Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
292/17.6T8ILH.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ANA LUCINDA CABRAL
Descritores: ACTIVIDADE PERIGOSA
EXCLUSÃO DA RESPONSABILIDADE
NEXO DE CAUSALIDADE
Nº do Documento: RP20191008292/17.6T8ILH.P1
Data do Acordão: 10/08/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO (LIVRO DE REGISTOS Nº 913, FLS 02-16)
Área Temática: .
Sumário: I - A execução de uma obra de rede de drenagem de águas residuais e pluviais que envolva a execução de aterros e escavações consideráveis por períodos alargados deve ser considerada uma actividade perigosa.
II - Cabe à entidade que realiza a actividade o ónus de provar que adoptou todas as medidas necessárias para evitar que ao atravessar a estrada um peão caia numa vala aberta no percurso.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. nº 292/17.6T8ILH.P1
Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro
Juízo de Competência Genérica de Ílhavo - Juiz 2

Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I – Relatório
A autora B… intentou a presente acção sob a forma de processo comum contra a SOCIEDADE RÉ C…, LDA., pedindo a sua condenação no pagamento a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais no valor de € 9.922,20, acrescido de juros de mora vencidos desde a data da constituição em mora, no montante de € 1.000,38, tudo no montante global de € 10.922,58 e, ainda, nos juros de mora vincendos até efectivo e integral pagamento.
Em fundamento do pedido alega, em síntese, que a 6 de Novembro de 2014, a autora, ao circular a pé na Rua …, caiu ao colocar o seu pé esquerdo num buraco na estrada, não obstante ter atravessado a mesma de forma cuidadosa, em função dos inúmeros buracos existentes, tal queda causou-lhe uma torção no tornozelo esquerdo, sofrendo dores intensas, partiu o computador que transportava na mão, após assistência hospitalar andou apoiada em muletas durante cerca de um mês, necessitou de fisioterapia, e desde tal data apresenta recidivas de entorse, o que a limita no dia-a-dia; inviabilizou que tomasse conta da neta, que subisse a escadotes para limpar a casa, permanece com falta de equilíbrio; mais alega que a obra a cargo da ré não se encontrava sinalizada, a estrada não estava cortada; em virtude do acidente sofreu danos patrimoniais, com despesas médicas e medicamentosas e danos não patrimoniais.
Conclui pela procedência da acção.

Regulamente citada, a ré C…, LDA. contestou, alegando desconhecer as circunstâncias exactas do acidente alegado pela autora, impugnando a sua dinâmica e consequências danosas. Mais alegou que levava a cabo obra de instalação de colectores, que a rua em causa não possui passeios, passadeiras para peões, encontrando-se aberta ao trânsito com condicionantes, que inexistia qualquer buraco na estrada, dado que a mesma se encontrava pavimentada com tout-venant; se o houvesse era do conhecimento dos moradores, existindo sinalização; a rua não se destinava ao trânsito de peões, pelo que impendia sobre a autora ao circular em via não destinada a peões um especial cuidado, devendo circular pelas bermas e não atravessar a mesma, pelo que o sinistro se deve a culpa exclusiva da autora que atravessou de forma negligente uma rua em obras, em local não destinado a peões; a ré dotou a rua de sinalização de obra.
Pugna pela improcedência total da acção proposta.

Procedeu-se a audiência de julgamento em conformidade com todos os formalismos legais.
Foi proferida sentença com o seguinte dispositivo:” Em conformidade com o exposto, determina-se julgar a presente acção parcialmente procedente por parcialmente provada e, em consequência, condena-se a sociedade ré C…, LDA. a pagar à Autora B… a quantia de:
- € 126,20 (cento e vinte e seis euros e cinte cêntimos), a título de danos patrimoniais; quantia esta acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4%, contados desde a data de citação da sociedade ré para os termos da presente acção, até efectivo e integral pagamento
- a quantia de € 3.000,00 (três mil euros), a título de danos não patrimoniais, quantia esta acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4%, contados desde a data da presente decisão até integral e efectivo pagamento, ABSOLVENDO A SOCIEDADE RÉ DOS DEMAIS MONTANTES PETICIONADOS PELA AUTORA A TÍTULO DE DANOS PATRIMONIAIS E NÃO PATRIMONIAIS.”

A ré C…, LDA interpôs recurso concluindo:
1 – De toda a prova produzida em audiência de julgamento, da documentação junta aos autos, bem como da própria motivação da douta sentença, outro deveria ter sido o entendimento do Tribunal a quo no que aos factos dados como provados diz respeito, vejamos:
Desde logo, foram várias as testemunhas que:
“Esclareceram que a rua tem e tinha iluminação pública, não dispõe de passeios, apenas bermas e que apenas tem uma passadeira no final da rua, já na estrada principal, em sentido inverso ao da marcha da autora.“ (parágrafo 4º da pagª 8ª da douta sentença.
2 - Por força do supra referido e constante das motivações da douta sentença, o Tribunal a quo, contrariamente ao dado como provado no facto 34. dos factos dados como provados, deveria ter dado como provado nos seguintes termos:
34. A Rua … não possuía passeios, mas possuía uma passadeira para peões no seu final.
3 – Seguindo igual raciocínio, por força da prova produzida em audiência de julgamento, e referido na douta sentença no que concerne às motivações do Tribunal, (parágrafo 5º da pág. 8ª da douta sentença, com sublinhado nosso) “As testemunhas moradoras da rua referiram que a autora passava no local diariamente, a caminho de casa, dado que o caminho alternativo desde o supermercado (trajecto referido pelas mesmas) se mostra demasiado longo, referindo que qualquer pessoa ou veículo tinha de circular com cautela em face dos sucessivos buracos com os quais se confrontavam e com os condicionamentos de um piso provisório”.
4 - O facto 35 dos factos dados como provados deveria, contrariamente ao constante na douta sentença, ter sido dado como provado nos seguintes termos:
35. Os moradores dessa rua e das ruas ali próximas tinham conhecimento que a mesma se encontrava em obras há muitos meses, e em face dos sucessivos buracos com os quais se confrontavam e com os condicionamentos de um piso provisório, cujo acesso aos próprios veículos se fazia de forma condicionada, qualquer pessoa ou veículo tinha de circular com cautela.
5 – A serem dados como provados os factos 34 e 35 nos termos supra indicados, não poderia o Tribunal a quo concluir senão que, o estado da rua, nomeadamente a existência de buracos, era do conhecimento dos seus moradores, incluindo a Autora;
6 – É irrelevante a existência ou não de sinalização, dado que o fim último da mesma, alertar e avisar dos perigos os transeuntes, há muito se encontrava alcançado pelo conhecimento dos moradores, incluindo a Autora, da existência de buracos na rua.
7 - A Autora poderia e deveria ter atravessado a rua na passadeira existente. Sendo indiferente para os peões se a mesma se encontra no sentido ou no inverso por esta seguida, não se aplicando a estes as regras de circulação rodoviária.
8 - A não ter atravessado a rua na passadeira, poderia e deveria ter seguido outro caminho para a sua residência, dado que o mesmo existia, ainda que mais distante.
9 - Ao ter tomado a resolução de seguir caminho pela Rua …, deveria a Autora ter tomado todas as cautelas no atravessamento de uma rua que conhecia e sabia estar repleta de buracos.
10 - A Autora/Recorrida ao ter tomado a resolução de atravessar a rua João de Deus, no estado em que esta se encontrava e do seu perfeito conhecimento, agiu de forma negligente, assumindo de modo próprio o risco inerente ao seu atravessamento.
11 – Por força do comportamento da Autora/Recorrida não é a Ré/Recorrente responsável pela queda que sofreu a Recorrida, não gerando responsabilidade de indemnizar a Recorrida, quer por danos patrimoniais, quer por danos não patrimoniais.
12 – Dando-se por provada a matéria nos termos supra descritos, deveria o Tribunal a quo ter absolvido a Recorrente do pagamento à Recorrida da quantia de €3.000,00 a título de danos não patrimoniais e do pagamento da quantia de €126,20 a título de danos patrimoniais, e em consequência, absolver do pagamento de todos os juros, porque não devidos.
13 – Termos em que deverá a sentença dos autos ser revogada, no que a esta matéria diz respeito, absolvendo-se a recorrente do pagamento à recorrida da quantia de €3.000,00 a título de danos não patrimoniais e do pagamento da quantia de €126,20 a título de danos patrimoniais, e em consequência, absolver a Ré/Recorrente de todo o pedido incluindo do pagamento de todos os juros, porque não devidos.
Ainda que assim não se entenda, o que não se concede, sempre se dirá que, 14 - O Tribunal a quo, atendeu para a formação da sua convicção ao acervo documental junto aos autos (penúltimo parágrafo da pagª 12. da douta sentença) onde se encontra elencado (parágrafo 4º da pagª 13) „- episódio de urgência de medicina da Autora, a 9 de Setembro de 2015, de fls. 22;“
15 - Conforme resulta do referido documento a fls 22 dos autos, doc. nº 5 junto com a petição inicial, a Autora, ora recorrida, visitou o hospital no dia 9 de setembro de 2015, com um episódio de urgência, que consistiu em traumatismo do tornozelo esquerdo, com vários dias secundário a acidente de trabalho. Apresentando o antecendente de traumatismo no tornozelo esquerdo com um ano.
16 - Não pode o Tribunal a quo formar a sua convicção como formou, apenas quanto a parte do teor de um documento e não a toda a sua plenitude.
17 - Sendo o documento a fls 22 dos autos um dos documentos que compõe o acervo documental do qual o Tribunal se serviu para formar a sua convicção, todo o teor do mesmo terá que ter correspondência nos factos provados.
18 - Contrariamente ao constante da douta sentença, deveria ter sido dado como provado que:
- A visita da Autora ao Hospital de 9 de setembro de 2015 resultou de acidente de trabalho.
19 - Ao ter sido dado por provado tal facto, não poderia o Tribunal concluir de diferente forma que não fosse que a partir de 9 de setembro de 2015, cessaram os efeitos da queda dos autos, sendo as recidivas supervenientes, consequência do acidente de trabalho de 9 de setembro de 2015 e por consequinte cessando o nexo causal entre a queda dos autos e toda e qualquer sequela posterior a 9 de setembro de 2015.
20 – Deveria assim ter sido dado como provado, contrariamente ao vertido na douta sentença, que
16. Desde a data do sinistro que a Autora apresenta recidivas da entorse, fazendo frequentes distensões do tornozelo esquerdo com edemas até alguns dias antes de 9/09/2015.
17. Precisando obter assistência médica e tratamentos, designadamente tratamentos de fisioterapia até alguns dias antes de 9/09/2015.
18. A Autora ficou com mazelas limitando-a no seu dia-a-dia e no desempenho das mais variadas tarefas diárias até alguns dias antes de 9/09/2015.
19. A Autora tomava conta da neta, o que deixou de poder fazer, facto que lhe causou desgosto e tristeza até alguns dias antes de 9/09/2015.
21 – Provada a matéria elencada na conclusão anterior e nos termos aí enunciados, o Tribunal a quo deveria ter fixado, atendendo a todos os circunstâncialismos e demais critérios que atendeu para formar a sua convicção, a título de indemnização por danos não patrimoniais a um valor não superior a €500,00 (quinhentos euros) acrescido dos juros à taxa de 4%, desde a data da douta sentença recorrida até efectivo e integral pagamento.
22 – Termos em que deverá a sentença dos autos ser revogada, no que a esta matéria diz respeito, absolvendo-se a recorrente do pagamento à recorrida da quantia de €3.000,00 a título de danos não patrimoniais e se fixar uma indemnização pelos mesmos danos em valor não superior a €500,00 (quinhentos euros) acrescido dos juros à taxa de 4%, desde a data da douta sentença recorrida até efectivo e integral pagamento.
TERMOS EM QUE, DEVERÁ A SENTENÇA DOS AUTOS SER REVOGADA NOS TERMOS SUPRA EXPOSTOS NOMEADAMENTE:
A) DEVERÁ A SENTENÇA DOS AUTOS SER REVOGADA, ABSOLVENDO-SE A RECORRENTE DO PAGAMENTO À RECORRIDA DA QUANTIA DE €3.000,00 A TÍTULO DE DANOS NÃO PATRIMONIAIS E DO PAGAMENTO DA QUANTIA DE €126,20 A TÍTULO DE DANOS PATRIMONIAIS, E EM CONSEQUÊNCIA, ABSOLVER A RÉ/RECORRENTE DE TODO O PEDIDO, INCLUINDO DO PAGAMENTO DE TODOS OS JUROS, PORQUE NÃO DEVIDOS;
ASSIM NÃO SE ENTENDENDO, O QUE NÃO SE CONCEDE, DEVERÁ B) A SENTENÇA DOS AUTOS SER REVOGADA, ABSOLVENDO-SE A RECORRENTE DO PAGAMENTO À RECORRIDA DA QUANTIA DE €3.000,00 A TÍTULO DE DANOS NÃO PATRIMONIAIS E FIXAR-SE UMA INDEMNIZAÇÃO PELOS MESMOS DANOS EM VALOR NÃO SUPERIOR A €500,00 (QUINHENTOS EUROS) ACRESCIDO DOS JUROS À TAXA DE 4%, DESDE A DATA DA DOUTA SENTENÇA RECORRIDA ATÉ EFECTIVO E INTEGRAL PAGAMENTO.
COM O QUE, E COMO SEMPRE, SE FARÁ INTEIRA E DEVIDA JUSTIÇA!

A autora C… apresentou contra-alegações, concluindo:
1. De toda a prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento e dos documentos juntos aos autos, ficou provado que a Autora/Recorrida suportou despesas médicas e medicamentosas no valor de 18,00€ (pé elástico com uma tala com reforço lateral), no valor de 68,20€ (despesas com exames médicos) e no valor de 40,00€ (ecografia osteoarticular), perfazendo um total de 126,20€ (cento e vinte seis euros e vinte cêntimos), que corresponde aos danos patrimoniais.
2. Em relação aos danos não patrimoniais, não se poderá dizer que os mesmos são indemnizáveis, mas sim compensados, pelo que o Tribunal a quo arbitrou o seu montante no valor de 3.000,00€ (três mil euros).
3. Por força do acidente que a Autora/Recorrida sofreu, a mesma teve de se submeter a tratamentos médicos e depara-se constantemente com a possibilidade de recidivas, com sentimentos de tristeza e com limitações que interferem com o seu quotidiano.
4. Assim, esses danos, não sendo suscetíveis de avaliação meramente quantitativa, merecem de igual forma a tutela do direito (cfr. artigo 496, nº 1 do Código Civil), devendo por isso ser compensados.
5. Pelo que, deverá ser confirmada a sentença proferida pelo Tribunal a quo, condenando-se a Ré/Recorrente ao pagamento da quantia de 126,20€ (cento e vinte e seis euros e vinte cêntimos) a título de danos patrimoniais e da quantia de 3.000,00€ (três mil euros) a título de danos não patrimoniais, incluindo o pagamento de todos os juros devidos, desde a data da douta sentença recorrida até efetivo e integral pagamento.
Nestes termos, nos melhores de direito e sempre com o douto suprimento de V. Ex.ª, deve o presente recurso ser julgado improcedente e, em consequência, ser proferido acórdão que confirme a sentença proferida pelo Tribunal de 1ª Instância, só assim se fazendo a acostumada JUSTIÇA!

Nos termos da lei processual civil são as conclusões do recurso que delimitam o objecto do mesmo e, consequentemente, os poderes de cognição deste tribunal.
Assim, as questões a resolver consistem em saber se:
- por força do comportamento da autora/recorrida não é a ré/recorrente responsável pela queda que aquela sofreu;
- se assim não se entender, atendendo a todos os circunstancialismos, o valor, a título de indemnização por danos não patrimoniais, não deverá ser superior a €500,00 (quinhentos euros), acrescido dos juros à taxa de 4%, desde a data da douta sentença recorrida até efectivo e integral pagamento.

II – Fundamentação de facto
O tribunal recorrido considerou:
Factos dados como provados:
(da petição inicial)
1. No dia 06/11/2014 a Autora, cerca das 18h45m, ao circular a pé na Rua …, na …, caiu ao colocar o seu pé esquerdo num buraco da estrada.
2. Naquela ocasião, a Autora deslocava-se para sua casa, sita na Rua …, na ….
3. A estrada referida em 1. detinha um número não concretamente apurado de buracos.
4. Ao terminar a travessia, colocou o pé num buraco da estrada, resvalou e caiu desamparada sobre o lado esquerdo do seu corpo.
5. Essa queda provocou-lhe uma torção no tornozelo esquerdo.
6. Na mão a Autora segurava uma pasta.
7. Levantou-se sozinha e, a custo, dirigiu-se para sua casa que dista cerca de 500 m do local do sinistro.
8. Alguns vizinhos estavam à porta de suas casas, viram a Autora cair e perguntaram-lhe se precisava de ajuda.
9. A Autora passou a noite com dores fortes no pé e perna esquerdos, principalmente no tornozelo esquerdo.
10. No dia seguinte, acompanhada pelo marido dirigiu-se à Urgência do Centro Hospitalar …, E.P.E., tendo sido observada pelo clínico, Dr. D….
11. Nesse registo encontram-se descritas as queixas dolorosas a nível do tornozelo esquerdo, tendo sido diagnosticado “Edema a nível perimaleolar externo e entorse no tornozelo esquerdo sem evidência de fratura óssea.
12. A Autora andou apoiada por muletas.
13. Por que as dores incomodativas no tornozelo esquerdo foram persistindo, cerca de duas semanas após o sinistro, mais precisamente a 25/11/2014, a Autora foi observada por médico dos Hospitais da Universidade … o qual diagnosticou o dito entorse no tornozelo esquerdo e recomendou fisioterapia para optimizar a recuperação funcional.
14. Cerca de 4 meses depois do sinistro, em 27/03/2015, a Autora voltou a procurar assistência médica, tendo-lhe sido recomendado fazer uma ecografia aos tecidos moles do tornozelo esquerdo.
15. A 30 de Março de 2015 realizou o referido exame de ecografia osteoarticular.
16. Desde a data do sinistro que a Autora apresenta recidivas da entorse, fazendo frequentes distensões do tornozelo esquerdo com edemas, tal como em 9/09/2015, em 29/02/2016 e em 12/03/2016.
17. Precisando obter assistência médica e tratamentos, designadamente tratamentos de fisioterapia.
18. A Autora ficou com mazelas limitando-a no seu dia-a-dia e no desempenho das mais variadas tarefas diárias.
19. A Autora tomava conta da neta, o que deixou de poder fazer, facto que lhe causou desgosto e tristeza.
20. O buraco da estrada, onde a Autora colocou o seu pé esquerdo, não se encontrava sinalizado.
21. As obras na estrada não se encontravam sinalizadas, com sinalização de segurança a alertar para os perigos.
22. A estrada não estava cortada e o trânsito automóvel processava-se com alguns constrangimentos.
23. Nesse dia, a Autora circulava a pé e não obstante o cuidado não foi capaz de evitar cair no buraco da estrada.
24. Inexistia qualquer barreira física que impedisse o atravessamento da via.
25. A obra levada a cabo pela Ré - Empreitada “Rede de drenagem de águas residuais e pluviais da …e … (…, … e …) foi-lhe adjudicada pela E…, S.A.
26. A Autora interpelou extrajudicialmente a dona da obra que, desde início, declinou assumir qualquer responsabilidade no evento, remetendo o assunto para a empresa adjudicatária
27. Entre 2015 e 2016 seguiram-se diversas interpelações extrajudiciais quer à dona da obra – E… – quer à sociedade ré, no sentido de ser possível compensar a Autora pelos prejuízos por ela sofridos, decorrentes do evento aqui em causa, e as respostas foram no sentido de não assunção de qualquer responsabilidade pelo sinistro.
28. A Autora suportou despesas com medicamentos, no valor de 18,00 €, despesa com meia elástica (pé elástico com uma tala com reforço lateral) no valor de 68,20 € e despesas de exames médicos, uma ecografia osteoarticular, no valor de 40,00 €.
29. A Autora sofreu dores fortes, agudas e persistentes, no momento e posteriormente, que se manterão decorrentes das recidivas de entorse que se verificam e sem que haja tratamento, recuperação e cura definitiva.
30. Desde a data do sinistro que a Autora está limitada fisicamente, não consegue subir a um escadote para limpar tectos e janelas.
31. Tem falta de equilíbrio no pé esquerdo e um receio permanente ao caminhar.
32. Sofre com os transtornos que toda esta situação lhe causou, e continua a causar, sem solução em tempo útil, obrigando-a a recorrer às vias judiciais.
(da contestação)
33. Nas circunstâncias de tempo e lugar referidas em 1. encontrava-se em curso, há mais de 6 meses, uma empreitada para instalação de colectores, com as valas já repostas e o piso em tout-venant.
34. A Rua … não possuía passeios, nem passadeiras para peões.
35. Os moradores dessa rua e das ruas ali próximas tinham conhecimento que a mesma se encontrava em obras há muitos meses, cujo acesso aos próprios veículos se fazia de forma condicionada.
36. A autora tinha conhecimento das obras na rua e era igualmente do seu conhecimento o descrito em 35.
*
Dos Factos dados como não provados
Com relevância para a decisão da causa, não se provou que:
- o buraco referido em 4. Se encontrasse coberto com saibro amarelado,
- a Autora tenha atravessado a estrada tentando evitar os buracos referidos em 3.
- ao cair, a Autora tenha sofrido, instantaneamente, dores intensas e agudas no pé e perna esquerdos;
- a pasta que transportava tivesse no seu interior um computador pessoal portátil da marca “Apple”.
- já após ter chegado a sua casa, a Autora tenha aberto a pasta e verificado que o computador se encontrava partido, o qual tivesse um valor de 1.296,00€, - o uso das muletas tenha ocorrido durante o período de um mês.
- alguns dias após o acidente, a Autora tenha telefonado para a Câmara Municipal … e para a E…, S.A. a reportar e a reclamar pelo ocorrido.
- pouco tempo depois, os buracos da estrada onde ocorreu o sinistro tenham sido tapados com brita.
- a autora dependa da ajuda de terceiros para as mais elementares tarefas diárias e caseiras,
- o arruamento referido em 1. tivesse escassa luz pública, quase inexistente.
- fosse do conhecimento da Autora que a via não se destinava à circulação de peões, antes, durante e após a empreitada executada pela Ré.
- Impendesse sobre a A. ao circular numa via não destinada a peões e em obras, um especial cuidado, devendo circular pela sua berma e jamais atravessar a mesma.
- a Autora negligentemente tenha atravessado uma rua em obras em local não destinado aos peões.
- a Ré tenha dotado a rua com sinalização a que estava obrigada.
- A via onde se verificou o alegado sinistro sempre tenha sido inspeccionada quer pelo dono de obra, quer pela PSP, nunca tendo qualquer destas entidades, advertido ou chamado à atenção da Ré para falhas de sinalização ou deficiências na execução dos trabalhos ou do pavimento.
- A visita da Autora ao Hospital de 9 de Setembro de 2015 tenha resultado de acidente de trabalho.

III – Do mérito do recurso
Sustenta a recorrente que o facto nº 34 deveria ter a seguinte redacção:
“A Rua … não possuía passeios, mas possuía uma passadeira para peões no seu final.”
Isto porque várias testemunhas, como se diz na sentença, “Esclareceram que a rua tem e tinha iluminação pública, não dispõe de passeios, apenas bermas e que apenas tem uma passadeira no final da rua, já na estrada principal, em sentido inverso ao da marcha da autora.” (parágrafo 4º da pág. 8ª).
De igual modo e por idêntico raciocínio, refere, o facto 35 dos factos dados como provados deveria ter sido dado como provado nos seguintes termos:
Os moradores dessa rua e das ruas ali próximas tinham conhecimento que a mesma se encontrava em obras há muitos meses, e em face dos sucessivos buracos com os quais se confrontavam e com os condicionamentos de um piso provisório, cujo acesso aos próprios veículos se fazia de forma condicionada, qualquer pessoa ou veículo tinha de circular com cautela.”
A importância desta alteração da matéria de facto, no entender da recorrente, levaria o Tribunal a quo concluir que o estado da rua, nomeadamente a existência de buracos, era do conhecimento dos seus moradores, incluindo a autora; que era irrelevante a existência ou não de sinalização, dado que o fim último da mesma, alertar e avisar dos perigos os transeuntes, há muito se encontrava alcançado pelo conhecimento dos moradores e que autora poderia e deveria ter atravessado a rua na passadeira existente, sendo indiferente para os peões se a mesma se encontrava no sentido ou no inverso por esta seguido, não se plicando a estes as regras de circulação rodoviária.
Conclui a recorrente que:
Ao não ter atravessado a rua na passadeira, poderia e deveria a autora ter seguido outro caminho para a sua residência, dado que o mesmo existia, ainda que mais distante.
A autora/recorrida ao ter tomado a resolução de atravessar a rua João de Deus, no estado em que esta se encontrava e do seu perfeito conhecimento, agiu de forma negligente, assumindo de modo próprio o risco inerente ao seu atravessamento pelo que não é a ré/recorrente responsável pela queda que sofreu a autora/recorrida.
Vejamos.
É consabido que reapreciação da matéria de facto por parte do tribunal da Relação tem de ter a mesma amplitude que o julgamento de primeira instância para assegurar plenamente o duplo grau de jurisdição. (cfr. Ac. do STJ de 24 de Setembro de 2013, Proc. 1965/04.9TBSTB.E1.S1 in www.dgsi.pt.).
E, em bom rigor, sendo a reapreciação da decisão de facto um recurso é necessário que o recorrente esclareça qual a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas (al. c) do nº 1 do artigo 640º do CPC.
Significa, evidentemente, a demonstração da relevância da factualidade a alterar para a decisão do mérito.
Nesta perspectiva é preciso anotar que o objecto da prova não são todos os factos alegados pelas partes, mas apenas os pertinentes e que precisem de prova. E factos pertinentes são todos aqueles que forem determinantes para a decisão.
Quer dizer, são relevantes os que possuam directa influência sobre a causa posta em juízo, não havendo necessidade de provar os factos inúteis, no sentido de que não influenciam no resultado prático da demanda.
É certo que na sentença, na motivação e análise crítica da prova, se refere terem as testemunhas dito que no final da Rua … havia uma passadeira para peões.
Porém, para que tal facto tivesse de constar da factualidade provada era necessária demonstração da sua importância para a decisão do pleito.
Ora, se estivesse, por exemplo, em causa nos autos um acidente de viação e respectivas condições e regulações de trânsito de veículos e de peões poderia ser relevante tal menção.
No entanto o que se discute é a existência ou não de responsabilidade civil aquiliana por um incidente motivado por obras numa via.
Na verdade, não existe nenhuma obrigação genérica de que, em caso de obras, as pessoas devam circular apenas nas passadeiras, nem no caso concreto se demonstra haver sinalização nesse sentido.
As passadeiras para peões inserem-se no âmbito da regulação do trânsito no confronto entre veículos e peões.
A recorrente quer escudar-se em normas que regulam essa realidade numa outra realidade completamente distinta.
Em suma, na situação em juízo é completamente irrelevante, por inútil, a adição factual pretendida.
No que respeita à alteração do ponto 35 pretende a recorrente que se faça constar do mesmo que os moradores da rua em referência “em face dos sucessivos buracos com os quais se confrontavam e com os condicionamentos de um piso provisório, cujo acesso aos próprios veículos se fazia de forma condicionada, qualquer pessoa ou veículo tinha de circular com cautela.”
Estabelecia o n.º 4 do art.º 646.º do anterior CPC (de 1966) que se têm por não escritas as respostas do Tribunal sobre questões de direito assim como as dadas sobre factos que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes.
Embora no actual CPC não conste uma disposição assim expressa, este entendimento extrai-se, desde logo, do disposto no artigo 607.º, n.º 4, do NCPC, o qual consigna que “Na fundamentação o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados …”
Portanto, na decisão sobre a matéria de facto apenas devem constar os factos provados e os factos não provados, com exclusão de afirmações genéricas, conclusivas e que comportem matéria de direito.
Só importam, pois, os factos e não conclusões, generalidades ou matéria de direito.
Atentando no ponto em questão verifica-se o facto naturalísticos, o facto históricos a cuja reconstituição se procede no processo é apenas o de que os moradores da rua e das ruas ali próximas tinham conhecimento de que a mesma se encontrava em obras há muitos meses.
Que qualquer pessoa ou veículo tinha de circular com cautela é um juízo de valor, uma conclusão que não pode fazer parte da decisão sobre a matéria de facto.
Desta feita, não merecem qualquer acolhimento as pretendidas alterações à matéria de facto.
Posto isto, ponderemos mais detalhadamente o direito do caso.
A ré procedia a uma empreitada para instalação de colectores e, por via disso, havia um número não concretamente apurado de buracos na via pública.
A autora deslocava-se para sua casa e caiu ao colocar o seu pé esquerdo num desses buracos.
Estamos perante um caso de responsabilidade civil extracontratual. São requisitos do dever de indemnizar com fundamento neste tipo de responsabilidade, nos termos do artigo 483º, nº1, do Código Civil, a existência de um facto voluntário, ilícito, culposo, (dolo ou mera culpa), prejuízo e nexo de causalidade entre o facto e o dano.
No nosso ordenamento jurídico, como noutros, a regra é a do primado da culpa, sendo ao lesado que incumbe provar a culpa do autor da lesão. – artigo 487.º, n.º 1 do Código Civil.
Como excepções a esta regra existem os casos de responsabilidade objectiva ou pelo risco e as presunções legais de culpa, por força das quais, nos termos do disposto no artigo 350.º CC, a parte escusa de provar o facto que a ela conduz, competindo-lhe apenas alegar e provar o facto que serve de base à presunção.
Com efeito, a responsabilidade civil exclusivamente adstrita ao pressuposto da culpa do agente ou lesante acabaria por deixar sem resposta vários domínios da conflitualidade social.
A confrontação dos limites da responsabilidade civil clássica com novas exigências da vida social aconteceu com a modernização dos processos de fabrico, por meio da industrialização.
Neste contexto, a ciência jurídica acabaria por avançar para uma nova teoria da responsabilidade: a teoria do risco.
Assim, a responsabilidade pelo risco ou responsabilidade objectiva dispensa entre os seus pressupostos a culpa do agente, ou seja, o elemento subjectivo traduzido no nexo psicológico entre o facto praticado e a vontade do lesante.
O potencial do risco tem vindo a intensificar-se de modo que a sociedade actual se encontra dominada pela presença de ameaças que geram um sentimento de crescente insegurança e de incerteza face à imprevisibilidade das suas consequências.
No plano sociológico, Ulrich Beck publicou, em 2007, o livro “Sociedade global de risco: na busca da segurança perdida”, onde desenvolve a sua teoria sobre o risco nas sociedades actuais, chegando à conclusão de que estar em risco é a característica mais importante da humanidade no início do século XXI.
Para este autor os perigos fabricados pela sociedade industrial extrapolam, na sociedade de risco, as fronteiras nacionais, como resultado da modernização. Nesta teoria o risco com amplia-se em três passos: 1) pela perspectiva da globalização; 2) pela perspectiva da encenação; e 3) pela perspectiva comparativa de três lógicas de risco global – ecológica, económica e terrorista.
Ao nível do direito também se tem vindo a defender os denominados deveres genéricos de prevenção do perigo, ou deveres de segurança no tráfico ou ainda deveres do tráfico que basicamente se compreendem como aqueles deveres que quem cria uma situação especial de perigo tem. São deveres jurídicos de remover o perigo, sob pena de responder pelos danos provenientes da omissão. Á partida só não haverá responsabilidade do criador do perigo se o dano resultar da exposição voluntária do lesado ao perigo, tendo aquele adoptado medidas suficientes para evitar a intromissão abusiva.
A ideia subjacente a estas vinculações gerais está certamente na base das normas dos artigos das normas dos artigos 492.°, 493.°, 502.°, 1347.°-1350.° e 1352.° do Código Civil.
Efectivamente, dispõe o artigo 493º, nº 2 do C. Civil que “Quem causar danos a outrem no exercício de uma actividade, perigosa por sua própria natureza ou pela natureza dos meios utilizados, é obrigado a repará-los, excepto se mostrar que empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de os prevenir.”
Deve começar por dizer-se que sobre a perigosidade da actividade de construção civil em geral a jurisprudência tem considerado que a mesma não deve ser considerada, por si só, uma actividade perigosa, só o sendo se se verificarem circunstâncias que potenciem o risco de criar danos a terceiros.
Nuno M. Pinto Oliveira, em Cadernos de Direito Privado, Número Especial 02 de Dezembro de 2012, II Seminário dos Cadernos de Direito Privado “Responsabilidade Civil”, no estudo intitulado “Responsabilidade objectiva”, págs. 116 e 117 conta que “O art. 493.º, n.º 2, do CC português corresponde palavra por palavra ao art. 2050.º do CC italiano. O fim do art. 2050.º era o de consagrar um princípio geral de responsabilidade pelos danos evitáveis – e, consagrando um princípio geral de responsabilidade pelos danos evitáveis, as causas de exclusão da responsabilidade intermédia do art. 2050.º aproximam-se das cláusulas de exclusão de uma responsabilidade objectiva, sem culpa. O risco da “causa desconhecida” desloca-se do lesado para o lesante: - se aquele que exerce uma actividade perigosa não conseguir fazer a prova de um “caso de força maior”, responde pelos danos decorrentes de “uma causa desconhecida.”
Seguro é considerar estarmos perante um conceito indeterminado, a apreciar caso a caso, em função das especificidades concretamente provadas.
Assim se decidiu no Ac. desta Relação do Porto, de 27-05-2014, Proc. 264/12.7TBVLG.P1, em www.dgsi.pt: “O que determina a qualificação de uma actividade como perigosa é a sua especial aptidão para produzir danos, o que resultará da sua própria natureza ou da natureza dos meios empregados e só poderá ser apurado face às circunstâncias do caso concreto.”
Na situação que nos ocupa está provado que:
A obra levada a cabo pela ré consistia numa empreitada “Rede de drenagem de águas residuais e pluviais da … e … (…, … e …) que lhe adjudicada pela E…, S.A.”
Encontrava-se em curso, há mais de 6 meses, com as valas já repostas e o piso em tout-venant.
O buraco da estrada, onde a Autora colocou o seu pé esquerdo não se encontrava sinalizado.
As obras na estrada não se encontravam sinalizadas, com sinalização de segurança a alertar para os perigos.
A estrada não estava cortada e o trânsito automóvel processava-se com alguns constrangimentos.
Inexistia qualquer barreira física que impedisse o atravessamento da via.
A realização desta obra de grande envergadura, a qual pressupõe escavações e aterramentos consideráveis durante um longo período de tempo, numa via pública de uma povoação tem de considerar-se uma actividade perigosa.
Neste sentido se pronunciou o Ac. desta Relação do Porto de 09-01-2007, Proc. 0621929, em www.dgsi.pt:
Nos termos do disposto no n°2 do artigo 493° do Código Civil "quem causar danos a outrem no exercício de uma actividade perigosa por sua própria natureza ou pela natureza dos meios utilizados, é obrigado a repara-los, excepto se mostrar que empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de os prevenir".
Assim, o carácter perigoso poderá resultar da própria natureza da actividade ou da natureza dos meios nela utilizados.
Como ensina o Prof. Almeida Costa in Direito e Obrigações, 6ª edição, página 493, "deve tratar-se, pois, de actividade que, mercê de qualquer dessas duas razões, tenha ínsita ou envolva uma probabilidade maior de causar danos do que a verificada nas restantes actividades em geral".
A actividade de escavação no solo, porque consubstancia uma acrescida probabilidade de causar danos, traduz-se numa actividade perigosa pela sua própria natureza.
No caso concreto em apreço, a actividade em causa foi a realização de escavações para execução de uma obra de construção civil.
Logo, aplica-se normativo acima transcrito.”
Também o Ac. do STJ 15-11-201, Proc. 5486/09.5TVLSB.L1.S1, em www.dgsi.pt, aporta uma situação com similitude à dos autos:
“…a actividade levada a cabo pela 2ª ré - escavação, mediante o recurso a uma máquina escavadora, para abrir uma vala destinada à introdução de esgotos - se revestiu, em concreto, da perigosidade tida em vista no nº 2 do artº 493º. Desde logo, a abertura de uma vala, em si mesma, é actividade perigosa, pois cria condições propícias ao desmoronamento de terras e a quedas de consequências danosas imprevisíveis para pessoas e coisas.
….
Impõe-se, pois, a conclusão de que a actividade em concreto desenvolvida pela segunda ré deve ser qualificada como perigosa; cabia-lhe, assim, provar em juízo que adoptou todas as providências exigidas pelas circunstâncias apontadas para evitar os danos ocorridos; tal prova, no entanto, não foi feita, legitimando-se até a conclusão de que a recorrida poderia ter evitado os danos ocasionados, uma vez que a autora lhe forneceu oportunamente as plantas do local e subsolo onde estavam implantados os seus traçados telefónicos, bem como da localização dos blocos de betão por onde aqueles passavam (facto 8).”
Na presente situação cabia à ré alegar e provar ter empregue todas as providências exigidas pelas circunstâncias, para evitar os eventuais perigos resultantes da sua concreta actividade e que a responsabilidade pela produção do acidente se deveu exclusivamente ao comportamento da autora.
Melhor dizendo, competia à ré provar que adoptou todas as medidas necessárias para que a autora não caísse no buraco, isto é, que tinha sinalizado devida e eficazmente toda a sua zona de intervenção. E bem se vê que essa prova não foi feita.
Estas providências a adoptar pelo sujeito para evitar os danos resultantes do exercício de uma actividade perigosa são ditadas pelas normas técnicas ou pelas regras da experiência comum, as quais se aferem pela diligência de um bom pai de família.
Importa ainda mencionar o entendimento de que “estando nós perante deveres de agir para evitar danos para terceiros, ou seja, delitos de omissão, e sendo aqui a violação do dever elemento da ilicitude, a inversão do ónus da prova, como acontece com outras hipóteses de presunção de culpa, faz afinal presumir não apenas a culpa, como também a ilicitude (violação de um dever).”- Cfr. Sinde Monteiro, RLJ, 131º, pág. 108.
Estes deveres resultam, designadamente:
- REGEU, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 38.382/51, de 7 de Agosto
Artigo 135.º “Durante a execução de obras de qualquer natureza serão obrigatoriamente adoptadas as precauções e as disposições necessárias para garantir a segurança do público e dos operários, para salvaguardar, quanto possível, as condições normais do transito na via publica e, bem assim, para evitar danos materiais…”
Artigo 136.º “Os estaleiros das obras de construção, demolição ou outras que interessem à segurança dos transeuntes, quando no interior de povoações, deverão em regra ser fechados ao longo dos arruamentos ou logradouros públicos, tendo em vista a natureza da obra e as características do espaço público confinante.”
Artigo 138.º “Na execução de terraplanagens, abertura de poços, galerias, valas e caboucos, ou outros trabalhos de natureza semelhante, os revestimentos e escoramentos deverão ser cuidadosamente construídos e conservados, adoptando-se as demais disposições necessárias para impedir qualquer acidente, tendo em atenção a natureza do terreno, as condições de trabalho do pessoal e a localização da obra em relação aos prédios vizinhos.”
- Decreto-Lei n.º 155/95, de 1 de Julho, o qual transpôs para a ordem jurídica interna a Directiva n.º 92/57/CEE, do Conselho, de 24 de Junho, relativa às prescrições mínimas de segurança e de saúde a aplicar nos estaleiros temporários ou móveis
- Regulamento de Segurança no Trabalho da Construção Civil, aprovado pelo Decreto n.º 41821/58, de 11 de Agosto, onde se estabelece que o trânsito de peões e veículos seja orientado por meio de sistemas adequados de sinalização que ofereçam completa segurança (artigo 83.º), que sempre que as escavações impeçam ou dificultem a normal passagem do público, sejam instalados passadiços provisórios até que se restabeleça a normalidade (artigo 84.º) e que os trabalhos de escavação fiquem isolados do público por meio de barreiras protectoras, razoavelmente afastadas dos bordos (artigo 85.º).
Advoga ainda a recorrente que, para o caso de não se acolher a sua argumentação precedente, deveria ter sido dado como provado que:
- A visita da Autora ao Hospital de 9 de Setembro de 2015 resultou de acidente de trabalho.
E assim só poderia o Tribunal concluir que:
- a partir de 9 de Setembro de 2015, cessaram os efeitos da queda dos autos, sendo as recidivas supervenientes, consequência do acidente de trabalho de 9 de Setembro de 2015 e por conseguinte cessando o nexo causal entre a queda dos autos e toda e qualquer sequela posterior a 9 de Setembro de 2015.
- desde a data do sinistro que a autora apresenta recidivas da entorse, fazendo frequentes distensões do tornozelo esquerdo com edemas até alguns dias antes de 9/09/2015.
- precisando obter assistência médica e tratamentos, designadamente tratamentos de fisioterapia até alguns dias antes de 9/09/2015.
- a Autora ficou com mazelas limitando-a no seu dia-a-dia e no desempenho das mais variadas tarefas diárias até alguns dias antes de 9/09/2015.
- a Autora tomava conta da neta, o que deixou de poder fazer, facto que lhe causou desgosto e tristeza até alguns dias antes de 9/09/2015.
Fundamenta que sendo o documento a fls. 22 dos autos um dos documentos que compõe o acervo documental do qual o Tribunal se serviu para formar a sua convicção, todo o teor do mesmo terá que ter correspondência nos factos provados.
Conclui que, provada tal matéria, o Tribunal a quo deveria ter fixado, a título de indemnização por danos não patrimoniais, um valor não superior a €500,00 (quinhentos euros) acrescido dos juros à taxa de 4%, desde a data da sentença recorrida até efectivo e integral pagamento.
Ponderemos.
No ponto 16 dos factos provados consta que “. Desde a data do sinistro que a Autora apresenta recidivas da entorse, fazendo frequentes distensões do tornozelo esquerdo com edemas, tal como em 9/09/2015, em 29/02/2016 e em 12/03/2016.”
A recorrente coloca em crise esta factualidade porque do documento de fls. 22 dos autos (doc. nº 5 junto com a petição inicial) consta que a autora visitou o hospital no dia 9 de Setembro de 2015, com um episódio de urgência, que consistiu em traumatismo do tornozelo esquerdo, com vários dias, secundário a acidente de trabalho, apresentando o antecendente de traumatismo no tornozelo esquerdo com um ano.
Pretende que este episódio de 9/09/2015 nada teve a ver com o sinistro pois foi motivado por acidente de trabalho, o qual terá condicionado as subsequentes recidivas.
A este respeito consta da sentença:
No que concerne aos danos sofridos pela autora, o resultado de entorse surge totalmente compatível com o tipo de acidente demonstradamente sofrido pela Autora e sustentado no relatório de urgência ocorrido no dia após a sua verificação, conforme resulta de fls. 18 dos autos. Acresce que as recidivas sofridas pela Autora surgem igualmente suportadas em registos e relatórios médicos juntos aos autos, constantes de fls. 19, 22 a 25 e o seu nexo causal com o evento de queda foi, de forma impressiva, descrito pelos clínicos inquiridos nos autos e que, à data das mesmas, observaram a autora, a saber a Dra. F..., médica ortopedista e G…, médico de medicina familiar. Ambos referiram não recordar o momento da observação mas explicitaram os termos expostos nos registos clínicos de tal observação, referindo que o quadro analisado surge compatível com o diagnóstico do episódio de urgência de 7 de Novembro, existindo a probabilidade de nova ocorrência de entorse em face da fragilidade do ligamento, a qual provoca uma insegurança e mau-estar/dor no posicionamento do pé ainda que não quantificável (nestes termos o dado como provado em 29. e 30). Mais referiram que, perante tal diagnóstico, surge aconselhável o uso de canadianas e pé elástico, bem como de fisioterapia, surgindo tal como recomendações que podem ser consignadas no diário clínico ou transmitidas oralmente ao doente.
Em face do declarado pelos médicos, de forma esclarecedora e sustentada, dos elementos clínicos médicos e dos elementos de comprovativos medicamentosos e demais tratamentos (nos termos constantes de fls. 20, 21, 43, 44 e 45), das declarações prestadas por H… (que confirmou o teor do documento de fls. 26, esclarecendo ter prestados serviços de fisioterapia à Autora desde Abril de 2016 a Maio de 2017) surgem as lesões, as recidivas, quer as despesas efectuadas pela Autora suficientemente demonstradas nos termos dados como provados em 10. a 17 e 28.”
Significa isto que existe todo um conjunto de prova que sustenta a factualidade agora em destaque pelo que, desde logo, a mera referência a um acidente de trabalho não a pode invalidar.
Trata-se aqui da conexão causal entre o facto lesivo e o dano, em termos naturalísticos (conexão de facto) onde vale a doutrina da causalidade adequada (nexo causal de imputação objectiva do resultado danoso à conduta do agente), que, como é consabido, não integra ainda a culpa do agente violador do direito à integridade física do paciente, mas é um pressuposto da responsabilidade civil do agente.
Nesta teoria da causalidade adequada apela-se ao prognóstico objectivo que, ao tempo da lesão (ou do facto), em face das circunstâncias então reconhecíveis ou conhecidas pelo lesante, seria razoável emitir quanto á verificação do dano. Só cobrindo a indemnização aqueles (danos) cuja verificação era lícito nessa altura prever que não ocorressem, se não fosse a lesão. Ou, ainda por outras palavras, o autor do facto só será obrigado a reparar aqueles danos que não se teriam verificado sem esse facto e que, abstraindo deste, seria de prever que se não tivessem produzido.
A teoria da causalidade adequada apresenta duas variantes: uma formulação positiva e uma formulação negativa.
O artigo 563º do Código Civil consagra a teoria da causalidade adequada na formulação negativa devida a Erreccerus - Lehmann. Segundo a formulação positiva (mais restrita), o facto só será causa adequada do dano sempre que este constitua uma consequência normal ou típica daquele, isto é, sempre que verificado o facto, se possa prever o dano como uma consequência natural ou como um efeito provável dessa verificação.
Na formulação negativa (mais ampla) o facto que actuou como condição do dano deixa de ser considerado como causa adequada, quando para a sua produção tiverem contribuído decisivamente circunstâncias anormais, excepcionais, extraordinárias ou anómalas, que intercederam no caso concreto.
Esta vertente negativa da causalidade adequada não pressupõe a exclusividade do facto condicionante do dano, nem exige que a causalidade tenha de ser directa e imediata, pelo que admite:
-- não só a ocorrência de outros factos condicionantes, contemporâneos ou não;
-- como ainda a causalidade indirecta, bastando que o facto condicionante desencadeie outro que directamente suscite o dano.
Actualmente estas teorias tradicionais da conditio sine qua non e da causalidade adequada estão a ser postas em causa por não oferecerem soluções ajustadas à realidade das ocorrências da vida.
Fortemente inspiradas na doutrina filosófica de Stuart Mill tiveram muita adesão no século XIX na ambiência cientista e positivista que prevalecia.
Importava-se o sentido tendencialmente determinista da causalidade natural para o mundo jurídico.
Marcadamente estão a impor-se novos critérios imputacionais que se inserem na denominada teoria das esferas de risco.
Do mesmo modo que, como anteriormente se viu, ao nível da imputação subjectiva se assistiu a uma relativa erosão do princípio da culpa (quer através do recurso a presunções de culpa, quer mesmo considerando o estabelecimento de deveres de tráfico e integrando-os na própria ilicitude) e a um engrandecimento da responsabilidade objectiva, ao redor da imputação objectiva as teorias da causalidade têm perdido mérito.
Nesta senda, considera-se que para que haja imputação objectiva, tem de verificar-se a assumpção de uma esfera de risco, havendo que procurar a origem dessa esfera. São-lhe, por isso, em princípio, imputáveis todos os danos que tenham a sua raiz naquela esfera, donde, a priori, se pode distinguir dois polos de imputação: um negativo, a excluir a responsabilidade nos casos em que o dano se mostra impossível (impossibilidade do dano), ou por falta de objecto, ou por inidoneidade do meio; outro positivo, a afirmá-la diante de situações de aumento do risco.
Exclui-se a imputação quando o risco não foi criado (não criação do risco), quando haja diminuição do risco e quando ocorra um facto fortuito ou de força maior. – Vide Novos olhares sobre a Responsabilidade Civil, DO NEXO DE CAUSALIDADE AO NEXO DE IMPUTAÇÃO, Mafalda Miranda Barbosa, em eb_ReponsCivil_2018 (1).
Na situação em questão mesmo apelando às tradicionais teorias de causalidade, o que se observa é que não foram alegados quaisquer factos susceptíveis de quebrar o nexo de causalidade entre o facto danoso – o sinistro/queda no buraco - e todas as lesões sofridas pela autora, designadamente as recidivas da entorse, ou seja, as frequentes distensões do tornozelo esquerdo com edemas, tal como em 9/09/2015, em 29/02/2016 e em 12/03/2016.
Neste contexto não há que alterar a indemnização arbitrada.
Pelo exposto, delibera-se julgar totalmente improcedente a presente apelação, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas pela apelante.

Porto, 8 de Outubro de 2019
Ana Lucinda Cabral
Maria do Carmo Domingues
José Carvalho