Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
396/09.9PASJM.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MELO LIMA
Descritores: NEGOCIO JURÍDICO CRIMINALIZADO
BURLA
Nº do Documento: RP20120222396/09.6PASJM.P1
Data do Acordão: 02/22/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - No mundo dos negócios, a fraude e/ou a deslealdade tidas por inadmissíveis assumem a natureza de ilícito penal – especialmente do crime de burla – desde que comprovados os respetivos elementos constitutivos do tipo de ilícito.
II - Tal é o caso do contraente que, valendo-se da boa-fé da parte contrária, simula o propósito de acordar um determinado negócio, quando, na realidade, não tenciona cumprir as suas obrigações e tem a exclusiva intenção de se aproveitar e beneficiar das prestações que a parte contrária há de realizar.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: PROCESSO Nº 396/09.9PASJM.P1

RELATOR: MELO LIMA

Acordam, em Conferência, na 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto

I. Relatório

1. Para julgamento em processo comum, Tribunal Singular, pelo 2ºJuízo do Tribunal Judicial de S. João da Madeira:
1.1 B… foi pronunciada pela prática, em autoria material e em concurso real de infrações, de dois crimes de burla, previstos e punidos pelo artigo 217.º, n.º 1 do Código Penal.
1.2 Foram deduzidos pedidos de indemnização civil, respetivamente:
1.2.1 Pela ofendida C…, requerendo a condenação da arguida no pagamento da quantia global de 1150€, sendo 950€, a título de danos patrimoniais, e 250€, a título de danos não patrimoniais;
1.2.2 Pela ofendida D…, requerendo a condenação da arguida no pagamento da quantia global de 402,50€, a título de danos patrimoniais e 350€, a título de danos não patrimoniais, acrescendo juros de mora.
2 Realizado o julgamento, foi, a final, proferida DELIBERAÇÃO nos seguintes termos:
2.1 Condenar a arguida B… na pena única de 1 (um) ano e 2 (dois) meses de prisão pela prática, em concurso efectivo, dos seguintes crimes, a que correspondem as seguintes penas individuais
2.1.1 Pela prática de um crime de burla do artigo 217.º, n.º 1 do Código Penal na pena de 10 (dez) meses de prisão;
2.1.2 Pela prática de um crime de burla do artigo 217.º, n.º 1 do Código Penal na pena de 10 (dez) meses de prisão.
2.2 Suspender a execução dessa pena de prisão por igual período de 1 (um) ano e 2 (dois) meses, subordinada ao cumprimento do dever de pagamento às demandantes civis das quantias infra fixadas a título de indemnização civil, juntando os respectivos recibos de quitação, no prazo de 8 (oito) meses, a contar do trânsito em julgado da presente sentença;
2.3 Julgar parcialmente procedente o pedido de indemnização civil formulado pela demandante civil C… e, em consequência, condenar a demandada civil B… no pagamento a esta da quantia de 400€ (quatrocentos euros), a título de danos patrimoniais, absolvendo-se a mesma do restante pedido;
2.4 Julgar parcialmente procedente o pedido de indemnização civil formulado pela demandante civil D… e, em consequência, condenar a demandada civil B… no pagamento a esta da quantia global de 750€ (setecentos e cinquenta euros), sendo 400€ (quatrocentos euros), a título de danos patrimoniais, e 350€, a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros vincendos desde a sua notificação até efectivo e integral pagamento.
3 Inconformada, recorre a Arguida B… rematando a respectiva motivação com as seguintes conclusões:
3.1 Não se tece considerações acerca da convicção formada pelo tribunal “a quo”, mas objectiva e imparcialmente não se pode concordar com ela.
3.2 A Arguida no exercício da sua defesa já o disse e aqui mais uma vez reitera que não estão reunidos os pressupostos para o crime de burla.
3.3 Na burla o agente induz a vítima em erro sobre os factos; No crime de burla exige-se a intenção do enriquecimento, o que não acontece no caso vertente.
3.4 Faltam elementos essenciais como sejam os pressupostos de que depende a aplicação de uma pena ou medida de segurança á Arguida. Com efeito,
3.5 Ficou provado em sede de Audiência de Julgamento que:
3.5.1 À altura dos factos a Arguida trabalhava com unhas de gel e tinha um site na internet para publicitar a sua actividade - www.E....com.
3.5.2 A Arguida era proprietária de um estabelecimento comercial e era aí que exercia a sua actividade profissional no âmbito das unhas de gel, quer dando formação, quer atendendo ao público, quer vendendo os vários kits de unhas de gel.
3.5.3 Estabelecimento e actividade que mantém até hoje e com nome na praça, como refere a testemunha F… que diz que foi através da empresa “G…” que soube da existência da arguida e da sua actividade e que a Arguida lhe foi recomendada por esta empresa. Conforme se alcança do seu depoimento acima transcrito.
3.5.4 Ora, - Se a Arguida não fosse uma profissional credível, certamente não seria recomendada por uma empresa de renome e com lojas em todo o país, conforme melhor resulta alegado supra.
3.5.5 A Arguida pelo menos desde inícios de 2009 que exerce actividade comercial na área de estética em S. João da Madeira, e continua até hoje, sendo que recentemente abriu um salão de cabeleireiro onde também exerce a actividade de colocação de unhas de gel.
3.5.6 O seu domicílio profissional pelo menos desde 2009 foi sempre na mesma cidade e manteve sempre a mesma residência.
3.6 No referido site a Arguida colocou uma lista discriminativa dos produtos que compunham o kit. Essa lista estava acompanhada de uma fotografia a cores demonstrativa dos produtos.
3.7 Compulsado o referido site constata-se que nele se encontra toda a informação contratual devidamente discriminada incluindo o caso da devolução da mercadoria.
3.8 Se a Arguida se quisesse eximir ao cumprimento das suas obrigações não tinha este tipo de comportamento.
3.9 Estes factos não são de todo consentâneos com os crimes de burla em que a Arguida foi condenada. Pelo contrário revelam uma actividade profissional estável praticada pela Arguida pelo menos desde 2009 até á presente data.
3.10 Resulta do senso comum que os burlões não passam muito tempo no mesmo sítio, pois a burla começa a ser conhecida e para que isso não aconteça mudam-se constantemente.
3.11 É fundamental ter em linha de conta estes factos para aquilatarmos que a Arguida não cometeu nenhum crime de burla. Todavia, tais factos não se esgotam aqui.
3.12 No que respeita á formação, a arguida deu formação às demandantes cíveis e o dinheiro que cobrou no início deu a respectiva quitação. Assim,
3.13 Inicialmente a Ofendida D… pagou 100,00€ e a Ofendida C… pagou os 350,00€ correspondentes ao kit e formação.
3.14 Compulsados os depoimentos das demandantes cíveis e das testemunhas que apresentaram não demonstram ser os mesmos credíveis e sustentados, sobretudo se confrontados com os demais depoimentos prestados em Audiência de Julgamento, nomeadamente com os depoimentos das testemunhas F… e H… acima identificadas. Conforme melhor resulta alegado supra. Com efeito,
3.15 A Arguida nomeadamente nos artigos 21° a 45° supra demonstra recorrendo a excertos das transcrições do Julgamento porque é que os depoimentos mencionados no art. Supra não são credíveis e sustentados. E para onde se remete por uma questão de economia processual. Assim,
3.16 As demandantes cíveis mentiram para poder vingar a tese que carrearam para os autos que o kit não foi completo, todavia, como infra se pretende demonstrar não lhes assiste razão.
3.17 Dúvidas não subsistem que o depoimento da testemunha I… marido da demandante D… é tendencioso e parcial, tendo cometido perjúrio para defender a posição da sua esposa, como melhor está patenteado supra.
3.18 Esta certeza fica ainda mais alicerçada se confrontarmos o depoimento da testemunha I… com o depoimento da testemunha J… constata-se que a versão da testemunha I… é inverosímil á luz da experiência comum, nomeadamente quanto á questão da intervenção da PSP onde se vê claramente que a tese que tenta sustentar não tem qualquer fundamento.
3.19 O mesmo acontecendo com a testemunha K… em que se denota claramente que o depoimento que presta está instrumentalizado por forma a beneficiar a sua amiga a demandante D…, pois deste depoimento se constata que esta testemunha não tem qualquer razão de ciência relativamente á questão que se discute nos presentes autos, mas mesmo assim não deixa de opinar e quando confrontada com os factos chega a ser grosseira.
3.20 Esta testemunha não tem conhecimento directo dos factos relevantes para condenar o Arguida e isto fica cimentado quando estabelecemos o paralelo com os depoimentos ‘- das testemunhas F… e H…, essas conhecedoras dos factos em discussão. E,
3.21 Os seus depoimentos deitam por terra a versão das demandantes.
3.22 Cumpre de sobremaneira referir que a Arguida deu a quitação aquando da entrega do dinheiro pelas demandantes cíveis, mas posteriormente enviou juntamente com o kit a factura, venda a dinheiro da totalidade despendida pelas Demandantes e o respectivo certificado. Conforme se alcança dos dois documentos juntos pela Arguida aquando da abertura de Instrução e para onde se remete por uma questão de economia processual. Assim,
3.23 Está sobejamente provado nos autos que a arguida deu quitação de tudo o que recebeu. Mais uma vez se diz que não se vislumbra no comportamento da arguida onde possam estar os factos que consubstanciem o crime de burla. Sem prescindir,
3.24 Não se fez prova do contrário ou seja que a arguida não deu quitação e/ou enviou as facturas e os certificados e sendo assim ao abrigo das regras de processo penal, tal facto não pode prejudicar a Arguida, muito pelo contrário.
3.25 O “Tribunal a quo” não valorou convenientemente a questão central do julgamento, qual seja o envio completo ou não dos Kits por parte da Arguida às demandantes. Senão vejamos:
3.26 A arguida já o disse nos autos nomeadamente em sede de Instrução e aqui reitera que os kits das demandantes cíveis eram diferentes. Ao passo que o kit da C… era um kit normal, o Kit da D… era mais simples e com menos peças era um kit cor. E,
3.27 Isso está patenteado nas facturas que a arguida enviou juntamente com o kit às demandantes e onde se constata que os kits são diferentes e consequentemente o seu valor.
3.28 A Demandante cível D… pagou 100,00€ iniciais e esses não geram qualquer controvérsia e posteriormente quando lhe foi enviado o kit pelo correio pagou mais 152,50€ conforme prova inequivocamente o registo dos CII junto com a instrução.
3.29 Cumpre desde logo referir que existem vários Kits a que correspondem vários preços, não constando qualquer prova dos autos qual o kit que a ofendida encomendou, sendo que está provado documentalmente nos autos que foi enviado á ofendia D… o Kit cor no valor de 252,00€. E foi esta a quantia que a Ofendida pagou á Arguida e não 352,00€ como quer fazer crer. E
3.30 Não tendo a demandante carreado para os autos prova idónea e cabal do que disse, deve tal montante ser reduzido para 252,50€ correspondendo assim á realidade dos factos.
3.31 No que concerne á questão se a Arguida enviou ou não o kit completo a cada uma das demandantes, cumpre de sobremaneira referir que:
3.32 À luz da lei as demandantes podiam e deviam ter devolvido ci mercadoria á Arguida e aí sim solicitar o reembolso da quantia que despenderam caso o kit não estivesse em condições. Ora,
3.33 Não há devolução da mercadoria, nem quaisquer provas físicas que a mercadoria não estivesse nas devidas condições, não pode por isso a arguida ser condenada.
3.34 Mesmo que assim não fosse, o que não se concede, cumpria às demandantes de devolver a mercadoria e obter o reembolso do preço. E não se diga, que as Ofendidas não estavam cientes disso.
3.35 Infere-se legitimamente deste comportamento que o kit estava nas devidas condições, por isso nenhuma delas procedeu ao reembolso.
3.36 O que se afigura seriamente á arguida é que ambas se arrependeram da compra que efectuaram pois atenta a conjuntura económica que vivemos não é fácil viver unicamente da actividade de colocação de unhas de gel.
3.37 E deitaram mão da queixa-crime que era a maneira mais fácil de pressionar a Arguida a dar o dinheiro sem ter que dar o kit que receberam.
3.38 Impõe-se que se separe o Trigo do joio e se afira com a certeza dos factos o que realmente está em questão.
3.39 Estamos em pleno século XXI em a internet e vendas á distância fazem parte do nosso dia-a-dia. E estão devidamente acauteladas na Lei civil, sem haver necessidade de recurso ao processo-crime. Sem prescindir,
3.40 A admitir-se que os kits não estavam completos, o que não se concede, tal facto pode constituir um incumprimento contratual, não tendo dignidade criminal. Assim,
3.41 O dissenso entre as demandantes e a Arguida podia e devia ser resolvido em sede de processo civil.
3.42 Na verdade o crime de burla, previsto no art. 2170 n.° 1 do CPP, exige a ocorrência de um comportamento astucioso (ou especialmente habilidoso ou engenhoso), o que não se verifica por um anuncio na internet devidamente elucidativo e posterior - comportamento da arguida conforme já resulta supra mencionado. 3.43 Pelo que estes autos deviam ter sido arquivados ab initio no M° P°.
3.44 No que respeita á pena aplicada a arguida pugna e pugnará pela sua absolvição dado que não cometeu os crimes de burla de que foi condenada.
3.45 Cumpre no entanto referir que ainda que assim não fosse, o que não se concede, a pena aplicada á Arguida foi manifestamente exagerada.
3.46 É pacifico quer na Jurisprudência, quer na Doutrina, que a pena de prisão só deve ser aplicada em ultima rácio e quando a pena de multa ou outras não sejam suficientes para as exigências de tutela mínima do ordenamento jurídico.
3.47 Refere o art. 70º que se ao crime foram aplicáveis pena privativa e pena não privativa de liberdade, o Tribunal dá preferência á segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
3.48 Os crimes de burla que alegadamente a Arguida cometeu são de valor diminuto e de baixa gravidade atento o supra exposto, pelo que a pena de multa mostra-se adequada e suficiente às finalidades da punição. Ademais,
3.49 A Arguida está social e profissionalmente inserida e tem um filho menor a cargo, o que releva de sobremaneira para efeitos de atribuição de pena.
3.50 Por último sempre se diz que ressalvando sempre o devido respeito não pode a arguida concordar com a posição assumida na Sentença recorrida de que a Arguida praticou os mesmos factos pelos quais já tinha sido anteriormente condenada. Com efeito,
3.51 Compulsada a Sentença proferida no processo 466/04.OPAVFR que correu termos pelo 2° Juízo do Tribunal Judicial de Espinho e principalmente nos factos provados constata-se que a Arguida foi condenada por ter subtraído um cheque em branco a uma sua colega de trabalho e num acto único e desesperado assinou-o e preencheu-o com a quantia de 60,00€. E como resulta da Aludida Sentença fez seu tal cheque e cobrou-o.
3.52 Fácil é de ver que nos dois processos não estão em causa os mesmos factos, como entendeu o “Tribunal a quo”.
3.53 Cumpre ressalvar que os factos no processo 466/04.OPAVFR foram praticados em Junho de 2004, laborando a Sentença recorrida num erro pois confunde o trânsito da Sentença no processo 466/04.OPAVFR (13 de Fevereiro de 2009) com a prática dos factos.
3.54 Sendo grave o facto de agravar a pena que aplicou á Arguida por este facto. Sendo que,
3.55 Também porque não foi considerado pelo “Tribunal a quo” que desde 2004 a Arguida não praticou qualquer facto ilícito e que abona em sua defesa.
3.56 A Arguida não pode ser penalizada por ser julgada passados quase 5 anos da prático dos factos.
3.57 No que tange aos pedidos cíveis formulados pelas demandantes e nos montantes em que a Arguida foi condenada, os mesmos não são devidos, uma vez que a conduta da arguida não consubstancia crime de burla.
3.58 Preclude assim a indemnização cível a que a Arguida foi condenada a pagar a cada uma das demandantes. Sem prescindir, 3.59 Ainda que houvesse lugar a qualquer indemnização as quantias a que Arguida foi condenada são manifestamente exageradas. Sem prescindir,
3.60 Um outro aspecto a ter em linha de conta é que a Arguida enviou os kits às demandantes. Assim sendo não pode a Arguida ser condenada a pagar a totalidade das quantias peticionadas como se não tivesse entregue nenhuma mercadoria.
3.61 Aliás, tal como foi sentenciado em sede de 1° Instância assistimos a uma situação no mínimo caricata, a Arguida foi condenada por dois crimes de burla e é ela que tem um efectivo prejuízo patrimonial, pois se tiver que pagar às demandantes cíveis a totalidade do dinheiro que estas entregaram fica prejudicada na mercadoria que entregou.
3.62 O que para a Arguida significa um prejuízo igual ao que foi condenada a pagar às demandantes cíveis uma vez que entregou o kit normal á C… e o Kit cor á D…, com todas as peças que compunham esses kits.
3.63 Para além do prejuízo com que fica no que respeita à D…, uma vez que esta só lhe pagou 252,50€, conforme melhor resulta alegado supra e o “Tribunal a quo” condenou-a a pagar á demandante D… a quantia de 352,50€ a título de danos patrimoniais.
3.64 Escusado será dizer no que a esta questão diz respeito que o “Tribunal a quo” fez uma interpretação errónea destes factos e não valorou a prova documental junta nomeadamente o doc. Dos Cli.
3.65 O “Tribunal a quo” também não fez justiça ao atribuir 50€ de despesas para cada uma das demandantes, fê-lo sem sequer ter um critério em que se baseasse para tal atribuição. Ademais as demandantes vivem em sítios completamente diferentes, sendo desigual o percurso que fizeram assim como é diferente as vezes que vieram a S. João da Madeira. E por fim se diz que não se provou essas despesas pelo que deve improceder tal condenação.
3.66 No que respeita á indemnização por danos não patrimoniais atribuída á demandante D…, não pode a arguida com ela concordar, desde logo porque não é devida e ainda que fosse, o que não se concede, os danos que a demandante diz ter sofrido enquadram-se perfeitamente nos transtornos incómodos e preocupações normais, decorrentes de uma situação que se admite possa ter gerado alguma ansiedade, todavia, que a sua gravidade fosse de molde a merecer a tutela do direito e por isso improcede também esta condenação.
3.67 Nesta conformidade deverá a douto Sentença proferida ser revogada e substituído por outra que absolva a arguida da pena em que foi condenada, bem como das indemnizações em sede de pedido cível.
3.68 Ou quando se não entenda que a matéria de facto não deverá ser respondida da forma que supra se alegou, deverá a Arguida ser absolvida com base em fundadas dúvidas sobre o circunstancialismo em que os factos ocorreram, dado não ser verosímil atento os factos provados e não provados, conjugados com os factos que foram apresentados como provados e não provados neste recurso que a arguida tenha cometido dois crimes de burla simples.
3.69 Foram violadas nomeadamente as disposições constantes dos artigos 21 7°n.° 1 e 70°, 71° e 72° todos do Código Penal.
4 Respondeu, no Tribunal recorrido, o MºPº, rematando o respetivo articulado com as seguintes conclusões:
4.1 Ao longo da motivação a recorrente vai misturando diversas questões relacionadas com a decisão sobre a matéria de facto que, sendo distintas, obrigavam a tratamento diferenciado.
4.2 De tal modo, que se fica sem se saber se pretende impugnar a matéria de facto, nos termos do art. 412, n.2 3 e n.2 4 do Código de Processo Penal, ou se invoca os vícios do art. 410, n.2 do mesmo diploma legal.
4.3 Em qualquer dos casos, fá-lo de forma incorrecta.
4.4 Se pretendeu impugnar a matéria de facto, nos termos do citado art. 412, 3 e n.º 4 do Código de Processo Penal, a motivação parte de um equívoco: o entendimento de que o Tribunal da Relação pode fazer um novo julgamento, indicando, mediante a leitura das transcrições feitas, os factos que considera provados e não provados.
4.5 O recurso da matéria de facto não se destina a postergar o princípio da livre apreciação da prova, que tem consagração expressa no art. 127 do Código de Processo Penal.
4.6 A recorrente não cumpriu o formalismo previsto naquele n.º 3, especificando quais os factos que considera incorrectamente julgados e, relativamente a cada um deles, quais as provas que impunham decisão diversa e o sentido ou a redacção correcta da decisão.
4.7 Quanto aos vícios previstos no art. 41O, n.2 2 do Código de Processo Penal, todos eles têm forçosamente, como decorre do texto do corpo do n.º 2, que resultar do texto da decisão recorrida, por si ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo possível, para a sua demonstração, o recurso a quaisquer elementos que lhe sejam externos, designadamente declarações prestadas ou documentos juntos durante o inquérito, a instrução, ou até mesmo no julgamento.
4.8 Da simples leitura da sentença recorrida verifica-se que a mesma não enferma de qualquer dos vícios em referência.
4.9 Percorrendo a decisão recorrida também não vislumbramos outrossim vício de contradição a que se reporta a alínea b) do art. 41O do Código de Processo Penal, nem qualquer erro notório na apreciação da prova, a que se reporta a alínea c) do mesmo preceito.
4.10 O erro notório na apreciação da prova nada tem a ver com a simples divergência quanto àquilo que o Tribunal deu como provado e a recorrente não daria e daí o nosso desacordo com aquela, sendo irrelevantes as considerações que esta faz, no sentido de pretender discutir a prova feita no julgamento e de solicitar que o Tribunal de recurso modifique tal prova e passe a aceitar como realidade aquilo que a recorrente pretende corresponder ao sentido do que teria resultado do aludido julgamento.
4.11 Na verdade, a recorrente, em nosso entender, invoca esse mesmo vício enquanto, afinal, discorda da forma como o Tribunal valorou a prova produzida. Com efeito, atentando quer nos fundamentos do recurso, quer nas suas conclusões, logo se vê que a recorrente apenas pretende que a Meritíssima Juiz a quo devia ter formado convicção em sentido diferente, ou seja, discorda, afinal e apenas, da valoração que o julgador fez da prova produzida em audiência de julgamento.
4.12 Do que se trata realmente, quanto à matéria de facto é que a Recorrente valora e sopesa meios de prova, de forma diversa da levada a cabo pelo Tribunal a quo.
4.13 Nenhuma censura merece a matéria de facto julgada provada e não provada, face à inexistência dos invocados vícios da sentença, ou seja, nomeadamente do enumerado na alínea c) do art. 41O, n.2 2 do Código de Processo Penal, sendo também certo que tendo em conta o acerto quanto ao julgado de facto, porque nenhuma censura nos merece, se deve considerar ASSENTE a factualidade dada como Provada e Não Provada na sentença recorrida.
4.14 No caso sub judice só a pena privativa da liberdade se mostra suficiente para que, no caso concreto, sejam alcançados os efeitos que se pretendem obter com qualquer reacção criminal.
4.15 Na verdade, as necessidades de prevenção especial mostram-se prementes, não obstante a arguida se encontrar a trabalhar, pelo que a aplicação de uma pena de multa não satisfaz de forma bastante e adequada as finalidades que subjazem à correspondente incriminação, revelando-se insuficiente para acautelar as exigências de ressocialização e de estabilização contra-fáctica da validade da norma violada.
4.16 Não existem fundamentos para se poder baixar a medida concreta das penas de prisão aplicadas à recorrente, sendo notório o desequilíbrio contra a recorrente entre as circunstâncias agravativas e atenuativas.
4.17 Assim, entende-se que as penas de 10 (dez) meses de prisão para cada um dos crimes aplicadas à recorrente foram sábia e criteriosamente aplicadas, mostrando-se adequadas, justas e proporcionais, nenhuma razão de ser existindo para as criticas que a recorrente dirige à determinação da medida concreta das penas em referência.
4.18 Assim, como adequada se mostra a medida da pena única encontrada, que sabiamente considerou, em conjunto, os factos e a personalidade da arguida.
4.19 Não foram por tal razão violadas quaisquer disposições legais, nomeadamente os invocados arts. 7O, 71, 72 e 217, n.2 1 do Código Penal.

5. Neste Tribunal da Relação o Exmo. Procurador-Geral Adjunto pronunciou-se no sentido da negação do provimento ao recurso, justificando:
«… a sentença recorrida não enferma de qualquer erro de julgamento na interpretação e integração da prova produzida e consequente fixação da matéria de facto dada como provada, ou vício ou nulidade que devam ser conhecidos nos termos do art. 410º nos 2 e 3 do CPP, encontrando-se devidamente estruturada e fundamentada de facto e de direito, não merecendo qualquer censura.
Sendo de concluir que a Recorrente mais não pretende do que tentar sobrepor à versão do Tribunal resultante da convicção do Julgador formada na livre apreciação da prova (art. 127° do CPP) produzida na imediação e oralidade da audiência, a sua própria versão dos factos, necessariamente subjectiva e desculpabilizante, que não merece credibilidade.»
«… as penas cominadas, parcelares e única, .. afiguram-se justas, porque proporcionais e adequadas ao trinómio natureza e gravidade dos factos provados/grau de culpa, personalidade e demais elementos pessoais e sociais atendíveis do agente/fins das penas, escolhidas e fixadas e bem assim decidida a suspensão da execução da pena única, no respeito dos critérios dos arts. 40°, 41°, 50° n°5 1 e 5, 51° n° 1 ai. a), 70°, 71° e 77° do CP, pelo que devem ser confirmadas.»

6. Observada a Notificação a que alude o artigo 417º/2 do CPP, colhidos os Vistos, Realizada a Conferência, cumpre conhecer e decidir
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II FUNDAMENTAÇÃO
Foi a seguinte a decisão proferida pelo Tribunal recorrido em termos de factos provados, factos não provados e motivação:

1. FACTOS PROVADOS
1.1 No dia 28 de Fevereiro de 2009, a ofendida C… encetou contactos, via internet, com a arguida, através do endereço de email “L…@hotmail.com”, obtido mediante consulta do site www.E....com, onde se anunciava um curso de formação para colocação de unhas de gel, mostrando-se interessada em frequentar tal curso.
1.2 Após troca de mensagens, via email com a arguida, a ofendida C…, no dia 6 de Março de 2009, dirigiu-se ao estabelecimento sito na Rua …, n.º …, em São João da Madeira, com o propósito de receber formação e adquirir o material necessário à colocação de unhas de gel anunciado naquele site, ou seja, uma broca polidora de unhas, gel branco, gel transparente, gel dourado, mala metálica de transporte, mala de apoio de mão, pincéis e outros materiais ali mencionados, cuja fotografia estava acessível no referido site.
1.3 No interior de tal estabelecimento, a arguida apresentou-se como sendo a dona da “E1…” e demonstrou a técnica de colocação de unhas de gel nas mãos daquela.
1.4 E propôs à ofendida C… a aquisição de um kit completo e uma broca profissional mediante o pagamento da importância de 350€ (trezentos e cinquenta euros), naquele acto, obrigando-se à entrega de tal material e certificado de frequência do respectivo curso de formação até ao dia 28 de Março de 2009, mediante a apresentação da respectiva venda a dinheiro, que emitiu e entregou àquela.
1.5 A ofendida C…, convencida que a arguida lhe entregaria todo o material necessário a desenvolver a actividade de colocação de unhas de gel que se encontrava anunciado no site mencionado em 1, de que esta tinha acesso a tais materiais e que a venda a dinheiro que lhe foi emitida era verdadeira, entregou-lhe a importância de 350€ (trezentos e cinquenta euros).
1.6 Só aceitou pagar à arguida esta importância por ter ficado absolutamente convencida de que esta lhe iria entregar, até ao dia 28 de Março de 2009, todo o material necessário à actividade de colocação de unhas de gel, de que esse material era o anunciado na internet e que a mesma estava habilitada a emitir o certificado comprovativo de que frequentara a formação necessária para desenvolver tal actividade.
1.7 A venda a dinheiro mencionada em 4 não foi emitida pela E1… e a arguida apenas entregou à ofendida C… três boiões de gel de 5 ml cada um, cem tips, limas, corta-tips e uma lâmpada e nunca lhe entregou o certificado, mesmo após esta se ter deslocado às instalações do estabelecimento identificado em 2, pelo menos, em 8 e 23 de Abril de 2009 e não obstante as trocas de mensagens, via internet, entre ambas.
1.8 Aquando do descrito em 2 a arguida já sabia que não iria proceder à entrega de todo o material necessário à actividade de colocação de unhas de gel ali anunciados.
1.9 Em data que não foi possível apurar, mas que se situa nos meses de Fevereiro e Março de 2009, a ofendida D… encetou contactos, via internet, com a arguida, através do endereço electrónico www.E....com, mostrando-se interessada em frequentar um curso de formação para colocação de unhas de gel.
1.10 No dia 10 de Março de 2009, a ofendida D… dirigiu-se ao estabelecimento sito na Rua …, n.º …, em São João da Madeira, com o propósito de receber formação e adquirir o material necessário à colocação de unhas de gel.
1.11 Assim, uma vez no interior de tal estabelecimento, a arguida apresentou-se como sendo a dona da “E1…” e demonstrou a técnica de colocação de unhas de gel.
1. 12 A arguida propôs ainda à ofendida D… a aquisição de um kit completo para desenvolvimento da actividade de colocação de unhas de gel anunciado no referido endereço electrónico, ou seja, com uma broca polidora de unhas, gel branco, gel transparente, gel dourado, mala metálica de transporte e apoio de mão, pincéis e outros objectos, cuja fotografia estava acessível no referido site, mediante o pagamento da importância de 100€ (cem euros), naquele acto, e 250€ (duzentos e cinquenta euros) aquando da recepção do respectivo material, obrigando-se à entrega do mesmo.
1.13 Nesse dia, a ofendida D… entregou à arguida a importância de 100€ (cem euros) e, mais tarde, deslocou-se à estação dos C.T.T. em …, onde, para proceder ao levantamento da encomenda identificada em 12, se viu forçada a proceder ao pagamento da importância de 252,50€ (duzentos e cinquenta e dois euros e cinquenta cêntimos).
1.14 Apenas aceitou pagar as quantias mencionadas em 13 porque estava convencida que a arguida lhe entregaria todo o material necessário para desenvolver a actividade de colocação de unhas de gel anunciado no referido endereço electrónico e que o conteúdo da encomenda tinha integral correspondência com os materiais mencionados no referido endereço electrónico e que a arguida tinha acesso aos mesmos.
1.15 No interior da referida encomenda, encontrava-se uma lâmpada, cinco pincéis não adequados ao gel e cinco boiões de gel de várias cores fluorescentes.
1.16 A arguida logrou, do modo acima descrito, induzir cada uma das ofendidas em erro, de forma a determinar C… a entregar-lhe a importância de 350€ (trezentos e cinquenta euros) e D… a entregar-lhe a quantia de 352,50€ (trezentos e cinquenta e dois euros e cinquenta cêntimos), com o propósito de enriquecer à custa do empobrecimento destas.
1.17 O que quis, através de engano em que fez cair as mesmas.
1.18 A arguida nunca teve intenção de entregar a cada uma das ofendidas os materiais anunciados no endereço electrónico acima indicado, fazendo uso do mesmo para atrair contactos de pessoas a quem pudesse convencer que cumpriria todas as condições aí anunciadas e, desse modo, levá-las a entregar-lhe quantias em dinheiro, o que sucedeu com aquelas.
1.19 Agiu livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo do carácter reprovável e punível das suas condutas.
1.20 A ofendida C… deslocou-se da sua residência em …, Aveiro, a São João da Madeira, pelo menos, duas vezes (8 e 23 de Abril de 2009) para tentar resolver a situação em causa, despendendo a quantia de 50€.
1.21 A ofendida D… teve que se deslocar da sua residência em …, Santa Maria da Feira, aos C.T.T. das … e a São João da Madeira, para o qual despendeu a quantia de 50€.
1.22 Sentiu-se abalada, revoltada, enganada e triste.
1.23 A situação supra descrita originou discussões no seio familiar, em especial com o seu marido.
1.24 A arguida é proprietária de um estabelecimento de cabeleireiro, sito na Rua, loja …, em São João da Madeira, que iniciou actividade na semana passada, auferindo quantia mensal que não foi possível apurar.
1.25 É solteira; tem um filho, com 15 anos de idade, que se encontra a estudar.
1.26 Reside com o seu filho em casa arrendada, pagando cerca de 100€ de renda mensal.
1.27 Tem o 11.º ano de escolaridade.
1.28 Do seu certificado de registo criminal consta a condenação pela prática de um crime de furto simples do artigo 203.º, n.º 1 do Código Penal, um crime de falsificação ou contrafacção de documento do artigo 256.º, n.º 1, alínea a) e n.º 3 do mesmo diploma legal e de burla simples do artigo 217.º, n.º 1 do Código Penal, por factos ocorridos em 06.2004, e por sentença proferida em 14.01.2009, transitada em julgado em 13.02.2009, em pena de 200 dias de multa, à taxa diária de 4€, no âmbito do processo comum singular n.º 466/04.0 PAVFR, que correu termos no 2.º Juízo do Tribunal Judicial de Espinho.

2 Não se provou que:
2.1 A arguida, no dia 14 de Maio de 2009, enviou à ofendida D… duas mensagens escritas provenientes do telemóvel com o número ……… do seguinte teor: “o teu código de encomenda é o CO……….. As primeiras letras são um O de … e C de …” e, após, “Desculpa, mas enviei o código errado, é este de certeza, já podes ver na net EQ………..”.
2.2 O referido em 10, tenha ocorrido após troca de várias mensagens com a arguida.
2.3 Que a quantia mencionada em 13 fosse 152,50€.
2.4 A demandante civil C… se tenha deslocado da sua residência em …, Aveiro, a São João da Madeira, seis vezes, despendendo para tanto a quantia de 550€.
2.5 Que se tenha sentido transtornada e incomodada com essa situação.
2.6 A demandante civil D… tenha sofrido depressões nervosas.
2.7 A arguida esforça-se por levar uma vida digna e respeitável socialmente.

3. Motivação:
A convicção do tribunal quanto à matéria de facto provada funda-se no conjunto da prova produzida em audiência, devidamente conjugada e ponderada segundo as regras da experiência comum, não obstante o silêncio a que a arguida, no exercício de um direito que lhe assiste, se remeteu.
Assim, foram relevantes as declarações das demandantes civis, C… e D…, que, não obstante serem partes interessadas no desfecho da presente causa, adoptaram uma postura isenta e imparcial.
Confirmaram o modo como encetaram contactos com a arguida, bem como o desenrolar dos acontecimentos, desde a troca de mensagens, frequência do curso de formação, bem como o facto de terem procedido ao pagamento do kit em causa e não o terem recebido em conformidade com o que lhes foi prometido e que estava discriminado e disponível por fotografia no site da internet.
Explicaram ainda que a arguida lhes prometia sempre enviar o kit em causa, justificando a demora com variados motivos, não obstante os contactos que estabeleciam com a mesma, através da internet, telefone ou pessoalmente.
Discriminaram quais os objectos que o kit continha quando foi recebido, referindo que não se mostrava conforme ao que tinha sido acordado e disponibilizado no site da internet, conforme se alcança pelo documento junto a fls. 326 e pela fotografia junta pela arguida no decurso da discussão e julgamento.
Depuseram de forma convincente, consistente e coincidente, sem procurarem acrescentar pormenores à realidade dos factos, adoptando uma postura serena e respondendo com espontaneidade às questões que lhes iam sendo colocadas, pelo que mereceram credibilidade.
As suas declarações surgem ainda sustentadas pelos documentos juntos aos autos, designadamente as vendas a dinheiro passadas em nome de ambas, de fls. 5, 6 do apenso e 154, datadas de 6 de Março, 10 de Março e 14 de Maio, todos de 2009, respectivamente, bem como a troca de mensagens que evidencia a não entrega dos kits nas datas combinadas e nas condições acordadas, bem como os motivos invocados, conforme auto de visionamento de fls. 15, emails de fls. 18, 19, 21, 25, 29, 296, 299 a 309.
Aliás, do confronto das comunicações juntas pelas ofendidas e pela arguida, afigura-se que esta procedeu de forma semelhante em ambas as situações, justificando a não entrega com o facto de a sua empregada o ter vendido por engano, de ter problemas com o despachante, de existirem problemas na alfândega e impossibilidade de aquisição do material nas datas acordadas.
Esta actuação permite concluir que a arguida sempre procurou esquivar-se à entrega dos kits em causa, justificando-se sempre com diversos motivos que não correspondiam à realidade, fazendo, no entanto, crer às ofendidas que o material lhes seria devidamente entregue, motivo pelo qual estas acederam a pagar as quantias peticionadas.
Estes factos são sustentados ainda pelos depoimentos das testemunhas arroladas pelas demandantes civis que referiram ter conhecimento das diversas tentativas daquelas para obterem o kit em causa, sem que as ofendidas lograssem atingir tais intentos.
Desta forma, a testemunha M…, amiga da ofendida C…, que nada presenciou quanto aos factos constantes da pronúncia, relatou uma deslocação a São João da Madeira com esta, em Março/Abril de 2009, sem que tenha logrado trazer o kit com ela.
Já a testemunha N…, amiga da ofendida D…, esclareceu que se deslocou com esta a São João da Madeira no dia em que aquela veio fazer o curso de formação, tendo servido de sua modelo, tendo também presenciado o levantamento da encomenda em causa que continha o kit, confirmando o conteúdo do mesmo.
A testemunha I…, marido da ofendida D…, não obstante a sua relação de proximidade com esta, relatou que tentou recuperar o dinheiro que tinham pago pelo kit sem que o lograsse conseguir, facto confirmado pela testemunha J…, irmã da arguida, que se encontrava no estabelecimento em causa e assistiu a uma conversa entre este e aquela.
Esta última testemunha disse a I… que se ele devolvesse o kit lhe devolveriam o dinheiro, admitindo, porém, que a arguida nada disse relativamente a tal devolução.
De tal depoimento retira-se que efectivamente a demandante civil D…, por intermédio do seu marido, tentou recuperar o dinheiro que já tinha despendido ou o kit completo, mas, com a postura que adoptou em tribunal, revelou-se interessada no desfecho da causa em favor da arguida, sua irmã.
As testemunhas arroladas pela arguida, F… e H…, que conhecem profissionalmente aquela, nada adiantaram quanto aos factos constantes da pronúncia, uma vez que apenas conhecem a arguida há cerca de um ano.
A primeira testemunha nunca viu o kit que a arguida fornecia e a segunda referiu que adquiriu um desses kits por pouco mais que o preço mencionado na pronúncia, tendo-o recebido devidamente embalado e lacrado, tendo incluído a broca profissional, bem como outros utensílios, sendo que se, assim não fosse, não pagaria tanto pelo mesmo.
Quanto ao mencionado em 20 a 23 valeram as declarações das demandantes civis, das testemunhas por si arroladas e supra identificadas, bem como as regras da experiência comum.
Quanto à situação sócio-económica vivenciada pela arguida valeram as suas declarações que mereceram alguma credibilidade nessa parte, dado que prestadas de forma espontânea.
Já quanto aos antecedentes criminais da mesma, o tribunal atendeu ao certificado de registo criminal junto aos autos a fls. 316.
Quanto à matéria de facto dada como não provada, a sua não prova resultou de não ter sido produzida prova suficiente quanto à sua ocorrência.

III CONHECENDO

1 Delimitação objectiva do recurso.

De acordo com as conclusões do Recurso, são questões a conhecer:

i. Impugnação da matéria de facto;
ii. Verificação dos elementos objetivo-subjetivos do tipo do ilícito burla;
iii. Escolha e determinação da medida da pena;
iv. Indemnização cível (an/quantum debeatur)

2 CONHECENDO
2.1 Impugnação da matéria de facto
2.1.1. Questão prévia: documentos juntos com o recurso.
Como melhor se alcança dos itens 46º e 47º da Motivação, a Recorrente apresentou, nesta instância de recurso, dois documentos – um print e um panfleto publicitário - cuja junção requereu.
Nos termos do artigo 165º do C.P.P. “o documento deve ser junto no decurso do inquérito ou da instrução e, não sendo isso possível, deve sê-lo até ao encerramento da audiência”. [1]
Este limite temporal – “até ao encerramento da audiência” – visará ora garantir o respeito pelo contraditório, ora garantir que nem o julgador nem qualquer dos outros intervenientes processuais possam ser, a qualquer momento, surpreendidos e confrontados com novas provas, como visará, ainda, obstar a uma incontrolável eternização do processo.
Independentemente desta razão da delimitação no tempo da apresentação no processo da prova documental – conducente à extemporaneidade da pretendida junção, em instância recursiva - acresce uma outra razão de igual sentido, qual seja a de que ao tribunal de recurso não compete proferir decisões sobre questões que não tenham sido colocadas ao tribunal recorrido, mas sim analisar as decisões por este proferidas e aferir da correspectiva conformidade com as provas e com a lei, sendo que nesta análise terá que se circunscrever aos elementos a que o Tribunal recorrido teve acesso.
Destarte, por força da extemporaneidade, não serão considerados os documentos de que a Recorrente requereu a junção.
2.1.2 Conhecendo da questão de facto (impugnação)
Como é de todos sabido, o recorrente que impugna a decisão de facto, tendo em vista a sua modificação, pode fazê-lo ora pela invocação dos vícios previstos no artigo 410º do C. P. Penal, ora com apelo directo aos elementos de documentação da prova produzida e gravada na audiência (Artigos 412º/3 e 431º do C.P. Penal).
Com esta substancial diferença: enquanto ali visará o desiderato da modificação pelo recurso exclusivo ao texto da decisão recorrida, por si só considerado ou em conjugação com as regras da experiência comum, já aqui, será pelo reexame dos erros de procedimento ou de julgamento, através da análise do que se contém e pode extrair da prova (documentada) produzida em audiência, que o recorrente procurará atingir o mesmo desiderato.
No caso concreto, a Recorrente anunciou a sua pretensão de impugnar a decisão de facto:
“Porque não lhe parece correcta a apreciação da matéria de facto dado como provada, … vai tentar demonstrar com base na análise da prova gravada e documental, que deveria ter sido diferente a resposta á matéria de facto”.
Primo conspectu, um tal anúncio apontará para uma impugnação com recurso ao erro de julgamento (error in procedendo)
Em boa verdade, a Recorrente não chega a comprometer-se – como, adiante, melhor se explicitará – com um específico meio processual de impugnação: nem invoca os vícios da decisão, por apelo à norma ínsita no artigo 410º do CPP, nem assume uma impugnação fáctica nos termos definidos no artigo 412º nºs 3 e 4 do mesmo Código.
Admitamos, num primeiro momento que a Recorrente quando refere na Conclusão acima transcrita em I, 3.4 – “Faltam elementos essenciais, como sejam os pressupostos de que depende a aplicação de uma pena ou medida de segurança à Arguida” – reportava-se ao vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada (Artigo 410º/2 al a) CPP)
Em causa, um vício que se afere cotejando os factos acolhidos na decisão com aqueles que, nos termos do artigo 339º/4 do CPP, constituem o objecto do processo: «os factos alegados pela acusação e pela defesa e os que resultarem da prova produzida em audiência.»
Um vício relativamente ao qual cuida-se saber se o tribunal, cingido ao objecto do processo desenhado pela acusação ou pronúncia, mas vinculado ao dever de agir oficiosamente em busca da verdade material, desenvolveu todas as diligências e indagou todos os factos postulados por esses parâmetros processuais.
Confirmada a existência de factos relevantes para a decisão – assim para condenar, assim para absolver – que, conquanto cobertos pelo objecto do processo, foram indevidamente descurados na investigação do tribunal, então concluir-se-á no sentido da comprovação do vício.
Trata-se, ao fim e ao cabo, de uma lacuna no apuramento da matéria de facto indispensável para a decisão de direito: em face dos factos dados como provados não era possível atingir-se a decisão de direito a que se chegou. [2]
No caso concreto, a Recorrente apontando, embora, a dita falha de elementos essenciais, não concretizou nenhum.
E este tribunal também não logrou descortiná-los.
Um tal apontamento mais não constituiu do que a contraposição à convicção firmada pelo tribunal, como depois abundantemente fez transparecer ao longo da motivação emprestada ao recurso.
A Recorrente pretendeu, então, colocar-se ao nível da impugnação da decisão da matéria de facto com apelo ao erro de julgamento, na clara pretensão de que este Tribunal reaprecie a prova produzida na audiência de julgamento e reformule aquela decisão de modo a que, contrariamente ao decidido no Tribunal recorrido, resultem não provados os factos por que veio ali a ser condenada.
Assim ressuma da argumentação expendida na motivação do recurso, a que pertencem as seguintes transcrições:
“Tentar-se-á demonstrar que ao contrário da impressão que os depoimentos das demandantes Cíveis e das testemunhas K…, I…, causaram na Meritíssima Juíza “a quo”, da análise destes não resultam serem os mesmos credíveis e sustentados, como infra se pretende demonstrar”.
“Estes factos não são de todo consentâneos com os crimes de burla em que a Arguida foi condenada. Pelo contrário revelam uma actividade profissional estável praticada pela Arguida pelo menos desde 2009 até á presente data.”
“Resulta do senso comum que os burlões não passam muito tempo no mesmo sítio, pois a burla começa a ser conhecida e para que isso não aconteça mudam-se constantemente.”
“Mais uma vez se diz que não é esta a realidade pessoal e profissional da Arguida, como melhor resulta alegado supra a arguida manteve ao longo destes anos a mesma actividade e sempre no mesmo local. Assim como manteve a sua residência.”
“A corroborar que a Arguida nunca teve um comportamento típico de um crime de burla, está a forma como a arguida organizou o seu site.”
Tudo isto para provar que a conduta da Arguida quer judicial quer extrajudicialmente não é de molde a consubstanciar crime de burla”.
“Mas tais factos que evidenciam e provam que a Arguida não cometeu os dois crimes de burla de que vem acusada não se esgotam aqui.”
“Nos presentes autos não se provou a vantagem patrimonial da Arguida, uma vez que a mesma enviou os kits pelo correio conforme documentos juntos pela Arguida aquando da abertura de Instrução”.
“Ressalvando o devido respeito por melhor opinião e diferente entendimento não ficou provado pelo menos de forma cabal e inequívoca, como se impõe em sede de Direito Processual Penal, que o kit enviado pela arguida às demandantes Cíveis não estava completo e em conformidade com o que estava discriminado no site da Arguida”
“Ambas as demandantes cíveis faltaram á verdade no depoimento que prestaram no que respeita a outras situações, no seu interesse faltaram aqui também á verdade”
“No que concerne á demandante C… e se compararmos o que ela refere quanto á descrição do kit na internet e o documento junto aos autos que tem tal relação, do confronto constata-se que esta mente.”
“Assim como entende a Arguida que a C… está a mentir quanto á composição do Kit que recebeu em Tribunal e de maneira nenhuma aceita que ela só recebeu o que mostrou em Tribunal.”
“A versão da testemunha K… também não (tem?) acolhimento legal, pois ao longo do depoimento desta testemunha se constatou que o mesmo estava eivado de parcialidade.”
“O depoimento da testemunha K… está instruído para favorecer
a sua amiga a Demandante D… e chega a ser inoportuna, rude e a roçar a má educação, tudo para defender a causa da sua amiga”
“Este depoimento apresenta contradições e incongruências e é por demais evidente que foi instrumentalizado”
“Os depoimentos das testemunhas F… e H… mostraram-se isentos e com conhecimento efectivo e directo dos factos. E malogradamente não foram devidamente valorados pelo “Tribunal a quo”
Em prol de que a demandante pagou á Arguida 352,50€ existe apenas a palavra da Ofendida que com o devido respeito não chega. Esta não conseguiu provar nem por documento nem por testemunhas; pois a única pessoa que diz ter ido com a demandante aos correios foi a testemunha N… que não assistiu ao pagamento que a demandante fez nos correios.”
Desta súmula que traduz, no essencial, a motivação emprestada à motivação, ressuma com clareza que, no presente recurso, a Recorrente reconduz aquela à divergência que assume relativamente ao Tribunal recorrido a respeito da valoração da prova produzida em sede de audiência de julgamento.
Dizer, os fundamentos que a Recorrente invoca na pretensão de ver alterada, a seu favor, a decisão de facto, traduzem apenas uma divergência genérica quanto à leitura das provas feita pelo Tribunal ou seja, uma divergência que não individualiza - salvo contadas excepções - os factos que em concreto tem por incorrectamente julgados como, sobremaneira, não concretiza as provas que, por recurso à audição dos depoimentos gravados, imporiam uma decisão diversa.

Sabido é que pretendendo o Recorrente insurgir-se contra a decisão de facto tomada pelo Tribunal com apelo a uma errada apreciação e valoração das provas, com apelo, enfim, ao erro de julgamento, torna-se jusprocessualmente exigível o cumprimento do formalismo consignado em 412º/3 do C.P.P., onde se dispõe:
“Quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar: a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;
c) As provas que devem ser renovadas.”
Com este normativo pretendeu o legislador que a apreciação da matéria de facto não se restringisse ao texto da decisão – assim, no âmbito do artigo 410º do CPP – antes se estendesse à análise do que se contém e pode extrair da prova documentada, produzida em audiência.
Porém, introduziu-lhe o mesmo legislador quatro tipos de limitações, à cabeça das quais a «limitação decorrente da necessidade de observância por parte do recorrente, de requisitos formais da motivação de recurso face à imposta delimitação precisa e concretizada dos pontos da matéria de facto controvertidos, que o recorrente considera incorrectamente julgados, com especificação das provas e referências ao conteúdo concreto dos depoimentos que o levam a concluir que o tribunal julgou incorrectamente e que impõem decisão diversa da recorrida.» [3]

A respeito destes pressupostos formais, ensina Paulo Pinto de Albuquerque:
A especificação dos “concretos pontos de facto” só se satisfaz com a indicação do facto individualizado que consta da sentença recorrida e que se considera incorrectamente julgado.
A especificação das “concretas provas” só se satisfaz com a indicação do conteúdo específico do meio de prova ou de obtenção de prova que impõe decisão diversa da recorrida, sendo insuficiente a indicação genérica de um depoimento, de um documento, de uma perícia ou de uma escuta telefónica realizada entre duas datas ou a uma pessoa. [4]
O recorrente deve, ainda explicitar por que razão essa prova “impõe” decisão diversa da recorrida. Este é o cerne do dever de especificação. [5]

Porquê um tal formalismo?
Justifica o STJ que esta exigência
“É de entender como contemplando o princípio da lealdade processual, de modo a definir em termos concretos o exacto sentido e alcance da pretensão, de modo a poder ser exercido o contraditório”.
“Esse imprescindível e indeclinável contributo do recorrente para a pedida reponderação da matéria de facto corresponde a um dever de colaboração por parte do recorrente e sua responsabilização na demarcação da vinculação temática deste segmento da impugnação, constituindo tais formalidades factores ou meios de segurança, quer para as partes quer para o Tribunal”
O que está em causa é no fundo a delimitação objectiva do recurso, (…), com um especial ónus a cargo do recorrente, impondo-se-lhe o dever de tomar posição clara nas conclusões sobre o que é objecto do recurso, especificando o que no âmbito factual pretende ver reponderado, ...” [6]

O rigor imposto pela lei penal adjectiva quando pretenda o Recorrente impugnar a decisão de facto tem a ver, portanto, com a circunstância de que o recurso sobre matéria de facto conquanto incida sobre a prova produzida não configura um novo julgamento: “o recurso da matéria de facto perante a Relação não é um novo julgamento em que a 2.ª instância aprecia toda a prova produzida e documentada em 1.ª instância, como se o julgamento não existisse, tratando-se antes de um remédio jurídico, destinado a colmatar erros de julgamento, que devem ser indicados precisamente com menção das provas que demonstram esses erros e não indiscriminadamente, de forma genérica, quaisquer eventuais erros”. [7]

Destarte, na decorrência dos limites respeitantes já ao poder cognitivo do tribunal de recurso, já à reponderação de facto, serão necessariamente factores de ponderação, de acordo com o seguinte quadro prático-valorativo maioritariamente acolhido pelos Tribunais de 2ª Instância e, obviamente aqui, também sufragado:

a) Limites relativos ao poder cognitivo do tribunal de recurso.
Salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador.
É o enunciado do princípio da livre apreciação da prova.
Intimamente ligados com este princípio da livre apreciação da prova estão os princípios da oralidade e da imediação. O primeiro a exigir que a produção da prova e a discussão na audiência de julgamento se realizem oralmente, de modo a que todas as provas, excepto aquelas cuja natureza o não permite, terão de ser apreendidas pelo julgador, por forma auditiva. O segundo, dizendo respeito à proximidade que o julgador tem com os participantes ou intervenientes no processo, ao contacto com todos os elementos de prova através de uma percepção directa ou formal.
Exactamente porque o Tribunal da Relação não beneficia destes princípios da oralidade e da imediação – e, nesta justa medida, escapa-lhe, por insindicável, todo um conjunto de informações não-verbais e não documentadas, imprescindíveis e incindíveis para a valoração da prova produzida -, entende-se que a reapreciação das provas gravadas só poderá abalar a convicção acolhida pelo tribunal de 1ª instância caso se verifique que a decisão sobre matéria de facto não tem qualquer fundamento nos elementos de prova constantes do processo ou está profundamente desapoiada face às provas produzidas. [8]
a) Limites relativos à pretendida reponderação de facto.
Constitui, de igual passo, referência comum aos Tribunais de recurso a ideia de que: “O Tribunal de segunda jurisdição não vai à procura de uma nova convicção, mas à procura de saber se a convicção expressa pelo Tribunal “a quo” tem suporte razoável naquilo que a gravação da prova pode exibir perante si”.
Dito de outra forma: “o recurso da matéria de facto não visa a prolação de uma segunda decisão de facto, antes e tão só a sindicação da já proferida, e o tribunal de recurso em matéria de exame crítico das provas apenas está obrigado a verificar se o tribunal recorrido valorou e apreciou correctamente as provas”. [9]

In casu.
A Recorrente não observa o formalismo legal relativo à Motivação do Recurso e Conclusões decorrente do artigo 412º nºs 3 e 4 do CPP: para além de não especificaros concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados” – sem prejuízo de, aqui e ali, referenciar alguns pontos-, remete-se, depois, contra uma decisão firmada na pura convicção, numa convicção alheada, as mais das vezes, da prova produzida em julgamento e sem que, de todo o modo, em ponto algum concretize uma prova que imponha decisão diversa da proferida pelo Tribunal recorrido.
Limitando-se a Recorrente a divergir genericamente na avaliação da prova produzida – com recurso a uma argumentação de valoração apoiada em apelos de vida pessoal que não de prova concretamente impositiva de sentido contrário à decidida pelo Tribunal, do género:
“Ao contrário da impressão que os depoimentos das demandantes Cíveis e das testemunhas K…, I…, causaram na Meritíssima Juíza “a quo”, da análise destes não resultam serem os mesmos credíveis e sustentados,
● “Estes factos não são de todo consentâneos com os crimes de burla em que a Arguida foi condenada. Pelo contrário revelam uma actividade profissional estável praticada pela Arguida pelo menos desde 2009 até á presente data”, sendo certo que se “Resulta do senso comum que os burlões não passam muito tempo no mesmo sítio, pois a burla começa a ser conhecida e para que isso não aconteça mudam-se constantemente”, não é menos certo que “não é esta a realidade pessoal e profissional da Arguida”, que “manteve ao longo destes anos a mesma actividade e sempre no mesmo local, assim como manteve a sua residência.”
“A corroborar que a Arguida nunca teve um comportamento típico de um crime de burla, está a forma como a arguida organizou o seu site.”
Ambas as demandantes cíveis faltaram á verdade no depoimento que prestaram no que respeita a outras situações, no seu interesse faltaram aqui também á verdade
“Assim como entende a Arguida que a C… está a mentir quanto á composição do Kit que recebeu em Tribunal e de maneira nenhuma aceita que ela só recebeu o que mostrou em Tribunal.”
A versão da testemunha K… também não (tem?) acolhimento legal, pois ao longo do depoimento desta testemunha se constatou que o mesmo estava eivado de parcialidade.”
O depoimento da testemunha K… está instruído para favorecer
a sua amiga a Demandante D… e chega a ser inoportuna, rude e a roçar a má educação, tudo para defender a causa da sua amiga”
Este depoimento apresenta contradições e incongruências e é por demais evidente que foi instrumentalizado
Os depoimentos das testemunhas F…e H… mostraram-se isentos e com conhecimento efectivo e directo dos factos. E malogradamente não foram devidamente valorados pelo “Tribunal a quo
Em prol de que a demandante pagou á Arguida 352,50€ existe apenas a palavra da Ofendida que com o devido respeito não chega. Esta não conseguiu provar nem por documento nem por testemunhas; pois a única pessoa que diz ter ido com a demandante aos correios foi a testemunha N… que não assistiu ao pagamento que a demandante fez nos correios.”

sem que, de algum modo, dos excertos dos depoimento que transcreveu, resulte prova relevante para demonstrar a sua tese, máxime para, em momento algum, impor decisão de facto de sentido diverso da proferida pelo tribunal recorrido.
Desta sorte, torna impossível a este Tribunal sindicar a prova produzida e, do mesmo jeito, leva a que resulte manifesta a improcedência do recurso neste segmento. [10] [11]

Ainda assim, apertis verbis, sob o desígnio da prevalência da decisão de mérito sobre a decisão formal, entende-se – posto que com esforçada exegese – que tomando-se por certo que a Recorrente impugna quer a indução em erro das impetrantes cíveis, quer o prejuízo e empobrecimento injusto, quer a intenção de enriquecimento ilegítimo, importará tomar em linha de conta a impugnação deduzida.
Tomemos, então, a título de exemplo as seguintes referências recolhidas da motivação:
● Não ficou provado pelo menos de forma cabal e inequívoca, como se impõe em sede de Direito Processual Penal, que o kit enviado pela arguida às demandantes Cíveis não estava completo e em conformidade com o que estava discriminado no site da Arguida
● Não se provou a vantagem patrimonial da Arguida, uma vez que a mesma enviou os kits pelo correio conforme documentos juntos pela Arguida aquando da abertura de Instrução

Trata-se, manifestamente, de uma impugnação que não passa da mera argumentação/contraposição e/ou divergência de posições
A Recorrente não contraria, aliás, que tenha sido produzida prova no sentido da decisão proferida pelo Tribunal.
Contesta sim, que a opção do tribunal não tenha ido no mesmo sentido da valoração conferida pela Recorrente às suas próprias declarações e aos depoimentos das testemunhas ouvidas em sede de defesa.
Resultando da prova duas versões a respeito dos factos submetidos a julgamento deverá o Tribunal adoptar o princípio de que a dúvida deve favorecer o arguido?
Seguramente que advindo ao Julgador justificadas dúvidas sobre a culpabilidade do arguido, a presunção da inocência terá de prevalecer.
Porém, não é imperioso que duas versões dos factos conduzam necessariamente a uma dúvida inultrapassável no espírito do julgador.
E assim aconteceu na situação sub iudicio.
Na explicitação do iter formativo da sua convicção o Tribunal justificou a adopção de uma das teses em confronto: privilegiou a versão sustentada nas declarações das demandantes civis, C… e D…, que, não obstante serem partes interessadas no desfecho da causa, “adoptaram uma postura isenta e imparcial”, “Depuseram de forma convincente, consistente e coincidente, sem procurarem acrescentar pormenores à realidade dos factos, adoptando uma postura serena e respondendo com espontaneidade às questões que lhes iam sendo colocadas, pelo que mereceram credibilidade” (sic) – justificando, aliás, que as mesmas “discriminaram quais os objectos que o kit continha quando foi recebido, referindo que não se mostrava conforme ao que tinha sido acordado e disponibilizado no site da internet, conforme se alcança pelo documento junto a fls.326 e pela fotografia junta pela arguida no decurso da discussão e julgamento” (sic), bem assim que “As suas declarações surgem ainda sustentadas pelos documentos juntos aos autos, designadamente as vendas a dinheiro passadas em nome de ambas, de fls. 5, 6 do apenso e 154, datadas de 6 de Março, 10 de Março e 14 de Maio, todos de 2009, respectivamente, bem como a troca de mensagens que evidencia a não entrega dos kits nas datas combinadas e nas condições acordadas, bem como os motivos invocados, conforme auto de visionamento de fls. 15, emails de fls. 18, 19, 21, 25, 29, 296, 299 a 309.” Outrossim, afastou a versão da Arguida, explicitando que “esta procedeu de forma semelhante em ambas as situações, justificando a não entrega com o facto de a sua empregada o ter vendido por engano, de ter problemas com o despachante, de existirem problemas na alfândega e impossibilidade de aquisição do material nas datas acordadas”.
E se, na sustentação da convicção firmada, o Tribunal indicou, ainda, como prova-fundamento os depoimentos das testemunhas arroladas pelas demandantes civis que referiram, nomeadamente, ter conhecimento das diversas tentativas daquelas para obterem o kit em causa, sem que as ofendidas lograssem atingir tais intentos, não deixou de tomar em conta os depoimentos prestados em sede de defesa, porém para referir que “nada adiantaram quanto aos factos constantes da pronúncia, uma vez que apenas conhecem a arguida há cerca de um ano”.
Super omnia, repete-se: em momento algum a recorrente logrou indicar e/ou reproduzir prova que imponha decisão diversa da proferida pelo Tribunal recorrido.
“O juiz que em primeira instância julga, goza de ampla liberdade de movimentos ao eleger, dentro da globalidade da prova produzida, os meios de que se serve para fixar os factos provados, nada obstando a que, ao fazê-lo, se apoie num certo conjunto de provas e, do mesmo passo, pretira outras às quais não reconheça suporte de credibilidade.”
“Nada impede, por isso, que o tribunal alicerce a sua convicção nas declarações de arguidos, ofendidos, testemunhas ou partes civis, caso as considere credíveis (apesar do interesse que possam ter no desfecho do processo e que não deixará de ser devidamente sopesado) e plausíveis face às regras da experiência comum e, nalguns casos, a outros elementos de prova que as corroborem. Também nada obsta a que o tribunal o faça apenas relativamente a parte dessas declarações, desconsiderando aspectos das mesmas que não se mostrem tão credíveis ou plausíveis, ou em relação aos quais se suscitem dúvidas razoáveis que não seja possível ultrapassar.” [12] [13]

Questão é que o tribunal adquira a convicção firme sobre o facto e fundamente o juízo crítico sobre a prova em que suportou tal convicção de acordo com as regras da lógica e da experiência comum.
No caso concreto, não se vê que regra alguma da lógica ou da experiência comum tenha sido violada.
Improcede, destarte, a impugnação da matéria de facto deduzida pela Recorrente.

2.2 Verificação dos elementos objetivo-subjetivos do tipo do ilícito
Para além das divergências de pormenor – a respeito ex. g. da entrega completa ou incompleta do kit, do maior ou menor valor pago pela D… -, se bem se interpreta o alcance do recurso a Recorrente questiona essencialmente que tenha praticado um crime de burla e assim na justa medida em que os factos mais não constituiriam que um incumprimento de obrigação cível.
Elucidativas a este propósito as Conclusões acima transcritas em I, 3.40 a 3.42:
Estamos em pleno século XXI em a internet e vendas á distância fazem parte do nosso dia-a-dia. E estão devidamente acauteladas na Lei civil, sem haver necessidade de recurso ao processo-crime.
A admitir-se que os kits não estavam completos, …, tal facto pode constituir um incumprimento contratual, não tendo dignidade criminal. Assim,
O dissenso entre as demandantes e a Arguida podia e devia ser resolvido em sede de processo civil.
Na verdade o crime de burla, previsto no art. 2170 n.° 1 do CPP, exige a ocorrência de um comportamento astucioso (ou especialmente habilidoso ou engenhoso), o que não se verifica por um anuncio na internet devidamente elucidativo e posterior - comportamento da arguida conforme já resulta supra mencionado.

Respondendo a esta questão, responde-se, se bem se ajuíza, ao problema essencial suscitado pela Recorrente em sede jus-subsuntiva.
Ilícito penal? Ilícito meramente cível?
Desta questão tomou o tribunal recorrido consciência.
Assim quando fez expressa referência a que “a atuação da arguida indiciava mais do que um mero incumprimento do contrato”.
Em face da factualidade tida por provada, tem-se por correta a posição assumida pelo Tribunal.
Assim justificada:
«Perante os factos dados por provados, não há dúvidas de que as ofendidas C… e D… realizaram uma deslocação patrimonial de determinadas quantias da sua esfera jurídica e, como tal, sofreram um prejuízo patrimonial com a compra dos produtos em causa, no montante de 350€ e 352,50€, respectivamente.
A questão está em saber se realizaram esse negócio em erro determinado por uma actuação enganosa da arguida, ou seja, por factos que esta astuciosamente provocou.
Só um engano prévio ao negócio, adequado a induzir em erro as ofendidas, é relevante para o preenchimento dos elementos típicos.
Da leitura dos factos provados resulta a percepção clara de que a arguida idealizou um plano vitorioso, para obter um enriquecimento ilegítimo, segundo o qual, oferecia um curso de formação de colocação de unhas de gel, um kit completo com todo o material necessário para desempenhar essa actividade e um certificado pelo preço de 350€.
A arguida delineou e executou, de modo astucioso, um esquema que lhe permitiu subtrair ao património das ofendidas determinadas quantias em dinheiro; enganou-as, fazendo-as crer que, com tal pagamento, obteriam o produto por si pretendido, utilizando, em ambas as situações, o mesmo expediente.
Assim, socorreu-se da internet, através do site www.E....com, onde tinha exposto o kit em causa, através de discriminação dos materiais em causa e ilustrado com fotografia, para contratar com as ofendidas, intitulando-se como dona da “E1…” quando as mesmas se deslocaram ao estabelecimento da arguida na sequência dos contactos previamente estabelecidos entre ambas.
No estabelecimento em causa, após ter demonstrado a técnica de colocação de unhas de gel, propôs-lhes a aquisição de um kit completo para desempenho dessa actividade, discriminando todos os objectos que faziam parte do mesmo, tal como se encontra disponibilizado naquele site.
As ofendidas procederam ao pagamento das quantias supra mencionadas, tendo a arguida passado a venda a dinheiro respectiva e comprometendo-se a entregar os kits pelo correio.
Tal entrega veio efectivamente a ocorrer, após insistência das ofendidas decorrentes dos diversos motivos invocados pela arguida para a não entrega, mas os kits em causa não estavam dotados de todos os utensílios necessários à actividade de colocação de unhas de gel e que tinham sido expressamente contratados.
Desta forma, a arguida fez crer àquelas que cumpriria o acordado, não obstante estar ciente que não iria proceder à entrega dos materiais em causa.
Conseguiu, deste modo, que estas lhe entregassem tais quantias de que dispôs, real e efectivamente, permitindo-se decidir o que fazer com o dinheiro assim obtido.
Tudo fez com o intuito de alcançar para si, como alcançou, um enriquecimento que sabia não ser legítimo e só possível à custa do prejuízo das ofendidas.
Mais se provou que ambas apenas efectuaram o pagamento das quantias supra mencionadas convencidas de que a arguida lhes iria entregar o kit completo e o certificado de frequência do curso em causa, bem como de que a mesma teria acesso a tais materiais.
As ofendidas aceitaram contratar com a arguida nos termos supra expostos, pensando que as declarações proferidas pela mesma correspondiam à realidade, atento todo o circunstancialismo inerente à factualidade provada e o comportamento perpetrado por esta.
Desta forma, toda a actuação da arguida foi apta a enganar as ofendidas que, convencidas da qualidade em que esta intervinha no negócio em causa, contrataram com aquela.
Tal engano foi o elemento essencial para tal acordo, determinando de forma inequívoca a decisão das ofendidas, já que foi apenas por esse facto que estas decidiram pagar-lhe as quantias combinadas.
E, dessa forma, a arguida obteve um enriquecimento ilegítimo, à custa de tal deslocação patrimonial do património das ofendidas.
Assim, conjugados todos os elementos em causa, concretamente o comportamento da arguida e o consequente comportamento das queixosas, conclui-se que aquela planeou todo este estratagema, visando o pagamento do preço por estas sem a esperada contrapartida, tendo induzido as ofendidas a pagar-lhe voluntariamente determinadas quantias por bens e serviços que sabia não ir cumprir.
Tal conclusão é consentânea com o facto de a arguida ter convencido as ofendidas a proceder ao pagamento sem a entrega pessoal do kit, ou seja, usou de encenação semelhante em ambas as situações para que a entrega do kit não fosse consentânea com o respectivo pagamento, de molde a que aquelas, só numa fase posterior, não conseguissem devolver o kit e recuperar o montante pago.
A arguida utiliza um site na internet, disponibiliza uma lista dos materiais que compõem o kit, ilustra o mesmo com fotografia, passa e entrega vendas a dinheiro, em tudo transmitindo uma aparência de seriedade.
Porém, nem o kit tem as características anunciadas, nem ministra formação adequada e depois furta-se aos contactos com as ofendidas, inviabilizando a devolução do kit e a recuperação do dinheiro.
Ora, tal actuação indicia mais do que um mero incumprimento do contrato; a arguida, com cada um dos negócios celebrado, pretendia enganar as ofendidas, de forma a obter um enriquecimento ilegítimo, através do necessário prejuízo patrimonial das ofendidas.
A arguida sabia que, com tal actuação, iria causar um prejuízo patrimonial às ofendidas e obter, assim, um enriquecimento ilegítimo e, ainda assim, não se coibiu de actuar, querendo causar-lhes esse prejuízo e obter esse enriquecimento.»

A situação sob apreço, assim corretamente analisada – repete-se -, lembra-nos a figura do negócio jurídico criminalizado que alguma doutrina vem tomando em linha de conta.
Não se desconhece como no mundo dos negócios é praticamente impossível a inteira igualdade na satisfação dos interesses das partes contratantes.
No ensinamento de Almeida Costa, “apesar da acentuação da vertente solidarista do Estado de direito social, persiste a convicção de que, em primeira linha, compete a cada pessoa cuidar dos seus interesses, assumindo a obrigação de salvaguardar bens jurídicos alheios (até por razões atinentes à preservação da autonomia da esfera privada) um caráter subsidiário e residual.”
Nesta conformidade, “no mundo dos negócios, no contexto de uma economia de mercado, assente nos mecanismos de livre concorrência, o sucesso liga-se muitas vezes, ao superior conhecimento do sujeito acerca das características do concreto sector e, assim, em termos comparativos, ao erro ou ignorância dos seus competidores”.
Torna-se, então, compreensível que “Dentro de certos limites, o …domínio do erro consubstancia,…, um elemento constitutivo ou intrínseco do regular funcionamento de uma economia de mercado”, de sorte que, “neste caso, o correspondente exercício apresenta-se conforme à ordem jurídica, nunca podendo integrar um ilícito criminal”.
Tais considerações não invalidam porém, que um domínio-do-erro jurídico-penalmente relevante possa ocorrer.
Pedra angular e constituinte, o princípio da boa-fé. [14]
Dizer:
“… o tipo legal do nº1 do artigo 217º constitui…uma ‘norma penal em branco’ (…..) cujo âmbito de protecção se encontra condicionado pela prévia definição, em sede de direito privado, do que se apresenta permitido ou proibido à luz do princípio da boa-fé ‘em sentido objetivo’ (…..). Mesmo considerando a natureza subsidiária (= de última ratio) do direito penal, não se vislumbra qualquer fundamento para a introdução de restrições àquele princípio como critério delimitador da tutela jurídico-criminal na área em apreço. Ao reflectir uma deslealdade tida por inadmissível no comércio jurídico, o domínio-do-erro que viole os ditames da boa-fé consubstancia, desde que preenchidos os demais pressupostos do delito, o desvalor característico do ilícito da burla, integrando, nessa medida, a expressão acabada do conteúdo de previsão do art. 217º”. [15]
Pois bem.
A essência da burla é o engano, o ardil, a manha que o agente utiliza para induzir em erro o sujeito passivo, provocando-lhe com isso um conhecimento inexacto ou deformado da realidade, operante na vontade e no seu consentimento e que o determina à entrega de coisa ou dinheiro ou à realização de prestação, que de outra maneira não realizaria.
No mundo negocial é pressuposto axiológico comum (dever acessório de conduta) a boa-fé, dizer, “o dever social de agir com a lealdade, a correcção, a diligência e a lisura exigíveis das pessoas, conforme as circunstâncias de cada ato jurídico” [16]
Os princípios da confiança e boa-fé impõem-se, aliás, na actual realidade sócio-económica, como pressupostos imprescindíveis à salvaguarda do tráfico jurídico quanto à exigência que o mesmo comporta de agilidade no sistema de intercâmbio de bens e serviços.
Não se pode olvidar porém, que não falta quem, iludindo aquela boa-fé, faça passar gato por lebre.

Podendo a fraude e/ou a deslealdade inadmissível assumir, como se entende, natureza de ilícito penal - especificamente crime de burla - desde que comprovados os respetivos elementos constitutivos do tipo deste ilícito, máxime o dolo penal.
Seja o caso, então, do contraente que, valendo-se da boa-fé da parte contrária, simula o propósito de acordar um determinado negócio, quando na realidade, sem o propósito de cumprir as próprias obrigações – rectius, com o propósito de as não cumprir - tem a exclusiva intenção de se aproveitar e beneficiar das prestações que a parte contrária há-de realizar.

Numa tal situação, o dolo penal identifica-se precisamente com o propósito de não cumprir ou, quando muito, de iniciar parcialmente um cumprimento aparente (mise en scene) para terminar num incumprimento definitivo de tal modo que o contrato firmado é uma ficção ao serviço da fraude, já que ora se oculta o propósito de incumprimento da própria contraprestação, ora se silencia a impossibilidade de satisfazê-la em que o agente se encontra.
Vale dizer: o próprio contrato é ele mesmo uma operação de engano em que o sujeito ativo do delito leva a cabo negócios jurídicos com as vítimas, recebendo a prestação destas, porém com o propósito e a vontade prévia de não cumprir as contraprestações a que se havia obrigado, apoderando-se dos bens objeto do contrato em prejuízo da outra parte.
O sujeito ativo sabe desde o momento da concreção contratual que não quererá ou não poderá cumprir a contraprestação que lhe incumbe.
Diz-se, a propósito, que o crime de burla só ocorre nos casos em que o agente simula ex ante um propósito sério de contratar que atua como engano precedente, quando na realidade ele só quer aproveitar-se do cumprimento do acordado pela contraparte e do seu próprio incumprimento, previamente decidido, do que deriva o enriquecimento obtido ou intentado com o consequente empobrecimento da contraparte prejudicada.
Releva aqui a referida pedra angular justificativa da intervenção do sistema penal: a objectivação de um claro e determinante animus de incumprimento do convencionado como posicionamento inicial, a consubstanciar uma inadmissível violação do dever de agir de bona fides, com lealdade e lisura. [17]
É exatamente em todo este contexto que se insere a subsunção fáctico-normativa assumida pelo Tribunal recorrido que - repete-se, uma vez mais - aqui se acolhe.
Improcede, nesta conformidade, a pretensão da Recorrente em ver afastada a ilicitude penal por não verificação, in casu, dos elementos do tipo do ilícito da burla.
2.3 Escolha e determinação da medida da pena
Considerando, embora, que “a pena aplicada … foi manifestamente exagerada”, a Recorrente, se bem se interpreta o sentido da motivação do seu recurso, insurge-se contra uma eventual violação pelo tribunal recorrido do critério legal definido no artigo 70º da lei penal substantiva, colocando, desta arte, o cerne do thema decidendum na escolha que não na medida da pena.
De acordo com o núcleo fundamental das conclusões transcritas em I, 3.46 a 3.56 a argumentação da recorrente alicerça-se na inexistência de razões quer de prevenção geral quer de prevenção especial que justifiquem o afastamento do Tribunal recorrido relativamente à (legalmente) preferencial pena não privativa da liberdade, dizer a pena de multa, discordando de modo muito particular da “posição assumida na sentença recorrida de que a Arguida praticou os mesmos factos pelos quais já tinha sido anteriormente condenada”

Quid iuris?

Dispõe o Artigo 70º do Código Penal:
«Se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição»

E quais as finalidades da punição?
Responde o Artigo 40º /1 do mesmo Código:
«A aplicação de penas e de medidas de segurança visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade»
Depois de definir a pena aplicável à recorrente (em abstracto), de acordo como o quadro fáctico comprovado - prisão até 3 anos ou multa de 10 até 360 dias -, o tribunal recorrido, a partir dos citados normativos, justificou a opção pela pena privativa da liberdade, sob a seguinte argumentação:
«As exigências de prevenção geral revelam-se elevadas, atento o bem jurídico protegido, que é de importância vital para a sã convivência em sociedade, sendo que toda a comunidade espera que as condutas que o ofendam sejam punidas de forma a evitar a repetição de tais acontecimentos.
Actuações como as praticadas pela arguida geram desconfiança da sociedade no comércio jurídico, lançando suspeitas no trato entre os consumidores e os comerciantes.
Note-se ainda a cada vez maior frequência com que ocorre este tipo de actos e o contínuo desrespeito pelo bem jurídico protegido.
Tem que se considerar ainda as necessidades de prevenção especial.
A arguida tem antecedentes criminais pela prática de crimes de furto, falsificação de documento, bem como pela prática de um crime de burla, tendo sofrido uma condenação em pena de multa.
Não obstante ter já sofrido uma condenação, e por factos idênticos aos destes autos, voltou a praticar factos ilícitos típicos, o que revela uma postura desafiadora relativamente à anterior sanção penal que lhe foi imposta, que não a demoveu de voltar a praticar ilícitos criminais.
Acresce que a arguida possui já antecedentes criminais pela prática de ilícitos da mesma natureza do que o que ora tratamos, sem que a condenação que sofreu tenha logrado impedir que praticasse estes factos, sublinhando-se o facto de tal condenação ter transitado em julgado no dia 13 de Fevereiro de 2009 e estarmos perante factos praticados no início de Março do mesmo ano.
Desta feita, no caso em apreço, as necessidades de prevenção especial mostram-se prementes, não obstante a arguida se encontrar a trabalhar, pelo que a aplicação de uma pena de multa não satisfaz de forma bastante e adequada as finalidades que subjazem à correspondente incriminação, revelando-se insuficiente para acautelar as exigências de ressocialização e de estabilização contra-fáctica da validade da norma violada.
Desta forma, atendendo aos factores supra referenciados, entende-se ser de aplicar à arguida uma pena de prisão relativamente a cada um dos crimes de burla em causa.»

Em sede de princípios, a posição deixada transcrita assume, se bem se ajuíza, os ensinamentos de Figueiredo Dias.

Diz este Mestre de Coimbra:
«(…) são finalidades exclusivamente preventivas, de prevenção especial e de prevenção geral, não finalidades de compensação da culpa, que justificam (e impõem) a preferência por uma pena alternativa ou por uma pena de substituição e a sua efetiva aplicação» [18]

Sobre a função que uma e outra – prevenção especial/prevenção geral - exercem, elucida o insigne professor quanto à primeira:

«Prevalência decidida não pode deixar de ser atribuída a considerações de prevenção especial de socialização, por serem sobretudo elas que justificam, em perspetiva político-criminal, todo o movimento de luta contra a pena de prisão».
«…o tribunal só deve negar a aplicação de uma pena alternativa ou de uma pena de substituição quando a execução da prisão se revele, do ponto de vista da prevenção especial de socialização, necessária ou, em todo o caso, provavelmente mais conveniente do que aquelas penas: coisa que só raramente acontecerá se não se perder de vista o já tantas vezes referido caráter criminógeno da prisão, em especial da de curta duração»
Mas logo ressalva quanto à segunda:
«Ela deve surgir aqui unicamente sob a forma do conteúdo mínimo de prevenção de integração indispensável à defesa do ordenamento jurídico, como limite à atuação das exigências de prevenção especial de socialização. Quer dizer: desde que impostas ou aconselhadas à luz de exigências de socialização, a pena alternativa ou a pena de substituição só não serão aplicadas se a execução da pena de prisão se mostrar indispensável para que não sejam postas irremediavelmente em causa a necessária tutela dos bens jurídicos e estabilização contrafáctica das expetativas comunitárias». [Negrito e sublinhado do Relator]
Dizer, ainda, se bem se interpreta o pensamento ora expresso, uma pena alternativa ou de substituição não poderá ser aplicada, se com ela sofrer inapelavelmente o sentimento de reprovação social do crime.
In casu
Entendeu o Tribunal recorrido que, na atenção ao bem jurídico protegido – estendido, se bem se interpreta o pensamento do Juiz prolator, da protecção do património à protecção da fidúcia contratual, visto o apelo à “importância vital para a sã convivência em sociedade” - as exigências de prevenção geral de integração e/ou de estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias na validade da norma violada, revelavam-se elevadas.
Seguramente, porém, o que mais pesou na escolha da pena privativa da liberdade em detrimento da multa, foram exigências de prevenção especial (ou de prevenção da reincidência) [19]
Dizer, relevaram na opção pela pena privativa da liberdade, quer o concurso real de crimes praticados pela Recorrente, quer o pretérito criminal da mesma Recorrente.
Num ponto assiste razão à Recorrente, razão que obriga à correcção da fundamentação, posto que sem consequências no sentido da decisão.
O Tribunal referiu:
A arguida tem antecedentes criminais pela prática de crimes de furto, falsificação de documento, bem como pela prática de um crime de burla, tendo sofrido uma condenação em pena de multa.
Não obstante ter já sofrido uma condenação, e por factos idênticos aos destes autos, voltou a praticar factos ilícitos típicos, o que revela uma postura desafiadora relativamente à anterior sanção penal que lhe foi imposta, que não a demoveu de voltar a praticar ilícitos criminais.
Acresce que a arguida possui já antecedentes criminais pela prática de ilícitos da mesma natureza do que o que ora tratamos, sem que a condenação que sofreu tenha logrado impedir que praticasse estes factos, sublinhando-se o facto de tal condenação ter transitado em julgado no dia 13 de Fevereiro de 2009 e estarmos perante factos praticados no início de Março do mesmo ano.
Tendo em conta o facto comprovado e descrito em II, 1.28 [«Do seu certificado de registo criminal consta a condenação pela prática de um crime de furto simples do artigo 203.º, n.º 1 do Código Penal, um crime de falsificação ou contrafacção de documento do artigo 256.º, n.º 1, alínea a) e n.º 3 do mesmo diploma legal e de burla simples do artigo 217.º, n.º 1 do Código Penal, por factos ocorridos em 06.2004, e por sentença proferida em 14.01.2009, transitada em julgado em 13.02.2009, em pena de 200 dias de multa, à taxa diária de 4€, no âmbito do processo comum singular n.º 466/04.0 PAVFR, que correu termos no 2.º Juízo do Tribunal Judicial de Espinho»] e acolhendo como adequada a explicação fáctica dada pela Recorrente em I, 3.51 [«Compulsada a Sentença proferida no processo 466/04.OPAVFR que correu termos pelo 2° Juízo do Tribunal Judicial de Espinho e principalmente nos factos provados constata-se que a Arguida foi condenada por ter subtraído um cheque em branco a uma sua colega de trabalho e num acto único e desesperado assinou-o e preencheu-o com a quantia de 60,00€. E como resulta da Aludida Sentença fez seu tal cheque e cobrou-o»], torna-se óbvio o excesso por via da introdução no texto acima transcrito da expressão «por factos idênticos aos destes autos»
Trata-se, todavia, de uma pequena extrapolação insuficiente para retirar o acerto das demais considerações ali tecidas.
O que o Tribunal quis significar foi que a Recorrente havia já sido condenada pela prática de um crime de furto simples, de um crime de falsificação ou contrafacção de documento e de um crime de burla simples.
O acento tónico da repercussão negativa fê-lo coincidir – e justamente o fez – não tanto com a condenação pelos crimes praticados, havia anos (Junho de 2004), mas com o facto de a decisão condenatória por tais crimes ter sido proferida em 14 de Janeiro de 2009 – com trânsito em julgado, em 13 de Fevereiro de 2009 – e um mês/dois meses volvidos sobre tal condenação a Recorrente logo voltar a delinquir, persistindo, numa aparente indiferença aos valores jurídico-penalmente protegidos e à advertência censória por via da pena cominada, na prática de crimes de burla.

Falece, em face do exposto, a razão à Recorrente quando reclama que a sentença recorrida labora num erro de confusão entre “o trânsito da sentença no Processo 466/04.0PAVFR (13 de Fevereiro de 2009) com a prática dos factos”.
Dos textos recolhidos da subsunção dos factos ao direito e deixados transcritos, nomeadamente na parte relativa à escolha da pena, sai ilidido o apontado erro em que, de facto, o Tribunal não incorreu.
Antes, acertadamente o Tribunal sublinhou “o facto de tal condenação ter transitado em julgado no dia 13 de Fevereiro de 2009 e estarmos perante factos praticados no início de Março do mesmo ano”.

A ponderação conjugada do concurso real de crimes – dois crimes de burla - e da patente indiferença à condenação sofrida - por crime de igual natureza, além de outros -, justifica, por razões de prevenção especial, a opção pela pena privativa da liberdade.
Razão por que, também nesta parte, improcede o recurso interposto

2.4 Indemnização cível: A inadmissibilidade do recurso

Nos termos do artigo 400º/2 do C.P.P.,
“Sem prejuízo do disposto nos artigos 427º e 432º, o recurso da parte da sentença relativa à indemnização civil só é admissível desde que o valor do pedido seja superior à alçada do tribunal recorrido e a decisão impugnada seja desfavorável para o recorrente em valor superior a metade desta alçada.”

In casu, os valores peticionados foram, respetivamente: pela impetrante cível C…, de 1.150,00€; pela requerente D…, de 752,50€.

O DL 303/2007 de 24/8, no uso da autorização legislativa conferida pela Lei 6/2007 de 2/2, alterou a Lei 3/99 de 13/1.
Dispõe o artigo 24º/1 desta última lei – em vigor desde 1 de Janeiro de 2008 - que, em matéria cível, a alçada dos tribunais da Relação é de 30.000,00€ e a dos tribunais de 1ª instância é de 5.000,00€.
Destarte, face aos limites já dos pedidos formulados (in singulos, como no valor somado), já do quantum debeatur definido na decisão recorrida [respetivamente, 400,00€ a favor da requerente C…; 750,00€, a favor da requerente D…] é inadmissível o recurso da decisão na parte cível.
IV DECISÃO

Termos em que,
i. Rejeita-se, por inadmissibilidade legal, o recurso interposto na parte relativa à decisão cível;
ii. No mais, na improcedência do recurso, mantém-se a decisão recorrida.

Da responsabilidade da Recorrente, visto o decaimento parcial, a taxa de justiça de 5 UC.

Porto, 22 de Fevereiro de 2012
Joaquim Maria Melo de Sousa Lima
Élia Costa de Mendonça São Pedro
___________________
[1] Vide, ainda: artigo 340º CPP
[2] Vide, com interesse: Ac. STJ 03.07.2002 Proc. 1748/02-5ª Rel. Armando Leandro; Ac. STJ 18.03.2004, Proc. 03P3566 Rel. Simas Santos
[3] Ac. STJ de 12.06.2008 rec. 07P4375 – Relator: Raúl Borges
[4] Na linguagem expressiva do Ac. de 15.11.2006, deste Tribunal da Relação “O Recorrente quando impugne a matéria de facto por entender que determinado ponto de facto foi incorrectamente julgado, tem que indicar esse ponto expressamente, a prova que apoia o seu entendimento e, tratando-se de depoimento gravado, o segmento do suporte técnico em que se encontram os elementos que impõem decisão diversa da recorrida.
[5] COMENTÁRIO DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL à luz da Constituição da República Portuguesa e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 2ª Ed. Actualizada, Universidade Católica Editora, Lx. 2008, pág.1131
[6] Ac. STJ. De 10.03.2010 in CJ ACS STJ Ano XVIII, Tomo I/2010págs. 212-221 (Relator: Raúl Borges)

[7] Pormenorizando, diz-se com propriedade no Ac. de 23.06.2010 deste Tribunal da Relação (4ªSec. Relatora: Olga Maurício):
“Quanto às provas demonstrativas dos erros apontados, a lei é suficientemente impressiva na formulação. A al. b), do n° 3 do art. 412° não diz que o recorrente deve ' especificar as provas’. Diz, antes, que ele deve especificar «as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida». Daí que seja uniformemente entendido que em caso de impugnação da decisão sobre a matéria de facto o recorrente terá que individualizar as provas em que a alegação se baseia e terá ainda, no âmbito de cada uma das provas apontadas, que especificar o excerto do documento, do depoimento, etc., que demonstra o erro da decisão” “Em caso de prova oral o recorrente terá, então, que individualizar as concretas passagens de cada um dos depoimentos apontados relativas ao ponto impugnado e que impõem decisão diversa da recorrida. Ou seja, o recorrente terá que indicar o conteúdo específico do excerto do depoimento que seja relevante para demonstrar a sua tese e terá, ainda, que proceder à localização desse excerto no suporte respectivo. A indicação dos erros cometidos tem que ser rigorosa, assim como rigorosa, precisa, concreta, tem que ser a indicação das provas que demonstram a sua existência, uma vez que o tribunal de recurso procede «ao controlo desta prova por via da audição ou visualização dos registos gravados (artigo 412°, n" 6), com base na indicação pelo recorrente das passagens da gravação em que se funda a impugnação (artigo 412", n" 4) ...» , isto sem prejuízo de o tribunal proceder à audição de outras passagens para além das indicadas, quando o considere relevante para a descoberta da verdade e para a boa decisão da causa (n° 6 do art. 412° do C.P.P.).Esta é a interpretação que respeita a letra da lei e é a única que permite o exercício efectivo do princípio do contraditório e da imparcialidade do juiz.”
[8] Dizer: se "a convicção do tribunal é construída dialecticamente, para além dos dados objectivos fornecidos pelos documentos e outras provas constituídas, também pela análise conjugada das declarações e depoimentos, em função das razões de ciência, das certezas e das lacunas, das contradições, hesitações, inflexões de voz, (im)parcialidade, serenidade, olhares, "linguagem silenciosa e do comportamento", coerência do raciocínio e de atitude, seriedade e sentido de responsabilidade manifestados, coincidências e inverosimilhanças que, por ventura, transpareçam em audiência, das mesmas declarações e depoimentos", então, o tribunal de recurso só poderá censurar a decisão do julgador, fundamentada na sua livre convicção e assente na imediação e na oralidade, se se evidenciar que decidiu contra o arguido não obstante terem subsistido (ou deverem ter subsistido) dúvidas razoáveis e insanáveis no seu espírito ou se a solução por que optou, de entre as várias possíveis, é ilógica e inadmissível face às regras da experiência comum.”
[9] Paradigmático no sentido exposto, o Ac. do Tribunal Constitucional Nº 98/06: «…o julgamento em 2ª Instância não o é da causa, mas sim do recurso e tão só quanto às questões concretamente suscitadas e não quanto a todo o objecto da causa, …)”
[10] Objecto impossível que permitiria, aliás, a rejeição nos termos do artigo 420.º, n.º 1, alínea a), do CPP. Preceito que nesta perspectiva não padece de inconstitucionalidade - cfr. acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 352/98, de 12-05-1998, in BMJ n.º 477, pág. 18 e nº 165/99, de 10-03-1999, in DR-II Série, de 28-02-2000 e BMJ n.º 485, pág. 93.
[11] Sem que deva aqui colocar-se a questão do convite ao aperfeiçoamento. É que importa distinguir: ao passo que a omissão nas conclusões das especificações constantes do texto da motivação consente o convite ao aperfeiçoamento (Artº 417º/3 CPP) já a omissão na motivação das especificações impostas por lei consubstancia vício insanável.
O mesmo é dizer: o texto da motivação constitui o limite à correcção das respectivas conclusões.
Na justa medida em que o convite apenas pode versar sobre as conclusões, defeso fica ao tribunal como ao sujeito processual recorrente alargar/alterar/modificar o texto da motivação.
Se este não comporta as especificações, o recorrente – sibi imputet - incorreu em mal sem remédio.
[12] Ac.TRPorto 04.11.2009 Recurso2166/08 [Rel.Leonor Esteves]
[13] “O Tribunal é livre de dar credibilidade a determinados depoimentos, em detrimento de outros, desde que essa opção seja explicitada e convincente, pois que, cumprida essa exigência, a livre convicção do juiz torna-se insindicável, até porque a documentação dos actos não se destina a substituir nem substitui a oralidade e a imediação da prova” Ac. TRG 28.06.2004, Proc.575/04-1ª Rel Heitor Gonçalves
[14] “No cumprimento da obrigação, assim como no exercício do direito correspondente, devem as partes proceder de boa fé” Artigo 762º/2 CC.
[15] COMENTÁRIO CONINBRICENSE DO CÓDIGO PENAL – Parte Especial, Tomo II, Coimbra Editora, 1999, págs. 299 e 300
[16] Pires de Lima-Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol.II, 4ªEd. Revista e Atualizada, Coimbra editora, pág. 2 e 3
[17] No sentido exposto, Vide: CÓDIGO PENAL – COMENTADO Y COM JURISPRUDENTIA; LUIS RODRIGUEZ RAMOS (DIRECTOR); AMPARO MARTINEZ GUERRA (COORDINADORA) – 3ªEDICIÓN – LA LEY, Grupo Wolters Kluwer. Págs.814 a 822
[18] DIREITO PENAL PORTUGUÊS, AS CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS DO CRIME, 2ª Reimpressão, Coimbra Editora, 2009, § 497
[19] Prevenção especial: i)positiva ou de socialização, se privilegiado o propósito da reinserção social, a ressocialização e/ou a socialização de um de-socializado; ii) negativa ou de inocuização quando, por pura exigência de defesa social se privilegie e procure a neutralização da perigosidade social do delinquente através da sua separação ou segregação.