Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1091/15.5T8PVZ.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: FILIPE CAROÇO
Descritores: CONCURSO ENTRE RESPONSABILIDADE SUBJECTIVA E RESPONSABILIDADE PELO RISCO
Nº do Documento: RP201802081091/15.5T8PVZ.P1
Data do Acordão: 02/08/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO (LIVRO DE REGISTOS Nº 122, FLS 39-52)
Área Temática: .
Sumário: I - O art.º 505º do Código Civil deve ser interpretado de modo atualista, em conformidade com o direito comunitário.
II - Daí que aquela norma consinta a possibilidade de concurso da culpa do lesado com a responsabilidade do condutor do veículo pelo risco, que só é excluída quando o acidente for apenas imputável --- i.e., unicamente devido, com ou sem culpa --- ao próprio lesado ou a terceiro, ou quando resulte (exclusivamente) de força maior estranha ao funcionamento do veículo.
III - Contudo, de jure constituto, o risco concreto não se presume.
IV - Não releva como risco do veículo, em concurso com a culpa do lesado, a ação do condutor que, reiniciando a marcha do seu automóvel ligeiro junto de um semáforo, no momento em que abre para ele o sinal verde, embate imediatamente no lesado que, com uma bicicleta, inicia a travessia da via, a partir do lado direito do veículo em violação do sinal vermelho luminoso que a ele se dirigia proibindo a travessia de peões.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. nº 1091/15.5T8PVZ.P1(apelação)
Comarca do Porto – Juízo Central Cível de Póvoa de Varzim

Relator Filipe Caroço
Adj. Desemb. Judite Pires
Adj. Desemb. Aristides Rodrigues de Almeida

Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I.
B..., casado, residente no ..., nº .. – 1º Direito, ....-... Maia, instaurou ação declarativa comum, por acidente de viação, contra C..., COMPANHIA DE SEGUROS, S.A.”, com sede na Rua ..., .., ....-... Porto, alegando essencialmente que, no dia 23.8.2012, foi embatido por um veículo seguro na R. quando, na qualidade de peão, transitava pela passadeira e com o sinal luminoso verde para os peões e vermelho para os veículos automóveis que circulavam na faixa de rodagem, designadamente para o veículo seguro que então violou o dever de permanecer parado no semáforo e respeitar a travessia do A.
Tendo resultado dali várias lesões corporais para o A., com internamentos hospitalares, cirurgias, tratamentos e consultas, dores e incapacidades, estima em € 60.000,00 os danos não patrimoniais e em € 235.400,00 os danos patrimoniais sofridos.
Termina o seu articulado como seguinte pedido:
«(…) ser a R. condenada a pagar ao A. a quantia global de 295.240,00 €, sendo os montantes de 60.000,00 € e de 235.240,00 €, respetivamente, a título de danos não patrimoniais e a título de danos patrimoniais, quantia global essa acrescida dos respetivos juros de mora, à taxa legal anual de 4%, contados desde a citação até efetivo e integral pagamento, mais se condenando a R. nas custas do processo e em procuradoria condigna.» (sic)
Citada, a R. contestou a ação impugnando parcialmente os factos alegados no petitório, designadamente os relativos às circunstâncias do acidente, alegando que o veículo seguro, parado ao sinal vermelho luminoso, reiniciou a sua marcha quando tal sinal passou a verde para si, tendo ocorrido o embate quando passava por cima da passadeira existente junto ao semáforo, por o A. ter efetuado a sua travessia, da direita para a esquerda, atento o sentido do veículo, no momento em que o semáforo acionava a luz vermelha para os peões, para além de que o A. não ia apeado com a bicicleta pela mão, ia montado nela.
Mais impugnou a R. a matéria dos danos que, a serem verdadeiros, entende que sempre seriam exagerados.
Defendeu a seguradora a improcedência da ação.
Dispensada a audiência prévia, foi proferido despacho saneador tabelar, seguido da identificação do objeto do litígio e dos temas de prova, para além dos elementos relativos à prova.
Realizada a audiência final, em duas sessões, foi proferida sentença que culminou com o seguinte dispositivo, ipsis verbis:
«Atento o exposto, decide-se julgar a acção improcedente por não provada e, em consequência, absolver a Ré do pedido contra ela formulado.
Custas pelo Autor.»
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Inconformado, recorreu o A. de apelação, em matéria de facto e de Direito, formulando as seguintes CONCLUSÕES:
«1 – No entender do ora Recorrente, houve erro notório na apreciação da prova, mormente no que concerne às declarações de parte do autor e à prova testemunhal produzida em sede de audiência de julgamento.
2 – O Recorrente não se conforma com as matérias dadas como provadas, na sentença ora recorrida, sob os itens 18) e 19) e com as matérias dadas como não provadas, nessa mesma sentença sob as alíneas A), B), C) e D).
3 – Do depoimento da testemunha D..., arrolada pelo A. e inquirida no decurso da audiência de julgamento e das declarações de parte do mesmo A., prestadas nessa mesma audiência, resulta evidente e à saciedade que as matérias dadas como provadas, na sentença ora recorrida, sob os itens 18) e 19) deveriam ter sido dadas como não provadas e as matérias dadas como não provadas, nessa mesma sentença, sob as alíneas A), B), C) e D), deveriam ter sido dadas como não provadas.
4 – Da análise do depoimento da testemunha D..., resulta - inequivocamente e à saciedade - que o mesmo foi espontâneo e coerente, tal como o depoimento de parte do A..
5 – Portanto, tais depoimentos, conjugados com toda a documentação carreada para os autos, deveriam ter conduzido a que o Tribunal a quo tivesse dado como não provadas as matérias dadas como provadas, na sentença ora recorrida, sob os itens 18) e 19) e como provadas as matérias dadas como não provadas, nessa mesma sentença, sob as alíneas A), B), C) e D).
6 – Das alterações a efetuar às matérias de facto dadas como não provadas resultará que deverão ser dadas como assentes as matérias constantes das mencionadas alíneas A), B), C) e D) e como não provadas as matérias constantes dos referidos itens 18) e 19).
7 – Assim, decorrerá, forçosamente, dessas alterações e no que concerne à responsabilidade civil decorrente da ocorrência do acidente em apreço nos presentes autos, que a ação deverá ser julgada procedente e, consequentemente, ser a Ré condenada no correspondente pedido indemnizatório, uma vez que o Autor logrou provar todos os factos que preenchem os pressupostos da responsabilidade civil – art.º 342.º do Cód. Civil.
8 – No caso em apreço, estamos perante uma situação de responsabilidade a título de culpa efetiva por parte da condutora do veículo ..-..-XZ, verificando-se a violação culposa de uma norma legal relativa à condução rodoviária (art. 483.º, n.º 1, do Código Civil),
9 – Mas mesmo que assim não fosse, o que apenas como mera hipótese académica se admite, mas não se concede, sempre haveria lugar, ao caso em apreço, à aplicação do instituto da responsabilidade pelo risco, até porque o A. estruturou a sua causa de pedir “quer com fundamento em responsabilidade derivada da culpa da condutora do veículo ..-..-XZ, quer com base na responsabilidade fundada no risco, a qual subsidiariamente se invoca para a hipótese, que não se concede, daquela não se provar…” (art. 9º da P.I.).
10 – Ora, no caso em apreço, a condutora do veículo ..-..-XZ circulava por conta do respetivo proprietário desse veículo e terceiro, pelo q ue estamos perante a situação de responsabilidade a título de culpa presumida do condutor de veículo por conta de outrem, a que alude o n.º 3 do art. 503.º do Código Civil, que se aplica aos casos, incluindo a colisão de veículos (cfr. Assento do STJ n.º 3/94, no D.R. I Série, de 19-03-94), em que intervém no acidente condutor de veículo por conta de outrem no exercício das suas funções e não consiga ilidir a presunção de culpa que a lei faz recair sobre ele, provando que não houve culpa da sua parte (v. ainda os arts. 344.º, n.º 1, e 350.º, n.º 2, do Código Civil).
11 – Mas mesmo que, ainda, assim não fosse, o que apenas como mera hipótese académica se admite, mas não se concede e estivéssemos perante a situação de responsabilidade pelo risco inerente à condução de veículos, a que aludem os arts. 503.º, n.º 1, e 506.º, n.º 1, do Código Civil, nos casos em que não se consegue provar a culpa efetiva de algum dos intervenientes e em que nenhum deles está onerado pela situação de culpa presumida a que alude o n.º 3 do art. 503.º do Código Civil e não se provar qualquer das situações previstas no art. 505.º do Código Civil, independentemente da causa que está na origem dos danos sofridos pelo A., a Ré sempre estaria obrigada a pagar até metade do respetivo valor.
12 – Isto, uma vez que jamais se admite a conclusão, a que se chegou na sentença recorrida, de que a produção do acidente ficou a dever-se em exclusivo à culpa do ora Autor, facto que constituiria circunstância excludente da responsabilidade da Ré pela reparação dos danos por aquele sofridos.» (sic)
Nesta base, o apelante defendeu a revogação da sentença e a sua substituição por acórdão que julgue a presente ação total ou parcialmente provada e procedente, consoante a adoção de uma das soluções jurídicas supra --- e subsidiariamente ---apontadas, condenando-se a Ré a indemnizar o A. pelos danos por si sofridos e que venham a ser dados como provados, com todas as legais consequências daí resultantes.

Em contra-alegações, a R. defendeu a confirmação do julgado, sugerindo a consideração dos depoimentos das testemunhas E... e da condutora do veículo interveniente no acidente (este prestado por escrito).
Em matéria de Direito, argumenta que provada a culpa efetiva do A., está afastada a culpa presumida e a responsabilidade pelo risco.
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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II.
O objeto do recurso está delimitado pelas conclusões da apelação do A., acima transcritas, sendo que se apreciam apenas as questões invocadas e relacionadas com o conteúdo do ato recorrido, delas retirando as devidas consequências, e não sobre matéria nova, exceção feita para o que for do conhecimento oficioso (cf. art.ºs 608º, nº 2, 635º, nº 4 e 639º do Código de Processo Civil).

Somos chamados a decidir as seguintes questões:
1. Erro de julgamento na decisão em matéria de facto;
2. As consequências jurídicas da (eventual) modificação da decisão em matéria de facto;
3. A culpa presumida da condutora do veículo;
4. A responsabilidade pelo risco.
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III.
É a seguinte a matéria de facto dada como provada na 1ª instância:
1) No passado dia 23 de Agosto de 2012, pelas 13h00, a das 16 horas e 30 minutos, na E.N. .., concelho da Maia, no denominado “cruzamento ...”, em frente ao número de polícia ..., o Autor foi atropelado pelo veículo de passageiros de marca Citroen ..., com a matrícula a matrícula ..-..-XZ, conduzido por F... e pertencente a G...;
2) No dia e hora supra referidos, no local indicado no item antecedente, que se encontra dotado de semáforos, o ora Autor iniciou a travessia daquela E.N. .., no sentido nascente - poente, utilizando a passadeira de peões ali existente;
3) O autor foi colhido sobre o seu lado esquerdo pela frente do veículo de matrícula ..-..-XZ quando efectuava tal travessia;
4) O veículo de matrícula ..-..-XZ, que circulava na referida E.N. .., no sentido Porto/Braga, ou seja sul/norte, parou no mencionado semáforo, uma vez que este se encontrava vermelho para os veículos automóveis;
5) Aquele veículo ..-..-XZ, à data do acidente, encontrava-se segurado na companhia de seguros ora Ré., por contrato de seguro titulado pela apólice ..............;
6) Como consequência directa do embate, o Autor foi, de imediato, transportado ao Hospital ..., na cidade do Porto, onde foi admitido no respectivo serviço de urgência, apresentando escoriações espalhadas por todo o corpo;
7) Em 3 de Setembro de 2012, face à persistência das dores, deslocou-se novamente ao Serviço de Urgência do Hospital ... tendo-lhe então sido verificada fractura de L1, com afundamento;
8) Ficou internado na unidade de ortopedia /traumatologia daquele Hospital, para aquisição de ortotese dorso-lombar, tendo tido alta em 12/09/2012;
9) Realizou 40 sessões de fisioterapia;
10) Em 22/11/2013, compareceu naquela mesma unidade hospitalar, para consulta, tendo sido diagnosticado que mantinha muitas queixas dolorosas, além do expectável, tendo efectuado 40 sessões de fisioterapia sem melhoras, tendo sido pedida RMN, a qual revelou edema de D12 e L1;
11) Quer na altura daquele mesmo acidente, quer no decurso dos internamentos hospitalares, das intervenções cirúrgicas, dos períodos pós operatórios, das diversas sessões de fisioterapia, tratamentos e consultas, sofreu dores fixadas num grau 3 numa escala de 1 a 7;
12) Em função da lesão sofrida ficou a padecer de dores na zona lombar que se agravam com os esforços e em determinadas posições (decúbito dorsal e sentado);
13) Tais sequelas determinaram-lhe um Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica fixável em 4 pontos, numa escala de 1 a 100;
14) Durante cerca de 3 anos, nos períodos em que esteve internado, em que teve de ser submetido a intervenções cirúrgicas e períodos pós operatórios, em que teve que ser submetido a sessões de fisioterapia, tratamentos e consultas, o Autor esteve privado da sua mobilidade, o que o impediu de conviver normalmente com familiares e amigos;
15) Como consequência directa do acidente, ficaram destruídos um par de calças, uma camisa e uns sapatos que o Autor trazia vestidos e, bem assim, o velocípede que trazia consigo;
16) O Autor nasceu em 15/01/1961;
17) O XZ estava parado no local, junto aos semáforos uma vez que estes se encontravam com a luz vermelha para os veículos ligada;
18) Quando a luz passou a verde para os veículos, o XZ iniciou a marcha;
19) O Autor iniciou a travessia da passadeira, da direita para a esquerda, atento o sentido de circulação do XZ, no momento em que os semáforos se encontravam já com a luz vermelha para os peões accionada.

O tribunal deu como não provada a seguinte matéria:
A) Quando iniciou a travessia da via, o sinal luminoso encontrava-se verde para os peões e vermelho para os veículos automóveis que circulavam nessa E.N. .., quer no sentido Porto/Braga, quer no sentido inverso, ou seja Braga/Porto;
B) O A. efectuou tal travessia a pé, mas transportando (levando), pela mão, um velocípede;
C) Após parar junto à passadeira, a condutora do ..-..-XZ avançou de uma forma completamente inesperada, sem esperar que o sinal verde se acendesse para aqueles veículos automóveis;
D) Como consequência de tal embate, o Autor foi projectado a cerca de 5 metros de distância;
E) Como consequência directa do acidente, o A. perdeu força e mobilidade, que se traduzem em diversas dificuldades de efectuar deslocações, tendo bastante dificuldade em caminhar;
F) O Autor sente bastantes dificuldades em efectuar tarefas, aparentemente, simples, nomeadamente a execução de algumas funções higiénicas básicas, tais como lavar-se;
G) Está dependente da sua esposa para executar as mais diversas tarefas diárias, como vestir-se e lavar-se;
H) As sequelas decorrentes do acidente consubstanciam-se num coeficiente global de IPP deste que se cifrará num valor nunca inferior a 75%;
I) Os bens identificados em 15) valiam, à data, respectivamente, €50,00 €; 30,00 €; €60,00 e €100,00;
J) Em resultado da incapacidade que ficou a padecer, o A. deixou de poder exercer qualquer profissão;
K) O Autor fez a iniciou a travessia da passadeira montando a sua bicicleta,
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IV.
Ab initio est ordiendum.
1. Erro de julgamento na decisão em matéria de facto
O recorrente deu cumprimento ao ónus de impugnação previsto no art.º 640º, nº 1, al.s a), b) e c) e nº 2, al. a), do Código de Processo Civil.
Defende que os pontos 18 e 19 dos factos dados como provados deveriam ter sido dados como não provados e que as al.s A), B), C) e D) da matéria dada como não provada deveriam ter sido consideradas provadas. Preconiza agora a sua alteração, invocando, para o efeito, os documentos juntos ao processo, o depoimento testemunhal de D..., arrolada pelo A. e inquirida no decurso da audiência de julgamento e as declarações de parte do próprio recorrente, de que identificou e transcreveu algumas passagens que considerou especialmente relevantes.
Na motivação da sentença, quanto à matéria impugnada teve-se por relevante a “análise conjugada dos depoimentos das testemunhas, das declarações de parte do próprio Autor, da participação do acidente e o croquis que a integra, junta a fls. 237 e segs. e bem assim da fotografia junta a fls. 236”. De entre estes meios, o tribunal destacou as prestações de F... e de E....
Também a R., nas contra-alegações destaca os depoimentos destas duas testemunhas.
Entende-se atualmente, de uma forma que se vinha já generalizando nos tribunais superiores, hoje largamente acolhida no art.º 662º, que no seu julgamento, a Relação, enquanto tribunal de instância, usa do princípio da livre apreciação da prova com a mesma amplitude de poderes que tem a 1ª instância (art.º 655º do anterior Código de Processo Civil e art.º 607º, nº 5, do novo Código de Processo Civil), em ordem ao controlo efetivo da decisão recorrida, devendo sindicar a formação da convicção do juiz, ou seja, o processo lógico da decisão, recorrendo com a mesma amplitude de poderes às regras de experiência e da lógica jurídica na análise das provas, como garantia efetiva de um segundo grau de jurisdição em matéria de facto; porém, sem prejuízo do reconhecimento da vantagem em que se encontra o julgador na 1ª instância em razão da imediação da prova e da observação de sinais diversos e comportamentos que só a imagem fornece.
Como refere A. Abrantes Geraldes[3], “a Relação deve alterar a decisão da matéria de facto sempre que, no seu juízo autónomo, os elementos de prova que se mostrem acessíveis determinem uma solução diversa, designadamente em resultado da reponderação dos documentos, depoimentos e relatórios periciais, complementados ou não pelas regras de experiência”… “afastando definitivamente o argumento de que a modificação da decisão da matéria de facto deveria ser reservada para casos de erro manifesto” ou de que “não é permitido à Relação contrariar o juízo formulado pela 1ª instância relativamente a meios de prova que foram objecto de livre apreciação”, acrescentando que este tribunal “deve assumir-se como verdadeiro tribunal de instância e, por isso, desde que, dentro dos seus poderes de livre apreciação dos meios de prova, encontre motivo para tal, deve introduzir as modificações que se justificarem”.
Importa, pois, por regra, reexaminar as provas indicadas pelo recorrente e, se necessário, outras provas, maxime as indicadas pelo recorrido nas contra-alegações e as referenciadas na fundamentação da decisão em matéria de facto e que, deste modo, serviram para formar a convicção do Ex.mo Julgador, em ordem a manter ou a alterar a referida materialidade, exercendo-se um controlo efetivo dessa decisão e evitando, na medida do possível, a anulação do julgamento, antes corrigindo, por substituição, se necessário, a decisão em matéria de facto.
Ensina Vaz Serra[4] que “as provas não têm forçosamente que criar no espírito do juiz uma absoluta certeza acerca dos factos a provar, certeza essa que seria impossível ou geralmente impossível: o que elas devem é determinar um grau de probabilidade tão elevado que baste para as necessidades da vida”. É a afirmação da corrente probabilística, seguida pela maior parte da doutrina que, opondo-se à corrente dogmática, considera não exigível mais do que um elevado grau de probabilidade para que se considere provado o facto. Mas terá que haver sempre um grau de convicção indispensável e suficiente que justifique a decisão, que não pode ser, de modo algum, arbitrária, funcionando aquela justificação (fundamentação) como base de compreensão do processo lógico e convincente da sua formação.
Vejamos então!
Foram integralmente ouvidas as gravações relativas às prestações das testemunhas D... e E..., assim como as declarações de parte do A. Foi lido o depoimento da testemunha F....
A priori, as testemunhas são mais credíveis quando não têm interesse na causa, designadamente quando não são familiares e não se relacionam com qualquer das partes. Se à expetativa de uma prestação isenta juntarmos o conhecimento direto dos factos a que o depoente se refere, estão reunidas as condições essenciais para o depoimento digno de crédito. Perante factos de perceção visual e auditiva, importa ainda que a testemunha seja um bom observador e tenha uma boa memória, maxime quando há de reportar factos ocorridos há vários anos, como é o caso (os factos remontam a agosto de 2012). Deve ainda ser honesta.
Sobre a honorabilidade das testemunhas que depuseram na audiência final e por escrito não se aventou qualquer suspeita. Mesmo a testemunha que mostrou conhecer o A. da zona da Maia, mas sem que houvesse uma relação de amizade entre eles, prestou o seu depoimento de uma forma que se afigurou desinteressada (D...).
Os elementos documentais relativos às circunstâncias do acidente não falam por si; antes respeitam a declarações prestadas pelos dois intervenientes --- de fiabilidade discutível --- e à perceção do participante H... (cabo da GNR) em face dos elementos de prova que recolheu, sem que tivesse assistido ao acidente.
Impõe-se realçar que a única testemunha indicada no auto de participação é E... e que depôs na audiência final justificando o seu conhecimento com o facto de seguir ao volante de um veículo que transitava imediatamente atrás do veículo seguro nas circunstâncias do acidente, descrevendo o modo como este se deu na (larga) medida em que o observou. Não conhecia nenhum dos intervenientes.
De modo diverso, D..., apesar de se encontrar então muito próximo do local, não estava para lá virado (estava a conversar com um primo) e só olhou depois de ter ouvido o barulho da colisão. Obviamente, não terá tido a perceção direta dos momentos que precederam aquele facto danoso, incluindo das condutas dos intervenientes, como seja na observância ou não observância da ordem que emanou da sinalização luminosa vertical dirigida a cada um deles.
As declarações de parte do A. não reproduziram uma descrição perfeita, congruente e harmoniosa dos factos; foi até caraterizada por alguma contradição em relevantes pormenores, como foi afirmar que o XZ parou chegado à direita, junto à berma (direita, atento o seu sentido de marcha), mesmo no semáforo, que reiniciou a marcha e andou apenas cerca de um metro até à colisão, que não se recorda se nesse momento a roda traseira da sua bicicleta ainda estava no passeio e (incongruentemente) que foi colhido pelo XZ a meio da via de trânsito em que este seguia.
Ficou absolutamente claro, mesmo com base na prestação de D... --- que só atentou no acidente depois do barulho do impacto --- que havia veículos parados no semáforo (com luz vermelha) e que aquele se deu logo a seguir ao reinício da sua marcha. Aquela testemunha não está segura de que o XZ estivesse parado, ou não, no semáforo, porque só observou depois do embate. Assumiu que tem uma vaga ideia das coisas e que não tem a certeza de tudo.
Verdadeiramente relevante e credível foi a prestação do E..., engenheiro. Não só se revelou desinteressado e isento, como também se trata da única pessoa terceira que observou diretamente a colisão e os momentos que a precederam, por conduzir o veículo em que transitava sozinho imediatamente atrás do XZ. Parou, como este, ao sinal vermelho do semáforo e reiniciou a sua marcha, tal como a condutora do XZ, quando o sinal passou a verde para a sua posição de trânsito. O seu depoimento foi seguro e explicado. O sinal estava vermelho para os peões quando a XZ avançou sobre a zona da passadeira. Disse que o A. iniciou a travessia da faixa de rodagem na altura em que o semáforo passou a verde para o veículo seguro e o XZ arrancou (era o primeiro da fila), tendo a vítima caído logo no local do embate.
A este depoimento aproxima-se o depoimento escrito junto aos autos, da condutora do veículo XZ, F..., residente nos EUA, ao afirmar: “(…) Quando a luz dos semáforos mudou para verde, iniciei a marcha; Quando iniciei a marcha fui surpreendida pelo embate no canto direito do veículo por mim dirigido; O A. (…) iniciou a travessia da passadeira no momento em que a luz se encontrava vermelha para peões chocou com o canto direito do meu veículo; (…) e nada pude fazer (…), não havendo nenhum dano no veículo por mim dirigido”.
Não foi possível apurar se o A. se fazia transportar na bicicleta ou se a levava à mão. A testemunha E... não conseguiu atentar nesse pormenor porque circulava imediatamente atrás do XZ e porque o A. surgiu na estrada no momento em que o veículo ligeiro arrancou do semáforo, sendo uma particularidade difícil de observar. O D... também não soube esclarecer esse facto por não ter visto a colisão (só olhou depois), mas havia observado o A. a desmontar-se da bicicleta quando se aproximava do semáforo. Enquanto o A. declarou que levava a bicicleta à mão, a condutora do XZ disse que ele estava montado nela. Nenhuma destas afirmações é suficientemente segura, explicada e desinteressada para que nela possamos confiar. Razoável é não considerar nenhuma destas versões provada e que uma delas aconteceu.
Assim sendo, a melhor prova, aquela que efetivamente se revela isenta e credível, também conforme às regras da experiência comum, e que assenta essencialmente na prestação da testemunha E..., conduz-nos à confirmação total da decisão da matéria de facto, na medida em que foi impugnada, ou seja, a nosso ver, o tribunal a quo decidiu bem ao dar como provados os factos dos pontos 18 e 19 e ao dar como não provadas as alíneas A), B), C) e D) da sentença recorrida.
Improcede a primeira questão da apelação.
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2. As consequências jurídicas da modificação da decisão em, matéria de facto
Escreveu o A. nas suas alegações:
«Das alterações a efetuar às matérias de facto dadas como não provadas resultará que deverão ser dadas como assentes as matérias constantes das mencionadas alíneas A), B), C) e D) e como não provadas as matérias constantes dos referidos itens 18) e 19).
Assim, decorrerá, forçosamente, dessas alterações e no que concerne à responsabilidade civil decorrente da ocorrência do acidente em apreço nos presentes autos, que a ação deverá ser julgada procedente e, consequentemente, ser a Ré condenada no correspondente pedido indemnizatório.
Isto, uma vez que o Autor logrou provar todos os factos que preenchem os pressupostos da responsabilidade civil – art.º 342.º do Cód. Civil.
Efetivamente, no caso em apreço, estamos perante uma situação de responsabilidade a título de culpa efetiva por parte da condutora do veículo ..-..-XZ, verificando-se a violação culposa de uma norma legal relativa à condução rodoviária (art. 483.º, n.º 1, do Código Civil).» (sic)
Admite, portanto, o apelante que, sem a modificação pretendida em sede factual, não é possível ter-se como demonstrada a culpa efetiva da condutora do veículo seguro. Admite bem, como vamos ver.
Não oferece dúvida que se trata aqui de responsabilidade civil aquiliana, devendo ponderar-se os respetivos pressupostos, nos termos do art.º 483º, nº 1, do Código Civil.
O princípio geral da responsabilidade civil por factos ilícitos ali consagrado determina que “aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação”.
Há de ocorrer um facto voluntário do agente, ou seja, um facto objetivamente controlável ou dominável pela vontade.
O facto é ilícito quando viola um direito subjetivo de outrem, de natureza absoluta, ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios, como acontece, nesta última situação, quando a norma violada protege interesses particulares, mas sem conceder ao respetivo titular um direito subjetivo, dependendo, então, a indemnização a arbitrar que a tutela dos interesses particulares figure, de facto, entre os fins da norma violada e que o dano se tenha registado no círculo de interesses privados que a lei visa tutelar.
A ilicitude representa a violação de valores da ordem jurídica, um agir objetivamente mal, e não depende necessariamente da direta violação de leis ou regulamentos.[5] Resulta sempre da violação de um dever jurídico, a omissão de um comportamento devido consubstanciado na prática de atos diferentes daqueles a que se estava obrigado.[6]
Depois, tem que haver um nexo de imputação do facto ao lesante (culpa). O agente tem que ser imputável (pessoa com capacidade natural para prever os efeitos e medir o valor dos seus atos e para se determinar de harmonia com o juízo que faça acerca destes, ou seja, discernimento e capacidade de determinação) e é necessário que tenha agido com culpa. A culpa exprime um juízo de reprovação pessoal da conduta do agente e pode revestir duas formas distintas: o dolo e a negligência ou mera culpa.
A culpa, considerando todos os aspetos circunstanciais que interessam à maior ou menor censurabilidade da conduta do agente, olha ao lado individual, subjetivo, do facto ilícito, embora na apreciação da negligência a lei inclua, nos termos expostos, elementos de carácter objetivo.
O Prof. Galvão Telles[7], numa posição tradicional, define a culpa como sendo «a imputação psicológica de um resultado ilícito a uma pessoa. Se a culpa produz um evento contrário à lei e esse evento é psíquica ou moralmente imputável a certo indivíduo, diz-se que agiu com culpa».
Esta conceção tem vindo a ser substituída por uma definição da culpa em sentido normativo como um juízo de censura ao comportamento do agente. A culpa pode ser assim definida como o juízo de censura ao agente por ter adotado a conduta que adotou, quando de acordo com o comando legal estaria obrigado a adotar conduta diferente. Deve, por isso, ser entendida em sentido normativo, como a omissão da diligência que seria exigível ao agente de acordo com o padrão de conduta que a lei impõe[8].
Tem que haver dano. Para haver obrigação de indemnizar é condição essencial que o facto ilícito culposo tenha causado prejuízo a alguém.
Por último, tem que haver um nexo causal entre o facto e o dano, ou seja, um nexo de causalidade entre o facto praticado pelo agente e o dano sofrido pela vítima, de modo a poder afirmar-se, à luz do direito, que o dano é resultante da violação, pois só quanto a esse a lei manda indemnizar o lesado.
Compete ao lesado provar a culpa do autor da lesão, salvo havendo presunção legal de culpa (art.º 487º, nº 1, do Código Civil).
Como muito bem se refere na sentença recorrida, “(…) no tocante ao conceito de culpa reportada aos acidentes de viação, a jurisprudência tem considerado que a culpa emerge, normalmente, da violação de regras legais que disciplinam a circulação rodoviária, presumindo-se (presunção juris tantum) a negligência do condutor que, por conduzir em infracção daquelas normas, dá causa a acidente. Sem prejuízo, obviamente, de o condutor infractor poder provar a concorrência de circunstâncias concretas que justificam a infracção cometida e que excluem a sua culpa”. (…) também age com culpa o condutor de um veículo que, apesar de, objectivamente, não ter infringido nenhuma norma legal sobre condução rodoviária, não observa, no exercício da condução, os deveres gerais de diligência exigíveis ao “condutor médio” e faz uma condução imprudente, desleixada ou tecnicamente errada, e, por algum desses motivos, causa danos a terceiros (…)”.
Voltemos aos factos provados.
O A. iniciou a travessia da faixa de rodagem da EN nº .. utilizando a passadeira de peões. Foi então colhido pelo XZ logo após este ter reiniciado a sua marcha, quando o sinal de semáforo passou de vermelho para verde. O sinal luminoso já estava vermelho para o A. quando iniciou a referida travessia.
Os sinais luminosos destinam-se a regular o trânsito de veículos e de peões. A luz vermelha para os veículos é determinativa de “passagem proibida”, obriga os condutores a parar antes de atingir a zona regulada pelo sinal; a luz verde significa “passagem autorizada”, permite a entrada na zona regulada pelo sinal, salvo nas condições previstas no n.º 1 do artigo 69.º do Código da Estrada (art.ºs 68º e 69º, nº 1, al.s a) e c), do Regulamento de Sinalização de Trânsito). Relativamente aos peões, a luz vermelha significa proibição de iniciarem o atravessamento da faixa de rodagem e a luz verde autoriza-os a fazer a travessia (art.º 74º do referido Regulamento).
Com a bicicleta pela mão ou nela transportado (não se provou qual dos factos corresponde à realidade), o A. iniciou a travessia da faixa de rodagem numa altura em que estava proibido de o fazer e o XZ estava autorizado a nela transitar, designadamente sobre a mesma passadeira. Ao agir daquela forma, foi o A., não a condutora do veículo seguro, que violou uma norma de direito rodoviário, tendo o dano resultado da sua conduta ilícita.
Para além da dita infração ao regulamento de sinalização de Trânsito, o A. também não podia atravessar a faixa de rodagem sem previamente se certificar de que o podia fazer sem perigo de acidente (art.º 101º, nº 1, do Código da Estrada).
Estivesse o A. atento ao trânsito que se fazia no local e, essencialmente, à ordem que emanava dos sinais luminosos dirigidos a quem se propunha atravessar a faixa de rodagem na zona em que iniciou o atravessamento, e o acidente não se teria verificado. A conduta do A. foi negligente, por isso, culposa.
Quanto à condutora do XZ, não logrou o A. demonstrar a prática de qualquer ato ilícito e culposo.
O embate foi consequência adequada da conduta imprevidente do A. Resultou de culpa efetiva do recorrente, com ausência de culpa da condutora do XZ.
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3. A culpa presumida da condutora do veículo XZ
Diz-nos também o apelante que a condutora do veículo ligeiro circulava por conta do respetivo proprietário desse veículo, estando nós, por isso, perante uma situação de responsabilidade a título de culpa presumida do condutor de veículo por conta de outrem, a que alude o n.° 3 do art. 503.° do Código Civil, aplicável na colisão de veículos.
Está provado que o veículo interveniente, ligeiro de passageiros, era conduzido por F... e que pertencia então a G.... Mas não está demonstrado que tal condução se fizesse por conta e no interesse da proprietária detentora, ou seja, que existisse qualquer relação de comissão entre a condutora, como comissária, e a proprietária, como comitente, na utilização do veículo (a prestação de um serviço ou a realização de uma atividade por conta e sob a direção de outrem, pressupondo sempre uma relação de dependência entre o comitente e o comissário que autorize a transmissão de ordens[9]).
A presunção de culpa que o nº 3 do art.º 503º do Código Civil prevê para o condutor de veículo por conta de outrem pressupõe necessariamente a prova, a efetuar pelo lesado demandante (art.ºs 342º, nº 1 e 487º, nº 1, do Código Civil), daquele pressuposto da presunção: a condução por conta de outrem (a relação de comissão). Do facto de se conduzir um veículo pertencente a outrem não decorre, não se presume, que o faça por conta do proprietário. Este facto tem que ser objeto de prova efetiva.
Por outro lado, a prova da culpa efetiva do peão/condutor do velocípede sempre afastaria o funcionamento da referida presunção legal de culpa do condutor do veículo XZ[10].
Também não funciona no caso a presunção judicial ou simples de primeira aparência, desde logo porque não se vislumbra violação, da parte da condutora do XZ, de qualquer norma ou regra de trânsito que legitime a referida presunção de culpa.[11]
Improcede a terceira questão do recurso.
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4. A responsabilidade pelo risco
De acordo com a jurisprudência e a doutrina tradicionais, inspiradas no ensinamento de Antunes Varela, em matéria de acidentes de viação, a verificação de qualquer das circunstâncias referidas no art.º 505° do Código Civil --- maxime, ser o acidente imputável a facto, culposo ou não, do lesado --- exclui a responsabilidade objetiva do detentor do veículo, não se admitindo o concurso do perigo especial do veículo com o facto da vítima, de modo a conduzir a uma repartição da responsabilidade: a responsabilidade pelo risco é afastada pelo facto do lesado. A simples culpa ou a mera contribuição do lesado para a produção do dano exclui a responsabilidade pelo risco, contemplada no art.º 503° do mesmo código.
No entanto, devendo o nosso direito ser interpretado de modo atualista, em conformidade com o direito comunitário, impõe-se a discussão da possibilidade de concorrência da culpa do lesado com eventual risco criado pelo automóvel na sua circulação, à luz das diretivas relevantes nesta matéria, sendo assim de admitir que, verificados determinados condicionalismos, possa ocorrer esse concurso de responsabilidades entre culpa ou simples imputação do facto ao lesado (nos termos do art.º 505º do Código Civil) e risco.[12]
A doutrina tradicional não é compatível com o direito comunitário, designadamente com o art.º 1º da 3ª Diretiva. Também a 5ª Diretiva (do Parlamento Europeu e do Conselho de 11/05/2005) obsta a que uma legislação nacional, neste domínio, em função de critérios gerais e abstratos, recuse ou limite de modo desproporcionado a indemnização ao peão, ciclistas e outros utentes não motorizados pela simples razão de ter contribuído para o dano. O que consta do texto final dessa diretiva (art.º 4°, n° 2) é que o seguro garante a responsabilidade pelos danos pessoais e materiais sofridos por peões, ciclistas e outros utilizadores não rodoviários das estradas que, em consequência de um acidente em que esteja envolvido um veículo a motor, têm direito a indemnização de acordo com o direito nacional.
Devendo, dentro do possível, fazer-se aquela interpretação das normas nacionais relativas à responsabilidade civil objetiva conforme o direito comunitário, há que admitir a possibilidade de concurso do risco do condutor do veículo com a conduta culposa do lesado, só sendo de excluir tal concurso quando o acidente for imputável --- i.e., unicamente devido, com ou sem culpa --- ao próprio lesado ou a terceiro, ou quando resulte (exclusivamente) de força maior estranha o funcionamento do veículo. Não sendo esse o caso, logrará aplicação, na fixação da indemnização, o art.º 570° do Código Civil.[13] Ocorrendo um ato ou comportamento da vítima que se revele a causa exclusiva do acidente e do dano, sendo-lhe unicamente imputável, fica excluída a responsabilidade objetiva ou pelo risco, que poderia tornar admissível a responsabilidade do condutor do veículo, em concurso com a responsabilidade da vítima, a título de culpa.
A partir do momento em que se adote o entendimento de que aquele preceito não exclui o concurso da culpa do lesado com o risco, a leitura atualizada do art.º 505º do Código Civil, no entendimento de Calvão da Silva é esta: “sem prejuízo do disposto no artigo 570.º (leia-se, sem prejuízo do concurso da culpa do lesado e, a fortiori, sem prejuízo do concurso de facto não culposo do lesado), a responsabilidade objetiva do detentor do veículo só é excluída quando o acidente for devido (com culpa ou sem culpa) unicamente ao próprio lesado ou a terceiro, ou quando resulte exclusivamente de causa de força maior estranha ao funcionamento do veículo”.[14] Equivale isto a admitir o concurso da culpa da vítima com o risco próprio do veículo, sempre que ambos colaborem na produção do dano, sem quebra ou interrupção do nexo de causalidade entre este e o risco pela conduta da vítima como causa exclusiva do evento lesivo. A partir desse momento, como dizíamos, continua a importar analisar a sequência naturalística do próprio acidente de modo a verificar se dela resulta, não obstante a atuação da vítima, a intervenção, no processo causal do acidente, dos riscos próprios do veículo.
Também Brandão Proença se tem mostrado profundamente crítico em relação ao entendimento tradicional nesta matéria, proclamando o mesmo que “a posição tradicional, porventura justificada em certo momento, esquece, hoje, que, por exemplo, o peão e o ciclista (esse «proletariado do tráfego» de que alguém falava) são vítimas de danos, resultantes, muitas vezes, de reacções defeituosas ou pequenos descuidos, inerentes ao seu contacto permanente e habitual com os perigos da circulação, de comportamentos reflexivos ou necessitados (face aos inúmeros obstáculos colocados nas «suas» vias) ou de «condutas» sem consciência do perigo (maxime de crianças) e a cuja danosidade não é alheio o próprio risco da condução”, de tal modo que bem pode dizer-se “que esse risco da condução compreende ainda esses outros «riscos-comportamentos» ou que estes não lhe são, em princípio, estranhos”.
“Numa época em que a relação pura de responsabilidade, nos domínios do perigo criado por certas actividades, se enfraqueceu decisivamente, não parece compreensível, a não ser por preconceitos lógico-formais, excluir liminarmente o concurso de uma conduta culposa (ou mesmo não culposa) do lesado, levando-se a proclamada excepcionalidade do critério objectivo às últimas consequências”.[15]
Não sendo ainda pacífico este entendimento, menos pacífico é também o âmbito de abrangência dos riscos consentidos no concurso com a culpa do lesado.[16]
Na falta de definição rigorosa do que sejam os riscos próprios dos veículos, como conceito normativo ou indeterminado que é, temos que o risco tende a confundir-se com o perigo, sendo que o carácter perigoso do veículo reside mais no seu uso do que no seu dinamismo próprio.
Como refere Dário Martins de Almeida, “no risco, compreende-se tudo o que se relacione com a máquina enquanto engrenagem de complicado comportamento, com os seus vícios de construção, com os excessos ou desequilíbrios da carga do veículo, com o seu maior ou menor peso ou sobrelotação, com a sua maior ou menor capacidade de andamento, com o maior ou menor desgaste das suas peças, ou seja, com a sua conservação, com a escassez de iluminação, com as vibrações inerentes ao andamento de certos camiões gigantes, susceptíveis de abalar os edifícios ou quebrar os vidros das janelas. É o pneu que pode rebentar, o motor que pode explodir, a manga de eixo ou a barra da direcção que podem partir, a abertura imprevista de uma porta em andamento, a falta súbita de travões ou a sua desafinação, a pedra ou gravilha ocasionalmente projectadas pela roda do veículo (há mesmo casos em que pode aqui haver culpa); e até alta velocidade constitui um risco, ao mesmo tempo que pode representar um acto culposo. Enquanto em circulação, a própria estrada com os seus defeitos pode emprestar à viatura riscos graves”.
A exigência de que o veículo esteja em circulação não implica necessariamente uma situação de movimento, podendo estar parado. É o caso de um automóvel ser embatido quando cumpre um sinal de STOP. Neste caso o veículo está integrado na circulação, num processo dinâmico gerador de riscos.[17]
Ao fim e ao cabo --- acrescenta o autor acima citado --- basta que o veículo esteja em movimento na estrada para já constituir um risco. E daí que se possa argumentar que, não estando provada a culpa do condutor, o acidente cabe logo, em princípio, na esfera do risco.
Mas este passo não é nem pode ser automático.[18]
Naqueles arestos do Supremo Tribunal de Justiça de 2.7.1976 e de 5.11.1976, acrescenta-se que se o veículo está estacionado com observância das formalidades legais e é embatido por outro, não se pode dizer que o acidente foi causado pela concretização de qualquer dos seus riscos específicos, pois que nesse lugar podia encontrar-se outro objeto qualquer e o resultado seria o mesmo. Em casos como este, o automóvel embatido tem um papel meramente passivo.
Como se escreve no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20.1.2009[19], “a culpa e o processo causal têm de ser analisados em si mesmos, ou seja, a culpa não pode ser mitigada a partir de considerações gerais sobre o risco imanente à circulação rodoviária. (…) considerar que o risco imanente à circulação rodoviária gera uma culpa mitigada em cada acidente, seja qual for a culpa que efectivamente ocorreu determinativa do processo causal concreto, tal entendimento traduzir-se-ia, a nosso ver, na introdução sub-reptícia de uma presunção juris et de jure de ocorrência de risco, o que a lei não consente”.
Não se trata de um regime de causalidade pura ou física. Antes tem que ser demonstrada, como pressuposto dessa responsabilidade objetiva, uma relação jurídico-civil relevante no sentido da existência um nexo objetivo de causa-efeito entre a circulação de um veículo e o efeito danoso. O dano tem que ter conexão com os riscos específicos do veículo; é necessário que o perigo latente no exercício desta atividade se desencadeie.
O carácter perigoso do veículo reside mais no seu uso (o risco-atividade) do que o seu dinamismo próprio.
É pela análise da sequência naturalística do próprio acidente que se verifica se dela resultam, não obstante a atuação da vítima no processo causal do acidente, os riscos próprios do XZ.
De jure constituto, o risco não se presume. A não demonstração do nexo causal inviabiliza a pretensão do lesado à indemnização com base no risco, pois a responsabilidade objetiva pressupõe todos os requisitos da responsabilidade menos os da culpa e da ilicitude do facto[20].
O citado acórdão de 4.10.2007 defende o concurso do risco (com a causalidade imputável ao lesado) nas situações de desproteção dos “utilizadores mais frágeis” ou o chamado “proletariado do tráfego” nas vias rodoviárias, como sejam os peões e os ciclistas, que são vítimas de danos, resultantes, muitas vezes, de reações defeituosas ou pequenos descuidos, inerentes ao seu contacto permanente e habitual com os perigos da circulação, de comportamentos reflexivos ou necessitados (face aos inúmeros obstáculos colocados nas «suas» vias) ou de «condutas» sem consciência do perigo (maxime de crianças) e a cuja danosidade não é alheio o próprio risco da condução, de tal modo que bem pode dizer-se “que esse risco da condução compreende ainda esses outros «riscos-comportamentos» ou que estes não lhe são, em princípio, estranhos”.
O Assento nº 1/80, de 21 de Novembro[21] afastou a doutrina que via na circulação rodoviária uma atividade perigosa a impor uma presunção de culpa pelos danos causados ao detentor do veículo, retirando os acidentes de circulação terrestre da previsão do art.º 493°, nº 2, do Código Civil. Coloca-se atualmente, de novo, a questão de saber se no âmbito daquela sinistralidade não será de ponderar o risco, porque sempre presente, com presunção ilidível da respetiva causalidade. A responsabilidade pelo risco seria afastada mediante a prova de que o acidente foi devido unicamente ao próprio lesado ou a terceiro ou exclusivamente a causa de força maior estranha ao funcionamento do veículo (art.º 505º do Código Civil).
A ser assim, para além das situações em que se prova uma causa concreta de risco, o mesmo seria presumido quando, existindo uma conduta objetiva desrespeitadora dos deveres de cuidado, não é imputável ao lesado um juízo de culpa intenso (ou nem isso, no caso das crianças[22]), sendo, contudo, inegável que o processo causal do acidente em qualquer dos casos é imputável unicamente ao próprio lesado.
Mas, como se argumenta no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20.1.2009[23], citando José Carlos Brandão Proença, tal entendimento pressupõe um novo quadro normativo em que o processo causal do acidente, ainda quando comprovadamente imputável ao lesado, admita a concorrência do risco do veículo lesante que se presumiria sempre que fosse reduzida a culpa do lesado ou sempre que o lesado não fosse passível de um juízo de censura, seja em razão da idade ou de outra causa. Justificar-se-ia uma alteração do art.º 505º que, acolhesse, nomeadamente um sistema de reparação automática para danos corporais no caso de sinistros com crianças de menos de 10 anos de idade.
Mas atendendo ao direito constituído, consta daquele acórdão de 20.1.2009, citando ainda Calvão da Silva, que “a seguradora pode opor ao lesado, não só a falta de responsabilidade do detentor do veículo segurado --- acidente devido unicamente à vítima ou a terceiro, ou acidente exclusivamente devido a causa de força maior estranha ao funcionamento do veículo (artigo 505°) ---, mas também um comportamento voluntário grave e indesculpável, doloso ou imprevisível do lesado nas circunstâncias do caso concreto”; adianta que “cabe ao juiz nacional, na apreciação individual da conduta do lesado em cada caso específico, ter presente o escopo das Directivas europeias --- garantia de indemnização suficiente da vítima a um nível elevado de protecção do consumidor --- e a jurisprudência comunitária de apenas em circunstâncias excepcionais se poder reduzir (não desproporcionadamente) a extensão da indemnização do lesado”.
O mesmo acórdão não esconde a dificuldade na compatibilização, face ao quadro legal em vigor, da ideia de que, sendo o acidente devido unicamente à vítima no plano causal, ainda assim lhe seja atribuível uma indemnização quando ela, por exemplo, pela sua pouca idade, não é passível de um juízo de censura, por a causa do acidente ser alheia ao risco próprio da viatura. Casos em que se verifica que o acidente resultou exclusivamente da conduta do lesado, não se evidenciando a interferência de nenhum risco próprio do veículo. Importaria então que a lei ressalvasse todos os casos em que, apesar de se reconhecer que a conduta do lesado constituiu o facto causal do acidente, o único dele determinante, ainda assim a indemnização pelo risco fosse atribuída por não resultar a conduta do lesado de uma atuação culposa grave. De jure condendo, poder-se-ia até ir mais longe, sustentando que, dada a vulnerabilidade das crianças, dos peões, ciclistas e outros utilizadores não motorizados das estradas, a responsabilidade pelo risco devia ser sempre tomada em consideração independentemente da sua contribuição para o processo causal do sinistro ser inteiramente atribuível à conduta daqueles; quanto aos demais, a responsabilidade concorrente pelo risco não podia deixar de se considerar afastada se o acidente lhes fosse exclusivamente devido.
Como observámos já, aceite a concorrência da imputabilidade (atribuição com ou sem culpa) do facto ao lesado com o risco do veículo, o direito constituído nacional não presume a causalidade num acidente determinada pelo risco, impondo-se a prova efetiva de uma causa de risco, e não apenas o mero risco próprio da atividade de circulação, pese embora a sua perigosidade objetiva. Por isso, há que indagar se, para além da culpa da vítima, o veículo XZ contribuiu com risco relevante para a colisão com o peão/ciclista.
Os factos provados apontam para uma situação em que a condutora do XZ não conseguia evitar o acidente, não se entrevendo qualquer contribuição de tal veículo para o mesmo, qualquer criação de perigo que ultrapasse o perigo normal inerente ao trânsito de qualquer veículo ligeiro de passageiros. Qualquer outro condutor normal, ao volante de qualquer outro veículo ligeiro, provavelmente, não o teria evitado.
O veículo estava na linha da frente quando se abriu o sinal verde e retomou a marcha. Para além de ter agido de acordo com a lei, não era expectável para a condutora que, nesse momento, surgisse imediatamente à sua frente, um peão com uma bicicleta pela mão ou um ciclista entrasse na zona da passadeira, violando o comando inerente ao sinal vermelho destinado aos peões. O peão cortou, a curta distância, a linha de marcha do automóvel, atravessando a estrada imediatamente à sua frente.
O veículo tinha estado parado e acabara de se colocar em movimento após a autorização do sinal do semáforo, pelo que mesmo do ponto de vista dinâmico, no caso, o veículo representava, de facto, um risco desprezível. A existência dos semáforos e o conteúdo das prescrições dos respetivos sinais é de conhecimento comum e, portanto, conhecida de ambos os intervenientes, tanto mais que o peão não é um menor, razão pela qual a condutora do veículo não tinha como prever que devia ajustar a sua atenção e condução a fatores imprevistos (risco relativo ao fator humano do uso do veículo: condutor).
Como assim, não se evidencia um risco próprio concreto e relevante do veículo a concorrer com o facto causal do lesado.
A culpa do A. não é uma culpa leve ou levíssima. Não foi um pequeno descuido ou uma desatenção simples; não foi uma fuga motivada para a estrada ou um ato de uma criança ou de um inimputável que, de alguma forma, relevasse o risco do veículo e justificasse uma especial proteção da vítima. Tratou-se de um ato voluntário de um adulto (com cerca de 51 anos) que, não obstante o sinal vermelho, facilmente observável, à sua frente, e a existência de veículos na via, prontos para reiniciar a sua marcha sobre a zona da passadeira, súbita e surpreendentemente, decide iniciar a travessia da faixa de rodagem (com uma bicicleta pela mão ou nela se transportando), ignorando a proibição que de tal sinal luminoso para ele emanava.
Verifica-se que, independentemente de culpa, o dano foi uma consequência de facto praticado pela vítima, e não um efeito do risco próprio do veículo ou do binómio veículo-condutora. O facto é apenas imputável ao lesado.
O A. não logrou provar o risco concreto necessário à corresponsabilização da condutora do XZ. O risco não se presume e não releva o mero perigo abstrato inerente à circulação automóvel.
O acidente ficou a dever-se a culpa exclusiva do lesado.
Por conseguinte, na improcedência desta última questão do recurso, a sentença merece inteira confirmação.
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SUMÁRIO (art.º 663º, nº 7, do Código de Processo Civil):
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V.
Pelo exposto, de facto e de Direito, acorda-se nesta Relação em julgar a apelação improcedente, confirmando-se a sentença recorrida.
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Custas da apelação pelo A. apelante, por ter decaído no recurso.
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Porto, 8 de fevereiro de 2018
Filipe Caroço
Judite Pires
Aristides Rodrigues de Almeida
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[1] Por transcrição.
[2] Por transcrição.
[3] Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2013, Almedina, pág. 224 e 225.
[4] “Provas – Direito Probatório Material”, BMJ 110/82 e 171.
[5] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21.2.2006, Colectânea de Jurisprudência do Supremo, T. I, pág. 85.
[6] Pessoa Jorge, “Ensaio Sobre os Pressupostos da Responsabilidade Civil”, pág. 69.
[7] “Obrigações”, 3ª Edição, pág. 176.
[8] Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Almedina, 2ª edição, pág. 295.
[9] Podendo essa atividade traduzir-se num ato isolado ou numa função duradoura, ter caráter gratuito ou oneroso, manual ou intelectual, na expressão de P. de Lima e A. Varela, in Código Civil anotado, 2ª edição, vol. I, pág. 441.
[10] Cf. assentos nº 1/83, de 14 de abril de 1983 e nº 3/94, de 26 de janeiro de 1994.
[11] Pode definir-se, essencialmente assim: Em princípio, procede com culpa o condutor que, em infração aos preceitos estradais, causa dano a terceiro. Se a prova prima facie ou por presunção judicial, produzida pelo lesado apontar no sentido da culpa do lesante, cabe a este o ónus da contraprova, ou seja, caber-lhe-á a prova do facto justificativo ou de factos que façam criar a dúvida no espírito do julgador.
[12] Este tema foi já analisado pelo aqui relator em alguns arestos de que se destaca o acórdão da Relação de Guimarães de 4.12.2012, proc. 1521/10.2TBVCT.G1, in www.dgsi.pt, de cuja doutrina nos aproximamos aqui.
[13] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 4 de outubro de 2007, Colectânea de Jurisprudência do Supremo, III, pág. 82.
[14] R.L.J., Ano 137.º, pág. 152.
[15] Este entendimento tem ainda sido sustentado por Américo Marcelino, Acidentes de Viação e Responsabilidade Civil, 8ª ed. revista e ampliada, pág. 309 e seg.s.
[16] Cf. declarações de voto formadas no citado acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 4.10.2007.
[17] Cf. acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 2.7.1976 e de 5.11.1976, in B.M.J. 261/210 e 263/297.
[18] Cf. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12.2.1975, B.M.J. 244/163.
[19] Proc. 08A3807, in www.dgsi.pt e Colectânea de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, T. I, pág. 62.
[20] Cf. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21/11/1978, B.M.J. 281/307.
[21] Diário da República n.º 24 de 1.1.1980.
[22] Por exemplo, a criança que, brincando num jardim junto à faixa de rodagem, se atravessa à frente de um veículo para apanhar a bola que para ali se escapou.
[23] Proc. 08A3807, in www.dgsi.pt.