Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
182/13.1TVPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MÁRCIA PORTELA
Descritores: TRIBUNAL ARBITRAL VOLUNTÁRIO
COMISSÃO ARBITRAL
LIGA PORTUGUESA DE FUTEBOL
ADESÃO À CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA CONSTANTE DOS ESTATUTOS E DO REGULAMENTO DA LIGA
PRAZO
DECISÃO ARBITRAL
Nº do Documento: RP20140617182/13.1TVPRT.P1
Data do Acordão: 06/17/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Os tribunais arbitrais necessários são criados por lei especial, enquanto os tribunais arbitrais voluntários assentam na autonomia da vontade.
II - O Regulamento Geral da Liga Portuguesa de Futebol Profissional não constitui lei especial, não podendo por isso criar um tribunal arbitral necessário para dirimir litígios entre dois associados.
III - A Comissão Arbitral da Liga Portuguesa de Futebol Profissional é um tribunal arbitral voluntário, porque assente na vontade manifestada aquando da inscrição como membro associado.
IV - A declaração de aceitação da jurisdição da Comissão Arbitral aquando da inscrição na Liga Portuguesa de Futebol Profissional constitui adesão à cláusula compromissória constante dos Estatutos e do Regulamento a Liga.
V - A Comissão Arbitral da Liga configura-se como tribunal arbitral pré-constituído, o que não impede que seja considerado voluntário, desde que exista uma convenção de arbitragem, isto é uma manifestação de vontade das partes de submeterem a decisão do litígio a esta comissão arbitral.
VI - A circunstância de ser obrigatória a inscrição para a participação nas competições organizadas pela Liga não lhe retira a natureza voluntária: quem adere a uma organização tem de aceitar as regras pelas quais a mesma se rege, sem que isso belisque a autonomia da vontade.
VII - Não fixando o Regulamento Geral da Liga Portuguesa de Futebol Profissional m prazo para a decisão arbitral, aplica-se o prazo supletivo previsto no n.º 2 do artigo 19.º, LAV 86.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação n.º 182/13.1TVPRT.P1

Acordam no Tribunal da Relação do Porto

1. Relatório
B… S.A.D., intentou acção declarativa sob a forma de processo comum ordinário contra C…, S.A.D., pedindo que seja anulada a decisão arbitral da Comissão Arbitral da LPFP (Liga Portuguesa de Futebol Profissional, de 2013.02.01, notificada à A. em 2013.02.06, por ter sido proferida por tribunal incompetente e irregularmente constituído.
Alegou para tanto, e em síntese, que em 2011.10.07 intentou acção declarativa de condenação na Comissão Arbitral da Liga Portuguesa de Futebol Profissional, pedindo a sua condenação a pagar-lhe a quantia de € 5.000.000,00 correspondente ao valor pelo qual o jogador D… se encontrava inscrito na lista de compensação (por formação do referido atleta elaborada pela LPFP a que se refere o artigo 208.º do seu Regulamento Geral), acrescida de juros vencidos e vincendos até efectivo e integral pagamento.
E que decisão proferida em 2013.02.01, que julgou a acção improcedente, padece de nulidade, por incompetência do tribunal, por ter sido proferida para além dos seis meses previsto no referido artigo 19.°, n.º 2, da LAV (Lei da Arbitragem Voluntária).
Contestou a R., sustentando que à decisão proferida pela LPFP não é aplicável a regra a da caducidade prevista no artigo 4.° da LAV 31/86, atendendo ao teor do RGLPFP (Regulamento Geral da liga Portuguesa de Futebol Profissional), nem a LAV é lei subsidiariamente aplicável à Comissão Arbitral da LPFP, já que o legislador desportivo quis estabelecer um pacto de jurisdição exclusiva da competência da Comissão Arbitral para dirimir os conflitos entre os clubes. Postura consagrada na LBD (Lei de Bases do Desporto) evidente nos artigos 198.° e 217.° de onde resulta com clareza que o legislador não quis deliberadamente fixar prazo para a prolação de uma decisão.
E muito menos punir a violação deste prazo com a caducidade da convenção arbitral, o que se revelaria contraditório com a própria ideia fundamental da arbitragem destes conflito dentro das instâncias desportivas com expressa renúncia às restantes.
Afirma ainda que a aplicação subsidiária da LAV apenas é possível nos casos de arbitragem voluntária, o que não sucede no caso em apreço, a qual é necessária, pois a jurisdição da Comissão Arbitral resulta não da vontade das partes, mas antes de imposição legal/regulamentar que decorre da natureza da qualidade de associado da LPFP
E que a haver a aplicação subsidiária de algum regime jurídico seria o previsto nos artigos 1525.° e ss. , CPC, relativo à arbitragem necessária do qual resulta que, não se mostrando expressamente previsto qualquer prazo de decisão ou mesmo que fosse este incumprido, ocorreria a prorrogação do mesmo e eventualmente responsabilidade do juiz que desse causa ao mesmo, em lado algum determinando a caducidade da convenção pelo incumprimento de um prazo (inexistente) de prolação da decisão.
Foi proferida sentença que, julgando a acção procedente, anulou a sentença arbitral proferida em 2013.02.01 e referida em 1. dos factos assentes, por ter sido proferida por tribunal incompetente.
Inconformado, apelou o R., apresentando as seguintes conclusões:
«A) A qualificação da Comissão Arbitral da LPFP como Tribunal Arbitral Voluntário é incorrecta e traduz-se numa errada interpretação e violação do disposto nos artigos 202.º e 209.º da Constituição da Republica Portuguesa e artigo 18.º, n.º 1 da Lei 5/2007 [LBAFD] de 16 de Janeiro;
B) Isto porque a adesão à convenção arbitral (sujeição de todos os conflitos à jurisdição da Comissão Arbitral da LPFP) não resulta de um acto de vontade, mas por aplicação de regulamento, de natureza pública, atentos os poderes exercidos pela LPFP por delegação da Federação Portuguesa de Futebol, a que as SAD’s estão obrigadas por via da inscrição obrigatória na LPFP, para poderem ter acesso a disputar a competição profissional;
C) Além de que resulta de normas internacionais e nacionais que os conflitos desportivos devem ser sanados pelas instâncias desportivas, penalizando-se severamente aqueles que recorrerem às instâncias não desportivas para sanar os que são de matéria estritamente desportiva, reservando-se a competência ao contencioso administrativo para conhecer dos conflitos relativos à disciplinar e às questões regulamentares;
Sem prescindir,
D) Ainda que se admita – o que tão só se consente para este efeito – que a Comissão Arbitral da LPFP deva ser qualificada como Tribunal Arbitral Voluntário, é incorrecta a determinação de aplicação subsidiária da LAV à referida Comissão, concretamente, no que ao prazo supletivo para proferir decisão diz respeito, uma vez que do Regulamento Geral da LPFP não consta qualquer prazo previsto para a prolação de decisão.
E) Desde logo porque as regras de caducidade apenas são aplicáveis por imposição legal ou por vontade das partes, nos termos no previsto no artigo 298.º, n.º 2 do CC, inexistindo qualquer uma dessas no caso em discussão.
F) A inexistência da estipulação de prazo para prolação de decisão no Regulamento Geral da LPFP não significa, por si só, a existência de um caso omisso que reclame a aplicação supletiva da LAV, menos quando dessa aplicação subsidiária resulte a declaração de caducidade da convenção arbitral, determinando o esgotamento do poder jurisdicional dos árbitros, contrariando o espírito do legislador desportivo que, manifestamente, pretende que os conflitos desportivos sejam sanados pelas instâncias desportivas;
G) Contrariamente ao que previsto na CCT para a Comissão Arbitral Paritária de um prazo de 40 dias para a prolação da decisão, o Regulamento Geral da LPFP não contém qualquer prazo para que a Comissão Paritária profira decisão;
H) A douta sentença interpretou incorrectamente e violou o disposto nos artigos 9.º e 10.º do CC dado ser manifesto que a aplicação supletiva da LAV é incompatível com o todo do edifício normativo desportivo que, conforme se deixou dito, afasta da jurisdição estadual a resolução de conflitos desportivos.
NESTES TERMOS
E noutros que V. Exas. doutamente suprirão, deve o presente recurso ser julgado procedente e, consequentemente, ser revogada a douta sentença que anulou a decisão da Comissão Arbitral proferida a 01/02/2013, assim se fazendo
JUSTIÇA»

Contra-alegou a A., assim concluindo:
«A) De acordo com o disposto pelo artigo 202º, 1, da Constituição, “[o]s tribunais são os órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo”, acrescentando o artigo 209º, 2, quanto às categorias dos tribunais, que, para além dos tribunais previstos no n.º 1, podem existir tribunais arbitrais.
B) No ordenamento jurídico português, os tribunais arbitrais exercem, assim, ao lado dos tribunais estaduais, uma função jurisdicional, que é legitimada constitucionalmente pelo artigo 209º, 2, e reconhecida e controlada obrigatoriamente por lei, nomeadamente, por via do disposto pelo artigo 26º, 2, da Lei n.º 31/86, de 29/08, aplicável in casu (LAV 86).
C) A arbitragem constitui um modo de resolução de litígios entre duas ou mais partes, alternativo aos tribunais estaduais, desencadeado por uma ou mais pessoas que detêm poderes para esse efeito reconhecidos pela Constituição e por lei, mas atribuídos por convenção das partes ou por imposição legal, assumindo a decisão arbitral, na medida em que resolve ou dirime um litígio, a natureza de acto jurisdicional.
D) Não fora a previsão do n.º 2 do artigo 209º da Constituição e o exercício da função jurisdicional estaria vedada aos tribunais arbitrais, por ser, em regra, privativa dos tribunais estaduais.
E) A arbitragem distingue-se dos tribunais judiciais não pelo valor da decisão proferida, que, em princípio, tem o mesmo valor de uma sentença judicial, mas pela sua natureza: a arbitragem é administrada por pessoas privadas investidas por poderes conferidos por pessoas privadas – as partes do litígio – a que um factor externo – a lei – reconhece valor decisório vinculativo na solução do litígio.
F) O exercício da função jurisdicional por parte dos tribunais arbitrais ter-se-á, sempre, que conter dentro de determinados limites impostos por lei da República.
G) Nos termos da lei, há apenas dois tipos de arbitragem: a arbitragem voluntária regulada pela Lei de Arbitragem Voluntária (LAV 86, entretanto, revogada pela Lei n.º 63/2011, de 14 de Dezembro – LAV 2011) e a arbitragem necessária prevista, na falta de disposição legal especial, nos artigos 1525º e ss do anterior CPC e nos artigos 1082º do novo CPC.
H) Se a resolução do litígio por via de arbitragem decorre de imposição legal, a arbitragem é necessária; se o recurso à arbitragem assenta em convenção das partes, a arbitragem é voluntária (cf. art. 1º, 1, da LAV 86).
I) Em todo o caso, não há arbitragem fora da lei: a arbitragem ou é necessária, e neste caso aplica-se-lhe o regime legal especial concretamente previsto para o caso (v., por ex., arts. 510º e ss do Código do Trabalho e art. 38º da Lei n.º 168/99, de 18 de Setembro) e ou o regime geral previsto no CPC (cf. arts. 1525º e ss do anterior CPC e arts. 1082º do novo CPC); ou é voluntária, ficando submetida à vontade das partes com os limites impostos, designadamente, pela Lei da Arbitragem Voluntária (LAV 86).
J) É precisamente por isso que a decisão arbitral só poderá formar caso julgado se respeitar os princípios do processo e demais regras impostas por lei, pois, caso não cumpra, poderá e deverá ser anulada, a pedido de qualquer das partes – cf. art. 27º, 1, da LAV 86.
K) No ordenamento jurídico português, as ligas profissionais são associações privadas sem fins lucrativos com personalidade jurídica e autonomia administrativa técnica e financeira (cf. art. 22º, 1, da Lei n.º 5/2007, de 16 de Janeiro – Lei de Bases da Actividade Física e do Deporto).
L) A Liga Portuguesa de Futebol Profissional é uma associação de direito privado, que se rege pelos respectivos Estatutos, pelos Regulamentos que de acordo com aqueles forem emitidos e pela legislação aplicável (cf. art. 1º dos Estatutos da LPFP).
M) É, portanto, uma pessoa colectiva de direito privado que, enquanto tal, está sujeita ao regime dos artigos 157º a 184º do Código Civil e que aprovou em assembleia geral os estatutos por que se rege, que prevêem os direitos e deveres dos associados, nomeadamente o de aceitarem a competência da Comissão Arbitral para dirimir os eventuais conflitos existentes entre associados no âmbito da associação (cf. arts. 54º dos Estatutos da LPFP).
N) A qualidade de associado da LPFP não decorre directa ou necessariamente de qualquer lei: a qualidade de associado da LPFP adquire-se através de declaração escrita de candidatura apresentada nos termos do artigo 8º, 1, b), 2 e 3, dos Estatutos da LPFP, explicitando artigo 4º-A, 1, do Regulamento Geral da LPFP que “[a] declaração de candidatura à inscrição como associado na Liga deve ser formulada por escrito e manifestar de forma expressa e inequívoca a adesão integral e sem reservas aos Estatutos da Liga e de aceitação dos direitos e deveres deles decorrentes, bem como a aceitação da jurisdição arbitral da Comissão Arbitral da Liga”.
O) É, pois, inequívoco que a filiação de um clube ou sociedade desportiva na LPFP nasce de um acto de vontade do clube ou sociedade desportiva, e é pela expressão dessa vontade – de integrar a LPFP e de aceitar a jurisdição da Comissão Arbitral – que os clubes e as sociedades desportivas ficam vinculados ao dever de recorrer a arbitragem para a resolução de determinados litígios e ao poder da Comissão Arbitral.
P) Não há no ordenamento jurídico-desportivo nenhuma lei aprovada pela Assembleia da República ou pelo Governo que imponha aos associados da LPFP que os eventuais litígios relativos entre eles existentes devam ser resolvidos pela Comissão Arbitral da LPFP.
Q) A arbitragem prevista nos Estatutos da LPFP é, por isso, uma arbitragem voluntária pela simples razão de que não resulta de lei da Assembleia da República, nem de decreto-lei do Governo (cf. art. 1º, 1, da LAV 86), mas sim de cláusula compromissória integrada nos Estatutos de uma associação de direito privado (cf. art. 1º, 2, segunda parte, da LAV 86 e art. 1º, 3, segunda parte, da LAV 2011).
R) Nos termos do artigo 53º dos Estatutos e do artigo 198º do Regulamento Geral da LPFP, a Comissão Arbitral tem competências para decidir sobre matérias do foro disciplinar relacionadas com a violação por parte dos associados das normas estatutárias e regulamentares da LPFP e relativas a contratos celebrados entre os associados da LPFP.
S) É por isso evidente, a partir do disposto em tais artigos, que a arbitragem prevista nos Estatutos e Regulamento Geral da LPFP não recai sobre questões estritamente desportivas, tal como definidas pelo artigo 18º, 3, da LBAFD, segundo o qual “[s]ão questões estritamente desportivas as que tenham por fundamento normas de natureza técnica ou de carácter disciplinar, enquanto questões emergentes da aplicação das leis do jogo, dos regulamentos e das regras de organização das respectivas competições”.
T) A arbitragem prevista pelos Estatutos e pelo Regulamento Geral da LPFP recai, sobretudo, sobre questões de natureza associativa e sobre questões do foro contratual ou obrigacional.
U) Na acção que intentou na Comissão Arbitral, a autora não submeteu à arbitragem da LPFP litígio que tivesse por fundamento norma de natureza técnica ou de carácter disciplinar relacionada com a aplicação das leis do jogo, dos regulamentos e das regras de organização das respectivas competições, como tal considerada questão estritamente desportiva à luz do artigo 18º, 3, da LBAFD.
V) O litígio que a autora submeteu à arbitragem voluntária da LPFP prende-se, sim, com o não pagamento por parte da ré da compensação devida pela formação, promoção e valorização do atleta D…, correspondente ao valor por que o atleta estava inscrito nas listas de compensação da LPFP.
W) O direito que foi reivindicado pela autora emerge, pois, de relação laboral desportiva que manteve com o atleta e tem por fundamento legal o regime jurídico laboral do praticante desportivo – vide artigo 18º, 2, da Lei n.º 28/98, de 2 Junho, com a alteração introduzida pela Lei n.º 114/99, de 3 de Agosto (Regime Jurídico do Contrato de Trabalho do Praticante Desportivo e do Contrato de Formação Desportiva), embora quanto ao cálculo do valor esteja regulado pelo Regulamento Geral da LPFP.
X) Não estando nós perante questão estritamente desportiva, tal como definida pelo artigo 18º, 3, da LBAFD, os tribunais comuns não estão arredados da apreciação do litígio (arts. 18º, 2, 3 e 4, da LBAFD).
Y) No nosso ordenamento, o Estado não renuncia ao poder de controlar legalmente o exercício da função jurisdicional pelos tribunais arbitrais: se a arbitragem é voluntária, o Estado exige que a mesma cumpra o regime previsto na Lei da Arbitragem Voluntária (LAV 86 e, mais recentemente, LAV 2011); se a arbitragem é necessária, o Estado impõe que se cumpra a legislação especial ou, na falta dela, o regime previsto nos artigos 1525º e ss do anterior CPC e nos artigos 1082º do novo CPC.
Z) Constituindo a arbitragem prevista no artigo 54º dos Estatutos da LPFP arbitragem voluntária na modalidade de cláusula compromissória e estando a LPFP sedeada em território português, aplica-se-lhe o regime legal da arbitragem voluntária previsto, à data da submissão do litígio à arbitragem, na LAV 86 – cf. arts. 1º e 37º da mesma LAV 86.
AA) O tribunal recorrido interpretou e aplicou, por isso, correctamente, a LAV 86.
BB) Nos termos do artigo 19º da LAV 86, podem as partes acordar por escrito, até à aceitação do primeiro árbitro, determinado prazo para prolação da decisão arbitral, como podem ainda, por acordo e no decurso da acção, prorrogar tal prazo até ao dobro da sua duração inicial”.
CC) No entanto, nada dizendo as partes a esse respeito, o prazo para prolação da decisão será, por imposição legal, de seis meses, nos termos do n.º 2 daquele artigo.
DD) Não estando previsto nos Estatutos nem no Regulamento Geral da LPFP qualquer prazo para prolação da decisão final, nem tendo as partes acordado qualquer prazo, a conclusão a retirar, por imperativo legal, é evidente: na falta de previsão estatutária, o prazo para prolação de decisão pela Comissão Arbitral da LPFP é o prazo de seis meses legalmente previsto pelo artigo 19º, 2, da LAV 86.
EE) Não há, por conseguinte, qualquer lacuna nos Estatutos nem no Regulamento Geral da LPFP que careça de ser preenchida. Na falta de convenção em contrário, dever-se-á, tão-só, aplicar supletivamente o prazo legal.
FF) Considerando que a acção arbitral foi instaurada pela Comissão Arbitral da LPFP a 7 de
Outubro de 2011, deveria a decisão ter sido proferida até ao dia 7 de Abril de 2012, data em que terminava o prazo de seis meses previsto no citado artigo 19º, 2, da LAV 86.
GG) Não tendo a decisão arbitral sido proferida dentro do prazo legal de seis meses, a convenção arbitral caducou e ficou sem efeito, nos termos do disposto pelo artigo 4º, 1, c), da LAV 86.
HH) Neste sentido, decorrido tal prazo, a Comissão Arbitral da LPFP tornou-se incompetente para proferir a decisão.
II) A autora arguiu oportunamente a caducidade da convenção arbitral perante a Comissão Arbitral, nos termos do artigo 27º, 2, da LAV 86.
JJ) Pelo sobredito, ao decidir como decidiu, o tribunal a quo procedeu a correcta interpretação e aplicação do direito aos factos.
Nestes termos e nos mais de direito que V. Exas. doutamente suprirão, deverá o recurso ser julgado inteiramente improcedente e, em consequência, mantida a decisão recorrida, assim se fazendo inteira
JUSTIÇA.»

2. Fundamentos de facto
A 1.ª instância considerou provados os seguintes factos, que não foram objecto de impugnação:
1. Em 2013.02.01 a Comissão Arbitral da LPFP proferiu decisão arbitral no âmbito do processo que aí correu os seus termos sob o n.º 04-CA/2011 instaurada pela aqui A. contra a aqui R. em 2011.10.07, nos termos do documento de fls. 21 a 32, cujo teor aqui se dá por reproduzido.
2. No dia 20 de Abril de 2012, com a notificação de despacho proferido a 2012.04.19 no âmbito dos autos referidos em 1., a A. tomou conhecimento de que então ainda não tinha sido proferida decisão final nesse autos.
3. Em 2012.04.26 requereu a declaração de "caducidade da convenção de arbitragem pelo decurso do prazo de seis meses nos termos conjugados do disposto nos artigos 4.º n.º 1, al. c), 19.º, n.º 2, e 27.º, n.º 12 al. b) todos da Lei 31/86 de 29 de Agosto", nos termos do documento de fls. 35 a 40 dos autos, cujo teor aqui se dá por reproduzido.
4. Por decisão de 2012.05.18 foi decidido indeferir o requerimento da A. referido em 3., nos termos do documento, de fls. 41 a 43, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

3. Do mérito do recurso
O objecto do recurso, delimitado pelas conclusões das alegações (artigo 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1 CPC), salvo questões do conhecimento oficioso não transitadas (artigo 608.º, n.º 2, in fine, e 635.º, n.º 5, CPC), consubstancia-se em saber qual a natureza jurídica da Comissão Arbitral da Liga Portuguesa de Futebol Profissional: se se trata de um tribunal arbitral necessário, como pretende a apelante, ou um tribunal arbitral voluntário, como sustenta a apelada.
E, considerando-se que se trata de tribunal arbitral voluntário, se é de aplicar o prazo supletivo previsto no artigo 19.º, n.º 2, da Lei 31/86, de 29 de Agosto (LAV), no silêncio da convenção arbitral.
A sentença recorrida entendeu tratar-se de tribunal arbitral voluntário e, em consequência da aplicação do prazo supletivo de seis meses para a prolação da decisão, previsto no artigo 19.º, n.º 2, LAV, anulou a decisão arbitral, nos termos do artigo 4.º, n.º 1 alínea c): a cláusula compromissória fica sem efeito quanto ao litígio considerado se a decisão não for proferida no prazo do artigo 19.º.
Embora esta lei tenha sido revogada pela Lei 63/2011, de 14 de Dezembro, é a que logra aplicação no caso dos autos por ser a que se encontrava em vigor à data dos factos (artigo 12.º CC). O que, aliás, não mereceu contestação.

3.1. Da natureza da Comissão Arbitral da Liga Portuguesa de Futebol Profissional
A apelante, sustentando a natureza necessária do tribunal arbitral, invoca a violação artigos 202.º e 209.º CRP, e 18.º, n.º 1, da Lei 5/2007, de 16 de Janeiro — Lei de Bases da Actividade Física e do Desporto.
Dispõe o artigo 202.º CRP que os tribunais são os órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo.
No artigo 209.º, n.º 1, a Lei Fundamental elenca as diversas categorias de tribunais que considera obrigatórios:
a) O Supremo Tribunal de Justiça e os tribunais judiciais de primeira e de segunda instância;
b) O Supremo Tribunal Administrativo e os demais tribunais administrativos e fiscais;
c) O Tribunal de Contas.
No n.º 2 do mesmo preceito contempla a possibilidade de existirem tribunais marítimos, tribunais arbitrais e julgados de paz.
Centremo-nos nos tribunais arbitrais.

O artigo 1.º, n.º 1, da LAV de 86, desde que por lei especial não esteja submetido exclusivamente a tribunal judicial ou a arbitragem necessária, qualquer litígio que não respeite a direitos indisponíveis pode ser cometido pelas partes, mediante convenção de arbitragem, à decisão de árbitros.

Deste normativo resulta claramente que a arbitragem necessária é aquela que é imposta por lei especial, estando a arbitragem voluntária assente na autonomia privada.
Invoca a apelante a violação do artigo 18.º, n.º 1, da Lei 5/2007, de 16 de Janeiro.
É o seguinte o teor do artigo 18.º citado, sob a epígrafe Justiça desportiva:
1 - Os litígios emergentes dos actos e omissões dos órgãos das federações desportivas e das ligas profissionais, no âmbito do exercício dos poderes públicos, estão sujeitos às normas do contencioso administrativo, ficando sempre salvaguardados os efeitos desportivos entretanto validamente produzidos ao abrigo da última decisão da instância competente na ordem desportiva.
2 - Não são susceptíveis de recurso fora das instâncias competentes na ordem desportiva as decisões e deliberações sobre questões estritamente desportivas.
3 - São questões estritamente desportivas as que tenham por fundamento normas de natureza técnica ou de carácter disciplinar, enquanto questões emergentes da aplicação das leis do jogo, dos regulamentos e das regras de organização das respectivas competições.
4 - Para efeitos do disposto no número anterior, as decisões e deliberações disciplinares relativas a infracções à ética desportiva, no âmbito da violência, da dopagem, da corrupção, do racismo e da xenofobia não são matérias estritamente desportivas.
5 - Os litígios relativos a questões estritamente desportivas podem ser resolvidos por recurso à arbitragem ou mediação, dependendo de prévia existência de compromisso arbitral escrito ou sujeição a disposição estatutária ou regulamentar das associações desportivas. (sublinhado nosso).
A este propósito, lê-se na sentença recorrida:
Da Lei de Bases da Atividade Física e de Desporto – LBAFD – Lei- 5/2007 de 6/01, resulta claro que o legislador reservou à justiça desportiva apenas as questões estritamente desportivas (com exclusão das questões disciplinares relativas à ética desportiva no âmbito da dopagem, da violência e das corrupção).
Basta atentar no preceituado no artigo 18° desta mesma lei onde e sob a epígrafe "Justiça desportiva" se define a competência jurisdicional dos litígios emergentes dos atos e omissões dos órgãos das federações desportivas e das ligas profissionais, no âmbito do exercício dos poderes públicos, declarando estarem os mesmos "sujeitos às normas do contencioso administrativo, ficando sempre salvaguardados os efeitos desportivos entretanto validamente produzidos ao abrigo da última decisão da instância competente na ordem desportiva." (n.º 1 do citado artigo).
Definindo o n.º 3 questões estritamente desportivas, como aquelas que "tenham por fundamento normas de natureza técnica ou de carácter disciplinar, enquanto questões emergentes da aplicação das leis do jogo, dos regulamentos e das regras de e organização das respectivas competições".
Com a salvaguarda constante do n.º 4 "Para efeitos do disposto no número anterior, as decisões e deliberações disciplinar relativas a infracções à ética desportiva, no âmbito da violência, da dopagem, da corrupção, do racismo e da xenofobia não são matérias estritamente desportivas.".
Em consonância com o que no n.º 5 ficou expresso que "Os litígios relativos a questões estritamente desportivas podem ser resolvidos por recurso à arbitragem ou mediação, dependendo de prévia existência de compromisso arbitral escrito ou sujeição a disposição estatutária ou regulamentar das associações desportivas.".
E mesmo assim, o STA em 21/09/2010, face à garantia constitucional do direito recurso contencioso de todos os atos administrativos lesivos, defendeu uma interpretação restritiva do então artigo 25° n.º2 da Lei 1/90 de 13/01 (com correspondência ao n.º 2 deste artigo 18° da LBAFD) por forma a "não se considerarem questões estritamente desportivas subtraídas à jurisdição do Estado, as decisões que ponham em causa direitos fundamentais, direitos indisponíveis ou bens jurídicos protegidos por outras normas jurídicas para além dos estritamente relacionados com a prática desportiva (corrupção, dopagem, etc.)" [cfr. Ac. STA de 21/09/2010. Relator São Pedro, in http://www.dgsi.pt/jsta).
Como primeira conclusão temos que apenas as questões estritamente desportivas [que não ponham em causa direitos fundamentais, ou indisponíveis ou bens jurídicos protegidos por outras normas jurídicas para além dos estritamente bens jurídicos protegidos por outras normas jurídicas para além dos estritamente relacionados com a prática desportiva] estão afastadas legalmente da jurisdição estadual, por imposição legal (vide n.º 2 deste artigo). Sendo então dirimidas nos termos previstos nesse mesmo artigo 18°, ao abrigo do que os regulamentos e estatutos das associações desportivas definirem. Aqui se podendo falar num tribunal arbitral necessário – decorrente deste normativo legal.
Ao invés e quando em causa não estejam questões estritamente desportivas ainda que relacionadas com a actividade desportiva, já não existe fundamento legal, porquanto inexiste lei especial que tal imponha ou permita.
O litígio a que se reportam os autos tem na sua base um invocado pela autora direito de compensação sobre o aqui R., nos termos dos artigos 201° e 208° do Regulamento Geral da liga Portuguesa de Futebol Profissional, pela celebração deste com um seu jogador de um contrato de trabalho desportivo.
Não resulta pois a pretensão do autor de questões de natureza técnica ou de carácter disciplinar emergente da aplicação das leis do jogo, dos regulamentos ou las regras de organização das respectivas competições, pelo que se não enquadra no conceito de questão estritamente desportiva previsto no artigo 18° da LBAFD.
Impondo, em nosso entender, a conclusão de que o dirimir do litígio delineado pela autora não está atribuído por lei a um tribunal arbitral necessário.
A transcrição foi longa, mas justifica-se por permitir delinear melhor o alcance das alegações da apelante.
Com efeito, esta não questiona que não estamos perante uma questão eminentemente desportiva; o que sustenta é que não bastará dizer que todas as demais decisões da LPFP estão sujeitas à jurisdição comum, atentas as funções de natureza pública descorrentes da LBAD.
No caso vertente não estamos perante uma decisão da Liga, mas sim de um órgão da Liga, que é a Comissão Arbitral (cfr. artigo 12.º alínea f), dos Estatutos da LPFP).
Por outro lado, não vemos como possa o artigo 18.º, n.º 1, da LBAD, quedar violado pela sentença recorrida, pois não estão em causa quaisquer litígios emergentes dos actos e omissões dos órgãos das federações desportivas e das ligas profissionais, no âmbito do exercício dos poderes públicos, mas tão só um litígio de direito
privado que opõe duas S.A.D. (a do B… e a do C…), por questões meramente patrimoniais (direito à compensação pela formação de um jogador de futebol).
Nos termos do artigo 2.º do Decreto-Lei 67/97, de 03 de Abril, que estabeleceu o regime jurídico das sociedades desportivas, entretanto revogado pelo artigo 32.º do Decreto-Lei n.º 10/2013, de 25 de Janeiro, para efeitos do presente diploma, entende-se por sociedade desportiva a pessoa colectiva de direito privado, constituída sob a forma de sociedade anónima, cujo objecto é a participação numa modalidade, em competições desportivas de carácter profissional, salvo no caso das sociedades constituídas ao abrigo do artigo 10.º, a promoção e organização de espectáculos desportivos e o fomento ou desenvolvimento de actividades relacionadas com a prática desportiva profissionalizada dessa modalidade.
Temos, pois, um litígio de carácter estritamente patrimonial, entre duas pessoas colectivas de direito privado, submetido à jurisdição da Comissão Arbitral da Liga.
A participação das S.A.D. nas competições organizadas pela Liga dependem da inscrição na Liga como associados.
Assim, o artigo 4.º-A, n.º 1, do Regulamento Geral da Liga Portuguesa de Futebol Profissional, a declaração de candidatura à inscrição como associado na Liga deve ser formulada por escrito e manifestar de forma expressa e inequívoca a adesão integral e sem reservas aos Estatutos da Liga e de aceitação dos direitos e deveres deles decorrentes, bem como a aceitação da jurisdição arbitral da Comissão Arbitral da Liga.
Nos termos do artigo 53.º, alínea b), dos Estatutos da Liga, compete à Comissão Arbitral dirimir os litígios entre a Liga e os clubes membros, ou entre estes, compreendidos no âmbito da associação.
E o artigo seguinte dispõe que liga e os clubes seus associados reconhecem expressamente a jurisdição já Comissão Arbitral, com exclusão de qualquer outra, para dirimir todos os litígios compreendidos no âmbito da associação e emergentes, directa ou indirectamente dos presentes Estatutos e Regulamento Geral.
O regime jurídico da Comissão Arbitral consta dos artigos 133.º e ss. do respectivo Regulamento, constando do artigo 154.º que das decisões das secções da Comissão Arbitral caberá recurso para o Plenário, não sendo as decisões deste susceptíveis de recursos.
No capítulo relativo às relações entre associados destaca-se o artigo 198.º, sob a epígrafe «Princípios Gerais», que dispõe que os associados da Liga estão obrigados a respeitar escrupulosamente os acordos, contratos e convenções celebrados entre si e a submeter à arbitragem da Liga quaisquer litígios sobre questões do âmbito desta.
É neste quadro que temos de equacionar a natureza do tribunal arbitral, regressando à questão inicial.
Embora as S.A.D. tenham de se inscrever obrigatoriamente na Liga para participarem nas competições por esta organizada, adquirindo um estatuto que implica a aceitação da jurisdição da Comissão Arbitral, nem por isso se pode falar em tribunal arbitral necessário.
A definição de tribunal arbitral necessário consta do artigo 1525.º CPC anterior, aplicável ao caso: tribunal arbitral necessário é o que é imposto por lei especial. O mesmo resulta do artigo 1.º, n.º 1, LAV, como referido supra.
O Regulamento da Liga não pode ser considerado lei especial para efeito de criação de tribunais arbitrais necessários, pois se trata de competência reservada (artigo 165.º, n.º 1, alínea p), CRP).
Ainda que se entenda diversamente, admitindo que a Liga possa criar tribunais arbitrais necessários, tal não ocorreu no caso vertente.
A Comissão Arbitral da Liga configura-se como tribunal arbitral pré-constituído, o que não impede que seja considerado voluntário, desde que que exista uma convenção de arbitragem, isto é uma manifestação de vontade das partes de submeterem a decisão do litígio a esta comissão arbitral.
Manuel Pereira Barrocas, Manual da Arbitragem, Almedina, 2.ª edição, pg. 158 explica:
«O poder das partes de modelar livremente a acção arbitral é maior nas arbitragens ad hoc do que nas arbitragens institucionalizadas. Se, quanto às primeiras, a vontade das partes apenas encontra limites na lei, quanto às segundas os regulamentos dos centros de arbitragem institucionalizada podem introduzir limitações à autonomia privada relativamente a aspectos em que a lei permite. Com efeito, desde que não incorram em violação de normas legais imperativas, os centros de arbitragem institucionalizada podem conformar as arbitragens que tenham lugar no seu âmbito. A par de regras que se apliquem apenas no caso de as partes não acordarem noutro sentido, os centros podem estabelecer regras a que essas arbitragens devem obedecer, sob pena de o centro não as aceitar (por exemplo, fixar o número de árbitros; admitir apenas a intervenção de árbitros aprovados pelo centro; não admitir arbitragens se as partes não renunciarem ao recurso para os tribunais judiciais, etc.)».
Uma vez que a vontade de adesão pré-existiu ao conflito, a convenção arbitral assume a forma de cláusula compromissória (se o litígio fosse actual, estaríamos perante um compromisso arbitral — artigo 1.º, n.º 2, LAV).
Os requisitos da convenção de arbitragem, de que destacamos a forma escrita, constam do artigo 2.º, n.º1, LAV, esclarecendo o n.º 2 que considera-se reduzida a escrito a convenção de arbitragem constante ou de documento assinado pelas partes, ou de troca de cartas, telex, telegramas ou outros meios de telecomunicação de que fique prova escrita, quer esses instrumentos contenham directamente a convenção, quer deles conste cláusula de remissão para algum documento em que uma convenção esteja contida.
Ora, a declaração escrita de candidatura a que se refere o artigo 4.º-A, n.º 1, do Regulamento Geral da Liga, consubstancia de forma bastante a aceitação da jurisdição da Comissão Arbitral da Liga (cfr. artigo 2.º, n.º 1, LAV 86).
A circunstância de ser obrigatória a inscrição para a participação nas competições organizadas pela Liga não lhe retira a natureza voluntária: quem adere a uma organização tem de aceitar as regras pelas quais a mesma se rege, sem que isso belisque a autonomia da vontade.
A autonomia manifesta-se precisamente na liberdade de se aderir ou não.
A vinculação decorrente da adesão ao organismo é ainda um acto de vontade, não estando em causa qualquer vício que possa inquinar esse exercício de autonomia da vontade que constitui a pedra de toque da arbitragem.
Relativamente à problemática da convenção de arbitragem por adesão às cláusulas contratuais gerais veja-se Dário Moura Vicente, A manifestação do Consentimento na Convenção de Arbitragem, RFDUL, XLIII, pg. 996 e ss.).
Há, aliás, quem questione que os tribunais arbitrais necessários sejam verdadeira arbitragem, pela sua natureza coactiva (Lebre de Freitas, Introdução ao Processo Civil, Coimbra Editora, 3.ª edição, pg. 83, nota 21; Manuel Pereira Barrocas, op. cit., pg. 90).
Isabel Celeste Fonseca, A arbitragem e o direito de acesso aos tribunais: suspeitas de colisão, Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Heinrich Ewald Höster, Almedina, pg. 1171, considera que a imposição da arbitragem como mecanismo obrigatório e meio único de resolução de litígios anula dois traços típicos da arbitragem: a sua natureza voluntária e a sua natureza de mecanismo alternativo de resolução de litígios, que pressupõe opção ou escolha de quem a ela recorre.
Na feliz síntese de Francisco Cortez, A Arbitragem voluntária em Portugal: Dos ricos homens» aos tribunais privados, O Direito, 124, IV, pg. 555, «a arbitragem voluntária é contratual na sua origem, privada na sua natureza, jurisdicional na sua função, pública no seu resultado».
Aqui chegados impõe-se concluir que:
1. O Regulamento Geral da Liga Portuguesa de Futebol Profissional não constitui lei especial, não podendo por isso criar um tribunal arbitral necessário para dirimir litígios entre dois associados.
2. A declaração de aceitação da jurisdição da Comissão Arbitral aquando da inscrição na Liga Portuguesa de Futebol Profissional constitui adesão à cláusula compromissória constante dos Estatutos e do Regulamento a Liga.
3. A Comissão Arbitral da Liga funciona, pois, como tribunal arbitral voluntário.
Respondida a questão suscitada no recurso — a Comissão Arbitral funciona no caso vertente como tribunal arbitral voluntário —, é inevitável a improcedência do recurso com a confirmação da decisão recorrida, já que a apreciação da questão do prazo suscitada no recurso fica prejudicada.

3.2. Da aplicabilidade do prazo previsto no artigo 19.º, n.º 2, LAV
Quanto à aplicabilidade do prazo revisto no artigo 19.º, n.º 2, LAV, a sentença recorrida não merece censura.
A circunstância de o Regulamento Geral da Arbitragem não fixar prazo para a decisão não significa necessariamente que a prolação da decisão não esteja sujeita a prazo.
O artigo 19.º, n.º 1, LAV, permite às partes fixar o prazo para a decisão arbitral na convenção arbitral ou em escrito posterior até à aceitação do primeiro árbitro.
Não fixando as partes qualquer prazo, dispõe o n.º 2 desse artigo que o prazo da decisão será de seis meses se outra coisa não resulta do acordo das partes.
Frederico Bettencourt Ferreira, O prazo para a decisão arbitral, Thémis, n.º 16, pg. 146, após sublinhar que a existência de prazo não é um princípio sagrado da arbitragem, debruça-se sobre o alcance desta norma, considerando claro que abrange os casos em que nada foi convencionado, e problematizando se pode não abranger aqueles casos em que as partes convencionaram não haver qualquer prazo.
Acompanhamos este autor quando conclui que a lógica da LAV sugere a imposição de um prazo, desde logo pelas limitações de recurso aos tribunais judiciais, que poderiam levar a um prolongamento indefinido da instância arbitral, sem que as partes pudessem requerer a fixação de prazo ao tribunal estadual.
Se não fosse intenção do legislador a imposição de um prazo, o n.º 2 do artigo 19.º LAV perderia sentido.
Segundo o autor que temos vindo a seguir, op. cit., pg. 147.
«… parece-nos que o legislador optou por impor a existência de um prazo e que a conclusão contrária originaria problemas inesperados, para os quais a LAV não oferece solução razoável. É certo que nem todas as leis de arbitragem exigem às partes a fixação de um prazo ou estabelecem um prazo supletivo. Sucede que aí a regra é a de prever a possibilidade de recorrer aos tribunais para fixar um prazo ou remover os árbitros (ou árbitro) que não dêem andamento ao processo ou incumpram a obrigação de decidir em prazo razoável. Ora, a LAV não prevê tal possibilidade, o que, principalmente em arbitragens ad hoc, poderia originar situações de prolongamento indefinido do processo sem que, em regra, uma das partes pudesse impor a substituição dos árbitros ou recorrer aos tribunais judiciais para que estes o fizessem. De facto, são limitadas as situações nas quais é legítimo recorrer aos tribunais judiciais e e esta não é uma delas. Note-se que o Decreto-Lei n.º 243/84, de 17 de Julho, não previa qualquer prazo supletivo, mas no seu artigo 24º, n.º 2, estabelecia que "se as partes não tiverem fixado prazo nem previsto o modo de o estabelecer, pode qualquer delas requerer em tribunal judicial, logo que o julgue necessário, a fixação de prazo para os árbitros emitirem a decisão", solução que, ao contrário de outras constantes desse diploma, não foi adoptada pela LAV.
Parece assim que, apesar de não existirem razões de interesse público que imponham a existência de um prazo para a decisão arbitral, a conclusão mais consentânea com as hipóteses de substituição de árbitros e de recurso a tribunais judiciais estabelecidas na LAV é a de que o legislador impôs a existência de tal prazo. Caso as partes estipulem expressamente a não existência de prazo, deve então considerar-se aplicável o prazo supletivo de 6 meses, a menos que de outros elementos resulte que o prazo é necessariamente superior.»
No mesmo sentido, Francisco Cortez, A Arbitragem voluntária em Portugal: Dos ricos homens» aos tribunais privados, O Direito, 124, IV, pg. 575.
Concluindo-se pela obrigatoriedade de um prazo para a decisão, é irrelevante que o Regulamento não estabeleça nenhum prazo, pois ele decorre da LAV.
Não assiste, pois, razão à apelante quando afirma que está pressuposta na sentença a conclusão de que a omissão da indicação de prazo no Estatuto e no Regulamento consubstancia uma lacuna a ser integrada com base nas disposições da LAV.
O que sucede — reitera-se — é a imposição legal de prazo: apenas a duração, mas não a existência desse prazo está na disponibilidade das partes.
Por outras palavras: ou as partes fixam um prazo, seja ele qual for, ou aplica-se o prazo de seis meses supletivamente estabelecido no artigo 19.º, n.º 2, LAV. Tertium non datur.
A aplicação da LAV faz-se, pois, a título supletivo, e não por aplicação analógica, como defendido pela apelante.

4. Decisão
Termos em que, julgando a apelação improcedente, confirma-se a decisão recorrida.
Custas pela apelante.

Porto, 17 de Junho de 2014
Márcia Portela
M. Pinto dos Santos
Francisco Matos
____________
Sumário
1. Os tribunais arbitrais necessários são criados por lei especial, enquanto os tribunais arbitrais voluntários assentam na autonomia da vontade.
2. O Regulamento Geral da Liga Portuguesa de Futebol Profissional não constitui lei especial, não podendo por isso criar um tribunal arbitral necessário para dirimir litígios entre dois associados.
3. A Comissão Arbitral da Liga Portuguesa de Futebol Profissional é um tribunal arbitral voluntário, porque assente na vontade manifestada aquando da inscrição como membro associado.
4. A declaração de aceitação da jurisdição da Comissão Arbitral aquando da inscrição na Liga Portuguesa de Futebol Profissional constitui adesão à cláusula compromissória constante dos Estatutos e do Regulamento a Liga.
5. A Comissão Arbitral da Liga configura-se como tribunal arbitral pré-constituído, o que não impede que seja considerado voluntário, desde que que exista uma convenção de arbitragem, isto é uma manifestação de vontade das partes de submeterem a decisão do litígio a esta comissão arbitral.
6. A circunstância de ser obrigatória a inscrição para a participação nas competições organizadas pela Liga não lhe retira a natureza voluntária: quem adere a uma organização tem de aceitar as regras pelas quais a mesma se rege, sem que isso belisque a autonomia da vontade.
7. Não fixando o Regulamento Geral da Liga Portuguesa de Futebol Profissional m prazo para a decisão arbitral, aplica-se o prazo supletivo previsto no n.º 2 do artigo 19.º, LAV 86.

Márcia Portela