Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0630371
Nº Convencional: JTRP00038847
Relator: FERNANDO BAPTISTA
Descritores: FALÊNCIA
LITISPENDÊNCIA
Nº do Documento: RP200602160630371
Data do Acordão: 02/16/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: PROVIDO.
Área Temática: .
Sumário: I- O C.P.E.R.E.F. (na redacção emergente do Dec.-Lei nº 132/93, de 23.04) estatui, no artº 12º, um conceito de litispendência diferente do conceito tradicional consagrado nos artigos 497º e 498º do C.P.C., já que pode haver “litispendência” para efeitos desse artº 12º sem que, em rigor, se verifique simultânea identidade de sujeitos, de pedido e de causa de pedir e, até mesmo, sem que haja qualquer dessas identidades.
II- No nº 2 do artº 8º do CIRE confunde-se incorrectamente litispendência com prejudicialidade. É que, a instauração prévia de outro processo de insolvência, constitui um caso de litispendência, a conduzir, não à mera suspensão da instância, mas, sim, à absolvição (ut artº 493º, nº2 CPC).
III- No artº 8º do CIRE abrangem-se três realidades: uma é a suspensão da instância, naqueles casos “expressamente previstos neste Código”; outra é a verdadeira e própria repetição de causa que, essa sim, gera litispendência; a outra é a situação de mera sucessão de causas prejudiciais que, não se reconduzindo, em sentido rigoroso, à figura da litispendência, deve determinar a sustação da causa prejudicada até à decisão da causa prejudicial.
IV- Assim, tendo-se requerido, e estando pendente, a falência de uma empresa na vigência do CPEREF, o posterior requerimento de insolvência da mesma requerida (este instaurado na vigência do CIRE) conduz à procedência da excepção dilatória da litispendência (na segunda acção), com a consequente absolvição da requerida/devedora da instância.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto

I. RELATÓRIO:

No ..º Juízo do Tribunal do Comércio de Vila Nova de Gaia foram instaurados por B......., SA, em 25.11.2004, uns autos de insolvência, em que é requerida C....., SA, que correm termos sob o nº ..../04.5TYVNG.
Citada, a requerida veio deduzir oposição, invocando, além do mais, a excepção de litispendência, alegando, para tal, que nesse mesmo 1º juízo pendem contra a mesma requerida uns autos de falência com o nº 4202/04.2, instaurados em 13.09.2004.

É, então, proferido no aludido processo 656/04 despacho a julgar improcedente a excepção de litispendência suscitada, com fundamento em que no actual Código de Insolvência (ut artº 8º) não é possível deduzir tal excepção.

Inconformada com este despacho de improcedência da excepção de litispendência, veio a devedora C....., SA, interpor recurso, apresentando alegações que remata com as seguintes

CONCLUSÕES:
“A) A Recorrente, na sua oposição ao presente requerimento de insolvência, arguiu a excepção de litispendência porquanto corre, igualmente no 1 º Juízo do Tribunal deste Tribunal do Comércio de Vila Nova de Gaia, um requerimento de falência contra si apresentado, sob o número 4.202/04.2TBGMR, o qual deu entrada em juízo a 13 de Setembro de 2004;
B) Assim, tendo o presente processo dado entrada em Novembro de 2004, tem este de ser forçosamente prejudicial em relação ao anterior;
C) Uma vez que a lei aplicável à indicada acção nº 4.202/04.2TBGMR é ainda o CPEREF dado ter dado entrada em juízo anteriormente a 15 de Setembro de 2004 e face ao estatuído no artigo 12º do Código Civil, é forçoso aplicarmos o
artigo 12º do CPEREF o qual dispõe que existe litispendência sempre que em relação à mesma Empresa devedora se encontrem simultaneamente pendentes pedidos de declaração de falência.
D) A presente causa está-se a repetir relativamente à nº 4.202/04.2TBGMR quer quanto aos seus desígnios quer quanto à sua substância, independentemente de por ora existir uma outra Lei e de a denominação técnica ter passado de falência para insolvência, ou seja, a cause repete-se quanto aos sujeitos e quanto à substância do pedido e da causa de pedir;
E) Caso se entenda que não se aplica à situação "sub judice" o artigo 12º do CPEREF por força do artigo 12º do CC, a não existir a figura da litispendência no CIRE, sempre se teria de aplicar de forma supletiva o artigo 497º e 498º do CPC;
F) Assim e em consequência, ao entenderem que a presente causa é prejudicial em relação ao processo nº 4.202/04.2TBGMR e em consequência absolverem a Recorrente da presente instância, estarão V. Exas. a aplicar a costumada
JUSTIÇA”.

Não houve contra-alegações e o Mmº Juiz a quo sustentou o despacho recorrido.

Foram colhidos os vistos legais.

II. FUNDAMENTAÇÃO

II. 1. AS QUESTÕES:
Tendo presente que:
- O objecto dos recursos é balizado pelas conclusões das alegações dos recorrentes, não podendo este Tribunal conhecer de matérias não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (arts. 684º, nº3 e 690º, nºs 1 e 3, do C. P. Civil);
- Nos recursos se apreciam questões e não razões;
- Os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido,

a questão suscitada pela agravante reduz-se a saber se, tendo sido requerida a falência ao abrigo do CPEREF e posteriormente requerida a insolvência (por diferente requerente) ao abrigo do actual CIRE, deve proceder a excepção de litispendência neste último processo invocada pela requerida/devedora - o que pressupõe, também, analisar da admissibilidade da excepção da litispendência no âmbito do (actual) CIRE.

II. 2. FACTOS PROVADOS:
Os supra relatados e ainda o seguinte:
- No supra aludido processo de falência nº 4.202/04.2TBGMR, foi requerente -- conforme informação fornecida pelo tribunal recorrido – D......, Lda.

III. O DIREITO:

Vejamos, então, a questão suscitada nas conclusões das alegações do recurso.

A questão a apreciar prende-se, como dito supra, com a possibilidade de invocação da excepção da litispendência nos processos de declaração de falência e/ou insolvência.

Trata-se de questão tem tem - ou parece, pelo menos, ter - tratamento diferente no CPEREF (Código dos Processos Especiais de Recuperação de Empresa e da Falência), aprovado pelo Dec.-Lei nº 132/93, de 23.04, alterado pelo Dec.-Lei nº 315/98, de 20.10 e no CIRE (Código da Insolvência e da recuperação de Empresas), aprovado pelo Dec.-Lei nº 53/2004, de 18 de Março.
É que, enquanto no CPEREF se prevê expressamente essa excepção, já no CIRE a mesma excepção não vem expressamente (pelo menos) prevista.
Vejamos.

Dispõe-se no artº 12º do CPEREF:
“1. Há litispendência sempre que, em relação à mesma empresa devedora, se encontrem simultaneamente pendentes pedidos de recuperação e de declaração de falência.
2. A prioridade dos processos, para o efeito de excepção, é determinada pela ordem de entrada em juízo das respectivas petições”.

Por sua vez, dispõe-se no artº 8º do CIRE:
“Suspensão da instância e prejudicialidade”.
1 - A instância do processo de insolvência não é passível de suspensão, excepto nos casos expressamente previstos neste Código.
2 - Sem prejuízo do disposto na alínea b) do n.º 3 do artigo 264.º, o tribunal ordena a suspensão da instância se contra o mesmo devedor correr processo de insolvência instaurado por outro requerente cuja petição inicial tenha primeiramente dado entrada em juízo.
3 - A pendência da outra causa deixa de se considerar prejudicial se o pedido for indeferido, independentemente do trânsito em julgado da decisão.
4 - Declarada a insolvência no âmbito de certo processo, deve a instância ser suspensa em quaisquer outros processos de insolvência que corram contra o mesmo devedor e considerar-se extinta com o trânsito em julgado da sentença, independentemente da prioridade temporal das entradas em juízo das petições iniciais.

Analisemos, então, em primeiro lugar, cada um dos normativos acabados de citar.

Fazemos a seguinte leitura do artº 12º do CPEREF:

Vista a redacção do artigo 12º do CPEREF, logo se vê que, mesmo neste normativo, embora se preveja expressamente a excepção da litispendência, não é menos certo que se estatui um conceito de litispendência diferente daquele conceito tradicional consagrado nos artigos 497º e 498º do C.P.C.
Efectivamente, se em ambos os preceitos (do CPC e CPEREF) se pressupõe a repetição de uma causa, estando a anterior ainda pendente, já a verificação desse conceito de “repetição da causa” é muito diferente em ambos os referidos diplomas legais.
Efectivamente - sendo certo que nos dois diplomas legais se pretendeu evitar que o tribunal se visse confrontado com a alternativa de (quanto ao efeito útil da decisão) se contradizer ou reproduzir decisão anterior --, como facilmente ressalta do cotejo dos dois preceitos citados, pode haver “litispendência” para efeitos do artº 12º do CPEREF sem que se verifiquem os requisitos contidos no nº 1 do artº 498º do CPC, ou seja, sem que, em rigor, se verifique simultânea identidade de sujeitos, de pedido e de causa de pedir e, até mesmo, sem que haja qualquer dessas identidades.

Deve salientar-se que - como, aliás, já sustentámos num outro aresto desta mesma Secção - o artº 12º do CPEREF, valendo para a litispendência, já não vale para o caso julgado. É que se o legislador do C.P.E.R.E.F. entendesse que o citado artº 12º valeria igualmente para a excepção de caso julgado, tê-lo-ia dito. Foi claro ao titular o artº 12º como disciplinando a “Excepção de litispendência”. E só esta - presumindo-se que o legislador “consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados” (artº 9º, nº3 CC). Pelo que não se vê razão para estender as coisas à excepção do caso julgado, por isso se mantendo o tradicional conceito de caso julgado, que impõe a identidade de sujeitos, do pedido e da causa de pedir (ut artsº 497º-1 e 498º-1 CPC).
De facto, o aludido artº 12º é uma norma excepcional (a consagrar um conceito excepcional). E, segundo o artº 11º do CC, as normas excepcionais “não comportam aplicação analógica”.
Aquele artº 12º do CPEREF consubstancia um conceito próprio e novo de litispendência - em relação ao regime-regra previsto no CPC --, mas já não um conceito próprio e novo de caso julgado. Trata-se, tipicamente, de uma norma excepcional, pois se limita “a uma parte restrita daquele sector de relações ou factos, consagrando neste sector restrito, por razões privativas dele, um regime oposto àquele regime regra” (Baptista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Coimbra, pág. 94).
Assim, não é possível preencher o conteúdo do conceito de caso julgado no âmbito do C.P.E.R.E.F., com recurso à aplicação analógica do conceito que no mesmo diploma vem previsto para uma diferente excepção (a litispendência). O mesmo é dizer que se não pode preencher, ou substituir, o conceito geral previsto na lei adjectiva civil, com recurso ao núcleo de um conceito excepcional, contido ou previsto numa norma igualmente excepcional.

É aqui de especial relevância o disposto no nº 2 do artº 12º do CPEREF, donde resulta que a absolvição da instância, a ter lugar, deve ter lugar na segunda acção - aquela cuja petição deu entrada em juízo em segundo lugar.
Trata-se de um desvio do CPEREF relativamente à regra geral do artº 499º. O que se compreende e aceita. Com efeito, atenta a finalidade dos dois tipos de acções aqui em causa, é mais razoável paralisar a acção proposta em segundo lugar, do que aguardar a citação, erguida em critério de precedência pela lei processual civil geral.

Face ao CIRE (artº 8º) temos, porém, o seguinte:

Ao invés da letra do artº 12º do CPEREF, neste artigo – ou noutro qualquer do diploma de que faz parte, segundo cremos - não se fala expressamente na (excepção da) litipendência.
Mas será que ela ali está ou foi prevista?

À primeira vista, parece, de facto, que o actual CIRE afastou a possibilidade de arguição da excepção da litispendência.
Efectivamente, o aludido normativo - e, como dissemos, do diploma em questão nada mais encontramos sobre a matéria - apenas fala em “suspensão da instância” e “prejudicialidade”.

Ora, da leitura atenta do citado normativo do CIRE resulta, para nós, desde logo, o seguinte:
1º- No processo de insolvência, por regra ou princípio, não há lugar à suspensão da instância. Só o há “nos casos expressamente previsto neste Código” ( nº 1 do citado artº 8º) - sublinhado nosso.
Entre esses casos de possível suspensão da instância, temos o facto de um sucessor do devedor o requerer, perante o falecimento deste (ut artº 10º, al. b)) e a apresentação de um plano de pagamento pelo devedor não empresário ou titular de pequena empresa (artº 255º).
2º- Fora dos casos referidos em que o diploma preveja expressamente a suspensão da instância, não há lugar à aludida suspensão - sendo de salientar, porém, que o aludido artº 8º vem a ser objecto de parcial derrogação no caso previsto no artº 261º, nº2 do mesmo CIRE).

Daqui logo se vê que há uma certa incongruência entre o referido no nº 1 do artº 8ºe o disposto nos restantes números.
Efectivamente, se, por um lado, se diz no nº 1 que a suspensão da instância apenas é possível “nos casos expressamente previstos neste Código”, já nos números seguintes se continua a falar da suspensão da instância…. no caso de “pendência de outra causa”.
De facto, no aludido nº 2 fala-se na “suspensão da instância” na situação de “contra o mesmo devedor correr processo de insolvência instaurado por outro requerente cuja petição inicial tenha primeiramente dado entrada em juízo.”, esclarecendo o nº3 -- de forma incorrecta e em manifesta confusão de conceitos” -- que “a pendência da outra causa deixa de se considerar prejudicial se o pedido for indeferido, independentemente do trânsito em julgado da decisão.”
No entanto, parece claro que o legislador, ao dizer que a ocorrência de outro processo (de insolvência) “contra o mesmo devedor”, instaurado, em primeiro lugar, “por outro requerente” configura uma situação de suspensão da instância, por entender tratar-se de uma causa “prejudicial” -- salvo no caso de o pedido de insolvência (formulado em segundo lugar) vir a ser indeferido --, está claramente a confundir (de forma incorrecta) litispendência e prejudicialidade.
É que a “pendência de outra causa” (de outro processo de insolvência, instaurada em primeiro lugar) constitui um nítido caso de litispendência, como resulta da noção que é fornecida pelo CPC ( artº 497º, nº1), pois é, sem dúvida, uma situação em que “a causa se repete estando a anterior ainda em curso” - sendo certo que aqui é bastante uma noção de litispendência igual ou equivalente àquela que o anterior artº 12º do CPEREF previa, supra retratado, ou seja, não é necessário que haja identidade de sujeitos e de causa de pedir, ut artº 498º CPC (no anterior artº 12º do CEPEREF nem, sequer, era necessário haver identidade de pedidos, pois podia haver litispendência, v.g., no caso de A requerer a falência da empresa B com fundamento no artº 8º, nº1, al. b) e, posteriormente , o credor C instaurar uma acção de recuperação de empresa).

Cremos, assim, que no artº 8º do CIRE se abrangem três realidades distintas: uma é a suspensão da instância, naqueles casos “expressamente previstos neste Código”; outra é a verdadeira e própria repetição de causa que, essa sim, gera litispendência; a outra é a situação de mera sucessão de causas prejudiciais que, não se reconduzindo, em sentido rigoroso, à figura da litispendência, deve determinar a sustação da causa prejudicada até à decisão da causa prejudicial.

Do exposto se conclui - indo, assim, ao cerne da questão que neste agravo nos é posta - que não se vê, efectivamente, que a prévia interposição de outro processo de insolvência -- que constitui, repete-se, um caso claro de litispendência - deva apenas acarretar a suspensão da instância. Deve, antes, levar à absolvição da instância (ut artsº 493º, nº2 e 494º, al. i), do CPC).

De facto, não se compreende qual a vantagem de apenas se suspender o processo posterior, quando o anterior visa exactamente o mesmo objectivo.
Porque razão se vai aguardar o caso julgado quando se está perante uma situação de litispendência?

É esta, portanto, a leitura que entendemos dever ser feita ao artº 8º do CIRE, designadamente aos seus nºs 2º e segs.: a situação ali prevista de “contra o mesmo devedor correr processo de insolvência instaurado” (anteriormente) “por outro requerente” configura, não uma situação “prejudicial”, mas uma clara situação de litispendência, na definição que já vinha do anterior artº 12º do CPEREF e com o âmbito que supra lhe é dado.
É o que ocorre no caso sub judice.
Efectivamente, no caso ora em apreciação está-se a repetir a causa nos dois processos instaurados, quer quanto aos seus desígnios, quer quanto à sua substância, independentemente de agora existir uma outra Lei e de a denominação técnica ter passado de falência para insolvência.
Com efeito, assim não deixa de ser pelo simples facto de ter sido suprimida a dicotomia recuperação/falência (do CPEREF), a par da configuração da situação da insolvência como pressuposto único do processo.
Embora sendo certo que - como se diz no Relatório preambular do CIRE - “a insolvência não se confunde com a “falência”, tal como actualmente entendida, dado que a impossibilidade de cumprir obrigações vencidas, em que a primeira noção fundamentalmente consiste, não implica a inviabilidade económica da empresa ou a irrecuperabilidade financeira postuladas pela segunda”, nos processos de “falência” e de “insolvência” a mesma causa repete-se, no cerne da sua substância e dos seus objectivos.

Sem embargo do explanado, a opção pela figura da litispendência no caso sub judice sempre se impunha, ainda pelas seguintes razões:
- Primeiro, porque se assim não fosse e se mantivesse o despacho recorrido, poderíamos (como bem acentua a agravante) “cair no ridículo” de uma das acções ser transformada em “recuperação” e na outra ser decretada a “insolvência”!
- Segundo, porque, sendo aplicável ao processo nº 4.202/04 o CPEREF (dado que entrou em juízo antes de 15 de Setembro de 2004 – data da entrada em vigor do CIRE, ut artº 3º do DL nº 200/2004, de 18.08) --, atendo o disposto no artº 12º do Cód. Civil sempre seríamos reconduzidos à aplicação do citado artº 12º do CPEREF.
É certo que, estando-se no domínio das normas processuais (em causa está a possibilidade de funcionamento ou aplicação da excepção da litispendência), a regra é, como se sabe, a de que a nova norma do processo se aplica imediatamente, quer às acções novas, quer aos actos que se venham a realizar futuramente, mesmo que tais actos se integrem em acções pendentes, ou seja, em causas anteriormente postas em juízo.
E estendendo ao domínio do processo civil, com as necessárias adaptações, a doutrina do artº 12º do CC, resulta que “a ideia, proclamada neste artigo, de que a lei dispõe para o futuro significará, na área do direito processual, que a nova lei se aplica às acções futuras e também aos actos futuros praticados nas acções pendentes” (Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 2ª ed., a págs. 47/49) - sublinhado nosso.
Mas se assim é, então há que ter em conta que in casu não está em causa a prática de qualquer acto na acção pendente à data da entrada em vigor do CIRE, já que a haver litispendência (ou mesmo só a suspensão da instância) a mesma seria “praticada”, não na acção pendente, mas na…. nova acção (seria nesta acção “cuja petição inicial tenha primeiramente dado entrada em juízo” que, segundo a nua letra da lei, haveria, então, lugar à suspensão do processo, ut artº 8º, nº2 do CIRE - porém, a posição correcta será, como vimos, não suspender o processo posterior, mas fazer funcionar a…. litispendência).
Assim, portanto, sempre continuaria a vingar, em matéria de litispendência, a norma do artº 12º do CPEREF.
- Terceiro, porque - e nisto tem razão o tribunal a quo -- nunca era de aplicar à situação sub judice a previsão do artº 8º do CIRE, uma vez que este normativo refere-se à instauração de dois processos de insolvência -- “… se contra o mesmo devedor correr processo de insolvência instaurado por outro requerente…”, reza o aludido normativo.
Ora, no caso sub judice está-se perante um processo e falência e um processo de insolvência. E - sem embargo do dito supra --, a verdade é que, como se diz no Relatório preambular do CIRE—“a insolvência não se confunde com a “falência”.

Perante o exposto, logo se vê que, salvo o devido respeito, mal andou o Mmº Juiz a quo ao indeferir a invocada excepção de litispendência, pois, por todas as (ou qualquer delas) razões supra expostas, sempre seríamos levados a aplicar a norma do artº 12º do CPEREF, a qual, embora com o sentido mitigado ou limitado explicitado supra, prevê expressamente a figura da litispendência - o que levava à absolvição da instância da requerida/agravante C......, SA , atenta a pendência do processo de falência requerido anteriormente aos presentes autos e a correr sob o nº 4.202/04.2TBGMR no mesmo tribunal recorrido.

CONCLUINDO:
O C.P.E.R.E.F. (na redacção emergente do Dec.-Lei nº 132/93, de 23.04) estatui, no artº 12º, um conceito de litispendência diferente do conceito tradicional consagrado nos artigos 497º e 498º do C.P.C., já que pode haver “litispendência” para efeitos desse artº 12º sem que, em rigor, se verifique simultânea identidade de sujeitos, de pedido e de causa de pedir e, até mesmo, sem que haja qualquer dessas identidades.
No nº 2 do artº 8º do CIRE confunde-se incorrectamente litispendência com prejudicialidade. É que, a instauração prévia de outro processo de insolvência, constitui um caso de litispendência, a conduzir, não à mera suspensão da instância, mas, sim, à absolvição (ut artº 493º, nº2 CPC).
No artº 8º do CIRE abrangem-se três realidades: uma é a suspensão da instância, naqueles casos “expressamente previstos neste Código”; outra é a verdadeira e própria repetição de causa que, essa sim, gera litispendência; a outra é a situação de mera sucessão de causas prejudiciais que, não se reconduzindo, em sentido rigoroso, à figura da litispendência, deve determinar a sustação da causa prejudicada até à decisão da causa prejudicial.
Assim, tendo-se requerido, e estando pendente, a falência de uma empresa na vigência do CPEREF, o posterior requerimento de insolvência da mesma requerida (este instaurado na vigência do CIRE) conduz à procedência da excepção dilatória da litispendência (na segunda acção), com a consequente absolvição da requerida/devedora da instância.

IV. DECISÃO:

Termos em que acordam os Juízes da Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto em conceder provimento ao agravo, determinando que o Mmº Juiz a quo profira novo despacho em que, face à pendência do processo de falência nº 4.202/04.2TBGMR, seja deferida a excepção de litispendência, com a absolvição da requerida/agravante da instância nos presentes autos de insolvência com o nº 656/04.5TYVNG.

Sem custas.

Porto, 16 de Fevereiro de 2006
Fernando Baptista Oliveira
José Manuel Carvalho Ferraz
Nuno Ângelo Rainho Ataíde das Neves