Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
| ||
Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | JUDITE PIRES | ||
Descritores: | EMBARGOS DE EXECUTADO LIVRANÇA EM BRANCO PACTO DE PREENCHIMENTO ABUSO NO PREENCHIMENTO | ||
Nº do Documento: | RP202402226850/06.7YYLSB-A.P1 | ||
Data do Acordão: | 02/22/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Indicações Eventuais: | 3ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
Sumário: | I - Emitida em branco, no momento dessa emissão a livrança não adquire logo a qualidade de título cambiário, mas, preenchida com os elementos essenciais em falta, a obrigação cambiária nela incorporada considera-se constituída. - I - O pacto ou contrato de preenchimento, que consiste no acto pelo qual as partes ajustam os termos em que deverá definir-se a obrigação cambiária, não está sujeito a forma especial, podendo ser expresso ou tácito. III - O abuso no preenchimento do título de crédito constitui um facto impeditivo do direito invocado pelo seu portador e primeiro adquirente, pelo que incumbe a quem o pagamento é exigido a respectiva alegação e prova. IV - A prestação é exigível quando a obrigação se encontra vencida ou o seu vencimento depende de simples interpelação do devedor. Não tendo sido fixado tal prazo no pacto de preenchimento, ficando a sua aposição ao critério do portador, a falta de comunicação ao subscritor do título tem como consequência que a obrigação apenas se considere vencida com a sua citação. | ||
Reclamações: | |||
Decisão Texto Integral: | Processo nº 6850/06.7YYLSB-A.P1
Tribunal Judicial da Comarca do Porto Juízo de Execução do Porto – Juiz 1
Acordam no Tribunal da Relação do Porto:
I.RELATÓRIO Por apenso à execução que o “Banco 1...., SA” contra eles instaurou, os executados AA e BB deduziram oposição à execução, mediante embargos de executado, pretendendo a procedência dos mesmos com a consequente extinção, pelos factos constantes da petição de embargos. Notificada, a embargada contestou, pugnando pela improcedência dos embargos de executado e prosseguimento da execução com a sua normal tramitação. Foi indeferida a suspensão da execução sem prestação de caução e proferido despacho saneador no qual foram afirmados, pela positiva, os pressupostos processuais. Procedeu-se à fixação do objecto do litígio e a enunciação dos temas da prova, sem ter sido apresentada qualquer reclamação. Foi ainda determinada a realização de exame pericial, a incidir sobre a matéria da invocada excepção de falsidade da assinatura invocada pelos embargantes. Realizou-se a audiência de discussão e julgamento com, após o que foi proferida sentença que, julgando improcedentes os embargos de executado deduzidos, determinando o prosseguimento da execução, ressalvando que os juros sejam contabilizados desde a citação dos executados para os termos da execução, por corresponder a mesma à data da sua interpelação. Inconformados com tal sentença, dela interpuseram os embargantes recurso de apelação para esta Relação, formulando com as suas alegações as seguintes conclusões: “1 - Vem o presente recurso interposto da sentença proferida nestes autos que decide julgar improcedente, por não provados os presentes embargos de executado; 2 – Resulta dos factos provados e não provados que os executados/embargantes não foram notificados do incumprimento do contrato e respetiva resolução do contrato celebrado com o exequente/embargado. 3 – De acordo com o que é aceite pelo próprio exequente/embargado a livrança dada à execução destinava-se a caução; 4 – A caução carateriza-se como uma garantia especial da obrigação, abrangendo genericamente os casos em que é exigida, por determinação da lei ou por decorrência de estipulação das partes, a prestação de uma garantia especial ao credor sem determinação da sua espécie; 5 – A livrança-caução, entregue à instituição de crédito com a data desse dia para garantia do cumprimento de um contrato de concessão de crédito, sob convenção de preenchimento se e quando ocorresse incumprimento daquele contrato, só assume relevo com título de crédito cambiário na data do complemento daquele preenchimento. 6 – Ora, conforme resulta dos factos provados e não provados da sentença recorrida, os executados/embargantes nunca foram notificados ou interpelados pelo exequente/embargado da verificação de algum incumprimento contratual e que a livrança dada à execução iria ser preenchida e submetida a pagamento. 7 - As condições gerais do “Contrato de Crédito não Hipotecário” não foram explicadas aos executados/embargantes nem se encontram por estes assinadas, como resulta do documento junto com o doc. 1 junto com a contestação. 8 – Tem de se entender que as condições gerais do contrato se encontram de facto colocadas depois das assinaturas dos mutuários, por consequência necessariamente excluídos do contrato cfr. al d) do artº 8º do Dec. Lei 446/85 de 25/10 o que gera a nulidade. 9 – Sem prejuízo do que atrás se conclui, a cláusula 7ª das condições gerais do contrato sob apreciação sempre se teria de considerar nula, por ser uma cláusula genérica, prevendo todas as obrigações presente e futuras 10 – A Sentença recorrida, faz errada interpretação e aplicação prova do estabelecido no Dec-Lei nº 446/85 de 25/10 (cláusulas contratuais gerais) e que integrem o dever de entrega da cópia do contrato imposta no Dec-Lei nº359/91 de 21/09 . 11 - Verifica-se assim o preenchimento abusivo do titulo dado à execução e a falta de autorização de preenchimento. 12 - Neste entendimento não pode deixar de ser julgado procedente o presente recurso apresentado pelos embargantes/executados. Termos em que, nos melhores de Direito que V.Exªs. doutamente suprirão, deve o presente recurso merecer provimento e por via disso, revogada a sentença recorrida, substituindo-a por decisão que julgue totalmente procedentes os presentes embargos de executado, como é de inteira J U S T I Ç A !”. A apelada apresentou contra-alegações, pugnando pela improcedência do recurso. Colhidos os vistos, cumpre apreciar.
II.OBJECTO DO RECURSO A. Sendo o objecto do recurso definido pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pelos recorrentes e as que forem de conhecimento oficioso, sem prejuízo daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras, importando destacar, todavia, que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito. B. Considerando, deste modo, a delimitação que decorre das conclusões formuladas pelos recorrentes, no caso dos autos cumprirá apreciar: - se ocorreu preenchimento abusivo da livrança exequenda; - consequências da falta de interpelação; - se é nula a cláusula 7.ª das condições gerais do contrato celebrado entre as partes.
III- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO. III.1. Considerou o tribunal de primeira instância provados os seguintes factos: 1. A exequente apresentou à execução em causa o documento junto à execução denominado “livrança”, contendo os seguintes dizeres: 2. As assinaturas apostas na livrança referida em 1. Apostas no campo destinado à assinatura dos subscritores foram efectuadas pelo próprio punho dos executados (requerimento executivo). 3. As letras manuscritas que constam da indicação do “Local e Data de Emissão”, “Importância”, “Vencimento”, extenso da quantia e nome dos executados/embargantes, não foram apostas nessa livrança pelos executados/embargantes. 4. A livrança referida em 1, foi entregue pelos executados à exequente apenas preenchida no campo destinada às suas assinaturas, quanto da celebração do contrato junto com a contestação como documento n.º 1, denominado “contrato de crédito não hipotecário”, com o numero ... e cujo teor se dá aqui por reproduzido nas suas condições gerais e especiais, contrato esse assinado pelo punho dos executados/embargantes, e para titulação e garantia das obrigações emergentes do contrato supra identificado , constando da cláusula .7.ª das condições gerais desse contrato o seguinte: III.2. E considerou não provados os seguintes factos: a) Que os embargantes receberam a carta junta com a contestação aos embargos como documento n.º 2, remetida pela exequente/embargada, datada de 18.7.2005 com o seguinte teor: FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO. 1.Do título executivo. A acção executiva funda-se necessariamente num título do qual depende a exequibilidade da obrigação exequenda. Alegando que “7 - As condições gerais do “Contrato de Crédito não Hipotecário” não foram explicadas aos executados/embargantes nem se encontram por estes assinadas, como resulta do documento junto com o doc. 1 junto com a contestação” e que “8 – Tem de se entender que as condições gerais do contrato se encontram de facto colocadas depois das assinaturas dos mutuários, por consequência necessariamente excluídos do contrato cfr. al d) do artº 8º do Dec. Lei 446/85 de 25/10 o que gera a nulidade”, adiantando ainda que “9 – Sem prejuízo do que atrás se conclui, a cláusula 7ª das condições gerais do contrato sob apreciação sempre se teria de considerar nula, por ser uma cláusula genérica, prevendo todas as obrigações presente e futuras”. Só em sede de alegações de recurso os apelantes invocam a nulidade da referida cláusula, pelas alegadas razões. Nunca antes, quer na petição de embargos, quer em qualquer outro articulado ou requerimento, os ora recorrentes haviam questionado a validade do contrato que celebraram com a exequente, nunca antes invocando a nulidade do mesmo ou de alguma das suas cláusulas, designadamente a referida cláusula sétima. A questão agora suscitada constitui claramente questão nova, cuja apreciação está vedada a esta instância de recurso. Tal como explica Abrantes Geraldes[12], “a natureza do recurso, como meio de impugnação de uma anterior decisão judicial, determina outra importante limitação ao seu objecto decorrente do facto de, em termos gerais, apenas poder incidir sobre questões que tenham sido anteriormente apreciadas, não podendo confrontar-se o tribunal ad quem com questões novas. (…) Os recursos destinam-se à apreciação de questões já anteriormente levantadas e decididas no processo, e não a provocar decisões sobre questões que não foram antes submetidas ao contraditório e decididas pelo tribunal recorrido, a menos que se trate de questões de conhecimento oficioso.”. Daquela cláusula sétima, que consubstancia um verdadeiro pacto de preenchimento, resulta que a exequente está autorizada a proceder ao preenchimento da livrança que lhe foi entregue em branco pelos executados, designadamente quanto à data de vencimento, a fixar pela mesma. Não ocorreu, como tal, preenchimento abusivo da livrança exequenda. 1.3. Da interpelação. A prestação é exigível quando a obrigação se encontra vencida ou o seu vencimento depende de simples interpelação do devedor. Não tendo sido fixado tal prazo no pacto de preenchimento, ficando a sua aposição ao critério do portador, a falta de comunicação ao subscritor do título tem como consequência que a obrigação apenas se considere vencida com a sua citação[13]. Como refere o acórdão do STJ de 6.04.2021[14], “Apesar de a obrigação ter prazo certo e estar vencida, depende, para a sua exigibilidade, de comportamento ativo do credor, sendo que este comportamento ativo tem características que o aproximam da interpelação”. O Banco exequente remeteu aos devedores/executados a carta cuja cópia consta da alínea a) dos factos provados, não resultando, todavia, comprovado que a mesma haja sido recebida pelos seus destinatários. De acordo com o n.º 1 do artigo 224.º do Código Civil, “A declaração negocial que tem um destinatário torna-se eficaz logo que chega ao seu poder ou é dele conhecida; as outras, logo que a vontade do declarante se manifesta na forma adequada”. Não se achando demonstrado que os executados/subscritores da livrança exequenda hajam recebido a comunicação constante da aludida carta, nem que foi por culpa destes que a mesma não foi recebida, ter-se-á de concluir pela ineficácia da interpelação. Ora, não tendo sido fixado no pacto de preenchimento nenhum prazo, a falta de comunicação da Exequente tem como consequência que a obrigação só se poderá considerar vencida com a citação dos devedores para os termos da execução contra eles instaurada. Tal como refere a sentença recorrida, “a data de vencimento foi validamente aposta de acordo e os embargantes foram interpelados para o pagamento da livrança com a citação para os termos da execução. Concluindo, nesta matéria, mesmo que, não tenha ocorrido previamente à execução, sempre terá de se entender que a obrigação considerar-se-ia vencida com a citação dos aqui embargantes para os termos da execução, relevando somente esse facto para efeitos de contagem dos juros”. Naufragam, desta forma, os argumentos recursivos dos apelantes. Improcede, assim, o recurso, com a consequente manutenção do decidido. * Síntese conclusiva: ……………………………… ……………………………… ……………………………… * Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação, julgando improcedente a apelação, em confirmar a sentença recorrida. Custas – pelos apelantes: artigo 527.º, n.º 1 do Código de Processo Civil. Notifique. |