Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
199/11.0TBESP-B.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ESTILITA DE MENDONÇA
Descritores: COMPETÊNCIA INTERNACIONAL
PEDIDO
ALTERAÇÃO DO REGIME
CONVÍVIO DO MENOR COM OS PROGENITORES
CRIANÇA
RESIDÊNCIA
ESTADOS MEMBROS DA UNIÃO EUROPEIA
Nº do Documento: RP20161206199/11.0TBESP-B.P1
Data do Acordão: 12/06/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º 743, A FLS. 116-122)
Área Temática: .
Sumário: I - A competência internacional afere-se pelo critério da residência habitual do menor.
II - O conceito de "residência habitual" (a que alude o Regulamento (CE) n.º 2201/2003 do Conselho, de 27/11/2003) deve ser interpretado no sentido de que essa residência corresponda ao lugar que traduz uma certa integração da criança num ambiente social e familiar.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 199/11.0TBESP-B.P1

Recorrentes: B…
C…
Recorrido: D…
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Acordam na 2ª secção do Tribunal da Relação do Porto
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Nos presentes autos foi proferida a seguinte decisão (itálico de nossa autoria):
Requerentes: B… e C… (avós maternos);
Requerido: D… (progenitor);
Crianças: E… e F….
Vieram os requerentes/avós maternos instaurar contra o requerido/progenitor a presente acção, com vista a alterar o regime de convívios com as crianças, seus netos.
Aberta vista, o M.ºP.º veio invocar a incompetência internacional.
Ouvidos, os requerentes vieram pugnar pela improcedência de tal excepção.
Conforme flui dos autos e da própria petição inicial, as crianças residem com o requerido/progenitor em França, há cerca de um ano.
De acordo com o n.º 1 do art.º 9.º do RGPTC, para decretar as providências é competente o tribunal da residência da criança no momento em que o processo foi instaurado.
E, segundo o n.º 7 do mesmo preceito legal, se no momento da instauração do processo a criança residir no estrangeiro e o tribunal português for internacionalmente competente, é competente para apreciar e decidir a causa o tribunal da residência do requerente ou do requerido.
O n.º 7 do art.º 9.º do RGPTC determina, pois, a competência territorial sempre que a criança a quem respeita a providência reside no estrangeiro. Caso a criança resida no estrangeiro, o critério do n.º 7 do art.º 9.º do RGPTC, do domicílio do requerente e do requerido está, sempre dependente, conforme decorre do próprio preceito, da prévia averiguação da competência internacional do tribunal. Só após se ter apurado que o tribunal português é internacionalmente competente é que se irá averiguar a residência do requerente e do requerido para efeitos de averiguação do tribunal nacional territorialmente competente.
E, segundo o art.º 8.º, n.º 1, do Regulamento (CE) 2201/2003 do Conselho, de 27 de Novembro de 2003), os tribunais de um Estado-Membro são competentes em matéria de responsabilidade parental relativa a uma criança que reside habitualmente nesse Estado-Membro à data em que o processo seja instaurado no tribunal.
Ora, conforme já tivemos ensejo de referir, as crianças residem com o pai em França, há cerca de um ano, tendo aí o seu centro de vida estabilizado.
Em consequência, este tribunal é internacionalmente competente para conhecer da alteração pretendida pelos requerentes/avós ao regime de convívios com os netos, sendo para o efeito competente os Tribunais Franceses, por ser na França que as crianças têm, há cerca de um ano, a sua residência habitual, o seu núcleo definido e estabilizado de vida.
Destarte, impõe-se declarar este tribunal internacionalmente incompetente e, em consequência, indeferir o absolveu o requerido da instância (cfr., ainda, art.ºs 59.º, 96.º, al.a), 97.º, n.º 1, 99.º, 278.º, n.º 1, al. a), 576.º, n.ºs 1 e 2, 577.º, al. a), e 578.º, todos, do CPC).
Decisão:
Pelo exposto, declara-se este tribunal internacionalmente incompetente para conhecer da presente acção e, em consequência, indefere-se a petição”.

Desta sentença apelaram os Requerentes oferecendo alegações e formulando as seguintes CONCLUSÕES:
1 – A Douta decisão proferida nestes autos não teve em consideração o princípio fundamental a ter em conta para a aplicação da norma do art. 8º, nº 1 do Regulamento (CE) nº 2201/2003 de 27/11.
2 – Pois não se teve em consideração todos os pressupostos da sua aplicação, os quais, aliás, se encontram bem explicitados no considerando 12º do dito Regulamento, que estipula: “As regras de competência em matéria de responsabilidade parental do presente regulamento são definidas em função do superior interesse da criança e, em particular, do critério da proximidade”.
3 - O critério determinante a ter em conta será o da efectiva ligação dos menores e dos seus progenitores a um determinado país e não propriamente, a sua residência em determinado momento concreto (e que muitas vezes, como provavelmente será o caso, se tratará de uma mera residência ocasional).
4 – Há pois, que atender-se a diversos outros factores que permitem aferir o tal critério de proximidade, como seja, o país da nacionalidade dos menores e dos seus pais, o tempo que eles viveram num e noutro país, as ligações familiares e afectivas dos menores (e dos seus pais) a um determinado país, atendendo, designadamente e quanto aos menores, ao país onde frequentaram a escola por um tempo mais prolongado, onde fizeram amigos, ou seja, às suas raízes…
5 - E não meramente, ao país da sua residência no preciso momento em que se interpõe em tribunal uma acção judicial como a que está aqui em causa.
6 - Neste sentido, aliás, se tem pronunciado a Jurisprudência da União Europeia – veja-se, por exemplo, o Acórdão do TJUE de 22-12-2010, bem como o nosso Supremo Tribunal de Justiça, no seu recentíssimo Acórdão de 28/01/2016, Processo 6987/13.6TBALM.L1.S1, ou ainda o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 22/09/2011, Processo nº 1729/10.0TMLSB-B.L1-8.
7 – Nesta conformidade e atendendo a que os menores nasceram em Portugal e aqui residiram até ao final de Julho do ano de 2015, portanto, até aos 5 anos de idade da menor E… e até aos 7 anos de idade do menor F…;
8 - Frequentaram a escola e a pré-escola em Portugal, onde criaram ligações de amizade e afectivas com outras crianças seus colegas de escola, para além das relações familiares muito próximas que sempre mantiveram com a família materna, nomeadamente com os avós maternos, que os criaram desde que nasceram e com os tios maternos e com os primos, com quem brincavam diariamente;
9 - E atendendo, ainda, a que tanto a falecida mãe, como o pai dos menores são portugueses e sempre viveram em Portugal, sendo que o pai só há cerca de um ano é que foi para França,
10 - E atendendo, também, a que já depois dos menores estarem em França com o pai, foi deduzido pelos aqui requerentes um incidente de incumprimento do acordo do regime de visitas que havia sido estabelecido, tendo o pai dos menores aceitado a competência dos tribunais portugueses para dirimir tal questão, não tendo levantado qualquer obstáculo a que assim fosse,
11 - É forçoso concluir que, sendo o critério fundamental a ter em conta o da efectiva ligação dos menores e do seu pai e dos avós maternos, aqui requerentes, a um determinado país, esse país é Portugal, país da nacionalidade de todos e país da residência de todos até há cerca de um ano atrás, pelo que os menores têm efectivamente uma relação de proximidade muito mais forte a Portugal do que a França, devendo ser este o determinante fundamental em aplicação do critério estabelecido no nº 12 dos considerandos do Regulamento (CE) nº 2201/2003 de 27 de Novembro.
12 – Para além de que, caso a presente acção de alteração da regulação das responsabilidades parentais fosse tramitada num tribunal francês, correr-se-ia sérios riscos de não se poder acautelar da mesma forma os supremos interesses dos menores.
13 – E, caso viesse a decidir-se que os tribunais franceses seriam os competentes para apreciar esta acção – o que não se aceita nem se admite – seria o mesmo que denegar aos avós maternos, aqui requerentes, o direito a recorrerem aos meios judiciais para assegurarem o convívio que pretendem manter com os seus netos, pois não se está a ver como é que estas pessoas, com parcos recursos económicos e humilde instrução, poderiam ou saberiam diligenciar para o fazerem em tribunais franceses…
14 - Pelo que, atendendo a todos estes factos e à jurisprudência supra citada, que vai no sentido do aqui defendido, deverá considerar-se que este tribunal português é o competente para apreciar a presente acção de alteração do regime de convívio dos menores com os seus avós maternos, aqui requerentes.
15 – A Douta Sentença ora em recurso, ao decidir como decidiu, violou, entre outras, a norma do artigo 8º, nº 1 do Regulamento (CE) nº2201/2003 de 27/11, interpretada esta de acordo com o critério estabelecido no nº 12 dos considerandos do mesmo Regulamento (CE) nº2201/2003 de 27 de Novembro.
Termos em que deverá considerar-se procedente a presente Apelação e em consequência deverá ser revogada a decisão ora em recurso, passando a declarar-se competente o tribunal da comarca de Aveiro, instância central de Santa Maria da Feira para o conhecimento desta acção, assim se fazendo a habitual JUSTIÇA!

O M.º P.º junto da 1.ª instância contra-alegou terminando com as seguintes Conclusões:
1) O despacho recorrido não viola o art. 8.º, n.º 1, do Regulamento (CE) n.º2201/2013, de 27 de Novembro, nem qualquer outra norma ou princípio de direito, tendo procedido a uma correcta ponderação dos factos e a uma adequada aplicação da Lei aos mesmos;
2) Para decretar as providências tutelares cíveis é competente o tribunal da residência da criança no momento em que o processo foi instaurado;
3) Se, no momento da instauração do processo, a criança residir no estrangeiro e o tribunal português for internacionalmente competente, é competente para apreciar e decidir a causa o tribunal da residência do requerente ou do requerido;
4) No caso concreto, as crianças E… e F… e o progenitor residem em França pelo menos desde Julho de 2015;
5) Assim, importa, antes de mais, aferir a que país cabe a competência internacional para a tramitação dos presentes autos;
6) Nos termos do art. 8.º, n.º 1, do Regulamento (CE) 2201/2003 do Conselho, de 27de Novembro de 2003, os tribunais de um Estado-Membro são competentes em matéria de responsabilidade parental relativa a uma criança que resida habitualmente nesse Estado-Membro à data em que o processo seja instaurado no tribunal;
7) O progenitor e as crianças já residem em França há mais de um ano, tendo as mesmas aí o seu centro de vida estabilizado. É aí que residem, que frequentam a escola, que têm os seus familiares mais próximos, à excepção dos recorrentes, sendo certo que a progenitora já faleceu a 17/03/2015;
8) Deste modo, internacionalmente competente para conhecer da alteração agora suscitada é o ordenamento jurídico Francês;
9) O superior interesse das crianças impõe que a lei aplicável à alteração pretendida seja a da sua residência habitual, em França;
10) As dificuldades práticas alegadas pelos recorrentes, apesar de compreensíveis, não têm um peso decisivo na decisão a tomar nestes autos;
11) O Regulamento manda ter em conta o superior interesse das crianças e a decisão sobre a competência internacional para a apreciação da presente acção deve ser aferida com base num critério de proximidade;
12) Esta proximidade refere-se, antes de mais, às crianças e aos seus progenitores;
13) A progenitora já faleceu e o progenitor, tal como os seus dois filhos, residem em França já há mais de um ano, tendo aí o seu novo centro de vida estabilizado, pelo que qualquer decisão que lhes diga respeito e verse sobre qualquer aspecto do regime de exercício das responsabilidades parentais em relação a elas deve ser tomada no tribunal do país onde agora vivem de forma estável;
14) O recurso interposto pelos Recorrentes carece de fundamento, devendo ser julgado improcedente, confirmando-se a decisão recorrida, com o que farão Vossas Excias., como sempre, a adequada JUSTIÇA!
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Objecto do recurso
Considerando que:
- o objecto do recurso está delimitado pelas conclusões contidas nas alegações dos recorrentes (artigo 635 do Código de Processo Civil), estando vedado a este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso; e os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu acto, em princípio delimitado pelo conteúdo do acto recorrido, delimitado como está o objecto do recurso pelas conclusões das alegações, das formuladas pela Apelante resulta que a questão que é colocada à nossa apreciação é a de saber qual o tribunal territorialmente competente para a presente acção, se o Português se o Francês.
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Vejamos então.
Sustentam os apelantes que “deverá ser revogada a decisão ora em recurso, passando a declarar-se competente o tribunal da comarca de Aveiro, instância central de Santa Maria da Feira para o conhecimento desta acção”.
Sustentam para tanto que “não se teve em consideração todos os pressupostos da sua aplicação, os quais, aliás, se encontram bem explicitados no considerando 12º do dito Regulamento, que estipula: “As regras de competência em matéria de responsabilidade parental do presente regulamento são definidas em função do superior interesse da criança e, em particular, do critério da proximidade”. O critério determinante a ter em conta será o da efectiva ligação dos menores e dos seus progenitores a um determinado país e não propriamente, a sua residência em determinado momento concreto (e que muitas vezes, como provavelmente será o caso, se tratará de uma mera residência ocasional). Há pois, que atender-se a diversos outros factores que permitem aferir o tal critério de proximidade, como seja, o país da nacionalidade dos menores e dos seus pais, o tempo que eles viveram num e noutro país, as ligações familiares e afectivas dos menores (e dos seus pais) a um determinado país, atendendo, designadamente e quanto aos menores, ao país onde frequentaram a escola por um tempo mais prolongado, onde fizeram amigos, ou seja, às suas raízes… E não meramente, ao país da sua residência no preciso momento em que se interpõe em tribunal uma acção judicial como a que está aqui em causa.
Trata-se aqui de decidir qual o tribunal competente para a tramitação, se o Português (Comarca de Aveiro – Santa Maria da Feira – Inst. Central – 4.ª Sec. F. Men. – J2) se os Tribunais Franceses, dada a residência actual dos menores.
Destacam-se, como fonte comunitária e com relevo para o caso dos autos, o Regulamento (CE) nº 2201/2003 do Conselho, de 27 de Novembro de 2003, relativo à competência, ao reconhecimento e à execução das decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental, aplicável às acções judiciais, actos autênticos e acordos posteriores a 1 de Março de 2005 – cfr. artigo 72º do Regulamento. O Regulamento é directamente aplicável a todos os Estados Membros, em conformidade com o Tratado que instituiu a Comunidade Europeia (artigos 1°, 68° e 76° e, em Portugal, o artigo 8° da Constituição da República Portuguesa e prevalece perante as normas reguladoras da competência internacional previstas no Código de Processo Civil”.
Nos termos da alínea b) do artigo 1º do Regulamento, o mesmo é aplicável às matérias civis relativas “à atribuição, ao exercício, à delegação, à delimitação ou à cessação da responsabilidade parental”, sendo esta definida como “o conjunto dos direitos e obrigações conferidos a uma pessoa singular ou colectiva por decisão judicial, por atribuição de pleno direito ou por acordo relativo à pessoa ou aos bens de uma criança”, compreendendo nomeadamente, o direito de guarda e o direito de visita” – cfr. nº 7 do artigo 2º do Regulamento.
Basicamente, está em causa a interpretação do Regulamento n.º 2201/2003, de 27/11, do Conselho da União Europeia (também conhecido por Regulamento “Bruxelas II bis” ou “Novo Regulamento Bruxelas II”), relativo à Competência, ao Reconhecimento e à Execução em Matéria Matrimonial e em Matéria de Responsabilidade Parental.
Nos termos do art.º 8.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa “as normas constantes de convenções internacionais regularmente ratificadas ou aprovadas vigoram na ordem interna após a sua publicação oficial e enquanto vincularem internacionalmente o Estado Português”.
Em conformidade com o Tratado que institui a Comunidade Europeia (art.ºs 1.º, 68.º e 76.º), os Regulamentos são obrigatórios em todos os seus elementos, sendo directamente aplicáveis em todos os Estados Membros.
O Regulamento n.º 2201/2003, de 27/11, entrou em vigor a 1 de Março de 2005, sendo directamente aplicável ao Estado Português e prevalecendo sobre os direitos nacionais.
O princípio fundamental do Regulamento é que o foro mais apropriado em matéria de responsabilidades parentais é o tribunal competente do Estado Membro da residência habitual da criança (cfr. art.º 8.º, n.º 1).
O Regulamento não define o que deve entender-se por “residência habitual”, sendo certo, porém, que deverá ser entendido como um conceito autónomo da legislação comunitária, independente do que possa constar das legislações nacionais, e que deve ser determinado pelo juiz em cada caso.
Nos termos do art.º 10.º do Regulamento, o Tribunal do Estado-Membro da residência habitual da criança antes da retirada continua a ser competente para decidir sobre o mérito da causa.
Por seu turno, o art.º 2.º, n.º 11, do Regulamento define o que deve entender-se por deslocação ou retenção ilícita de uma criança.
Para que a competência possa ser atribuída ao Tribunal do Estado-Membro para onde a criança foi levada torna-se necessário:
I) - que a criança passe a ter a sua residência habitual nesse Estado e os titulares do direito de guarda dêem o seu consentimento à deslocação; ou então:
II) - que a criança passe a ter a sua residência habitual noutro Estado-Membro, sendo que, para que tal se considerar verificado, é necessário que a criança esteja integrada no novo país e aí esteja a residir há pelo menos um ano e mostrar-se ainda preenchida pelo menos uma das seguintes quatro situações:
A) – não ter sido apresentado qualquer pedido de regresso, no prazo de um ano após a data em que o titular do direito de guarda tenha tomado conhecimento do paradeiro da criança;
B) – o titular do direito de guarda ter desistido do pedido de regresso e não ter apresentado nenhum novo pedido dentro do referido prazo de um ano;
C) – o processo instaurado num tribunal do Estado-Membro da residência habitual da criança ter sido arquivado pelo facto de as partes não terem apresentado observações no prazo de três meses, previsto no art.º 11.º, n.º 7;
D) – o tribunal do Estado-Membro ter proferido uma decisão sobre a guarda que não determinasse o regresso da criança.
Pretende-se, dessa forma, impedir que seja tomada uma decisão de mérito relativa à guarda, proferida pelo Estado para onde a criança foi levada indevidamente. A pessoa que retira a criança, por norma leva-a para o país de onde é natural, esperando aí obter a legitimação da situação de violação que ele próprio criou. É essa tentativa de legitimação de uma conduta censurável que se pretende inviabilizar. A ideia do Regulamento é fomentar exactamente a posição contrária: se pretende discutir a guarda, então deverá fazê-lo no Estado de residência habitual.
Ora, no caso dos autos não se verifica nenhuma das situações de excepção supra elencadas.
As crianças, de nacionalidade portuguesa, viveram em Portugal desde o seu nascimento, mas foram viver para França com o pai desde Julho de 2015, sendo certo que a mãe dos menores já faleceu.
Concorda-se com a decisão recorrida quando diz que “este tribunal é internacionalmente competente para conhecer da alteração pretendida pelos requerentes/avós ao regime de convívios com os netos, sendo para o efeito competente os Tribunais Franceses, por ser na França que as crianças têm, há cerca de um ano, a sua residência habitual, o seu núcleo definido e estabilizado de vida”.
Na verdade, o artigo 8.º determina que os tribunais de um Estado-Membro são competentes em matéria de responsabilidade parental relativa a uma criança que resida habitualmente nesse Estado-Membro à data em que o processo seja instaurado no tribunal.
A competência internacional deve aferir-se pelo critério da residência habitual do menor.
Porém, a residência habitual também se desloca, designadamente para outro Estado-Membro da União Europeia, daí que o Regulamento, preveja, nas normas supra citadas, a derrogação da competência do tribunal do Estado-Membro da anterior residência habitual.
O conceito de "residência habitual", na acepção dos artigos 8.º e 10.º do Regulamento (CE) n.o 2201/2003 do Conselho, de 27 de Novembro de 2003, relativo à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental e que revoga o Regulamento (CE) n.º 1347/2000, deve ser interpretado no sentido de que essa residência corresponde ao lugar que traduz uma certa integração da criança num ambiente social e familiar – Acórdão da 1.ª Secção do Tribunal de Justiça da UE, de 22.12.2010, processo C-497/10 PPU: Barbara Mercredi/Richard Chaffe.
Ora, como se viu, os menores acompanharam o seu pai, único progenitor vivo, e foram viver para França com o pai desde Julho de 2015, onde têm, há cerca de um ano, a sua residência habitual, o seu núcleo definido e estabilizado de vida”.
Assim, atento tudo quando fica dito, as disposições legais invocadas, nomeadamente os art. 2.º, 10.º n.º 1, do Regulamento CE n.º 2001/2003 de 27/11/2003, não sendo caso de aplicação do art. 13.º, visto o disposto nos art. 96º a), 99 e 577 a) todos do Código de Processo Civil, e vistos os elementos constantes dos autos, o tribunal português tem de ser considerado internacionalmente incompetente.
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Decisão:
Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar a apelação totalmente improcedente, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas pelos Apelantes, sem prejuízo do apoio judiciário já concedido.

Porto, 6 de Dezembro de 2016.
Estelita de Mendonça
Anabela Dias da Silva
Ana Lucinda Cabral