sexuais ou actos sexuais de relevo a ninguém, e que o mesmo não viva, nem alguma vez tenha vivido alguma vez de serviços sexuais que eventualmente sejam prestados por quem quer que seja, que ali se deslocasse ou ali permanecesse hospedado;
12) Que o arguido E… não tivesse qualquer função no referido bar e que no dia da fiscalização, e como terá acontecido por duas ou três ocasiões, e a pedido da arguida B… e a título de favor, apenas estivesse à porta esporadicamente a entregar os referidos cartões de consumo.
13) quaisquer outros factos com relevância para a decisão da causa articulados na acusação pública, contestações ou alegados em audiência de discussão e julgamento que não se encontrem descritos como provados ou que se mostrem em oposição aos provados ou prejudicados por estes.
3- Convicção do Tribunal:
A convicção do tribunal, no que concerne aos factos dados como provados e não provados, baseou-se, fundamentalmente:
- nas declarações da arguida B…, a qual começou por referir que explora, quer o bar, quer a hospedaria, esclarecendo que as pessoas que lá ficam hospedadas pagam €20,00 por dia pelo aluguer do quarto, com direito a pequeno almoço, e mais €20,00, caso pretendam ter pequeno almoço e jantar. Confirmou como se processa a exploração do bar, e que o mesmo está aberto das 10h30m às 2 horas da madrugada, e que a mesma desempenha no mesmo as funções de servir ao balcão e de cozinha, onde é ajudada pelo marido e onde, à altura trabalhava o F…, que era seu empregado e servia ao balcão; referindo que o arguido E… era apenas um cliente, e que se foi tornando amigo, e que de vez em quando, lhe pedia para ficar na porta a entregar cartões. Mais explicou que o consumo mínimo era de €1,SO. Explicou que, quando alguém lá se hospedava era-lhe dado um cartão que permitia o acesso à zona dos quartos, onde afirmou saber que algumas das clientes e meninas que lá se hospedavam praticavam a prostituição, confirmando que no referido estabelecimento de bar se praticava o chamado "alterne", e a divisão do lucro das bebidas era de 50/50, e para isso existia um cartão próprio. Mais referiu que só ganhava o lucro das bebidas e o dinheiro pelo aluguer dos quartos, e que o referido estabelecimento paga impostos e tem alvará de funcionamento e licenciamento. Prestou ainda declarações que se revelaram credíveis, quanto à sua situação pessoal e económica, as quais foram confirmadas pelo relatório social elaborado e constante de fls. 1491 a 1496.
- nas declarações do arguido C…, o qual se limitou a confirmar que colabora e ajuda a sua esposa e arguida B… na exploração dos referidos estabelecimentos, onde costuma ir praticamente todos os dias. Prestou ainda declarações que se revelaram credíveis, quanto à sua situação pessoal e económica, as quais foram confirmadas pelo relatório social elaborado e constante de fls. 1499 a 1504.
Os arguidos E… e F…, num direito que lhes assiste optaram por não prestar declarações quantos aos factos imputados, tendo, contudo, ambos prestado declarações que se revelaram credíveis, quanto à sua situação pessoal e económica, as quais foram confirmadas pelos relatórios sociais elaborados e constantes, respectivamente, de fls. 1508 a 1511 e 1514 a 1518.
Foram ainda relevantes os depoimentos das testemunhas de acusação, constantes das declarações para memória futura, que foram reproduzidos e sede de julgamento:
- L…, de nacionalidade brasileira, a qual de uma forma credível, relatou, no essencial, e no que se se afigura de relevante, que esteve no referido bar/hospedaria por duas ocasiões, confirmando que alugou o quarto à arguida B…, e que o arguido C… era o marido da mesma e ajudava, sendo o arguido F… empregado no bar e o arguido E… era o porteiro. Admitiu saber que o referido espaço estava conotado com a prática de sexo, acabando por admitir que também lá se dedicou à prática de "massagens" e cobrava no mínimo €40,00, dinheiro que era para ela. Confirmou igualmente que aceitava que lhe pagassem copos e que esse dinheiro era dividido com os donos do bar.
- V…, de nacionalidade brasileira, a qual explicou como foi trabalhar para o referido bar, através de uma amiga, confirmando que no mesmo praticava o "alterne", e que tomava bebidas e que nessa parte ganhava 50/50, confirmando ainda que o arguido Armindo era lá empregado do bar e o arguido E… ficava à porta com os cartões, e que a B… e o C… eram os donos do bar. Mais referiu que alugou o quarto, onde confirmou que praticava a prostituição, mas o dinheiro que ganhava com isso era para ela, e desse valor nada dava à proprietária B…, apenas lhe pagando o aluguer do quarto, que era de € 20,00. Referiu que não foi posta como condição para o aluguer do quarto a prática da prostituição.
- S…, também de nacionalidade brasileira, a qual afirmou que foi para o referido bar com duas amigas, a K… e a AI…, confirmando que vieram todas para o mesmo para a prática do "alterne", sendo que os "copos" pagos pelos clientes no bar, dividiam o lucro 50/50. Mais referiu que alugou o quarto à B…, pelo qual lhe pagava a quantia de €40,00 por dia. Confirmou que quando alugou o quarto não lhe disseram ou impuseram como condição para o aluguer do mesmo a prática de actos sexuais ou da prostituição, afirmando que o que ela fazia no quarto com os clientes, e o que ganhava nessa actividade era para ela, e que a B… nada recebia à conta disso. Confirmou que a B… sabia o que se fazia nos quartos e que lá se praticavam actos de prostituição. Referiu que o arguido F… trabalhava no bar.
De referir que o depoimento das testemunhas I… e P…, foi essencialmente coincidente com o depoimento desta última testemunha.
Com efeito, o tribunal ficou convicto, não só do depoimento destas testemunhas, como das restantes, nomeadamente, das testemunhas J…, K…, O…, Q…, U…, que o referido Espaço funcionava como bar e por cima como hospedaria; sendo que, era conotado como sendo um bar de alterne, em que não só os clientes eram abordados pelas "meninas" que no momento lá se encontrassem para conversarem e "pagarem copos", e nesta actividade, o lucro com as bebidas que os clientes bebessem era dividido a meio (50/50), e onde eram também abordados pelas mesmas "meninas" para a prática de actos sexuais, ou seja, para terem com elas relações sexuais, a troco de dinheiro, os quais tinham lugar nos quartos que os arguidos B… e C… alugavam às referidas "meninas", com a colaboração dos outros dois arguidos, sendo que o arguido F… trabalhava no bar e era também responsável pelos assuntos do mesmo, ou pelo arguido E…, o qual era o porteiro e entregava cartões. Com efeito, o Tribunal ficou convicto de que de facto, as mulheres que lá praticavam a prostituição e a quem era alugados os quartos, e pelos actos que elas praticavam com os clientes nos mesmos, o dinheiro que ganhavam com tal actividade ficava para elas; sendo que as mesmas tinham apenas que pagar o aluguer dos quartos, o qual ascendia à quantia normalmente, de €40,00. Cumpre ainda referir que as mulheres que lá ficavam hospedadas tinham um cartão que lhes permitia aceder aos quartos, através de uma porta comum, a qual funcionava por código ou pela passagem de cartão.
Tudo isto foi confirmado pelos clientes e frequentadores do referido espaço, os quais foram sendo inquiridos ao longo das várias sessões de julgamento, e que de facto confirmaram o modo de funcionamento do referido bar, o qual consideravam e era conhecido, como sendo um "bar de alterne" e como eram abordados pelas mulheres que se encontravam no local, e muitos dos quais confirmaram que tiveram relações sexuais com as mesmas, a troco de dinheiro, e que lhes pagavam "copos", bem como tudo se processava, descrevendo o "modus operandi" ¬deslocavam-se ao referido bar, onde eram abordados pelas referidas mulheres que com eles conversavam, e lhes pediam para pagar copos, e/ou também lhes propunham a prática de relações sexuais a troco de um preço que previamente acordavam, que geralmente era de €20,00 por cada 20 minutos, ou €30,00 por cada 30 minutos. Os frequentadores e clientes do referido espaço também foram unânimes em confirmar que a proprietária do espaço era a arguida B… e o marido, e que os arguidos F… trabalhava no bar e o arguido E… como porteiro.
Nesse sentido foram os depoimentos das testemunhas BF…, BG…, BH…, BI…, BJ…, X…, BK…, Y…, BL…, BM…, BN…, BO…, BP…, BQ…, BR…, BS…., BT… e BU…. Não se pode olvidar que, alguns deles foram "apanhados" em plenos actos sexuais ou em vias disso, aquando da fiscalização efectuada pela PJ.
No que concerne às testemunhas de defesa apresentadas pelos arguidos B… e C…:
- BV… e BW…, vizinhas dos arguidos, mais concretamente do estabelecimento em causa, vieram afirmar, contra toda a restante prova produzida, e de uma forma que nada se afigurou consentânea com a realidade, de que o referido bar era um "Bar normal", onde as pessoas se iam divertir e nada mais. O mesmo se diga das testemunhas BX… e BY…, amigos dos arguidos, os quais também afirmaram, na sequência do depoimento das testemunhas anteriores que o Bar dos arguidos B… e C… era um bar normal - mutatis mutandi diz-se o mesmo relativamente as estas testemunhas, ou seja, seguramente deveriam estar a falar de outro bar que não o "D…", pois se deste se tratasse, então, os seus depoimentos, e conforme já se referiu foi totalmente contraditório com toda a restante prova produzida e carreada para os autos.
Foi ainda relevante para a formação da convicção do tribunal, a certidão de fls. 3 a 52, informação da CM. de … de fls. 75, documentos de fls. 86 a 89, 232, 233, 240, 297, 570 a 573, informação de fls. 120, Relatos de diligências externas da Polícia e fotos de fls. 132 a 134, 136, 137 a 138, 139 a 143, 151 a 155, 156 a 159, 160 a 161, 162 a 163, 1063 a 1064, 1065 a 1066, 1067 a 1068, 1069 a 1700, informação do SEF de fls. 145 a 150 e 556 e 567, informação da PJ de fls. 164 e 165, Autos de busca e apreensão de fls. 213 a 215,216 a 219, e 564 a 565, reportagem fotográfica de fls. 445 a 492, depósito de fls. 559, 560 e 561, auto de exame directo de fls. 578 a 580, relatório final da PJ de fls. 873 a 891, relatório de operação de fiscalização do SEF de fls. 1000 a 1015 e respectivos documentos, certidões de fls. 1292 a 1298 e 1317 a 1387, documentos fiscais de fls. 1612 a 1649, o CRC da arguida B… de fls. 947 a 949, e respectivo relatório social constante de fls. 1491 a 1496, o CRC arguido C… junto a fls. 950 a 952, e respectivo relatório social de fls. 1499 a 1504, o CRC do arguido E… de fls. 953 e respectivo relatório social de fls. 1508 a 1511, e o CRC do arguido F…, junto de fls. 954 a 956 e respectivo relatório social, junto de fls. 1514 a 1518.
IV - ASPECTO JURÍDICO DA CAUSA
A) Enquadramento jurídico-penal dos factos
Vêm os arguidos acusados da prática, em co-autoria material e na forma continuada de um crime de Lenocínio, p. e p. pelos arts. 30°, n02 e 169°, nº l ambos do Código Penal.
Estabelece-se no artigo 169°, do Código Penal:
"1 – Quem, profissionalmente ou com intenção lucrativa, fomentar, favorecer ou facilitar o exercício por outra pessoa de prostituição é punido com pena de prisão de seis meses a cinco anos. 2 - Se o agente cometer o crime previsto no número anterior:
a)Por meio de violência ou ameaça grave;
b)Através de ardil ou manobra fraudulenta;
c) Com abuso de autoridade resultante de uma relação familiar, de tutela ou curatela; ou de dependência hierárquica) económica ou de trabalho; ou
d) Aproveitando-se de incapacidade psíquica ou de situação de especial vulnerabilidade da vítima; é punido com pena de prisão de um a oito anos."
São, pois, elementos constitutivos deste crime na sua forma simples: que o agente fomente, favoreça ou facilite o exercício por outra pessoa de prostituição e pratique tais condutas profissionalmente ou com intenção lucrativa (tipo objectivo).
Acrescenta Paulo Pinto de Albuquerque que "o fomento, o favorecimento e a facilitação da prostituição são condutas com o mesmo conteúdo ilícito: a colaboração, o estímulo, o auxilio dado por que meio for à prática da prostituição (. . .) a colaboração pode constar de uma acção) de uma omissão ou de uma tolerância de uma actividade". (Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal, 3a Edição, UCP Editora, pg. 672.).
Acrescenta, mais à frente este citado autor o seguinte: "o crime de lenocínio simples é um crime de execução livre pois a colaboração do agente pode ser realizada por qualquer modo. Contudo, o agente deve actuar profissionalmente (isto é, esta deve ser a actividade habitual do agente embora possa não ser a única, constituindo o seu o modo de vida) ou mesmo através de uma acção pontual ou esporádica distinta do seu modo de vida) desde que com intenção lucrativa. O tipo não exige) pois) a concretização de um lucro efectivo para o agente. " (Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal, 3a Edição, UCP Editora, pg. 673).
Quanto ao tipo subjectivo, exige-se a prática a título de dolo, consubstanciado no conhecimento e vontade de praticar o facto, abarcando todos os elementos do tipo objectivo.
Ora, no caso Sub Iudice, dúvidas não restam que, atenta a matéria de facto dada como provada os arguidos B… e C…, e o arguido F… e o arguido E…, praticaram o referido crime, já que, a arguida B… explorava de facto o referido bar, onde existiam prostitutas e que se prostituíam (sendo esse o chamariz do aludido Bar e por qual era conotado nas redondezas), bem como explorava a "pensão" por cima do mesmo, que mais não era e por muitos nomes que se lhe queira dar (inclusive, chegou-se a defender que tal seria um "hostel"), o local onde os actos sexuais com as prostitutas eram consumados, e relativamente a tais quartos as referidas prostitutas pagavam uma quantia de €40,00 por mês a qual entregavam aos arguidos - ou seja, a arguida B… explorava não só o bar como a referida pensão de uma forma lucrativa e profissional, fazendo o seu modo de vida (não lhe é conhecida uma outra qualquer actividade profissional) e favorecia a prática da prostituição. No que concerne ao arguido C…, marido da arguida B…, o mesmo além de a ajudar e apesar de ter outra actividade, também beneficiava da actividade da esposa e tinha uma ajuda directa, não só á esposa, como à actividade desenvolvida pela mesma. No que concerne ao arguido F…, o mesmo era o "responsável" pelo referido bar na ausência dos arguidos B… e C…, assumindo a qualidade de gerente do mesmo e na ausência dos arguidos, além de que ali trabalhava, e como tal, também beneficiava e lucrava com, a actividade desenvolvida no referido bar. No que respeita ao arguido E…, o mesmo também prestava colaboração no referido bar, assumindo a qualidade de porteiro, ou seja, ali também trabalhava, e como tal, também beneficiava e lucrava com, a actividade desenvolvida no referido bar - a sua actuação era mais de cúmplice (…).
Entende-se estar perante a prática pelos arguidos de um único crime, uma vez que se entende que existiu uma única resolução criminosa que se prolongou e foi sendo executada ao longo do tempo (…).
No n." 1 do artigo 169.° não se tutela, após as reformas de 1998 e 2007, a liberdade sexual de alguém - único fundamento para a punição dos crimes contra a liberdade sexual, onde apenas deve estar em causa a liberdade e a autodeterminação de uma pessoa concreta e não qualquer opção moral sobre a vida sexual que cada um quer ter - nomeadamente de quem pratica a prostituição.
O que é tutelado no n." 1 do citado preceito, como bem jurídico, é uma determinada concepção de vida que não se compadece com a aceitação do exercício profissional ou com intenção lucrativa do fomento, favorecimento ou facilitação da prostituição.
A reforma de 2007 retirou do n." 1 do tipo a referência à prática de actos sexuais de relevo, sendo, por isso, mais claro que é apenas a facilitação à prostituição como actividade que é objecto de censura penal.
A alteração introduzida em 2007 parece reforçar a opinião de que é a prostituição o alvo único do tipo de crime, não sendo, por isso, muito nítida a natureza do bem jurídico que se pretende proteger, nomeadamente no seu n." 1.
De acordo com a actual redacção do preceito tal crime existe ainda que aquele que pratica a prostituição o faça livremente, sem quaisquer constrangimentos.
Se a prostituta ou o prostituto, de maior idade e no perfeito estado das suas faculdades, pretende exercer a prostituição, o favorecimento que outro fizer dessa actividade, com intuito lucrativo, não tem a ver com a sua liberdade de determinação sexual.
Daí que a actual redacção do artigo 169.°, n." 1 do Código Penal, ao delimitar o tipo, recortando-o apenas em função da acção de fomentar, favorecer ou facilitar o exercício da prostituição, com intenção lucrativa, eliminando a exigência da exploração de uma situação de abandono ou de necessidade económica, assim como a referência à prática de actos sexuais de relevo, não esteja a querer punir a ingerência na formação da vontade de quem se prostitui mas apenas o aproveitamento que alguém faz de uma prática que, apesar de não ser punida criminalmente, não é reconhecida como plenamente lícita.
Ao punir todo e qualquer aproveitamento do lucro obtido à custa da prostituição de outros, o legislador pune essencialmente uma actividade, uma profissão e não uma corrupção da vontade livre.
A diferença específica entre o lenocínio simples (artigo 169.°, n. ° 1) e o lenocínio agravado (artigo 169.°, n." 2) radica na natureza do relacionamento entre quem explora e quem se prostituiu, isto é, na existência ou não da corrupção da livre determinação sexual: havendo livre determinação sexual de quem se prostitui, o lenocínio é simples; não havendo essa liberdade, o lenocínio é agravado.
No caso dos autos, provou-se que o arguido A ( ... ) e a sua companheira B ( ... ), desde, pelo menos, o mês de Julho de 2009, formularam e concretizaram o propósito de, actuando de comum acordo e em conjugação de esforços, se aproveitarem do ganho de mulheres que se dedicavam à prostituição através da exploração do estabelecimento comercial denominado « X ( ... )>>, sito na Rua ( ... ), n." ( ... ), em ( ... ), comarca de Alcanena, fazendo-o independentemente do número de mulheres que ali exercessem essa actividade e do tempo em que durasse essa exploração. (Mutatis Mutandi no nosso caso aqui em apreço).
Nesta situação, em que actuam os mesmos arguidos, de comum acordo e em conjugação de esforços, em execução de um único plano previamente delineado, embora haja posteriormente uma execução plúrima de actos no desenvolvimento do desígnio formulado, temos por adquirida uma sequência temporal unitária e a realização de uma mesma conduta, podendo, perante tal quadro, afirmar-se uma continuidade de acção pois que os actos se encadearam numa sequência lógica e sem qualquer hiato temporal. (…).
Assim sendo e concluindo, e na esteira do vertido no citado Acórdão, e nos demais elementos citados, dúvidas não restaram ao tribunal que todos os arguidos, e atenta a matéria de facto dada como provada, cometeram os elementos objectivos e subjectivos do ilícito pelo qual vinham acusados.
B) Consequências Jurídicas do Crime
Qualificados os factos, segue-se a escolha da pena a aplicar aos arguidos, bem como a determinação da sua medida concreta.
De acordo com o art. 169°, nºl do Cód. Penal, o crime de lenocínio é punido com pena de prisão de 6 meses a 5 anos.
O art. 70° do Código Penal estabelece que (se ao crime forem aplicáveis) em alternativa) pena privativa e pena não privativa de liberdade) o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
Segundo o art. 71° n° 1 do Código Penal a determinação da pena far-se-á em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.
A culpa reflecte a vertente pessoal do crime, assegurando que a pena não irá violar a dignidade da pessoa do arguido.
As exigências de prevenção na determinação da pena reflectem-se em dois domínios:
- no domínio da sociedade, visando restabelecer nela a confiança na norma violada e a sua vigência (prevenção geral positiva);
- no domínio pessoal do agente, tentando a sua reintegração e o respeito pelas normas jurídicas (prevenção especial positiva).
Estabelece o art. 40° do Código Penal que "a aplicação de penas e medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e reintegração do agente na sociedade". O n° 2 do mesmo artigo estabelece que "em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa".
Estes vectores da medida da pena são concretizados pelos factores de determinação da medida concreta da pena que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele. Alguns desses factores são elencados no art. 71° n° 2 do Código Penal, a título exemplificativo.
Sendo assim, na determinação da medida concreta da pena valorar-se-ão o grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste, a gravidade das suas consequências, a intensidade dolosa do agente, as suas condições pessoais, a sua conduta anterior e posterior ao facto, as exigências de prevenção e todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor do agente ou contra ele, tendo em conta as exigências de futuros crimes.
Tecidas estas considerações gerais, vejamos agora, na prática, a determinação da medida concreta da pena a aplicar a cada um dos arguidos.
Arguida B…:
No caso dos autos e relativamente à arguida B…, o grau de ilicitude afigura-se-nos ser bastante elevado, já que, estamos em crer que a mesma era a principal responsável pelo referido espaço, o qual, conforme já se avançou facilitava os actos de prostituição, e dos quais a arguida, ainda que paralelamente, retirava proventos económicos.
Actuou igualmente com dolo directo e com perfeita consciência da ilicitude da sua conduta.
A isto acresce que a mesma, tem antecedentes criminais, e já foi condenada anteriormente numa pena de prisão e pela prática de igual ilícito, ainda que no ano de 2009.
Foi ponderado o vertido no relatório social elaborado à mesma, bem como foi ponderada a situação económica e social da arguida.
Assim, e pelo exposto e o acima vertido, julga-se proporcional e adequado, condenar a arguida B…, pela prática do crime de lenocínio na pena 2 anos e 9 meses de prisão.
No entanto, dispõe o art. 50° do Código Penal, que "o tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 5 anos se) atendendo à personalidade do agente) às condições da sua vida) à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste) concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição".
Também de acordo com o art. 52°, nºl do Código Penal, o tribunal pode impor ao condenado o cumprimento, pelo tempo da duração da suspensão, de regras de conduta destinadas a facilitar a sua reintegração na sociedade, dando como exemplos, não frequentar certos meios ou lugares, não residir em certos lugares. Como referem Simas Santos e Leal Henriques, "este artigo limita-se a enumerar exemplificativamente as regras de conduta (os deveres negativos) destinas a assegurar a readaptação social do condenado (. .. )" (Código Penal Anotado, VoI. I, pg. 468).
Ainda de acordo com o artigo 51°, nºl do Cód. Penal, a suspensão da execução da pena pode ser subordinada ao cumprimento de deveres impostos ao condenado e destinados a reparar o mal do crime, nomeadamente:
a) pagar dentro de certo prazo, no todo ou em parte que o tribunal considerar possível, a indemnização devida ao lesado, ou garantir o seu pagamento por meio de caução idónea;
b)dar ao lesado satisfação moral adequada;
c)entregar a instituições, públicas ou privadas, de solidariedade social ou ao Estado, uma contribuição monetária ou prestação de valor equivalente.
Ora, no caso dos autos, pese embora a gravidade dos factos; o facto é que a arguida se encontra minimamente inserida socialmente, sendo que, apesar da condenação anterior não ter atingido o efeito dissuasor pretendido; certo é que se afigura desproporcional, atendendo ao espírito ressocializador do nosso Código Penal, quer a privação temporária da liberdade, quer uma suspensão da execução da pena por si só.
Assim, conclui, este Tribunal ser suficiente para assegurar as finalidades da punição, a simples ameaça da prisão; mas, atendendo às circunstâncias concretas do presente caso, entende-se ser razoável sujeitar a arguida, durante o período de suspensão que vai ser estipulado, a determinadas regras de conduta e regime de prova, no sentido de a afastar deste tipo de criminalidade e de a demover da continuação desta actividade ilícita de exploração de outros seres humanos.
Assim sendo, e em conformidade, suspendo a execução da pena única de prisão de 2 anos e 9 meses, por igual período, mediante as seguintes regras de conduta:
- de a arguida se submeter a regime de prova assente num plano individual de reeducação para o direito, assente na consciencialização e interiorização, por parte da arguida, da ilicitude da sua conduta e no sentido do respeito pelos outros seres humanos, a elaborar e executar sob vigilância da D.G.R.S., que deverá dar conhecimento trimestral ao Tribunal relativamente à forma de execução do plano e adesão ao mesmo pela arguida, bem como assente ainda no dever de não alojar no estabelecimento "D…" pessoas conotadas com a prática da prostituição, e ainda no dever de proceder à entrega, no prazo de 2 anos da quantia de €2.000,00 a uma Instituição Particular de Solidariedade Social que se dedique à protecção e apoio de mulheres vítimas de violência e a indicar igualmente pela DGRS, tudo nos termos dos arts. 50°, n'T, 2 e 5 e 52°, nºs, 2 e 3 do Código Penal.
Arguido C…:
No caso dos autos e relativamente ao arguido C… o grau de ilicitude afigura-se nos ser também bastante elevado, já que, o mesmo auxiliava de forma directa a actividade da sua esposa e aqui arguida B…, sendo igualmente o responsável, paralelamente com a mesma, pelo referido espaço o qual, conforme já se avançou facilitava os actos de prostituição, e dos quais o arguido, ainda que paralelamente, retirava proventos económicos.
Actuou igualmente com dolo directo e com perfeita consciência da ilicitude da sua conduta.
A isto acresce que o mesmo, tem antecedentes criminais, e já foi condenado anteriormente numa pena de prisão e pela prática de igual ilícito, ainda que no ano de 2009.
Foi ponderado o vertido no relatório social elaborado ao mesmo, bem como foi ponderada a situação económica e social do arguido.
Assim, e pelo exposto e o acima vertido, julga-se proporcional e adequado, condenar o arguido B…, pela prática do crime de lenocínio na pena 2 anos e 9 meses de prisão.
No entanto, dispõe o art. 50° do Código Penal, que "o tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 5 anos se) atendendo à personalidade do agente) às condições da sua vida) à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste) concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição Também de acordo com o art. 52°, nºl do Código Penal, o tribunal pode impor ao condenado o cumprimento, pelo tempo da duração da suspensão, de regras de conduta destinadas a facilitar a sua reintegração na sociedade, dando como exemplos, não frequentar certos meios ou lugares, não residir em certos lugares. Como referem Simas Santos e Leal Henriques, "este artigo limita-se a enumerar exemplificativamente as regras de conduta (os deveres negativos) destinas a assegurar a readaptação social do condenado (. .. )" (Código Penal Anotado, VoI. I, pg. 468).
Ainda de acordo com o artigo 51°, nº 1 do Cód. Penal, a suspensão da execução da pena pode ser subordinada ao cumprimento de deveres impostos ao condenado e destinados a reparar o mal do crime, nomeadamente:
a) pagar dentro de certo prazo, no todo ou em parte que o tribunal considerar possível, a indemnização devida ao lesado, ou garantir o seu pagamento por meio de caução idónea;
b)dar ao lesado satisfação moral adequada;
c)entregar a instituições, públicas ou privadas, de solidariedade social ou ao Estado, uma contribuição monetária ou prestação de valor equivalente.
Ora, no caso dos autos, pese embora a gravidade dos factos; o facto é que a arguida se encontra minimamente inserida socialmente, sendo que, apesar da condenação anterior não ter atingido o efeito dissuasor pretendido; certo é que se afigura desproporcional, atendendo ao espírito ressocializador do nosso Código Penal, quer a privação temporária da liberdade, quer uma suspensão da execução da pena por si só.
Assim, conclui, este Tribunal ser suficiente para assegurar as finalidades da punição, a simples ameaça da prisão; mas, atendendo às circunstâncias concretas do presente caso, entende-se ser razoável sujeitar o arguido, durante o período de suspensão que vai ser estipulado, a determinadas regras de conduta e regime de prova, no sentido de a afastar deste tipo de criminalidade e de o demover da continuação desta actividade ilícita de exploração de outros seres humanos.
Assim sendo, e em conformidade, suspendo a execução da pena única de prisão de 2 anos e 9 meses, por igual período, mediante as seguintes regras de conduta:
1) de o arguido se submeter a regime de prova assente num plano individual de reeducação para o direito, assente na consciencialização e interiorização, por parte do arguido, da ilicitude da sua conduta e no sentido do respeito pelos outros seres humanos, a elaborar e executar sob vigilância da D.G.R.S., que deverá dar conhecimento trimestral ao Tribunal relativamente à forma de execução do plano e adesão ao mesmo pelo arguido, bem como assente ainda no dever de não alojar no estabelecimento "D…" pessoas conotadas com a prática da prostituição, e ainda no dever de proceder à entrega, no prazo de 2 anos da quantia de €2.000,00 a uma Instituição Particular de Solidariedade Social que se dedique à protecção e apoio de mulheres vítimas de violência e a indicar igualmente pela DGRS, tudo nos termos dos arts. 50°, nº, 2 e 5 e 52°, nº1l, 2 e 3 do Código Penal.
Arguido E…:
No caso dos autos e relativamente ao arguido E…, o grau participação nos factos é diferente, dado que o mesmo apenas assumiu o papel de mero cúmplice, e como tal a ilicitude da sua conduta é necessariamente diminuída, apesar de o mesmo também retirar da actividade desenvolvida pelos outros arguidos proventos económicos.
Actuou igualmente com perfeita consciência da ilicitude da sua conduta. A isto acresce que o mesmo não tem antecedentes criminais.
Foi ponderado o vertido no relatório social elaborado ao mesmo, bem como foi ponderada a situação económica e social do arguido.
Não se pode olvidar que nos termos do art. 27°, nº2 do Código Penal, é aplicável ao cúmplice a pena fixada para o autor especialmente atenuada; sendo que o regime da atenuação é o constante dos art. 73° do Código Penal.
O cúmplice é punido na moldura correspondente ao facto típico praticado pelo autor, sendo a pena especialmente atenuada nos termos do art. 73° do Código Penal.
Assim, e pelo exposto e o acima vertido, julga-se proporcional e adequado, condenar o arguido E…, como cúmplice, pela prática do crime de lenocínio na pena 1 ano e 10 meses de prisão, a qual se suspende, por igual período, nos termos do art. 50° do Código Penal, o qual estabelece que "o tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 5 anos se) atendendo à personalidade do agente) às condições da sua vida) à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste) concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
Arguido F…:
No caso dos autos e relativamente ao arguido F…, o grau de ilicitude afigura-se-nos ser bastante considerável, já que, estamos em crer que o mesmo era o gerente do referido espaço e responsável pelo mesmo na ausência dos arguidos B… e C…, no qual, conforme já se avançou se facilitava os actos de prostituição, e dos quais o arguido, ainda que paralelamente, retirava proventos económicos.
Actuou igualmente com dolo directo e com perfeita consciência da ilicitude da sua conduta.
A isto acresce que o mesmo, tem antecedentes criminais e já foi condenado anteriormente numa pena de prisão e pela prática de igual ilícito, ainda que no ano de 2007.
Foi ponderado o vertido no relatório social elaborado ao mesmo, bem como foi ponderada a situação económica e social do arguido.
Assim, e pelo exposto e o acima vertido, julga-se proporcional e adequado, condenar o arguido F…, pela prática do crime de lenocínio na pena 2 anos de prisão.
No entanto, dispõe o art. 50° do Código Penal, que "o tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 5 anos se) atendendo à personalidade do agente) às condições da sua vida) à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste) concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
Também de acordo com o art. 52°, nºl do Código Penal, o tribunal pode impor ao condenado o cumprimento, pelo tempo da duração da suspensão, de regras de conduta destinadas a facilitar a sua reintegração na sociedade, dando como exemplos, não frequentar certos meios ou lugares, não residir em certos lugares. Como referem Simas Santos e Leal Henriques, "este artigo limita-se a enumerar exemplificativamente as regras de conduta (os deveres negativos) destinas a assegurar a readaptação social do condenado (. .. ) n (Código Penal Anotado, VoI. I, pg. 468).
Ainda de acordo com o artigo 51°, nºl do Cód. Penal, a suspensão da execução da pena pode ser subordinada ao cumprimento de deveres impostos ao condenado e destinados a reparar o mal do crime, nomeadamente:
a) pagar dentro de certo prazo, no todo ou em parte que o tribunal considerar possível, a indemnização devida ao lesado, ou garantir o seu pagamento por meio de caução idónea;
b)dar ao lesado satisfação moral adequada;
c)entregar a instituições, públicas ou privadas, de solidariedade social ou ao Estado, uma contribuição monetária ou prestação de valor equivalente.
Ora, no caso dos autos, pese embora a gravidade dos factos; o facto é que o arguido se encontra minimamente inserido socialmente, sendo que, apesar da condenação anterior não ter atingido o efeito dissuasor pretendido; certo é que se afigura desproporcional, atendendo ao espírito ressocializador do nosso Código Penal, quer a privação temporária da liberdade, quer uma suspensão da execução da pena por si só.
Assim, conclui, este Tribunal ser suficiente para assegurar as finalidades da punição, a simples ameaça da prisão; mas, atendendo às circunstâncias concretas do presente caso, entende-se ser razoável sujeitar o arguido, durante o período de suspensão que vai ser estipulado, a determinadas regras de conduta e regime de prova, no sentido de a afastar deste tipo de criminalidade e de o demover da continuação desta actividade ilícita de exploração de outros seres humanos.
Assim sendo, e em conformidade, suspendo a execução da pena única de prisão de 2 anos, por igual período, mediante as seguintes regras de conduta:
1) de o arguido se submeter a regime de prova assente num plano individual de reeducação para o direito, assente na consciencialização e interiorização, por parte do arguido, da ilicitude da sua conduta e no sentido do respeito pelos outros seres humanos, a elaborar e executar sob vigilância da D.G.R.S., que deverá dar conhecimento trimestral ao Tribunal relativamente à forma de execução do plano e adesão ao mesmo pelo arguido, tudo nos termos dos arts. 50°, nºs 1, 2 e 5 e 52°, nºs1, 2 e 3 do Código Penal.
I.2. Recurso do arguido (conclusões que se transcrevem parcialmente).
Existe contradição insanável da fundamentação e entre esta e a decisão, entre os factos provados e não provados, nos termos do art°410°,2, b) do CPP;
A matéria de facto encontra-se e incorrectamente julgada, quer ao nível dos factos provados, quer ao nível dos factos não provados, nos termos constantes da motivação, devendo ocorrer a alteração de tal segmento da decisão recorrida ou ser reenviado o processo, tudo nos termos dos art°s 427°, 428° e 426° do CPP;
Também por via do art°4l2º, 3, do CPP encontram-se incorrectamente julgados os factos precisados e indicados na motivação, sendo que são as próprias provas credenciadas pelo Tribunal recorrido que impõem alteração de tal quadro factual, devendo ser renovadas tais provas, desde logo as provas documentais (constantes no último parágrafo atinente à “convicção”, assim como as declarações dos recorrentes e os depoimentos testemunhais (constantes das actas respectivas em que foram produzidos e que se reflectem nos 4 cds juntos aos autos) , o que se requer, atento o art°412°, 6 do CPP;
O Tribunal deixou de se pronunciar em relação a grande parte dos factos convocados pela Defesa na respectiva contestação, o que configura a nulidade prevista no art°379°,l ,c) do CPP;
Os factos inerentes à produção de prova resultante da audiência infirmam a tipificação legal, alterados no todo (os impugnados) ou em parte;
A norma penal condenatória é inconstitucional nos sobreditos termos, violando os art°s 9°b), l3°,l e 2, 16°,2, 18°,2 e 3, e 26°, l,. da CRP e os princípios mencionados na motivação
I.3. Resposta do MºPº.
Pugnou pela confirmação da sentença.
I.5. Audiência.
A questão suscitada no recurso foi objecto de debate em sede de audiência neste tribunal superior.
II. Objecto do recurso e sua apreciação
O objecto do recurso deve ater-se às conclusões apresentadas pelo recorrente (cfr. Acórdão do STJ, de 15/04/2010, in http://www.dgsi.pt: “Como decorre do artigo 412.º do CPP, é pelas conclusões extraídas pelo recorrente na motivação apresentada, em que resume as razões do pedido que se define o âmbito do recurso. É à luz das conclusões da motivação do recurso que este terá de apreciar-se, donde resulta que o essencial e o limite de todas as questões a apreciar e a decidir no recurso, estão contidos nas conclusões(…)”, sem prejuízo, obviamente da eventual necessidade de conhecer oficiosamente da ocorrência de qualquer dos vícios a que alude o artigo 410º, do Código de Processo Penal nas decisões finais (conhecimento oficioso que resulta da jurisprudência fixada no Acórdão nº 7/95, do STJ, in DR, I Série - A, de 28/12/95).
São as conclusões da motivação que delimitam o âmbito do recurso. Se ficam aquém a parte da motivação que não é resumida nas conclusões torna-se inútil porque o tribunal de recurso só pode considerar as conclusões e se vão além também não devem ser consideradas porque são um resumo da motivação e esta é inexistente (neste sentido, Germano Marques da Silva, Direito Processual Penal Português, Vol. 3, 2015, págs. 335 e 336).
Os recorrentes/arguidos, por ordem sequencial, apresentam as seguintes questões:
1ª os factos dados como provados em 2, 3, 5, 6-b, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 15, 16, 17 e 18 encontram-se, na generalidade, em contradição provinda da fundamentação e da fundamentação e da decisão.
Invocam os recorrentes o vício aludido no artigo 410º, nº2, alínea b), do Código de Processo Penal.
De acordo com tal preceito, o recurso pode ter como fundamento, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, a contradição insanável na fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão.
Versa tal fundamento de recurso a contradição insanável:
a) entre os factos dados como provados;
b) entre os factos dados como provados e os não provados;
c) entre a fundamentação probatória da matéria de facto e;
d) entre a fundamentação e a decisão (casos em que a fundamentação aponta para uma dada decisão e a decisão recorrida é desconexa com a fundamentação apresentada).
Os recorrentes concretizam tal vício com os seguintes segmentos contraditórios:
- os arguidos faziam da exploração do bar modo de vida/ o arguido marido trabalha no BE…, auferindo a arguida €1.000,00 e o arguido €700,00;
- explorar o bar e o espaço/explorar ou auferir ou fomentar ou até facilitar a prostituição;
- diversas referências feitas na convicção provinda de testemunhas quando as mesmas traduzem que ao permanecerem nos quartos ninguém lhes deu indicação alguma que teriam de se prostituir/concluir-se existir a prática de lenocínio
Quanto à primeira questão não existe qualquer inconciliabilidade entre o facto 15 (Os arguidos B... e C… fizeram da exploração do "D… Bar", a funcionar nos moldes supra referidos, o seu modo de vida, gerindo a actividade em moldes empresariais, como se de vulgar actividade comercial se tratasse, encarando as mulheres que aí comercializam relações sexuais como prestadoras de um serviço, consistente na cedência do próprio corpo para trato sexual e os clientes que as procuravam e com elas se relacionavam sexualmente como meros consumidores desse serviço) e os factos) e os factos 21,a) e b) ( A arguida B…: é comerciante e continua a explorar o "Bar D…", auferindo um vencimento mensal de €1.000,00; é casada com o arguido C… que trabalha no BE…, onde aufere o vencimento mensal de cerca de €700,00)
Se quanto à arguida/recorrente não se põe qualquer dúvida interpretativa, em relação ao arguido/recorrente o facto de exercer uma profissão legítima remunerada não é incompatível com a relevância em termos existenciais (como actividade dominante, em termos remuneratórios e de dedicação profissional) da exploração que efectuava do estabelecimento em causa. A existência de uma actividade profissional legítima não é susceptível de afastar a relevância que, na vida do agente, a sua actividade de exploração comercial do fornecimento de bens e prestação de serviços no seu estabelecimento: o modo de vida traduz, sobretudo, o grau de profissionalismo da actividade, a sua habitualidade, a sua natureza permanente, ainda que não exclusiva (cfr. Anabela Miranda Rodrigues, CCCP, Tomo I, 1999, pág.528).
Quanto à segunda questão, não se descortina qual a contradição insanável que a mesma vida revelar. Percorrendo a matéria de facto provada, em lado algum, através do confronto dos significantes utilizados e do seu significado, encontramos qualquer contradição (sendo certo que os recorrentes não indicam o raciocínio que percorreram para alcançar tal conclusão).
A última questão, como os recorrentes devem ter a real percepção, não é revelada pelo texto da decisão recorrida. Deveria ter sido questionada em sede de impugnação da decisão da matéria de facto – nomeadamente do facto 3 na parte em que se apura que os recorrentes contrataram mulheres para se prostituírem nos quartos do estabelecimento.
Não assiste razão aos recorrentes neste segmento do seu recurso.
2º a matéria de facto encontra-se incorrectamente julgada quer ao nível dos factos provados quer ao nível dos factos não provados.
O julgamento da matéria de facto em primeira instância obedece a princípios estabelecidos na lei para potenciar a descoberta da verdade histórica a partir dos meios de prova que a representam. Entre esses princípios avulta o da imediação na recolha da prova, que visa assegurar que existe uma relação de contacto pessoal e directo entre o julgador e a prova que terá de ser avaliada.
Em segunda instância a reapreciação da matéria de facto faz-se, em regra, sem imediação, com a audição e visualização das provas registadas, cuja análise tenha sido sugerida no recurso, estando dependente do impulso dos sujeitos processuais a renovação da prova – artigos 412º nºs 3 a 6 e 417º nº 7 al. b) do Código de Processo Penal.
Por isso, e em regra, a avaliação da prova em primeira instância, feita de forma directa, oral e imediata, obedece a uma forma de procedimento que coloca o juiz do julgamento em melhores condições para a decisão da matéria de facto do que a avaliação feita com base na audição ou visualização do registo, meramente parcial (porque despedido de expressões faciais, comportamentos físicos), de provas de produção pretérita.
A reapreciação da prova em recurso não pode e deve, por isso, equivaler a um segundo julgamento. O duplo grau de jurisdição não assegura a sujeição da acusação a dois julgamentos em tribunais diferentes, mas apenas garante que a parte vencida pode obter do tribunal superior a fiscalização e controlo de eventuais erros da decisão da matéria de facto, através do reexame parcial da prova.
Por outro lado, o julgamento da matéria de facto está sujeito ao princípio da livre apreciação estabelecido no artigo 127º do Código de Processo Penal, princípio válido para o julgamento em primeira instância como para a verificação de eventuais erros de julgamento na Relação, de acordo com exame crítico da prova que não deixa de estar vinculado a critérios objectivos jurídico-racionais e às regras da lógica, da ciência e da experiência comum.
O referido princípio, relativo à prova (cfr. artigo 127º do Código de Processo Penal), permite ao julgador apreciar os meios de prova na base da sua livre valoração e da sua convicção pessoal, por contraste ao sistema de prova legal, onde apreciação da prova tem lugar na base de regras legais predeterminadas.
Concluindo, só haverá erro de julgamento da matéria de facto, susceptível de ser modificado em sede de recurso, naquelas situações em que o recorrente consiga demonstrar que a convicção do tribunal de primeira instância sobre a veracidade de certo facto é inadmissível (não é sustentada em dados objectivos) ou que existem outras hipóteses dadas pelas provas tão ou mais plausíveis do que aquela adoptada pelo tribunal recorrido.
Para controlar tal erro estabeleceu o legislador regras claras. Deve o recorrente especificar:
- os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
- as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida (artigo 412º, nº3, alíneas a) e b), do Código de Processo Penal).
Por fim, quando as provas tenham sido gravadas, a referida especificação deve efectuar-se por referência ao consignado em acta (quanto ao meio de prova registado, seu inicio e termo), devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação (artigo 412º, nº4, do Código de Processo Penal).
Os recorrentes não indicaram (na motivação e, principalmente, na conclusão) os concretos pontos de facto que consideram incorrectamente julgados nem as concretas provas que impunham decisão diversa da recorrida (referem-se, na motivação, às declarações dos arguidos, depoimentos testemunhais e documentos).
E sabendo que o teriam de fazer (isto é, com conhecimento pleno que deliberadamente não cumpriam os referidos deveres) pedem que este tribunal proceda a um segundo julgamento, reapreciando a totalidade dos meios de prova produzidos em 1ª instância, sem prejuízo da sua notificação para cumprir o dever omitido (provavelmente no âmbito do disposto no artigo 417º, nº3, do Código de Processo Penal).
Naturalmente que o incumprimento deliberado de tais regras não pode ser correspondido com o referido convite de complemento (até porque os recorrentes não indicam, desde logo, os concretos pontos de facto que questionam), estando o tribunal impedido de apreciar o alegado erro de julgamento e impedido, por não ter competência para tanto, de efectuar um segundo julgamento do mesmo processo.
Improcede o recurso, nesta parte.
3ª Nulidade da sentença por omissão de pronúncia sobre factos convocados pela defesa na sua contestação.
Nos termos do artigo 379º, nº1, alínea c), do Código de Processo Penal é nula a sentença quando o tribunal deixe de se pronunciar sobre questões que devesse apreciar, entre elas os factos relevantes alegados pela defesa na sua contestação que ampliam a vinculação temática do julgador.
Lido e relido o recurso, é o mesmo absolutamente omisso na parte da motivação e/ou nas conclusões, sobre os concretos factos alegados na contestação cuja apreciação foi omitida (a contestação em causa é constituída por 27 artigos na sua quase totalidade encerrando conclusões – cf. fls.1397 a 1404 -). Não dispondo este tribunal de recurso oficiosidade alguma no conhecimento desta matéria, submetida ao principio basilar do pedido, improcede o recurso nesta parte.
4ª Da inconstitucionalidade da norma penal incriminatória por violação dos artigos 9º, alínea b), 13º, nºs 1 e 2, 16º, nº2, 18º, nºs 2 e 3, e 26º, nº1, da Constituição da República Portuguesa.
Neste segmento do recurso reside, verdadeiramente, a discordância essencial dos recorrentes e que se compreende, independentemente da solução jurídica adoptada.
A. Itinerário histórico.
O artigo 169º, nº1, do Código Penal, na redacção conferida pela Lei nº59/2007, de 04 de Setembro, estabelece o seguinte tipo legal de crime:
Quem, profissionalmente ou com intenção lucrativa, fomentar, favorecer ou facilitar o exercício por outra pessoa de prostituição é punido com pena de prisão de seis a cinco anos
A problemática suscitada pelos recorrentes, e porque a criminalização em causa tem uma dinâmica histórica própria, relacionada com concepções ético-socias dominantes associadas à tolerância da prostituição e à condição do agente que se prostitui, merece uma reflexão sobre os sucessivos parâmetros penalizadores do comportamento daqueles que economicamente beneficiam da actividade.
O crime de lenocínio era punido no âmbito do Código Penal Português aprovado Decreto de 16 de Setembro de1886 e publicado no Diário do Governo, de 20 de Setembro do mesmo ano.
Na sua secção IV, sob a epígrafe de Lenocínio, estabeleciam os artigos 405º e 406º a punição do favorecimento ou facilitação da prostituição de descendentes do agente, da mulher do agente, dos menores à guarda do agente, tutor ou encarregado, e dos menores em geral com referência a qualquer agente sem qualidades familiares ou funcionais em relação ao menor.
Não será difícil compreender que, na sua génese, se pretendeu punir as situações de dependência e/ou incapacidade natural das vítimas. Na mesma senda, de protecção integral da sexualidade dos menores, surgiu o artigo 25º, & único, do Decreto n. 20.431, de 24 de Outubro de 1931 que estabelecia:
(…) O pai, mãe, tutor ou outra pessoa encarregada da guarda de menores, que tiverem dado causa ou não tiverem impedido, podendo faze-lo, que eles se tornem delinquentes, alcoólicos, libertinos, ou por outra forma viciosos, ou que por alguma forma tenham contribuído para a desmoralização, perversão ou desamparo dos mesmos menores, incorrerão na pena de prisão correccional ate um ano e multa correspondente se tiverem procedido com intenção, ou só em multa ate 1000 escudos se tiverem procedido com simples negligencia (…)”.
Com o decorrer de quase meio século, o advento da democracia e alteração de alguns paradoxos civilizacionais, que se puderam exprimir e consagrar em lei, foi no Código Penal de 1982, aprovado pelo Decreto-Lei nº400/82, de 23 de Setembro) na sua redacção originária (e com a motivação expressa na 13ª sessão da Comissão Revisora), estabelecido o seguinte tipo legal de crime de lenocínio (integrado, sistematicamente no Título III Dos crimes contra valores e interesses da vida em sociedade, Capítulo I Dos crimes contra os fundamentos ético sociais da vida social e Secção II Dos crimes sexuais:
ARTIGO 215.º
(Lenocínio)
1 - Quem fomentar, favorecer ou facilitar a prática de actos contrários ao pudor ou à moralidade sexual, ou de prostituição relativamente:
a) A pessoa menor ou portadora de anomalia psíquica;
b) A qualquer pessoa, explorando situação de abandono ou de extrema necessidade económica; será punido com prisão até 2 anos e multa até 100 dias.
2 - Na mesma pena incorre quem explorar o ganho imoral de prostituta, vivendo, total ou parcialmente, a expensas suas.
ARTIGO 216.º
(Lenocínio agravado)
Relativamente aos comportamentos descritos no artigo anterior, a pena será:
a) A de prisão de 2 a 4 anos e multa até 150 dias se o agente os realizar com intenção lucrativa;
b) A de prisão de 2 a 6 anos e multa até 180 dias se os realizar profissionalmente;
c) A de prisão de 2 a 8 anos e multa até 200 dias se usar fraude, violência ou ameaça grave;
d) A de prisão de 2 a 8 anos e multa até 200 dias se a vítima for cônjuge, ascendente, descendente, filho adoptivo, enteado ou tutelado do agente, ou lhe foi entregue em vista da sua educação, direcção, assistência, guarda ou cuidado.
Até então, e apesar da discussão efectuada em sede da Comissão de Revisão do Código Penal em 1989 (cfr.Actas e Projecto, Rei dos Livros, 1993, pág.258), onde não prevaleceu a tese de descriminalização do lenocínio defendida por Figueiredo Dias, que colocou este comportamento como uma questão social, merecedora de resposta administrativa (de polícia), vigorava (como clara opção legislativa de criminalização de um comportamento ofensivo da liberdade e autodeterminação sexual da pessoa que se prostitui em face da exigida exploração da situação de abandono ou necessidade da mesma) o seguinte tipo legal de crime, submetido ao artigo 170º do Código Penal, alteração operada pelo Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de Março (e então deslocalizado para o Título I Dos crimes contra as pessoas, Capítulo V Dos crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual, Secção I Crimes contra a liberdade sexual:
“1. Quem, profissionalmente ou com intenção lucrativa, fomentar, favorecer ou facilitar o exercício por outra pessoa de prostituição ou a prática de actos sexuais de relevo, explorando situações de abandono ou de necessidade económica, é punido com pena de prisão de 6 meses a 5 anos”
2. Se o agente usar de violência, ameaça grave, ardil ou manobra fraudulenta, ou se aproveitar de incapacidade psíquica da vítima, é punido com pena de prisão de 1 a 8 anos”.
Tal reforma descriminalizou o designado rufianismo e restringiu, duplamente, os elementos do tipo legal de lenocínio: deixa de ser exigível a “extrema” necessidade económica da vítima e passou a exigir o profissionalismo ou a intenção lucrativa da actividade criminosa.
Na revisão efectuada em 1998 passou a deixar de constar da referida norma incriminadora a expressão “explorando situações de abandono ou de necessidade económica”, tendo o artigo 170º do Código Penal adquirido seguinte redacção:
“1. Quem, profissionalmente ou com intenção lucrativa, fomentar, favorecer ou facilitar o exercício por outra pessoa de prostituição ou a prática de actos sexuais de relevo, é punido com pena de prisão de 6 meses a 5 anos”
2. Se o agente usar de violência, ameaça grave, ardil ou manobra fraudulenta, ou se aproveitar de incapacidade psíquica da vítima, é punido com pena de prisão de 1 a 8 anos”.
O legislador, na parte em que a sua vontade é cognoscível, entendeu suprimir tal expressão com o objectivo de alargar a incriminação no crime em questão, deixando de exigir aquele elemento do tipo – cfr. Proposta de Lei nº160/VII (publicada no Diário da Assembleia da República, II Série - A, nº 37, 3ª sessão legislativa , 1997-1998) que, após apreciação parlamentar, resultou na Lei nº65/98, de 02 de Setembro. Na exposição de motivos de tal proposta, declarou o então Ministro da Justiça (José Vera Jardim) que especial atenção deveriam merecer por parte do Estado a protecção de certo tipo de vítimas, particularmente indefesas face às agressões, as mais diversas de que podem ser objecto e, assim, no que respeitava à parte especial, as alterações propostas visavam basicamente: o reforço da protecção das vítimas contra crimes violentos dirigidos contra a vida e a integridade física das pessoas; o reforço da protecção das vítimas particularmente indefesas em razão da idade, da doença ou da gravidez; o reforço da protecção das vítimas de crimes de maus tratos no seio da família; a intensificação do combate aos crimes de exploração sexual de pessoas objecto de prostituição e de tráfico. Nos crimes de tráfico de pessoas e de lenocínio alarga-se a incriminação, retirando-se das descrições típicas a exigência de exploração de situações de abandono ou de necessidade. Na verdade, bastará, nestes casos, o constrangimento à prostituição ou à actividade sexual de relevo em país estrangeiro (através de violência, ameaça grave, ardil ou manobra fraudulenta) ou a exploração sexual de outra pessoa (desenvolvida profissionalmente ou com intenção lucrativa) para que as condutas já possuam a indispensável relevância ético-penal e para que, como tal, devam ser punidas – cfr. Diário da Assembleia da República, I- Série, nº48 de 13 de Março de 1998 (3ª sessão legislativa – 1997-1998), pag.17).
Na versão introduzida pela Lei nº 99/2001, de 25 de Agosto, foi alterada a redacção do segundo número do referido artigo 170º do Código Penal nos seguintes termos:
“1. Quem, profissionalmente ou com intenção lucrativa, fomentar, favorecer ou facilitar o exercício por outra pessoa de prostituição ou a prática de actos sexuais de relevo, é punido com pena de prisão de 6 meses a 5 anos”
2. Se o agente usar de violência, ameaça grave, ardil ou manobra fraudulenta, de abuso de autoridade resultante de uma relação de dependência hierárquica, económica ou de trabalho ou se aproveitar de incapacidade psíquica da vítima, é punido com pena de prisão de 1 a 8 anos”.
Finalmente, e por força da revisão do Código Penal operada pela Lei nº59/2007, de 04 de Setembro, a norma incriminadora foi relocalizada, passando a constituir o corpo do artigo 169º do Código Penal com a seguinte redacção:
“1. Quem, profissionalmente ou com intenção lucrativa, fomentar, favorecer ou facilitar o exercício por outra pessoa de prostituição é punido com pena de prisão de 6 meses a 5 anos”
2. Se o agente cometer o crime previsto no número anterior:
a) Por meio de violência ou ameaça grave;
b) Através de ardil ou manobra fraudulenta;
c) Com abuso de autoridade resultante de uma relação familiar, de tutela ou curatela, ou de dependência hierárquica, económica ou de trabalho; ou
d) Aproveitando-se de incapacidade psíquica ou de especial vulnerabilidade da vítima;
é punido com pena de prisão de 1 a 8 anos”.
B. Da vinculação do legislador ordinário ao princípio constitucional do direito penal do bem jurídico.
Não se discute, como o não faz o legislador ordinário, a legitimidade de uma “(…) comunidade politicamente organizada elevar determinados valores à categoria de bens jurídico-penais (…). Mas “(…) nem todos os interesses colectivos são penalmente tutelados, nem todas as condutas socialmente danosas são criminalmente sancionadas. É por isso que fundadamente se fala do carácter necessariamente fragmentário do direito penal (…) “ – Código Penal, Introdução, ponto 18.
Quer o exposto significar que é de todo impensável poder conceber a legitimação material do direito penal na vontade exclusiva do legislador (perspectiva positivista- legalista). A vinculação jurídica da legislação, para além da sua positivação perante a material e a processual normatividade constitucional, obedece, transpositivamente, como interpretação e concretização do princípio axiológico-normativo do direito enquanto direito (cfr. A. Castanheira Neves, Metodologia Jurídica, BFD, Coimbra Editora, pág.17 a 18).
Qualquer limitação feita por lei no âmbito específico das leis restritivas de direitos, liberdades e garantias deve ser “(…) adequada (apropriada), necessária (exigível) e proporcional (com justa medida) (…)” – cit. Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 7ª edição, pág.457).
A problemática ora apontada diz respeito ao designado direito penal do bem jurídico como princípio constitucional. O bem jurídico (“expressão de um interesse, da pessoa ou da comunidade, na manutenção ou integridade de um certo estado, objecto ou bem em si mesmo socialmente relevante e por isso juridicamente reconhecido como valioso” : cit. Figueiredo Dias, DP, Parte Geral, Tomo I, 2ª edição, pág.114) será político-criminalmente tutelável quando e onde encontre reflexo “(…) num valor jurídico-constitucionalmente reconhecido em nome do sistema social e que, deste modo, se pode afirmar que “preexiste” ao ordenamento jurídico-penal(…)” – autor e obra cit., pág. 120).
Por tal motivo, a definição do bem jurídico-penal desempenha, também, o papel de critério da decisão legislativa criminalizadora.
Tal definição terá se ser efectuado com o recurso a uma concepção ético-social mediatizada pela constituição democrática (cfr. A. Taipa de Carvalho, Direito Penal, Parte Geral, 3ª edição, U.C.P. Porto, pág.60 a 66, cujo trajecto argumentativo seguiremos infra de perto)
Será, em primeiro lugar, na consciência ético-social de uma comunidade temporal e espacialmente localizada procurada, os valores por ela considerados como essenciais ou indispensáveis para a realização pessoal de cada um dos seus membros (a designada dimensão axiológica fundamental do bem jurídico-penal também entendida por dignidade penal do bem jurídico).
Após, será necessário que o recurso às penas criminais seja considerado indispensável e adequado à protecção daqueles bens jurídicos fundamentais (a designada dimensão pragmática e entendida como necessidade penal) numa dupla vertente:
1ª qualquer outro tipo de sanção jurídica (do direito penal secundário, administrativo ou mesmo civil) seria ineficaz ou insuficiente para uma protecção (maior ou menor) do bem jurídico;
2º mesmo na hipótese de ineficácia de outro tipo de sanção jurídica não penal, a sanção criminal revela-se absolutamente ineficaz para tutelar o bem jurídico.
Tal dimensão encontra o seu fundamento no principio da subsidiariedade do direito penal, princípio da intervenção mínima do direito penal, princípio político-criminal da pena como ultima ratio da política social e da politica jurídica.
A materialização do referido critério ético-social terá de ser encontrada na Constituição da República Portuguesa, expressão jurídica fundamental da concepção ético-social da comunidade em relação aos princípios estruturantes do sistema social. A mesma expressa o conceito material de crime (a definição do bem jurídico-penal) e o critério material de criminalização das condutas susceptíveis de serem objecto de decisão legislativa ordinária nesse sentido.
O artigo 1º da Constituição da República Portuguesa desenha o quadro referencial (critério jurídico-constitucional que vincula o legislador) para a definição dos bens jurídico-penais: os direitos inerentes à dignidade da pessoa humana e os deveres essenciais à funcionalidade e justiça do sistema social.
O respeito da dignidade da pessoa justifica a criminalização da ofensa de bens jurídicos subjacentes aos direitos fundamentais “(…) de acordo com a consciência jurídica geral e um princípio de proporcionalidade, e requer a protecção da vítima (…)” – cit. Jorge Miranda, Direitos Fundamentais, 2017, pág.244).
Por outro lado, os artigos 17º e 18º, nº2, da Constituição da República Portuguesa, consagram os pressupostos legais de qualificação dos bens como jurídico-penais.
Por força do artigo 17º (“O regime dos direitos, liberdades e garantias aplica-se aos enunciados no título II e aos direitos fundamentais de natureza análoga”) o regime do artigo 18º, nº2 (“A lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos) aplica-se aos direitos-deveres pessoais (protegidos pelo direito penal primário, abarcado globalmente no Código Penal) e aos direito-deveres sociais, previstos no titulo III da 1ª parte e na 2º parte da CRP (protegidos pelo direito penal secundário).
É exactamente este artigo 18º, nº2, da Constituição da República Portuguesa que constitui o critério jurídico-constitucional da definição material do bem jurídico-penal que vincula o legislador ordinário consagrando os pressupostos:
1ª da dignidade penal do bem jurídico (condicionando a restrição de direitos à salvaguarda de outros)
2º da necessidade penal (condicionando tal restrição à sua necessidade para a referida salvaguarda) em três dimensões:
a) a inexistência ou insuficiência de outras reacções sociais para uma protecção eficaz do bem jurídicos com dignidade penal;
b) a adequação da sanção criminal a uma tutela relativamente eficaz do bem;
c) a proporcionalidade entre a gravidade da sanção criminal e a relevância pessoal e/ou social dos bens jurídicos protegidos ( e lesados ou postos em perigo).
Será, por isso, inconstitucional a incriminação, de acordo com a perspectiva que expomos, por decisão do legislador ordinário, de um comportamento do qual se não possa com razoável segurança afirmar-se que se destina a proteger um bem jurídico-penal (neste sentido Figueiredo Dias, Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, 2ª edição, pág.126).
A lei penal, naturalmente restritiva de direitos “(…) poderá intervir apenas para tutelar (e limitando-se ao necessário para tal tutela) outros valores com relevo constitucional (…)” – cit. M.Conceição Cunha, Constituição e Crime, UCP, 1995, pág.200).
C. A incriminação prevista no artigo 169º, nº1, do Código Penal e o bem jurídico-penal tutelado.
Para alguns, o tipo legal de crime terá perdido a sua ligação ao bem jurídico da liberdade sexual e autodeterminação sexual da(o) prostituta(o) e, nesse sentido, a tutela pretendida localiza-se no plano de puras situações imorais (cfr. Figueiredo Dias, ob cit. pág.124), de um bem jurídico transpessoal de étimo moralista (cfr. Anabela Rodrigues, CCCP, Parte Especial, Tomo I, 1999, pág.519), de uma determinada concepção de vida que se não compadece com a aceitação do exercício profissional e com intenção lucrativa do fomento, favorecimento ou facilitação da prostituição (cfr. Mouraz Lopes, Os crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual no Código Penal, Coimbra Editora, 2002, pág.71), do interesse geral da sociedade na preservação da moralidade sexual e do ganho honesto (cfr. S. Reis Alves, Crimes Sexuais, Almedina, 1995, pág.68), de valorações morais sobre a condução da vida (cfr. Vera Raposo, Da Moralidade à liberdade, Liber Disciplinorum, Coimbra Editora, pág.950), valores da comunidade e as concepções ético-sociais dominantes relevantemente postas em causa em matéria de prostituição e de actos contrários à moralidade pública (cfr. Maia Gonçalves, C.P.Anotado, 17ª edição, pág.593), de comportamentos para além dos que ofendem a bem jurídico da liberdade sexual (cfr. Maria João Antunes, declaração de voto no Acórdão nº396/2007 do Tribunal Constitucional), dos bons costumes (cfr. Joaquim de Sousa Ribeiro, declaração de voto no Acórdão nº654/2011 do Tribunal Constitucional), bem indefinido (moral sexual, concepção de vida, paz social) (cfr. Lino Rodrigues Ribeiro, declaração de voto no Acórdão nº641/2016 do Tribunal Constitucional) e prevenção do pecado, manifestação de moralismo atávico (cfr. Manuel da Costa Andrade, declaração de voto no Acórdão nº641/2016 do Tribunal Constitucional).
Curiosamente, existem no contexto jurisprudencial mais recente decisões que, sem concluir pela inconstitucionalidade da incriminação, entendem que o bem jurídico protegido é uma certa ideia defesa do sentimento geral de pudor e de moralidade, uma determinada concepção de vida que se não compadece com a aceitação do exercício profissional ou com a intenção lucrativa do fomento, favorecimento ou facilitação da prostituição(cfr. Acórdão do TRC, de 10.07.2013, proferido no processo 61/10.4TAACN.C1)
Para outros, o tipo legal de crime visa a protecção da liberdade e da autodeterminação sexual da(o) prostituta(o) (cfr. Jorge Dias Duarte, Crime de lenocínio: unidade ou pluralidade de infracções, Revista Sub Judice - Justiça e Sociedade, 2003, Outubro/Dezembro, n.º 26, págs. 31/35), a dignidade da pessoa que se prostitui (cfr. Pedro Vaz Pato, Direito Penal e Ética Sexual, Direito e Justiça, FDUCP, vol.XV, 2001, tomo II, pág.138) e a liberdade sexual da pessoa que se dedica à prostituição (cfr. P.P.Albuquerque, CCP, 3ª edição, págs.671 e 673, e M.M. Garcia e J.M.Castela Rio, CP anotado, 2º edição, págs.750 e 751), sendo certo que este últimos autores defendem uma interpretação constitucional restritiva do tipo legal no sentido de exigir a prova adicional do elemento típico implícito de exploração da necessidade económica e social da(o) prostituta(o) (continuando a entender o crime em causa como crime de dano ou, pelo menos, um crime de perigo abstracto-concreto, ou um crime de aptidão ou um crime de conduta concretamente perigosa (cfr. quanto à definição doutrinária dos mesmos, Figueiredo Dias, Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, 2ª edição, págs. 310 e 311).
O Tribunal Constitucional, de forma massiva (cfr. Acórdãos 144/2004, considerado leading case, 196/2004, 196/2004, 303/2004, 170/2006, 396/2007, 522/2007, 141/2007, 141/2010, 559/2011, 605/2011, 654/2011, 203/2102, 149/2014 e, mais recentemente, 401/16) tem-se pronunciado sobre a constitucionalidade do tipo incriminador ora apreciado.
Entendeu o Tribunal Constitucional, no referido leading case, que está subjacente à norma incriminatória (na altura inserida, com o mesmo texto, no artigo 170º, nº1, do Código Penal) uma perspectiva fundamentada na história, na cultura e nas análises sobre a sociedade segundo a qual as situações de prostituição relativamente às quais existe um aproveitamento económico por terceiros são situações cujo significado é o da exploração da pessoa prostituída.
Declara, tal tribunal, que a perspectiva adoptada não resulta de preconceitos morais mas do reconhecimento de que uma ordem jurídica orientada por valores de justiça e assente na dignidade da pessoa humana não deve ser mobilizada para garantir, enquanto expressão de liberdade da acção, actuações intelectuais ou físicas, entre elas as sexuais, que possam ser utilizadas como puro instrumento ou meio ao serviço de outra pessoa. Recorre, tal tribunal, ao artigo 1º da Constituição da República Portuguesa (ao fundamentar o Estado Português na igual dignidade da pessoa humana) e à Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Descriminação contra as Mulheres (Lei nº23/80, de 26 de Julho de 1980) e Convenção para a Supressão do Tráfico de Pessoas e de Exploração da Prostituição de Outrem (D.R I Série, de 10 de Outubro de 1991).
Prossegue, explicando que a intervenção penal neste domínio tem um significado diferente de uma mera tutela jurídica de uma perspectiva moral, qualificando as pessoas que se prostituem, em geral, como “pessoas em estado de carência social”. Por isso, o significado assumido pelo legislador penal é o da protecção da liberdade e de uma “autonomia para a dignidade” das pessoas que se prostituem.
Indo, ainda, mais longe, entende apesar de se poder compreender a prostituição como expressão da livre disponibilidade da sexualidade individual, o aproveitamento económico por terceiros constitui uma interferência que comporta riscos intoleráveis dados os contextos sociais da prostituição, na autonomia e liberdade do agente que se prostitui (colocando-o em perigo), por representar a utilização de uma dimensão especificamente íntima daquele agente, não para os seus fins próprios, mas para fins de terceiros (não colocando, por isso a liberdade de consciência tutelada pelo artigo 41º, nº1, da Constituição da República Portuguesa).
Por fim, não ofende a Constituição (a liberdade de exercício de profissão ou de actividade económica, tutelada no artigo 47º, nº1) a incriminação de uma actividade profissional que tenha por objecto a específica negação dos referidos valores.
De acordo com o referido (e dividido) ultimo acórdão do Tribunal Constitucional (nº641/2016), não havendo dever constitucional de incriminar a conduta prevista no artigo 169º, nº1, do Código Penal, tal incriminação foi uma opção de política criminal justificada pela normal associação entre as condutas que são designadas como lenocínio e a exploração da necessidade económica e social das pessoas que se dedicam à prostituição ,fazendo desta um modo de subsistência. Não obstante a norma incriminatória não exigir como elemento do tipo uma concreta relação de exploração, a prevenção desta constitui a motivação fundamental da incriminação: o aproveitamento económico da prostituição de quem fomente, favoreça ou facilite a mesma exprime, tipicamente, um modo social de exploração de uma situação de carência e desprotecção social. A opção em causa tem natureza preventiva, visa a evicção do risco elevado (conclusão extraída de estudos empíricos que associam as situações de prostituição a carências sociais elevadas) e inaceitável de tais situações de exploração, protegendo, assim, bens jurídicos pessoais relacionados com a autonomia e a liberdade.
Como reforço argumentativo, entende-se, ainda, com recurso a um princípio da ofensividade, compatível com o Estado de Direito democrático, que a referida opção legislativa de política criminal se baseia numa “certa percepção do dano ou do perigo de certo dano associado à violação de deveres para com outrem – deveres de não aproveitamento e exploração económica de pessoas em estado de carência social”
Concluindo, entende aquele tribunal que no âmbito de uma opção justificada de política criminal permanece válido o entendimento de que “a ofensividade que legitima a intervenção penal assenta numa perspectiva fundada de que as situações de prostituição, relativamente às quais existe promoção e aproveitamento económico por terceiros, comportam um risco elevado e não aceitável de exploração de uma situação de carência e desprotecção social, interferindo – colocando em perigo – a autonomia e liberdade de agente que se prostitui”.
O Tribunal Constitucional, de acordo com esta interpretação, tentou tornar compreensível a eliminação do inciso que claramente enquadrava o lenocínio como ofensa à liberdade sexual da vítima/prostituta(o) e consequente criminalização da conduta de aproveitamento económico da prostituição enquanto comportamento que põe em perigo a autonomia e liberdade do agente que se prostitui, partindo de duas premissas justificadoras de um tipo legal de crime de perigo abstracto:
- a primeira, de que as situações de prostituição estão associadas a carências socias elevadas:
-a segunda, que qualquer comportamento de fomento, favorecimento ou facilitação da prostituição comporta uma exploração da necessidade económica ou social do agente que se prostitui.
Não podemos deixar de equacionar que o objectivo querido pelo legislador ordinário através da eliminação do referido inciso (“exploração da situação de abandono ou de necessidade económica”) foi o alargamento do tipo legal de crime a todas as situação de aproveitamento económico por terceiro da prostituição. E também sabemos o que o motivou no plano estrito da política criminal. Com efeito, a partir do início da década de 90 do século passado, assistiu-se a um exponencial crescimento de imigração sexual oriunda do Brasil e, em fatia menor, da Europa de Leste, que revolucionou a actividade da prostituição neste país e provocou um sensível abalo do sistema de organização social e familiar (cfr., quanto a este aspecto, que acompanharemos parcialmente infra , João Peixoto, Tráfico, contrabando e imigração irregular - Os novos contornos da imigração brasileira em Portugal , Sociologia, Problemas e Práticas, n.º 53, 2007, pp. 71-90).
Para além das situações de imigração voluntária pura, tais deslocações deram origem aos fenómenos de trafficking e smuggling de imigrantes económicos (ao tráfico de mulheres para exploração sexual e o auxilio organizado à imigração ilegal, respectivamente)
O facto de serem escassas outras oportunidades de migração e de o negócio do sexo constituir uma actividade atractiva para estrangeiros em situação irregular (a prostituição, neste país, é uma forma não regulada e informal de actividade económica) originaram o aparecimento de vários fluxos. O crescimento abrupto de oferta de serviços sexuais (e de estabelecimentos que os fomentavam, favoreciam e facilitavam) determinou alterações na vida social e familiar daqueles que o procuraram (referira-se, a nível de exemplo com repercussão internacional, o designado episódio das “mães de Bragança”, objecto de reportagem no Times Magazine, em 2003, que originou o encerramento de vários estabelecimentos que as prostitutas frequentavam).
Foi no clima de histeria em relação a tal fluxo migratório (entre o mesmo se incluindo as verdadeiras situações de tráfico de mulheres para exploração sexual) que surgiu a alteração legislativa que visou, essencialmente, perseguir o negócio do sexo, isto é, os bordéis, casas de massagens (neste sentido, Mouraz Lopes, Os Crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual no Código Penal, 4ª edição, Coimbra Editora, pág.86) como finalidade única de política criminal.
No âmbito deste raciocínio, o elemento do tipo eliminado que permitia, anteriormente, afastar do comportamento censurável todas as situações em que se não verificava a exploração da necessidade económica do agente que se prostitui (quando o tipo legal constituía um crime de dano) deixaria de ter relevância. Por exemplo, e versando sobre o caso concreto apreciado neste recurso, não resultou demonstrado, sequer de forma aproximada, a exploração de qualquer necessidade económica das prostitutas que exerciam a sua actividade no estabelecimento dos recorrentes, nem sequer que o aproveitamento económico ultrapassasse o valor económico das condições disponibilizadas para tal exercício e para a própria existência física das prostitutas: os recorrentes, a troco da utilização de um quarto (para as prostitutas exercerem a sua actividade e aí dormirem) e do fornecimento de três refeições diárias cobravam a quantia diária de €40,00, nem sequer gerindo as quantias entregues pelos utilizadores dos serviços sexuais, que o faziam directamente às prostitutas.
Se dúvidas persistissem na localização da preocupação do legislador ordinário, as mesma seriam dissipadas pela natureza acrítica do poder legislativo, executivo e, sobretudo, judicial, em relação à mais visível forma continuada e maciça de lenocínio simples praticado neste país há cerca de 20 anos: o fomento ou facilitação do exercício da prostituição através de anúncios (oferecendo serviços sexuais, genéricos ou até específicos, remunerados) publicados na imprensa escrita que os grupos empresariais detentores de jornais e revistas profissionalmente exploram. Não há notícia da existência, sequer, de qualquer perseguição penal aos agentes de tal comportamento, provavelmente por se entender que a(o) prostituta(o) que recorre ao pagamento de um meio de tornar pública a oferta dos seus serviços está a exercer um direito no âmbito da sua liberdade sexual, não merecendo censura o comportamento daquele que exerce profissionalmente a actividade de publicitar o exercício por outra pessoa da prostituição, assim a fomentando e facilitando.
O legislador ordinário criou (por transformação), nos termos que o Tribunal Constitucional sustentou (apesar da sua mais recente divisão) um tipo legal de crime de perigo abstracto. Nos termos actuais não se exige uma lesão efectiva do bem jurídico (aparentemente a liberdade/autonomia sexual da(o) prostituta(o)) mas tão só a colocação em perigo desse bem jurídico, nem sequer sendo necessário que esse bem tenha sido efectivamente posto em perigo uma vez que este não faz parte do tipo mas, tão só, da motivação da proibição.
Por força desta concepção, a criminalização de condutas relativas a crimes em que o perigo constitui a motivação da proibição deve visar a protecção de bens jurídicos identificáveis e de grande importância. Para além disso, necessita de uma especial fundamentação, desde logo do ponto de vista criminológico, para que se possa ter por materialmente justificada, à luz da constituição, e sem violação do art.º 18º, nº 2, a antecipação da tutela penal do bem jurídico fundamental em causa.
E isso não se nos afigura sustentável. Considerando que o bem jurídico visado é a autonomia e liberdade da pessoa que se prostitui (ou especificamente a liberdade sexual), não vemos como as condutas descritas no tipo-de-ilícito em causa traduzam em si uma perigosidade típica de lesão de tal bem jurídico. Dito de outra forma, não se pode presumir, de forma categórica e inilidível, que quem fomente, favoreça ou facilite a prostituição, ao fazê-lo, pura e simplesmente, põe em risco a liberdade sexual de quem se prostitui (as presunções operadas pelo legislador ordinário, nos termos explicados pelo Tribunal Constitucional, assentam em estudos de natureza acientífica, ligados à área dos conhecimentos sociais e empíricos, carecendo de demonstração metódica, organizada e racionalmente interpretada a associação da prostituição a situações de carências socias elevadas e que qualquer comportamento de fomento, favorecimento ou facilitação da prostituição comporta uma exploração da necessidade económica ou social do agente que se prostitui.
Mesmo que se entenda que a motivação que determinou a proibição é legítima, importaria demonstrar o requisito da necessidade penal (nunca abordado em sede de apreciação constitucional) da incriminação na primeira das vertentes supra adoptadas: a inexistência ou insuficiência de outras reacções sociais para uma protecção eficaz do bem jurídico com dignidade penal.
Cremos, seguramente, nesta matéria, que o bem jurídico em causa seria eficazmente acautelado com uma tutela contra-ordenacional mínima em sede de regulação administrativa da actividade.
D. Consequências processuais da declaração da inconstitucionalidade da norma de incriminação e punição constante do artigo 169º, nº1, do Código Penal.
A declaração da inconstitucionalidade material da norma de incriminação e punição constante do artigo 169º, nº1, do Código Penal, por violação do disposto no artigo 18º, nº2, da Constituição da República Portuguesa, prejudica o conhecimento do recurso interposto pelo MºPº da sentença ( no qual, sinteticamente, conclui que as penas aplicadas aos arguidos se mostram desadequadas e desajustadas às necessidades de prevenção geral e especial que se fazem sentir e pugna pela aplicação, aos arguidos B… e C…, da pena de 4 anos e 2 meses de prisão, ao arguido F… da pena de 3 anos e 2 meses de prisão e ao arguido E… da pena de 2 anos de prisão, todas elas suspensas na sua execução mediante sujeição a regime de prova), determinará revogação da sentença proferida e a absolvição dos recorrentes e dos arguidos não recorrentes, aos quais se estendem os efeitos daquela declaração.
*
III. Nos termos expostos, dá-se provimento ao recurso da sentença e, em consequência:
1º declara-se materialmente inconstitucional a norma de incriminação e punição constante do artigo 169º, nº1, do Código Penal, por violação do disposto no artigo 18º, nº2, da Constituição da República Portuguesa;
2º revoga-se a sentença proferida, absolvendo os recorrentes (B… e C…) e os arguidos E… e F… da prática dos crimes imputados na acusação.
Sem custas (artigo 513º, nº1, do Código de Processo Penal)
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Porto, 08 de Fevereiro de 2017
João Pedro Nunes Maldonado
Francisco Mota Ribeiro
António Gama (com a seguinte declaração de voto)
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Vencido, quanto à questão da constitucionalidade.
Pese embora a valia da argumentação desenvolvida mantenho o entendimento que já expressei no Acórdão deste Tribunal da Relação do Porto de 13 de Julho de 2005. O étimo legitimador da criminalização radica na violação do princípio da dignidade da pessoa humana, art.º 1º da Constituição.
Sendo assim, continuo a entender, como então, e socorrendo-me das palavras do Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 144/04, de 10 de Março de 2004, que a intervenção do Direito Penal neste domínio tem um significado diferente de uma mera tutela jurídica de uma perspectiva moral, sem correspondência necessária com valores essenciais do Direito e com as suas finalidades específicas num Estado de Direito.
Depois se a eliminação da exigência típica – de que o favorecimento da prostituição se ligasse à “exploração de situações de abandono ou de necessidade económica” – visou como é consabido e assumido um alargamento do âmbito das condutas puníveis, por razões que não vem ao caso aprofundar, mas são discerníveis; se o menos continua a caber no mais, ao recusar a aplicação da norma por inteiro, sem qualquer delimitação ou restrição, a decisão recorrida vai além dos seus pressupostos.

António Gama